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blogdojuanesteves · 29 days
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Stefania Bril desobediência pelo afeto
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Stefania Bril desobediência pelo afeto (IMS, 2024) é o livro que acompanha a mostra homônima na sede paulista do Instituto Moreira Salles  a partir de 27 de agosto até 26 de janeiro de 2025. De família judaica polonesa, Stefania Bril (1922-1992), imigrou para o Brasil em 1950. A exposição e livro apresentam ao público a obra fotográfica, sua produção crítica e a atuação no campo institucional. Radicada em São Paulo, já em 1970 consolidou-se como fotógrafa e, a partir dos anos 1980, como crítica e curadora. Em suas fotografias vemos cenas cotidianas onde prevalece a irreverência, com perspectivas que propõem sutis deslocamentos na forma de olhar para uma metrópole que crescia em meio ao chamado "milagre brasileiro" - de pensamento ufanista, durante os primeiros anos da ditadura militar.
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O alentado catálogo da mostra com mais de 300 páginas, traz também uma série de fotografias inéditas. É a primeira exposição individual com 160 imagens dedicada à obra da fotógrafa e crítica nos últimos 30 anos com curadoria da colombiana Ileana Pradilla Ceron,  pesquisadora sênior no Instituto Moreira Salles e do carioca Miguel Del Castillo, com assistência da também carioca Pâmela de Oliveira, o primeiro coordenador da biblioteca do instituto e a segunda pesquisadora do acervo de fotografia do IMS. 
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Stefania Bril nasceu em Gdansk e viveu até a adolescência em Varsóvia.  Ao lado de seus pais sobreviveu ao Holocausto. Mudou-se para a Bélgica ao término da Segunda Guerra já casada, onde graduou-se em Química em 1950, ano este em que imigra para o Brasil estabelecendo-se em São Paulo trabalhando a princípio com pesquisas nas áreas de bioquímica e química nuclear. Começou a dedicar-se a fotografia aos aos 47 anos, quando matriculou-se na  icônica Enfoco,  escola de fotografia criada por Cláudio "Clode" Kubrusly, que funcionou entre 1968 e 1976, por onde passaram consagrados fotógrafos como Cristiano Mascaro, Maureen Bisilliat, Antonio Saggese, Dulce Soares, Ella Durst, Mazda Perez, Nair Benedicto e Rosa Gauditano entre seus professores e alunos.
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Ao final dos anos 1970 Stefania Bril, segundo pesquisadores do IMS, inaugurou a crítica fotográfica na imprensa brasileira escrevendo e assinando seus textos por mais de uma década no jornal O Estado de S. Paulo e na pioneira revista Iris Foto (1947-1999). Em suas colunas, analisou boa parte da produção fotográfica brasileira e internacional apresentada em São Paulo nos anos 1980, além de ter organizado festivais de fotografia. De suma importância para a cultura fotográfica criou a Casa da Fotografia Fuji, primeiro centro cultural em São Paulo voltado exclusivamente para o ensino e a divulgação da fotografia, que coordenou de 1990 a 1992. Seu acervo, que inclui sua obra fotográfica, crítica e sua biblioteca, está sob a guarda do IMS.
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A coleção da fotógrafa foi adquirida pelo IMS em duas etapas: a primeira em 2001 e a segunda em 2012. O arquivo possui aproximadamente 15.000 imagens, entre ampliações de época, negativos e cromos (diapositivos) além de farta documentação textual. Como parte das iniciativas de difusão do acervo, o IMS destinou, em 2019, a segunda edição da Bolsa de Pesquisa em Fotografia ao estudo de sua obra. A pesquisadora contemplada foi a professora carioca Alessandra Vannucci, que assina um dos textos do livro, juntamente com Ileana Pradilla Ceron (que além do texto principal também assina a Cronologia comentada), Miguel Del Castillo e do paulistano Alexandre Araujo Bispo, antropólogo, curador, crítico e educador independente, doutor e Mestre em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo (USP). Além destas preciosas análises, a publicação conta com uma pequena fortuna crítica com matérias selecionadas de Stefania Bril.
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Segundo a curadoria, ao não focar em temáticas como o campo da política ou dos retratos de personalidades, a obra de Stefania “questiona certos critérios tradicionais de valoração da fotografia. Sua produção mostra sobretudo o fluxo da vida, observando as sutilezas, as ironias e contradições do dia a dia, com registros de momentos lúdicos e de afeto, como pontuam os curadores: “O cotidiano, considerado um tema sem importância, é afirmado por Stefania como espaço de resistência, inclusive em meio a um contexto totalitário como os anos de chumbo no Brasil quando fotografava. [...] Pouco a pouco, revela-se, por exemplo, a posição crítica de Stefania, que enxerga a falência da cidade moderna em meio às metrópoles que fotografou, e que aposta no afeto como antídoto à violência estrutural vigente.”
