neuroniosmortos
neuroniosmortos
Neurônios Mortos
144 posts
C.L.
Don't wanna be here? Send us removal request.
neuroniosmortos · 11 months ago
Text
Tumblr media
Hoje faço 12 anos de Tumblr! 😁❤️
0 notes
neuroniosmortos · 4 years ago
Text
Um manifesto sobre o sofrimento social
Cada ser humano que existe, já existiu e irá existir, experimenta o sofrimento. Digo que só há duas certezas na vida: a morte e a dor. Alegrias vêm e vão, a felicidade nos faz continuar e o amor nos acalenta, mas é a dor que nos une no final de tudo.
Com a ascensão de movimentos sociais e a interação cada vez mais rápida de informações e trocas de experiências, percebi que nossas lutas convergem a partir de um ponto comum, que geralmente é um trauma. As mulheres se uniram porque identificaram pontos de sofrimento em comum que as subjugam pelo sexo biológico. As pessoas negras se uniram porque depois de séculos de exploração, o sofrimento ficou gravado na pele. A dor e o trauma pelos quais passamos é um ponto definidor de quem nós somos na sociedade.
Entretanto, para além do mérito de subjugação e opressão gerados por instituições de poder e de linguagem, há sofrimentos muito mais superficiais - pelo menos ao que se vê como superficial, e chegarei nisso - que nos tornam humanos diferentes que experimentam as mesmas dores.
Como uma pessoa que passou pela depressão duas vezes até os 21 anos de idade, eu vivenciei dores que outras pessoas que felizmente nunca tiveram essa doença não são capazes de compreender. Não por elas serem perversas ou pouco empáticas, mas simplesmente porque elas não vivenciaram essas dores. Pessoas psicologicamente saudáveis não compreendem o ímpeto suicida ou a falta de motivação que aflige os deprimidos e muitas vezes proferem discursos imperiosos sobre força de vontade e superação que magoam a pessoa fragilizada. Mas será que isso as torna, necessariamente, opressoras?
O que se chama de lugar de fala, e aqui eu exponho minha opinião sem embasamento teórico algum, pois ainda não cheguei nem a ler o livro da Djamila Ribeiro, é justamente esse lugar comum do sofrimento. Se fulano não sofreu por X, não tem direito de opinar sobre X, pois fulano não tem capacidade empática suficiente pra entender o trauma, já que nunca sentiu dor por isso. E faz sentido. Como eu espero ser justa ao tratar de um problema social gerador de traumas se eu sequer consigo entender esse trauma? Como eu espero poder opinar sobre a vivência de um homem negro se eu não sou um homem negro e nunca fui parada pela polícia porque as minhas características físicas dizem pra sociedade que eu sou um vilão?
Mas lugar de fala não pode ser determinante em todos os espaços. De que forma pretendemos construir uma sociedade justa se os segmentos se fecharem em si e passarem a discutir seus problemas unicamente com seus iguais? De que forma será possível educar as próximas gerações se não estamos preocupados em educar a geração atual? A mudança não chegará de uma hora pra outra e tampouco será milagrosa. É necessário interferir agora. Precisamos conversar.
Como mulher e feminista desde os 16 anos (pode parecer uma frase ambígua, mas eu só passei a me enxergar como mulher de fato quando conheci o feminismo), eu encaro qualquer homem como um estuprador em potencial. Sim, parece radical, mas o que quero dizer é: as estatísticas de violência doméstica e estupro dizem pra mim que a intensidade desses casos e o número de abusos por parte de homens é tão grande que eu não consigo confiar plenamente em nenhum ser que tenha sido criado nessa sociedade misógina. O que eu quero dizer com isso, é que se eu estiver andando numa rua sozinha e tiver um homem atrás de mim, eu entrarei em estado de alerta independente de quem seja esse homem. O que eu quero dizer é que qualquer homem tem os instrumentos físicos e psicológicos socialmente posicionados para torná-los agressores em potencial. O que eu não quero dizer é que nenhum homem presta e todos devem morrer.
Mas não são todos os homens que compreendem isso, e mesmo os que compreendem, ainda errarão. Muitos dos meus amigos em desconstrução ainda reproduzem comportamentos machistas de silenciamento ou subestimam intelectualmente algumas mulheres do nosso meio. Mas eu não posso dizer que eles não estão tentando se desvencilhar do machismo, eu sei que estão, e o fato de não atenderem minhas expectativas de desconstrução masculina pouco tem a ver com eles, mas comigo mesma. Eu quero essa mudança, e eu quero essa mudança pra ontem.
Da mesma forma, as mulheres negras na militância acabam assumindo uma postura defensiva para com as mulheres brancas. E quem sou eu para dizer “parem com isto, somos todas mulheres, precisamos nos unir!”? Será que só o fato de sermos mulheres realmente torna nossas vivências equivalentes? Acredito que não. Da mesma forma que uma mulher heterossexual jamais saberá como é viver a adolescência sendo uma menina lésbica, eu nunca senti a dor que uma mulher negra sentiu só pelo fato de ser uma mulher negra, duplamente subjugada.
