rebeccaleticeblog - Tumblr blog

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cruzando o asfalto

tento achar brechas pra me enfiar

um fio condutor entre o impulso e a vontade

descubro que sou mais

que uma palavra não pronunciada

que não sei elevar a potência

a equação dos quadris

nem se sou poeta

passo na encruzilhada e logo

regresso como quem volta de uma guerra

que é esse corpo (uma batalha)

e me sobe uma coragem

de recolocar os paralelepípedos

pro carnaval

diante do acontecimento

que é esse toró em pleno verão

pensando na beleza

que é se aproximar de um corpo

e arder e poder dizer:

só mais um pouco.

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se você me conhecesse saberia

que eu não sou o que parece

assim tão agradável, ou suave

se você me conhecesse veria

que a película não é

o que protege do julgamento

me veria sem sutiã, na rua

mas não o medo de cruzar o desejo

se você me conhecesse melhor

veria que somos quase como irmãs

ou melhor: mulher.

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Vovó

tão rápido não consegui perguntar

do passado de histórias

e aí você virou uma

você nem desenvolve o senso crítico

e eles já se foram na primeira ou

segunda oportunidade

não deu tempo foi muito rápido

pra eu ouvir suas dores

eu aprendi a chorar com os que choram

e a correr dos cachorros

é estranho pensar que algumas pessoas

que amamos só puderam ficar

metade da nossa vida e no entanto

as amamos cada dia mais

para o resto de nossas vidas

(meu amor tem cardiomegalia, assim como você)

tão rápido foi pensar

que nunca mais a veria e agora

demora tanto para eu apenas

lembrar da sua voz.

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agora tudo o que me resta fazer

é encarar um tigre e enfrentar

aquela coisa de movimento, som,

luz e som, movimento e luz

gostaria de ser mais feroz

e só temer a Deus

olhar no espelho e despertar

(e como custa se olhar)

pareceria mais como no princípio

antes de secarem nossos sonhos

antes que tivéssemos tempo de enchê-los

quanto custa enfrentar esses rugidos

de que eu sinto tanto medo?

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Um dueto com você

é ainda melhor que assistir a uma performance de sevilla, la vida breve, andaluza,

ou o concerto de Aranjuez

em parte porque em sua camisa quadriculada

você alegra o São João

em parte por meu amor por você

em parte por seu amor por flamingos

em parte por você dançar com os dedos

no mesmo ritmo que os meus

é difícil de acreditar quando toco com você

na existência de algo mais maçante

que o soerguimento de um monumento

e nos mais de 30 graus da cidade do sol

no caminho das pedras estamos indo

e vindo entre a névoa púrpura

cobrindo nossas cabeças

e de repente você se pergunta

por que mesmo com todos me olhando

eu não sinto mais medo

então eu olho pra você

e prefiro olhar pra você

do que qualquer plateia no mundo

eu prefiro olhar pra você e acreditar em milagre

porque quando estou com você

eu não preciso ter medo de avião

eu prefiro olhar pra você

como se a vida me presenteasse

com uma experiência maravilhosa

que eu não vou desperdiçar

por isso estou aqui

escrevendo isso para você.

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nada mais perturbador que pensar

em não te ouvir cantar "i've got you under my skin"

nunca mais

nem mesmo com sotaque

eu ando como que perdida

pelos pais

como uma criança

procurando uma distração

um número de telefone

contando os riscos das paredes

os carros passando na avenida

e penso no quanto nessas horas

eu queria poder jurar

que a vida é boa

mesmo duvidando secretamente disso

meu assunto preferido é o sentimento

e eu não sei de nada além de

que eu sinto muito e choro muito

e queria que você viesse comigo

cantando

(todo dia, todo dia).

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nós dois

atravessados um no outro

sob o teto de Deus

depois de tudo

contar estrelas sem medo

sem minha neura com o universo

sem medo do que não é eterno.

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quando você foi embora

eu fui tomar um sorvete

de flocos na praça do bairro

não pensei mais em nada de tão gelado

que meu cérebro ficou

foi como um feriado prolongado

um alívio no meio da semana

mesmo tedioso ou sozinha.

o amor parece uma mentira –não é

o amor só precisava respirar.

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a poesia salta

comigo como mãe-tigre briga

comigo atravessa a ilha

comigo anda descalça

comigo me acha irresponsável

(e aí eu não posso concordar)

como a corrente no rio Irecê

comigo chorando

comigo rindo em segredo das pessoas

comigo colhendo fruta

comigo e é por ela que eu

continuo.

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a mochila, os avisos

e a ansiedade

o 33 ou 37

os sorrisos perpassando máscaras

esse percurso, todo dia

aquele corredor

todo dia esse corredor

e aquelas pessoas

outras novas pessoas

aquela saudade de compartilhar suor

menos talvez no buzum lotado

mas aquela saudade

de dividir uma sala com gente

de não falar nada e mesmo assim sentir

que está onde deveria estar

apesar dos ar-condicionados

congelando nossas mãos.

voltamos.

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dureza na queda,

moleza no coração

é assim que eu fico

quando penso no que é real

inclusive, a saudade:

maior dureza que amolece.

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19 de março

entre o luto e o verde musgo

o tempo é chuva

porque é março, dia de São José

não importa se não podemos velejar

os grãos de milho foram lançados

à espera de junho

é pra isso que temos esperança

todos os anos

apesar da seca,

da tristeza,

das eleições municipais

hoje tem missa e é pra lá

que eu vou agradecer a Deus

pela esperança alcançada.

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chora como se não existisse mais dor além da agulha

chora com dor e desejo

chora como se só sentisse medo

chora com dor e desespero

chora como se não soubesse quanto tempo tem (e não sabe)

chora com dor e espera

chora e espera.

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talvez Deus

seja um menininho em segredo

mistura sabão e água

e cria o mundo num sopro

as bolhas tomam formas

e algumas se desfazem

como uma explosão

satisfeito com o que fez

contempla o mundo criado

por Seu próprio fôlego

e viu Deus que era bom

guardou os brinquedos

e descansou.

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às vezes sinto uma necessidade

muito grande que me apavora

de cruzar mares no ar

dobrar a esquina do infinito

dar de cara

no Nu descendo a escada

e ir lá,

vesti-lo.

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o que se esconde

debaixo dos panos

das certezas?

se queijo não é

bolo e faca não é

da mesma forma pergunto

o que se esconde

detrás de seus olhos?

se não os horizontes eternos

se não nossos desejos?

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ao que sinto "sem nome"

convido a me olhar de fora

não como uma exposição

aquele corpo formado

mas como uma criança

com o gosto amargo do terror

das premonições da primeira infância

pego no colo e balanço

como quem pega o indefeso

falo do medo como falo de um filho.