O conteúdo são imagens principalmente de São Paulo, mas também de outras grandes cidades, como Nova York, Paris, Amsterdã, Jerusalém e Cidade do México. As pessoas “anônimas” que habitam essas urbes contraditórias são as protagonistas das imagens (“Eu gosto de gente, não de carros.”, escreveu a artista em 1975). Embora signos das metrópoles, como edifícios e construções, também estejam presentes, nas fotos de Stefania eles são atravessados por intervenções lúdicas, evidenciando a posição crítica da fotógrafa em relação à padronização e desumanização impostas pela razão moderna. Já na série Descanso, registra homens cochilando em seus locais de trabalho, resistindo à lógica produtivista ou simplesmente esgotados por ela, e, em outro conjunto, retrata trabalhadores que mantêm vínculos com o fazer artesanal, como pintores e músicos de rua.
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Para os editores, o humor e a ironia também transparecem nas fotografias. Algumas delas trazem cenas que beiram o surreal, como a imagem de uma vaca no meio de Amsterdã; a de uma mulher carregando uma nuvem de balões no meio da Quinta Avenida, em Nova York; ou ainda a de um menino que lê um gibi deitado dentro de um carrinho de supermercado em São Paulo. Ainda na chave do humor, Stefania também mira seu olhar para as escritas das cidades, capturando cartazes, outdoors e pichações. Sobre esse caráter de sua obra, a artista escreveu: “Insisto em ter uma visão poética e levemente zombeteira de um mundo que às vezes se leva a sério demais.”
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De fato podemos notar em seus registros dois segmentos importantes que nos remetem a grandes fotógrafos, como os americanos Paul Strand (1890-1976) e Walker Evans (1903-1975), seja no seguimento mais antropológico, no caso do primeiro, a afinidade vem dos retratos que revelavam seu tempo distante das chamadas celebridades, e tipológico quando pensamos neste último cujas imagens  traduziam uma concepção tipológica das cidades, quando Bril fotografa uma profusão de placas, outdoors e inscrições espalhadas por diferentes lugares. 
O livro apresenta diversos retratos feitos por Stefania Bril, que segundo os editores, sinalizam outra característica marcante de sua produção. Grande parte das imagens mostram crianças brincando e pessoas idosas, fotografadas nas ruas ou no ambiente doméstico. Há também figuras populares em seus contextos locais, como o casal Eduardo e Egidia Salles, quituteiros famosos em Campos do Jordão, cidade da Serra da Mantiqueira, onde é comum a arquitetura de estilo suíço, que acolhe milhares de turistas no inverno paulista, onde a fotógrafa possuía uma residência, e Maria da Conceição Dias de Almeida, conhecida como Maria Miné, então importante personalidade da cidade.
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Ileana Ceron escreve que Stefania Bril adentrou na fotografia pelas mãos de sua amiga, a fotógrafa e artista plástica alemã Alice Brill (1920-2013) que transitava com desenvoltura no circuito moderno das artes visuais.  Segundo a curadora, ela "fez parte dos autores que, na década de 1950, construíram no país a linguagem moderna da fotografia e que tinham na cidade — entendida como o locus da modernidade — o seu objeto de investigação por excelência." 
A entrada de Stefania Bril na Enfoco foi ideia de Alice Brill. Um lugar em que, conta a curadora, "Os alunos formavam um grupo heterogêneo. Apesar de a escola oferecer bolsas de estudo a quem não tinha recursos, o seu custo era elevado, pois a fotografia permanecia uma atividade elitista, devido aos altos valores de equipamentos e insumos para seu desenvolvimento." A presença feminina era majoritária, destacando-se a paraibana Anna Mariani (1932-2022) , a belga Lily Sverner (1934-2016) e a própria Stefania Bril, "entre outras, integravam o segmento de mulheres já não tão jovens que, após terem cumprido os rituais atribuídos socialmente à mulher, como o casamento e a maternidade, buscavam dar resposta a suas inquietações culturais e intelectuais. Para as três, a passagem pela Enfoco representou um ponto de inflexão, a partir do qual adotaram a fotografia como profissão" explica Ileana Ceron.
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"Como boa observadora-ouvinte que era, Stefania Bril tem olhos e ouvidos para perceber o que a cidade está falando, mapeando a dor e o insólito da vida moderna, mas também a resistência e o humor." escreve Miguel Del Castillo. "Numa imagem conhecida, que foi capa de seu primeiro livro fotográfico, um pequeno letreiro nos convida, avistado por trás de alguns tubos de concreto: “Entre”. Suas fotografias possuem camadas assim. E, no caso dessa e de muitas outras escritas urbanas, enquadradas pela fotógrafa, parecem expressar em voz alta as ambiguidades das cidades."
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Alexandre Araújo Bispo, aprofunda a parte antropológica da obra da fotógrafa: "Entre mostrar-se e esconder-se, olhar e ser olhada, as pessoas negras memorizadas nos negativos de Stefania Bril indicam a multiplicidade de ser negro: a personalidade pública Maria Miné, individualizada em um ensaio, mas pertencente a uma família extensa, a velha negra Ermília em família, a mãe negra com um ou vários filhos, o homem negro de “escritório”, o jovem negro com ares de hippie e olhar idealista, os artistas negros em seu fazer poético, os trabalhadores braçais, as crianças negras de ambos os sexos. Do modo como fotógrafa algumas pessoas, Stefania sugere ter estado com elas antes, durante e depois do instante fotográfico. Suas imagens evocam um sentido de conversa com e menos um dizer sobre ou pelas pessoas. Não parece haver uma autoridade sobre o que está mostrando, mas um desejo genuíno de convivência e interação social. Em outras fotos, como as dos trabalhadores braçais registrados na ação de trabalhar, o contato social não parece ter se prolongado." 