Antes, a classe social era o mais importante, mas esses sofrimentos sociais, causados por gênero, etnia, cor de pele ou sexualidade, atualmente definem quem nós somos na sociedade politizada ou semipolitizada. Eu sou uma mulher branca de classe média e lésbica. Minha melhor amiga é uma mulher branca de classe média e heterossexual. Minha amiga da faculdade é uma mulher negra de classe média e heterossexual. A outra amiga é negra de classe média e bissexual. Mas até mesmo a única característica que nos une aqui sendo a classe social a qual pertencemos, há diferenças de qualidade de vida entre nós que torna esse fato quase irrelevante. O que nos distingue aqui é a cor da pele e a sexualidade. Somos todas mulheres de classe média, então presume-se que todas passamos pelos mesmos sofrimentos que mulheres de classe média. Adicionamos a cor da pele e minhas duas amigas da faculdade, que são negras, passam a ter mais opressões sobre os ombros devido a isso. Por último, a sexualidade nos separa novamente. É inevitável chegar nesse ponto sem criar uma escala de opressão na qual a amiga branca e hétero está no topo, abaixo dela estou eu, em seguida a amiga negra hétero e por último, acumulando mais opressões, a amiga negra e bissexual. 
É errado pensar assim? Não sei, não me sinto confortável de definir certos e errados a essa altura. No entanto, o que define o seu espaço na sociedade atual é a escala de opressão, muito mais do que a classe social dos tempos do proletariado. A sua classe social passou do viés do sofrimento econômico para o viés do sofrimento pessoal criado pela discriminação. Obviamente a classe econômica ainda é um fator definidor, mas aparece como mais um ponto na escala de opressão, e não como a base da opressão social. Os tempos mudaram, marxistas!
Onde eu quero chegar? Bom, a fim de inverter a pirâmide, alguns discursos são criados para enaltecer os indivíduos da base em detrimento dos que estão na ponta. A intenção é clara: devolver o ódio através do discurso. A reação do oprimido jamais será da mesma intensidade da do opressor, afinal é apenas a defesa do sujeito marginalizado. É compreensível e não deve ser equiparado ao argumento opressor que o gerou. Mas - e agora vem a questão: - esse tipo de reação acaba por sumarizar o sofrimento humano como um todo às características da escala de opressão social. Vou melhorar isso a seguir.
O que me fez questionar essa nova estrutura opressiva foi um tweet que diz o seguinte:
Dia do orgulho gay? kkkkkkkk 
Orgulho eu tenho das travesti preta de favela, que cresce bicha afeminada e passa o diabo nesse mundo pro gayzinho branco de classe média poder colocar foto de bandeirinha no Facebook e silenciar todas as outras letras da sigla.
A pessoa que escreveu isso é um homem negro e homossexual (pelo menos se identifica como bicha, mas esse conceito é bem mais amplo) e também tuitou em seguida:
Eu tenho horror desses gay que não enxergam que gay é o LGBT que menos sofre, só por ser homem. NÃO SIGNIFICA QUE NÃO SOFRE, significa que lésbicas e trans sofrem só por serem mulheres. Essa invisibilidade de Bis, lésbicas e trans é uma coisa muito triste.
Primeiro, ele dá a entender que o termo “orgulho gay”, usado nas campanhas do mês de junho pela Parada do Orgulho LGBT, invisibiliza por si só as outras letras do alfabeto da sexualidade e identidade de gênero. Trata de privilégio e silenciamento. Ele se coloca de uma forma, talvez, um pouco agressiva? Sim. Isso invalida o que foi dito? Não. E traz um questionamento importante acerca do sofrimento, que fica explícito no segundo tweet, quando ele diz claramente que “gay é o LGBT que menos sofre, só por ser homem”. E logo em seguida ele retrata a fala com “NÃO SIGNIFICA QUE NÃO SOFRE, significa que lésbicas e trans sofrem só por serem mulheres”. Ora, sim! Mulheres cis lésbicas sofrem desde o nascimento apenas por serem mulheres e posteriormente pela sexualidade, e mulheres trans sofrem não apenas por desviarem do conceito pré-determinado de mulher, como acabam sofrendo homofobia como um efeito da invisibilização da sua identidade de gênero. Isso quer dizer que o homem homossexual branco de classe média sofre menos? Depende.
Quando tratamos de sofrimento nesse contexto, estamos claramente tratando daquele sofrimento social gerado pelo preconceito e que atinge pessoas por serem quem elas são dentro da sociedade de classes. Nesse caso, sim, podemos inferir que homens brancos de classe média, por mais que sejam homossexuais, sofrem menos do que mulheres negras periféricas ou mulheres trans periféricas ou mulheres lésbicas ou homens negros homossexuais periféricos ou qualquer outro tipo de ser humano que acumule mais opressões. É a pirâmide novamente.
Mas eu quero expandir. Esse não é um texto político, ou de militância direcionada. É um texto muito mais afetivo, uma inquietação sobre a própria origem do sofrimento e o que caracteriza o sofrimento aos olhos da sociedade. Para isso, precisamos transferir a escala de opressão social para o plano de fundo por um momento e refletir sobre a condição humana como um todo.