Imagens © Stefania Bril.   Texto © Juan Esteves
Infos básicas:
OrganizaçãoIleana Pradilla Ceron Miguel Del Castillo
Produção editorial Núcleo Editorial IMS 
Projeto gráfico Beatriz Costa 
Tratamento de imagens Núcleo Digital IMS 
Impressão: Ipsis Gráfica e Editora, tiragem de 1.500 exemplares nos papéis Offset, Pólen bold e Supremo
Serviço
Exposição Stefania Bril: desobediência pelo afeto 
Abertura: 27 de agosto, às 18h
Visitação: até 26 de janeiro de 2025
6º andar | IMS Paulista
Entrada gratuita
Conversa de abertura da exposição, com os curadores Ileana Pradilla Ceron e Miguel Del Castillo e as convidadas Cremilda Medina, Maureen Bisilliat e Nair Benedicto27 de agosto, às 19h
Cineteatro do IMS Paulista
Entrada gratuita, com distribuição de senhas 1 hora antes do evento e limite de 1 senha por pessoa.
Evento com interpretação em Libras
IMS Paulista
Avenida Paulista, 2424. São Paulo, SP. 
Tel.: (11) 2842-9120
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blogdojuanesteves · 1 month
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VIAGEM PITORESCA PELO BRASIL > CÁSSIO VASCONCELLOS
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Ainda criança na casa de sua família, o fotógrafo paulistano Cássio Vasconcellos, hoje com 58, anos ouviu falar muito de seu trisavô Ludwig Riedel (1790-1861), renomado botânico berlinense, que acompanhou no Brasil a icônica expedição do também alemão  Barão Georg Heinrich von Langsdorff (1774-1852) colecionador de espécies e estudioso da natureza. Assim, desde que se lembra, o imaginário dos chamados "artistas viajantes" não lhe saiu da cabeça, como as florestas brasileiras sempre impulsionaram sua criatividade e gosto por esta estética.
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Em seu belo livro Viagem Pitoresca pelo Brasil (Fotô Editorial, 2024) Vasconcellos remonta a publicações quase homônimas em seu título, uma certa homenagem a Voyage pittoresque et historique au Brésil, do francês Jean Baptiste Debret (1768-1848) publicado inicialmente em Paris, em 26 fascículos, durante os anos 1834 a 1839, formando um conjunto de 3 volumes e Malerische Reise in Brasilien, de 1835, do artista alemão  Johann Moritz Rugendas, ambos com algumas versões brasileiras. Para este livro o fotógrafo percorreu vestígios da Mata Atlântica em São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Rio de Janeiro. 
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Mais recentemente seguindo o mesma estética do"Pittoresque" (que faz referência às impressões subjetivas desencadeadas pela contemplação de uma cena paisagística em relação à pintura) temos a obra do paulistano Antonio Saggese, com seus livros  Pittoresco (Edusp, 2015) e Hiléia (Editora Madalena,2016) [ leia reviews aqui. no blog em https://blogdojuanesteves.tumblr.com/post/152956262256/hil%C3%A9ia-antonio-saggese e https://blogdojuanesteves.tumblr.com/post/132665968846/pittoresco-antonio-saggese ] que recorrem a esta mesma dinâmica gráfica de Vasconcellos na criação de uma imagem marcadamente tão interessante quanto sublime,  seja em sua concepção formal, estética ou conceitual quando tratamos da sua representação mais extensa.
Cássio Vasconcelos iniciou este livro por volta de 2015 ainda que seu interesse pela  natureza venha da família logo cedo, para ele a estética é muito interessante. Como ele mesmo conta: "Resolvi criar um diálogo com estes trabalhos originais quase 200 anos depois, mas através da fotografia." Sem dúvida a plasticidade formatada pelos europeus encontra eco nas suas imagens, resultado de complexas operações, a começar pela captura das imagens: "diferentemente da pintura, preciso, de início, localizar o lugar certo  e com a luz ideal, para que seja possível executar o posterior tratamento das fotografias e chegar ao resultado final. É diferente do pintor que pode acrescentar ou remover uma árvore do lugar por conveniência, porque a luz não é suficiente." Em meio a riqueza da flora brasileira, a aproximação com as etchings e litografias deixadas por eles reverberam elegantemente nas imagens. 
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Em Viagem Pitoresca pelo Brasil as imagens de Vasconcellos estão em ótima companhia com  textos de Julio Bandeira: "Natureza e Cultura, a mata e a busca pelo sublime." O autor é Doutor em Teoria e História da Arte pela Universidade de Essex (Reino Unido), Mestre em História do Brasil pela Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ; sócio do Instituto Histórico Geográfico do IHGB e faz parte do corpo de pesquisadores da Biblioteca Nacional. Já publicou mais de 30 livros, sua maioria dedicados a pintores viajantes. 