A dor que nos une também é a que nos separa, mas não precisa ser assim. Um homem branco heterossexual e privilegiado em riqueza material pode sofrer psicologicamente tanto ou até mais do que uma mulher preta lésbica periférica. Basta que ele tenha depressão ou uma família pouco estruturada afetivamente. Pode ser uma exceção, sim, mas não se pode negar que há casos assim. Será que devemos pegar esse homem e jogá-lo na caixinha do opressor? Será que esse comportamento não vai ser mais prejudicial à condição dos próprios oprimidos?
Sabemos que linguagem é poder e que também há instituições que exercem poder sobre certos grupos - ou pelo menos isto nos foi dito por alguns homens acadêmicos que atribuem esse conceito a uma aproximação da verdade. O que a pirâmide da opressão nos diz é que a tentativa de invertê-la é, “na verdade”, uma tentativa de mudança na estrutura do poder vigente; como se o indivíduo opressor finalmente alcançasse uma ferramenta discursiva que transfere para ele o poder de subjugar aquele que o oprimiu enquanto classe. A ideia de finalmente poder exercer poder sobre o opressor é muito mais apetitosa às vistas do que a procura pela conciliação e educação.
É importante perceber que a maioria dos indivíduos que são classificados como opressores não se enxergam dessa maneira e, portanto, continuarão sendo opressores muito mais por inércia do que escolha. Esses indivíduos não necessariamente fazem isso por perversidade, mas por defesa. Se ele não consegue se ver no papel de opressor, ele vai encarar a reação do oprimido como um ataque pessoal e estará mais interessado em se defender. É uma questão bem humana, é o instinto de sobrevivência que fala mais alto. O que não quer dizer que estejam certos, muito pelo contrário, mas estão embebecidos pela imagem que criaram de si mesmos, assim como qualquer ser humano médio. Não somos tão melhores que os outros assim.
Esses seres opressores, que também são colocados nessa caixinha por suas características pré-determinadas (branco, homem, rico, heterossexual), são criaturas que estão em condição de humanidade tão propensas ao sofrimento quanto qualquer outra, porque - e esse é, finalmente, o ponto que eu quero chegar desde o começo: - sofrimento não se mede em escala social de opressor/oprimido. Embora o sofrimento possa ser gerado por inúmeras questões sociais, a origem do sofrimento é muito mais profunda do que isso.
Nós somos capazes de sofrer apenas por visualizar o sofrimento do outro, e a isso chamamos de empatia. Nossa capacidade empática permite nos colocarmos no lugar do outro e pensarmos “puxa, poderia ser eu vivenciando esse sofrimento” e isso pode causar um sofrimento real em nós. Mas não são todas as pessoas que exercem empatia, e há algumas questões que impedem a capacidade de se visualizar no outro, por exemplo: não enxergar humanidade no outro, se colocar como superior ao outro (consciente ou inconscientemente) ou se sentir intimidado pelo outro.
Nossa primeira reação enquanto oprimido é tentar encontrar o opressor a todo custo. O opressor pode ser o gênero masculino, as pessoas brancas, o capitalismo. Sempre que nos sentirmos subjugados, procuramos a origem do desconforto e quando conseguimos materializá-lo em uma pessoa ou estrutura de poder, nos damos por satisfeitos e buscamos subjugar o sujeito que oprime. Vingança? Ódio? Reparação? Não sei. Mas a busca por sair do espectro do lugar de oprimido através da inversão de papéis, mesmo que em escala muito inferior e apenas discursiva, é busca por poder.
Agora eu retorno à questão do lugar de fala. Lá em cima eu já mencionei um aspecto do lugar de fala, mas agora eu vou aprofundar a questão com a introdução desse conceito de busca de poder e inversão da pirâmide. Por mais que seja fundamental abrir espaço para a voz do oprimido, se essa voz não for usada para empoderamento e educação geral da população, ela se tornará apenas mais uma voz que tenta estabelecer uma narrativa diferente de poder e, por conseguinte, gera mais uma instância de disputa que separa e cria fendas ainda maiores de desigualdade. Mais uma vez: não estou equiparando a reação do oprimido com a violência do opressor, estou dizendo que esse novo discurso que visa a inversão da pirâmide continuará sendo apenas uma forma de busca por poder, e não de libertação. A libertação só se dará a partir do momento que as pessoas consigam se enxergar como humanas apesar das diferenças. É utópico, tenho plena consciência disso, mas se não visamos a utopia, não há para o que olhar no horizonte.
Isso quer dizer que somos todos iguais? De forma alguma. Jamais seremos todos iguais. Por isso, não há sentido em criar tantas caixinhas de definição para tentarmos achar pessoas iguais a nós. Muito se critica nessa visão disruptiva da estrutura, mas de que forma pretendemos alcançar a famigerada justiça se ainda é mais importante para nós rotular quem sofre mais, quem sofre menos, quem pode sofrer ou não pode sofrer? De que forma esses discursos que visam empoderamento individual vão realmente construir uma sociedade justa pela base? 
O nosso sofrimento é de ordem tão pessoal que me admira que juntemos pessoas em grupos de acordo com o sofrimento em comum. Não há sofrimento comum, pois sofrimento depende de quem sente, e ninguém sente ao mesmo tempo, da mesma forma, na mesma intensidade. É importante que tenhamos chegado a esses pontos comuns causadores de traumas como a violência contra a mulher, o racismo, a LGBTfobia. É importantíssimo separar esses casos para que sejam punidos, pois cá entre nós, em qualquer sociedade é necessário um modelo efetivo que imponha medo aos que se recusam a seguir as normas sociais de boa convivência. Sim, nem todo mundo é bonzinho, nem todo mundo vai querer seguir as regras. Regras e normas são importante, desde que sejam justas, e nem sempre igualdade é justiça. É preciso punir de acordo com a intensidade e as motivações, caso contrário, a punição só vai atingir aqueles que possuem menos privilégios sociais; em suma, aqueles que estão na base da pirâmide de opressão.
Dessa forma, é compreensível que a reação do oprimido atinja esse grau de saturação que o torna vítima da sua própria busca pela inversão da escala de opressão. É cansativo se sentir impotente perante a sociedade só porque nasceu mulher. É cansativo viver com medo de ser estuprada porque não se pode garantir que um homem não vai tentar te assediar eventualmente. É cansativo ser mulher negra e sofrer com a solidão. É cansativo ser um homem negro que é perseguido pela polícia enquanto os amigos brancos usam droga ao lado de uma viatura e saem impunes. É cansativo ver LGBT’s como nós sendo mortos apenas por expressarem afeto por outro ser humano.
Mas até quando a nossa reação de oprimido será suficiente? Até que ponto isso vai descarregar nossa raiva? Se não buscarmos mudanças estruturais efetivas, permaneceremos para sempre nessa briga de cão em gato em busca da inversão da pirâmide. E quantos mais morrerão neste processo?
A vida é difícil, é injusta, nunca serão apenas flores. O sofrimento está impregnado na nossa condição humana. Nós precisamos sofrer para evoluir. Apenas a felicidade nos deixa entorpecidos, nós precisamos experimentar todas as sensações e emoções, precisamos disso para nos moldar. Não precisamos de um mundo que exclua os sofrimentos, isso é uma ideia imatura; são as crianças que não compreendem a necessidade de sofrer. Nós precisamos criar um mundo em que as pessoas não precisem morrer por nascerem quem nasceram, que não precisem ser encaradas como inferiores. E por mais que a opressão crie lugares que tornam certas existências mais susceptíveis ao sofrimento, esse sofrimento é único de cada indivíduo. O sofrimento depende de quem você realmente é, não da forma como você é visto pela sociedade. O sofrimento vai atingir seja lá quem for, independente da classe social, da cor, da etnia, do gênero… sofrer faz parte de ser humano, e é algo particular demais para tentar definir quem sofre mais ou menos nesse mundo, principalmente porque só enxergamos o sofrimento quando existe um opressor nítido na equação. E quando você é seu próprio opressor?
Devido a tudo isso, não acredito que estamos seguindo um caminho profícuo para a luta por melhorias sociais, estamos apenas correndo atrás dos nossos próprios rabos em busca de legitimidade de discurso de poder. A militância é afetiva e se deixa levar pela raiva, mas não tem como a desvencilhar disso, pois o que juntou essas pessoas na militância foi justamente a ideia de que passaram pelos mesmos sofrimentos, e o que o sofrimento une, a racionalidade tem dificuldade de coordenar. 
Portanto, o que defendo aqui é que a nossa forma de atuar socialmente através do sofrimento que nos une tem tomando uma perspectiva de devolução de opressão em vez de desconstrução de opressão. Perdemos a mão nos discursos e abrimos espaço para o opressor se sentir oprimido sem sair do espaço de opressão - ou seja, ele ganha respaldo de oprimido dentro de uma estrutura de poder, como se entregássemos mais um cacetete a um PM que já estava nos espancando. Isso é inteiramente nossa culpa? Não! Mas por que continuamos a fazer isso? Pra mim é relativamente simples: não conseguimos ainda um nível de politização que nos permita parar e pensar racionalmente sobre o tipo de sociedade que queremos construir. Queremos respostas imediatas, queremos bater de volta e mostrar que não somos vulneráveis. Simplesmente porque não aguentamos mais ser espancados, acabamos entregando nossas armas para o opressor, e nossa arma mais poderosa é o discurso.
Ok, mas onde eu quero chegar com tudo isso? A essa altura nem eu sei mais. Comecei o texto pra tentar demonstrar que luta política que se baseia em sofrimento individual se torna apenas disputa por poder e tentativa de inversão da ordem da pirâmide da opressão. Espero que tenha conseguido demonstrar isso sem precisar encher o texto de dados, estatísticas e citações. Eu só precisava colocar pra fora esse incômodo que é ver um oprimido com discurso de opressor, se colocando em uma posição superior porque foi vítima da sociedade racista e misógina e agora se sente finalmente no direito de expurgar ódio através de opressão, pois sabe que tem garantido seu lugar de fala dentro do movimento social. Isso tudo parece briga por validação individual disfarçada de objetivo coletivista, entende? Como mulher branca de classe média e lésbica, eu nunca vivi uma série de opressões, e eu jamais vou poder falar sobre esse sofrimento - mas eu jamais poderei falar sobre esse sofrimento porque eu o sentiria de uma forma diferente. A questão primordial não é passar pelo mesmo sofrimento, mas conseguir exercer empatia por uma pessoa que vivenciou a mesma situação que você. O sofrimento em si é particular e não pode ser mensurado de forma tão descuidada. 