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Para Bandeira, se na obra de Debret, a natureza é um complemento cenográfico para inclusão de indígenas, com imagens pintadas ao natural, na obra de Cássio Vasconcellos muitas dialogam com a contemporaneidade. No seu prazeroso texto para os que cultuam as chamadas "Brasilianas" outros preciosos autores também aparecem como o médico e botânico bávaro Carl Friedrich Philipp von Martius ( 1794-1868) mais conhecido apenas por Martius; o gaúcho Manuel José de Araújo Porto-Alegre ( 1806-1879) e Rugendas entre outros.
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O que é certo que o fotógrafo não faz uma "pintura", muito menos emula outro trabalho e sim fotografia, com anos de seu aprimoramento em diferentes técnicas, cujo resultado é mais próximo de uma Etching ( gravura em metal). No entanto, a proximidade com os viajantes dá-se pelo clima que Vasconcellos imprime em suas imagens que abdica de personagens como os propostos por Debret e Rugendas, a não ser por um grupo de fotografias que fazem contraponto com as folhas estudadas por seu trisavô que estão em museus como o Smithsonian, onde nestas a figura humana, homens e mulheres nus, extraídos de pinturas do final do século XIX, acomodam-se em lâminas e estampas mais românticas, uma profunda pesquisa para que estas amoldem-se nas grandes árvores registradas.
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Na pesquisa pelos lugares, um elemento chave do fotógrafo foi o brasileiro Ricardo Cardim,  botânico e paisagista, mestre em Botânica pela Universidade de São Paulo, que atua com biodiversidade nativa e arqueologia botânica para restauro da paisagem natural, que abriu algumas trilhas ao seu lado. É dele também o ótimo texto "A redescoberta do Brasil". Para ele, poucos lugares na Mata Atlântica, a "Caeté", floresta verdadeira, ainda não foram palmilhados pela atual civilização após dois séculos: "Não se veem mais nas matas as grandes árvores seculares, de troncos com metros de diâmetro  e altura acima de 40 metros." Entendemos então que Viagem Pitoresca pelo Brasil não é apenas mais um livro a provocar estese mas também um libelo do autor. "É nesse drástico cenário herdado nas primeiras décadas do segundo milênio que Cássio Vasconcellos expõe sua obra sensível de uma paisagem esquecida e desconhecida pelos seus proprietários, a população brasileira." diz o botânico.
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Um dos belos conjuntos do livro são as reproduções de  "Exsicatas" montadas por Riedel, trisavô do fotógrafo, uma amostra de planta que é prensada e em seguida seca em uma estufa, com temperatura acima apropriada para o material, que posteriormente são fixadas em uma cartolina. Vasconcellos conta que o design gráfico Fábio Messias descobriu-as em suas pesquisas para o desenho do livro. Elas fazem o contraponto em páginas que desdobram-se com as imagens de elementos humanos encartadas no meio da publicação. Segundo o autor: "Muitas dessas pinturas (nus) são realistas. As que eu usei parecem mais com fotografia, e a fotografia final parece com a pintura. As  pinturas escolhidas foram produzidas após a invenção da fotografia."
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A curadora e crítica Ana Maria Belluzzo, curadora da mostra homônima do livro na galeria paulistana Nara Roesler, ( de 17 de agosto à 12 de outubro deste ano) professora no Curso de Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo ( FAU-USP) e autora do livro Brasil dos Viajantes (Metalivros,1994) escreve que o arqueólogo francês Conde de Clarac, em seus desenhos, gravados  em metal por Claude François Fortier ( 1775-1835) foram a referência para os "artistas viajantes"do século XIX. Ela destaca a obra de Vasconcellos: "O artista apura valores valores inerentes à fotografia, acentua e transforma registros do real, que são interpretados com aplicação de recursos de edições digitais".
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Em seu texto no livro "No coração da floresta: fluxos e batimentos", a curadora portuguesa Ângela Berlinde acerta em que poucos artistas moldaram o escopo da arte contemporânea e influenciaram a fotografia no Brasil, mais do que Cássio Vasconcellos. Para ela: "no gigante dos trópicos o fotógrafo atreve-se à construção de uma nova cartografia pessoal, fitando as vibrações da travessia com coragem e transgressão. A sua poética  desconcertante está em conduzir o dentro e o fora da sua obra, ao testar os limites e transgredir fronteiras." De fato, é só nós lembrarmos que vem sendo assim há algumas décadas, desde que o fotógrafo construía suas imagens marinhas nos anos 1980 emulsionando papéis artesanalmente; ao usar sua SX70 para Polaroids autorais nos anos 1980 e 1990 com seu livro Noturnos ( Bookmark, 2002); ou quando passou a criar com a fotografia aérea suas perspectivas urbanas inusitadas  que resultaram no seu livro Aeroporto ( Ed. Madalena, 2015) entre tantos outros desafios que marcaram de forma indelével a fotografia brasileira e internacional.