Tenho medo de ter parecido aquelas pessoas que são contra o Dia da Consciência Negra porque acreditam que deve ser “Dia da Consciência Humana”, ou que se dizem “humanistas” em vez de feministas - meus olhos chegam a doer só de digitar isso. Eu acredito que é fundamental a existência de movimentos sociais, a minha crítica vai no sentido do excesso de “empoderamentos” sendo erroneamente usados como forma de legitimar discursos de inversão e da utilização política do sofrimento para definir quem é mais vítima e, por isso, teria direito a falar o que quisesse sem sofrer retaliação. Às vezes uma pessoa em posição pré-determinada de opressor é muito mais honesta do que uma em posição de vítima marginalizada, e isso ocorre justamente por sermos humanos independente de filiações sociais ou construções individuais. Minha luta é pelo fim dessas caixinhas, para que possamos celebrar a completa diversidade de pessoas e escolhas de forma livre e justa. Esse é o meu horizonte definitivo, e pra chegar lá eu ainda vou sofrer muito, porém eu acredito que o sofrimento não deve ser repudiado, mas  sim usado como um degrau para a evolução pessoal e coletiva.
[o texto não foi revisado]
9 notes · View notes
neuroniosmortos · 5 years ago
Text
Está um caos, no meu quarto, mente e coração, nunca estive tão perdida quanto agora, as poucas certezas que eu tinha, foram embora… Me vejo sozinha, sem rumo e sem ânimo para nada.
E você pode me achar fraca, mas só eu sei o quão forte estou sendo…
3 notes · View notes
neuroniosmortos · 5 years ago
Text
Volta
Ando muito sumida.
A culpa é dos meus pensamentos suicidas.
Agora eu tô na pista mesmo com os tais pensamentos suicidas.
5 notes · View notes
neuroniosmortos · 5 years ago
Text
Vixe, entrei no meu Tumblr antigo e já começou a aparecer a sofrência 😂
juventude.
parece-me que os anseios da primeira juventude cessaram. não mais procuro por festas. não gosto das novas bandas que meus amigos escutam e curiosamente, voltei a prestigiar as músicas que tanto ouvi durante a adolescência, aquelas dos anos 80. cortei o álcool, diminuí as drogas, inclusive o cigarro. aprendi a tomar café sem açúcar, a gostar de sair sozinha para ler um livro. minhas roupas parecem não mais me servir e não é por não caberem mais em meu corpo, mas, sim, por não mais representarem a cabeça. observo meu quarto e ele não me reflete. a casa que antes também era minha, é apenas a casa dos meus pais. vejo-me sufocada em uma colcha de retalhos com restos da adolescência sobrepostos a resquícios da infância, numa confusão de cores e estampas. tudo ao meu redor me remete ao passado. como numa metamorfose kafkiana, vejo lentamente minha transformação em inseto. confusa, percebo os rastros pegajosos marcando cada pedaço de chão que deixei para trás. tento me equilibrar nas novas patas franzinas com cuidado. a atual existência artrópode ainda se esconde atrás de uma casca, protegida pela segurança maternal. as asas não nasceram, mas as costas já coçam em antecipação. os olhos começam a se acostumar às novas luzes que sobre mim incidem. os ouvidos ficam atentos aos sons que nos outros habitam. com calma descubro o que me torno. com perseverança enxergo a mulher-inseto. com um suspiro leve me despeço do que fui. a boca reabre: seja bem-vinda à nova lua.
1 note · View note
neuroniosmortos · 5 years ago
Text
“Os textos mais bonitos foram escritos por pessoas com corações partidos.”
— Planteador  
35K notes · View notes
neuroniosmortos · 5 years ago
Text
Não consigo mais deleitar-me com bons momentos. Não consigo mais ler e escrever como antes. Não consigo mais ver um futuro, estou completamente ao lado do desejo da morte e da rápida despedida deste mundo de prova e expiação.
Desejo melhorar ao mesmo tempo que todos os dias planejo me matar. Não está fácil e eu nunca achei que estaria, mas também nunca pensei que neste ponto chegaria. Não sei mais o que fazer além de chorar e escrever. O que fazer se um futuro eu não consigo mais construir?