Imagens © Cássio Vasconcellos.   Texto © Juan Esteves
Infos básicas:
Concepção e fotografias: Cássio Vasconcellos
Edição: Eder Chiodetto
Textos: Ângela. Berlinde, Julio Bandeira e Ricardo Cardim
Co-edição: Fabiana Bruno
Design gráfico: Fábio Messias ( Zootz comunicação)
Coordenação Editorial: Elaine Pessoa
Edição bilingue Português-Inglês
Impressão: Gráfica e Editora Ipsis- 1000 exemplares, papel Munken Lynx Rough e Pólen Bold
para aquisição: www.fotoditorial.com
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blogdojuanesteves · 2 months
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SENTINELA > Katia Kuwabara
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Sentinela (Ed. Olhavê, 2024) da paulista Katia Kuwabara é uma publicação cujo o conteúdo registra fragmentos de passagens da autora por regiões gélidas e de vastidão inóspita fotografadas na cordilheira dos Andes, partindo de Mendoza, Argentina e na Islândia em lugares como Reykjavik e as fontes termais de Deildartunguhver. Segundo a editora pernambucana Georgia Quintas, "Um caminhar sem rumo pelo qual, através da edição, começam-se a costurar redes e friccionar circunstâncias." Estas passíveis de causar ruídos e ecos autônomos, a ganhar um corpo performativo, onde a fotógrafa trata a natureza como uma metáfora, preenchida com suas histórias de caráter mais ontológico que paisagístico, que esperam de nosso olhar uma troca, completa Quintas.
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O livro não abdica da imagem como fonte de beleza, entretanto ao leitor cabe "penetrar" nessa grandiosidade visual de uma maneira metafísica para alcançar a profundidade proposta pela fotógrafa. São como acordes formatados que tomam o lugar do "heroísmo" encontrado na pintura e na literatura do período Romântico que nos remete às telas pintadas pelo alemão Caspar David Friedrich (1774-1840) ou mais recentemente na obra do paulistano Caio Reisewitz e sua influência dos fotógrafos viajantes do século XIX.
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Para Georgia Quintas "Os fluxos de investigação e de reverência à natureza ampliam os limites do imaginário. A paisagem convoca mergulhos profundos de reflexão ou simplesmente o êxtase da experiência. Sob diferentes temperaturas e sopros dos ventos, o olhar tenta explorar e traduzir todo o encantamento e sensações contidas naquele exato momento. Faltam palavras para nomear o horizonte, fica a imagem de que a solidez pode ser um sempre a definir-se." 
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A parceria entre curadora e fotógrafa já tem uma década desde que começaram a  alinhavar suas produções. Neste caso, lidando com o ar rarefeito dos lugares, maturando a relação mais ontológica que descarta o tumulto das cidades, baixando a rotação da experiência vivida para que, o que foi fotografado fique retido na memória pela história que fragmenta os horizontes, uma duplicidade da arte e da natureza, como me conta Katia Kuwabara.
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O Romantismo, uma orientação intelectual que caracterizou muitas obras de literatura, pintura, música, arquitetura, crítica e historiografia na civilização ocidental ao longo de um período do final do século XVIII a meados do século XIX. Um tempo que rejeitava a idealização e racionalidade que caracterizaram o Classicismo em geral e o Neoclassicismo do final do século XVIII em particular. Foi também, até certo ponto, uma reação contra o Iluminismo, o Racionalismo do século XVIII e o materialismo físico em geral. O Romantismo enfatizou o individual, o subjetivo, o irracional, o imaginativo, o pessoal, o espontâneo, o emocional, o visionário e o transcendental.
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É o que Sentinela nos propõe. Porém, distante do que poderia ser a monocórdica sucessão de imagens com uma palete claríssima e melancólica, ao propor ao leitor a atenção de seus belos detalhes carregados de subjetividade, espontâneas e autorais. Não estamos vendo um livro de paisagens, e sim de sentimentos, como em uma tradução, certamente carregada de características de apreciação mais profunda das belezas da natureza; uma exaltação geral da emoção sobre a razão e dos sentidos sobre o intelecto; Uma visão interior, para si mesma, mas compartilhada com o  leitor  em um exame mais aprofundado da personalidade humana e seus humores e potencialidades mentais; uma preocupação com o excepcional e expondo suas paixões e lutas internas; uma visão da artista como um criadora individual, cujo espírito é mais importante do que a adesão estrita às regras formais e procedimentos tradicionais; uma ênfase na imaginação como uma abertura à experiência transcendente e a verdade espiritual; e uma alusão ao remoto, o misterioso, o estranho e  o oculto.
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Na medida, a fotógrafa também propõe ao leitor  a antagonização de uma visão distópica com uma narrativa de começo, meio e fim. Suas "montanhas" nos lembram o suíço Paul Klee (1879-1940) quando este afirma que "a arte torna o invisível, visível" ao percebemos as alegorias contidas nas imagens deste livro, em que leva em consideração a experiência emocional como prática intelectual ao incluir todos os componentes da semiótica ampliando o conceito para além de uma fotografia bonita.
Kuwabara torna-se então, na proposta do filósofo americano Charles Peirce (1839-1914)- em sua semiótica-, a intérprete, na medida em que leva em consideração o contexto em que os signos são produzidos e interpretados com pragmatismo. Primeiramente, há apenas unidade nas imagens. Assim é uma concepção de ser em sua totalidade ou completude, sem limites ou partes, e sem causa ou efeito, uma potencialidade pura e latente. As possibilidades são experimentadas e nos mostradas embutidas em uma atemporalidade: sua experiência emocional, transmitida ao leitor, que embora sendo inconclusivas, como a autora nos diz,  provocam o entendimento mais ontológico. 