0 notes
neuroniosmortos · 6 years ago
Text
sem força de vontade, aos 22 anos me encontro completamente dependente da minha mãe. é triste admitir que não consegui a projeção política ou acadêmica que gostaria de ter nesta idade e a esta altura do meu curso, mas o que fazer? vivo parcialmente por curiosidade do que pode acontecer caso consiga livrar-me da doença, parcialmente para não fazer minha mãe e meus amigos sofrerem. mas será que é motivo suficiente? durantes anos achei que não me importasse com o que os outros pensam de mim, mas a paranoia por vezes consome minha visão e acredito piamente que todos ao meu redor estão secretamente me chamando de fracassada, fraca, fragmentada, sem futuro; e isso acaba comigo. mas no fundo sei que é o que eu penso sobre mim que projeto como opinião alheia e torna o teor das palavras ainda pior. a vida não precisa de sentido, mas é tão mais fácil quando se possui um, não é? quando se consegue correr atrás do que quer, quando não se acovarda atrás da barra da saia da mãe e delega quaisquer cuidados consigo a outrem sob a premissa de que não consegue fazer sozinha... viver se torna mais apetitoso? sou covarde e fraca, mas criei objetivos para mim que necessitam de coragem, ousadia, inteligência, capacidade comunicativa e perseverança. tudo que não possuo. devo novamente desistir de tudo, mais uma vez recorrer ao suicídio? ou devo permanecer tomando estas pílulas rosadas que me mantém sobrevivendo por um fio até que um dia eu talvez me livre da agonia da existência e passe a ver a realidade como algo ordinário e que valha a pena ser vivenciado?
1 note · View note
neuroniosmortos · 6 years ago
Text
camila olhou pela janela e se espantou com o volume da chuva. após uma noite confusa de sono induzido por seis comprimidos de zolpidem, ela não entendeu de imediato o que estava acontecendo. olhou para o relógio no celular e viu que marcador indicava que já eram dez e trinta e nove. franziu a sobrancelha. estava tão escuro lá fora que inicialmente pensou ainda serem cinco horas da manhã. as lembranças da noite anterior aos poucos retornaram. ela havia tomado pelo menos cinco comprimidos e tentara inalar o pó que havia dentro de uma das cápsulas. o chão ao lado do seu colchão estava branco, coberto pela substância alva. por um lado, ela torceu para que seus pais não tivesse visto. por outro, desejava que fosse cocaína. nunca cheirara cocaína, mas seu apreço pela vida estava tão reduzido que ela sentiu vontade de experimentar todas as drogas possíveis. talvez alguma lhe desse overdose, se tivesse sorte. ela respirou fundo e tentou afastar os pensamentos nocivos, mas sabia que eles retornariam em breve. pegou o celular novamente e viu que a quantidade de mensagens não lidas no aplicativo de conversas estava aumentando. a ideia de falar com alguém ou sequer ler as mensagens em grupo lhe davam palpitações. jogando o celular para longe, grunhiu como um animal ferido. levantar do colchão estava fora de cogitação, assim como conversar com outros seres humanos. o típico comportamento de quem nunca vai conseguir suceder, de quem nunca vai encontrar um amor, de quem nunca vai se orgulhar por algo que fez. o comportamento que ela achou ter se livrado meses atrás, mas que voltou para atormentá-la. não há cura para o que sente. mesmo quando acha que está acostumada e aprendeu a lidar com a dor, os pensamentos voltam. não há cura. ela fechou os olhos e respirou fundo mais uma vez. sentia seu peito contraindo. quando abriu os olhos, viu que a chuva havia parado. mais um dia começava e com ele ressurgia a autoconsciência do fracasso.
0 notes
neuroniosmortos · 7 years ago
Text
as lágrimas de dor que derramamos formarão forte maré
a maré que arrastará nosso povo às ruas
que retornará das armas às mãos nuas
enquanto gritamos alto que nossa luta não dá ré
nosso choro sufocado irromperá como um chamado
de vez nos soltaremos das amarras do estado
iremos nos juntar pelas vielas e becos censurados
e unidos marcharemos pela liberdade nos costados
com essa mistura de rima e estrutura
reitero aquilo que digo de bom grado
somos feitos de afeto, arte e cultura
seremos amor apesar do desalmado
0 notes
neuroniosmortos · 7 years ago
Text
Crescer dói. Crescer dói, sobretudo, quando você é posta cara a cara com suas verdades. Percebi que algumas relações que mantive perigosamente equilibradas na beira de um precipício já estavam, na verdade, no fundo do vale, e que tudo que eu via era uma projeção do que eu queria acreditar que acontecia. Meu pai foi a grande decepção da minha vida. Ninguém, nunca, me machucou como ele me machucou. Não falo de dor física, pois ele nunca me bateu, mas a dor psicológica que ele inflige em mim às vezes é insuportável, e o pior: ele faz sem se dar conta. Não é maldade, não é punição, é só descaso. Às vezes o descaso dói mais que qualquer tabefe na cara. Aquele homem que eu amava tanto quando pequena, me decepcionou pela primeira vez quando eu tinha apenas 10 anos. Ele queria que eu fosse uma extensão dele, seguisse o rumo que ele queria. Mas infelizmente eu fui incapaz, eu falhei, e ele não pôde sequer oferecer um abraço de conforto. Aos 12, eu passei a odiá-lo. Queria que minha mãe se separasse dele, pois finalmente enxergava ele além da figura de pai. Aos 12 eu consegui enxergar como ele era como marido, e era péssimo. Ele nunca bateu em minha mãe, tampouco ela permitiria, mas eu sempre soube que minha mãe merecia um homem melhor. Aos 14 ele soube que eu era lésbica e reagiu surpreendentemente bem. Foi quando eu criei a narrativa de um pai que me aceitava pelo que eu era e que me defenderia, mas hoje, aos 21, eu vi que não passou de uma projeção. É verdade que ele foi mais receptivo que minha mãe, mas sua traição política me revelou que, no fundo, ele só acha que eu “escolhi esse caminho e está tudo bem”. Não, não está tudo bem. Como assim eu escolhi esse caminho? Que caminho? Qual o mal que a minha identidade oferece à sociedade? Por que é errado ensinar crianças sobre a minha existência? Tudo bem ser eu, contanto que eu me mantenha reclusa, finja que não sou quem eu sou, que permaneça à margem da normalidade? É isso que é aceitar? No fim das contas, eu sempre fui a figura estranha na casa? Eu sou a filha que deu errado em todos os aspectos? Não fiz o curso certo, não tenho a sexualidade correta, não tenho o psicológico normal? O que eu sou por aqui? Um animal?