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Em segundo lugar, o modo de ser que está em relação a outra coisa, que inclui o indivíduo, a experiência, o fato, a existência e a ação-reação, que opera dentro do tempo descontínuo, que resume o desejo expresso da autora em suas imagens, onde a dimensão do tempo passado mostra-se : um certo evento ocorreu em um certo momento, antes de algum outro evento, que foi sua consequência, correspondendo à experiência prática.
Por fim, ela é a mediadora através do qual um primeiro e um segundo são colocados em relação, sejam eles os seus leitores que estão no nível da necessidade e, portanto, da predição. Categoricamente vislumbrando o campo do  pensamento, da linguagem, da representação e do processo de semiose - ou a ação do signo que é definida como um processo fundamental que, a partir da percepção, da sua estrutura de imagens ontológicas- , mais do que a representação pura e simples de uma bela paisagem, criam a dinâmicas que modelam a cognição e cultura que torna a sua comunicação possível, além do valor intrínseco da arte que a fotógrafa nos apresenta.
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Imagens © Katia Kuwabara.  Texto © Juan Esteves
Edição, dípticos e tríptico: Georgia Quintas 
Projeto gráfico e coordenação editorial: Alexandre Belém
Tratamento de imagem: Katia Kuwabara
Impressão: Gráfica Ipsis, edição de 250 exemplares numerados e assinados em papel Garda Pat Kiara. Capa dura
Para adquirir: editora.olhave.com.br
contato @olhave.com.br
* Leia sobre o primeiro livro de Katia Kuwabara,  Vigília (Edições Olhavê, 2015)) em https://blogdojuanesteves.tumblr.com/post/139794095461/branca-ligia-jardim-vig%C3%ADlia-katia
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blogdojuanesteves · 8 months
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JOGO DE PACIÊNCIA > ANA SABIÁ
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Entre março de 2020 e junho de 2021 - no auge da pandemia da Covid-19- a artista visual Ana Sabiá, professora de fotografia do Departamento de Artes Visuais da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), produziu um trabalho procurando possíveis encontros feitos pela arte. Ela conta que a ideia surgiu a partir de um lençol antigo herdado de sua tia, que possui uma abertura central similar a uma moldura. Foi basicamente construído com autorretratos, entretanto com seu rosto oculto.
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Sua obra transformou-se em um delicado livro-objeto, Jogo de Paciência ( Editora. Tempo d'Imagem+Lovely House Editora, com a primeira edição publicada no inverno de 2023. Uma série de 78 cartas como um baralho, em um estojo onde a autora registra suas performances diante da câmera, tendo como estrutura o lençol e objetos com os quais interagiu. Entre eles, cadeiras, rebatedores de luz, molduras e balões. Pelo meio destas, algumas imagens do seu filho, com o rosto oculto como o dela. Segundo os editores, um conjunto que pode ser compreendido como um "objeto-oráculo".
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"Paciência" escrito em várias línguas é um jogo de cartas, também conhecido como "Solitaire" o que, semanticamente, aproxima-se ainda mais da construção da artista. Um nome originalmente aplicado para indicar qualquer atividade relacionada a cartas de um único jogador. No entanto, a grande maioria dos jogos solitários de cartas, reflete a compreensão mais habitual da palavra, denotando uma atividade em que o jogador começa com as cartas embaralhadas e tenta, seguindo uma série de manobras especificadas pelas regras, organizá-las em ordem numérica, muitas vezes também separadas em seus naipes. Alguns passatempos deste tipo são jogados competitivamente por dois ou mais jogadores, questionando assim a adequação do termo paciência.
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Portanto, o livro torna-se um objeto interativo, quando o leitor adentra o universo peculiar e extremamente lírico de Ana Sabiá- uma característica de sua vasta produção-  em que, para ela, a escolha de um corpo sem face foi um esforço consciente na proposição do diálogo para além da vivência individual, abarcando também experiências coletivas. Diz a autora: "Compreendi que a proposta era afrontar o limiar vida-morte-vida nas esferas do cotidiano e que o ineditismo surreal do isolamento fazia-se necessário, também, no cenário das fotografias. O inalterável posicionamento da câmera no tripé; a repetição do enquadramento; a invariável apreensão de um tipo específico de luz; a recorrência dos lençóis instalados cada qual em seu respectivo idêntico lugar; o uso constante de camisolas- afirmou-se como um fazer metodológico que cumpria-se, minuciosamente, à risca."
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Seja qual for a sequência das cartas escolhidas pelo leitor, encontramos certa anamnese, uma rememoração gradativa, na qual descobrimos nossas verdades essenciais e latentes que remontam a um tempo anterior a existência empírica.Também uma espécie de animismo nas quais os objetos inseridos pela autora em sua performance acabam por adquirir uma essência mais espiritual. Um libreto com um índice  mostra definições das cartas pelo qual o leitor recebe certa ajuda, como por exemplo, em O Livro: Um livro é um portal para universos insuspeitos; mergulho da descoberta de outros-nós mesmos; papéis que imprimem nosso lento folhear nas marcações caligráficas e dobraduras de suas orelhas; o lugar de criação subjetiva. Seguido das palavras-chave: portal; criação; história; ideias; descoberta.
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A dualidade no uso de simbolismos, o deslocamento entre pólos opostos de conceitos, as vias duplas que apontam verso e reverso são espelhos multifacetados que reproduzem reflexos caleidoscópicos. Nesse sentido, a fabulação fotográfica da série “Jogo de Paciência" busca amalgamar antagonismos entre a realidade ficcional e a ficção realista em referência direta à estética surrealista.
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Para os editores, a escolha na fotografia em preto, branco e uma considerável gama de cinzas, evidência que demarca a supressão da realidade colorida visível aos olhos, remete aos primórdios da fotografia e suspende a temporalidade linear. O cenário composto por lençóis brancos delimita um palco surreal para os personagens e objetos. Por vezes o “fundo infinito” afirma o deslocamento espacial onde tudo está suspenso: não há paredes, chão ou teto e os elementos buscam algum arranjo emoldurados pela brancura amarrotada.
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As inúmeras variáveis propostas por Ana Sabiá nos remetem a um modo de criação, onde a participação do leitor no entendimento de suas ideias torna-se essencial. É próximo do que o grande autor italiano (nascido em Cuba) Ítalo Calvino (1923-1985) propõe em seu genial livro Il castello dei destini incrociati, publicado em 1973 ( por aqui no Brasil, O castelo dos destinos cruzados, Cia das Letras em 1991), um romance que explora como o significado é criado  seja escrito por meio de palavras pelo autor no livro, já que os seus personagens não podem falar entre si, ou por imagens (as cartas de tarô - consideradas proféticas por alguns, em que eles próprios estão abertos a muitas interpretações simbólicas). É como frequentemente nas obras  deste autor multifacetado, onde vários níveis de interpretações e leituras são possíveis, com base na relação autor-narrador-personagem-leitor, caso deste Jogo de Paciência criado pela artista.
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Assim como este livro, Jogo de Paciência nos mostra o pensamento plurifacetado da autora em suas mensagens subliminares que assimilam uma plêiade de informações inseridas em suas cartas que recontam suas propostas ao entrelaçarem entre si mesmas. O "livro" em suas múltiplas combinações é ao mesmo tempo fantasia e ficção imaginativa cujo efeito depende da estranheza do cenário e dos seus personagens incorporados através de uma narrativa multiforme não convencional, explícita de diferentes maneiras no índex do libreto que o acompanha. Nele o posicionamento das cartas desenha o assunto: "Uma cadeira é lugar de espera; acomoda o cansaço; morosamente recepciona os encontros ao redor da mesa..." Uma garrafa é chamariz e reserva da sede, acolhe a água e o vinho, ampara as flores...". Uma máscara como segunda pele; refúgio que cessa o riso; atmosfera filtrada contra o hostil, ausência de cor vibrante do batom...".
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Este Índex do posicionamento das cartas e suas deambulações não ampara somente uma questão descritiva, mas sim um forte complemento às imagens. De forma poética, aproxima e ao mesmo tempo irradia o pensamento de Ana Sabiá, seja por  meio de um micro ensaio literário e de certa forma também filosófico, no qual a autora exprime categoricamente seu talento literário, ao personificar os elementos de suas composições imagéticas em um texto lírico.
Uma das características mais marcantes do livro de Calvino é o processo de escrita; o romance foi escrito em parte por escolha consciente do autor e em parte como produto do acaso, uma possibilidade que encontramos no O Jogo de Paciência. O leitor pode encontrar as cartas certas para ilustrar seu pensamento e compor a própria história, ao identificar-se com as propostas da autora, ou no encontro aleatório, na busca de uma imagem discernível a partir da contingência de suas posições, que constituem o interessante processo semiótico visto anteriormente, em suas urdiduras, aproximando-se de um perfeito constructo.
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Jogo de Paciência não é o embaralhamento de histórias improvisadas. Há também um componente filosófico significativo, que convida à reflexão sobre a natureza da linguagem que a imagem é capaz de criar. À medida que os personagens criados por Ana Sabiá estão estáticos na fotografia, a linguagem humana revela-se simplesmente como outro sistema de signos que pode ser substituído por um baralho de cartas. Em menor grau, pode ser dito o mesmo da linguagem. Uma palavra não faz sentido em si mesma, assim como as cartas precisam de um contexto ( buscado pelo leitor, incitado pela autora). Isto faz com que estes  percebam que a linguagem humana também pode ser interpretada de múltiplas maneiras e, em última análise, leva à questão de quão precisamente a linguagem é capaz de transmitir significados e descrever o mundo em que vivemos.
Imagens © Ana Sabiá. Textos© Juan Esteves
Infos básicas:
Fotografia e Ilustração : Ana Sabiá
Edição de imagens: Ana Sabiá, Isabel Santana Terron e Luciana Molisani
Desenho gráfico: Ana Sabiá e William Bazzo
Textos: Ana Sabiá e Ana Martins Marques ( epígrafe)
Tratamento de imagens: José Fujocka
Impressão: Pigma
Caixa artesanal: Yume Ateliê
Papéis: Saville Row Plain e Offset
Tiragem de 100 exemplares assinados e numerados
*edição especial com um panô de cetim de seda sublimado com uma das 5 opções de fotografia da série em tiragem limitada de 3 exemplares cada.