0 notes
neuroniosmortos · 7 years ago
Text
em busca da mulher selvagem
a jornada de retorno à casa espiritual começou antes que eu pudesse me dar conta. ainda dentro da caverna escura na qual a depressão me aprisionou, demorei a me acostumar à luz que começava a incidir. eu conseguia ver o céu azul novamente, sentia o calor do sol sobre a pele, ouvia os sons dos animais do lado de fora, mas tudo parecia estranho, como se a normalidade se fizesse anormal perante a aspereza da solidão. demorei a acreditar que realmente estava vendo o céu, sentindo o sol, ouvindo os sons; achei que tudo aquilo fosse apenas um vislumbre entre as frestas dos longos braços pálidos do monstro que me mantinha cativa; achei que poderia ser uma armadilha, um jogo no qual eu tentaria escapar e ela viria atrás de mim novamente e me derrubaria no chão de pedra como fizera algumas vezes antes. mas à medida que os dias passaram, mais luz entrava na caverna e aos poucos consegui me manter sobre meus pés. aproximei-me hesitante da entrada, tateando cautelosamente as paredes com medo de ser surpreendida. o monstro não estava mais lá. dei dois passos para fora, sendo abraçada pelo calor e pela luz. a felicidade foi tamanha que andei mais alguns passos. quando olhei para trás, percebi que o monstro não havia ido embora, ele estava encostado na parede da caverna, ignóbil e cruel, porém pequenino e sem forças. esta era a minha chance. corri para longe, cruzei rios e árvores, caí algumas vezes e me ralei, mas a recusa a retornar à caverna me fez continuar. corri até arfar, até os pulmões arderem e o corpo precisar sentar em uma clareira para se recuperar. um farfalhar me chamou a atenção, mas diferentemente de outrora, não tive medo. observei a loba que se aproximava, cheirando seu entorno, me olhando de soslaio enquanto permaneci parada, mais preocupada em recuperar o fôlego para continuar correndo. depois de tanto tempo presa à escuridão, eu não conseguia temer aquele animal; tudo que via era a beleza da sua pelagem, o brilho misterioso dos olhos escuros, a inocência irracional de um ser que luta pela sobrevivência da alcateia. a loba pareceu relaxar e sentou-se sem retirar o olhar da minha mira. consegui sorrir para ela. como era bom sorrir novamente! estar viva, sentir o ar nos pulmões, a adrenalina da correria ainda circulando pelas veias. meus olhos imediatamente se encheram d’água. as lágrimas corriam em torrentes abundantes enquanto meu sorriso se alargava. a cada nova sensação que experimentava, conseguia vislumbrar o futuro e mais lágrimas escorriam. comecei a gargalhar, e quanto mais gargalhava, mais lágrimas jorravam. as lágrimas de felicidade de que tanto senti falta haviam finalmente retornado. perdi-me tão profundamente em pensamentos que não percebi a loba se aproximar. foi de sobressalto que senti a língua grande e quente lambendo minha face e limpando as lágrimas. naquele momento, em uma revelação estonteante apesar de óbvia, compreendi minha existência e jornada. senti-me completa, enfim. olhei-a fundo nos olhos e a agradeci por ter esperado tanto tempo até que pudesse me reencontrar fora da caverna. levantei-me sem a necessidade de correr. seguimos juntas, como velhas amigas, e desde então, não nos separamos mais; continuamos seguindo, atravessando rios e árvores, caindo e levantando sem desistir. essa história, que iniciou em uma caverna escura, se redesenha em novas cores todos os dias, pois agora somos uma. eu, mulher e ela, alma.
0 notes
neuroniosmortos · 7 years ago
Text
mesóclise profana
encontrar-me-ei em teus encantos
arrancar-te-ei dos teus sapatos
contar-te-ei meus pecados
esconder-me-ei sob teu manto
olhar-te-ei com ternura
puxar-te-ei para meus braços
enlaçar-te-ei aos meus encalços
levar-te-ei à loucura
procurar-te-ei, entretanto, por meus sonhos
realizar-me-ei contigo em outro plano
colocar-me-ei fora do alcance cartesiano
calar-te-ei com meus olhares tristonhos
sentir-me-ei solitária quando a hora de partir
chorar-te-ei todas as lágrimas se necessário for
buscar-te-ei em outros corpos com muita dor
matar-me-ei em mesóclises neste eterno devir
0 notes
neuroniosmortos · 7 years ago
Text
Mais um de nós
Há 4 anos foi Mikésia. Há 7 meses, Mariana. Ontem foi André. Mas não só isso. Não são os únicos. Poderia ter sido Maria, Guilherme, Karolyn, Yago, Renata, Sabrina, Vittória, Gabriela, Lucas, Caio, Danilo, Julya, Felipe, Isabella, Camila. 
E o que garante que não será um dia?
A doença que mais nos mata é invisível aos olhos e à medicina tradicional. O que mais nos mata é silencioso, vai galgando espaço sem alarde. Quando nos damos conta, está por todo lugar. Não pretendo escrever mais sobre a depressão; ela ainda é uma ferida aberta e exala odor pútrido. O que precisei dizer sobre ela, está registrado. Tampouco eufemizarei o suicídio. Precisamos encará-lo como o sintoma da sociedade doente em que vivemos. A anomia, a solidão, o individualismo: pequenas células de câncer social que se alastram em velocidade assustadora. Continuamos sendo vítimas Dela. 
Mikésia, Mariana, André. Que vossas histórias não sejam esquecidas e que permaneçam em nossos corações e mentes é o que desejo. Vocês se foram, mas poderia ser qualquer um de nós.
Agora descansem, a dor em breve passará.
1 note · View note
neuroniosmortos · 7 years ago
Text
Soneto das Onze
Construíres lindos sonetos a si mesma
Colocas na página aquilo que dói
Não te acanhas, pois é a dor que nos constrói
Se quiseres há ali, só pra ti, uma resma
Pega aqui no meu peito e sente o teu sangue
Vai ao outro canto e joga a tua rima
Não te preocupas com a dança da esgrima
Segue o teu fluxo de encontro ao mangue
Não dês voz ao barulho que desatina 
Como tu és peixinha d’água doce
Evita teu triste ímpeto à latrina
Nem tudo será colocado à tua mesa
Desvencilha-te do que não fortalece
Não queres, no fundo, atingir tua beleza?
1 note · View note
neuroniosmortos · 7 years ago
Text
juventude.
parece-me que os anseios da primeira juventude cessaram. não mais procuro por festas. não gosto das novas bandas que meus amigos escutam e curiosamente, voltei a prestigiar as músicas que tanto ouvi durante a adolescência, aquelas dos anos 80. cortei o álcool, diminuí as drogas, inclusive o cigarro. aprendi a tomar café sem açúcar, a gostar de sair sozinha para ler um livro. minhas roupas parecem não mais me servir e não é por não caberem mais em meu corpo, mas, sim, por não mais representarem a cabeça. observo meu quarto e ele não me reflete. a casa que antes também era minha, é apenas a casa dos meus pais. vejo-me sufocada em uma colcha de retalhos com restos da adolescência sobrepostos a resquícios da infância, numa confusão de cores e estampas. tudo ao meu redor me remete ao passado. como numa metamorfose kafkiana, vejo lentamente minha transformação em inseto. confusa, percebo os rastros pegajosos marcando cada pedaço de chão que deixei para trás. tento me equilibrar nas novas patas franzinas com cuidado. a atual existência artrópode ainda se esconde atrás de uma casca, protegida pela segurança maternal. as asas não nasceram, mas as costas já coçam em antecipação. os olhos começam a se acostumar às novas luzes que sobre mim incidem. os ouvidos ficam atentos aos sons que nos outros habitam. com calma descubro o que me torno. com perseverança enxergo a mulher-inseto. com um suspiro leve me despeço do que fui. a boca reabre: seja bem-vinda à nova lua.
1 note · View note
neuroniosmortos · 7 years ago
Text
Uma crônica para não perder a capacidade de cronista. Um crônica dedicada ao cronista. A Metacrônica. 
Eram 12h22 e a cronista encarava a tela do computador. Nenhuma ideia lhe chegava à mente. O que havia lhe afligido nos últimos tempos? Seu crescimento pessoal nos últimos meses? Suas conquistas acadêmicas depois de dois anos em depressão? A frágil situação emocional em que se encontra? Não, nada disso é suficientemente importante ou trivial o bastante para se escrever sobre. Falta lapidar.
Vai escrever sobre o processo de escrever a crônica. Mas que escrita? Faz tanto tempo que não escreve uma crônica, será que sabe escrever ainda? Muito mais perguntas do que respostas, é isso que a História lhe ensina; ou melhor, lhe pergunta. Vai escrevendo sobre o processo de escrita ao mesmo tempo em que escreve. Começa com “uma crônica para não perder a capacidade de cronista”.
Mas a cronista não sabe o que escreve. Ela vai escrevendo, escrevendo, escrevendo. Ela nunca sabe qual será o ponto final da sua crônica. Talvez por isso seja tão orgânica. Nós não sabemos quando será o ponto final da nossa vida, nós apenas continuamos escrevendo nossa história. Escrevendo perguntas que não sabemos se encontrarão respostas.
No fim, a cronista se deu por satisfeita. Não é uma crônica, mas é uma Metacrônica. Como? Não sei, é simplesmente porque ela quer que seja. Agora são 12h36.
1 note · View note