Edição bilíngue Português/Inglês.
vendas: lovelyhouse.com.br
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blogdojuanesteves · 5 years
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Sertões Luz & Trevas > MAUREEN BISILLIAT
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Experimental e ao mesmo tempo um clássico é como pode ser descrito Sertões Luz & Trevas, livro da fotógrafa inglesa Maureen Bisilliat, radicada no Brasil desde os anos 1950.  Originalmente foi publicado em 1982,  patrocinado pela empresa química Rhodia com uma tiragem de 4,5 mil exemplares impressos pela Raízes Artes Gráficas, “distribuídos a autoridades, profissionais de educação, orgãos e entidades ligadas a cultura, universidades e bibliotecas públicas" segundo a divulgação na época.
Sua nova edição, Sertão Luz & Trevas ( IMS, 2019) traz novamente textos de Euclides da Cunha (1866-1909), jornalista e escritor natural de Cantagalo, pequeno município do Rio de Janeiro, extraídos de Os Sertões. Publicado em 1902, é uma epopéia sertaneja, um controverso relato histórico mesclado ao literário narrando o conflito de  Canudos (1893-1897) no interior da Bahia entre tropas do governo e  sertanejos rebeldes liderados pelo messiânico Antônio Vicente Mendes Maciel (1830-1897) mais conhecido como  Antônio Conselheiro.
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Além dos extratos do texto original de Euclides da Cunha, a nova edição produzida pelo Instituto Moreira Salles, que tem a guarda da obra da fotógrafa desde 2003, traz artigos escritos pela paulistana Walnice Nogueira Galvão, professora emérita aposentada da Universidade de São Paulo (USP), especialista na obra do escritor, e Miguel del Castillo  carioca radicado em São Paulo, escritor, tradutor e curador da Biblioteca do IMS. Este também assina a coordenação editorial da publicação em parceria com Samuel Titan Jr., diretor do instituto.
Maureen Bisilliat é a "estrangeira" mais brasileira que encontramos quando se trata do conhecimento da nossa literatura e cultura vernacular. Ela define seu "triângulo literário, místico, telúrico e sertanejo" com Euclides da Cunha, o mineiro João Guimarães Rosa (1908-1967) e o paraibano Ariano Suassuna (1927-2014). Este último, ela confessa ainda dever uma interpretação iconográfica à altura de sua obra, como fez também em outro livro A João Guimarães Rosa ( Gráficos Brunner, 1969).
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A ideia inicial era que Suassuna fizesse um prefácio e a obra fosse acompanhada por  textos de seu romance A Pedra do Reino e o príncipe do sangue vai-e-volta, publicado em 1971. Ela mostrou as imagens a ele que, inspirado, acabou por redigir um livro novo tendo a fotógrafa como personagem. Segundo Bisilliat, era muito grande para agregar ao seu livro . A alternativa foi pensar no "sertão histórico" como ela o descreve, retratado na obra de Euclides da Cunha .
O IMS também publicou em 2002, na sua extinta coleção Cadernos de Literatura Brasileira dois volumes em um só livro sobre este escritor, trazendo um ensaio do fotógrafo paulistano Edu Simões. Na sequência, nos Cadernos da Fotografia Brasileira, a edição Canudos (IMS, 2002) abrigou os registros vintage de Augusto Flávio de Barros ( de quem se tem mínimos dados biográficos) que acompanhou os últimos conflitos no local em 1897, até os registros mais contemporâneos do paulista Cristiano Mascaro, entre outros.
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"Um mundo real e mítico, onde homem e natureza se confundem num único ímpeto gerador" é a descrição que a fotógrafa nos dá para os lugares no nordeste brasileiro onde andou entre os anos de 1967 e 1972 buscando imagens para o que seria mais tarde seu Sertões Luz & Trevas. De fato, as suas capturas transitam por um cenário real povoado por mitos em construções sintáticas originais pautadas ora pelo registro mais formal ora pelo experimentalismo instrínseco a sua obra mais abrangente, como as registradas em seus demais livros.
Ainda que ela não "ilustre" Os Sertões e sim aponte uma concordância possivel das imagens na seleção criteriosa dos textos - a sugerir uma intimidade com a obra de Euclides de Cunha - como argumenta Walnice N. Galvão, notamos uma busca dialógica no encontro com o escritor. Entretanto, o que sobressai é sua criatividade na condução imagética desta experiência singular a extrapolar o mainstream da época, o que faz com que sua obra ainda hoje tenha características desafiadoras.
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Em entrevista que fiz em 2008, para um perfil seu na revista Fotografe de setembro deste ano, Maureen Bisilliat descreveu alguns métodos não ortodoxos de sua fotografia, como usar na luz do dia o filme de tungstênio [ uma película diapositiva (cromo ou slide) destinada a corrigir registros da lâmpada de filamento excessivamente amarela]. Ao subverter a indicação de uso, como em algumas imagens deste livro, a contrapartida de azul (oposta ao amarelo em seu espectro) pronuncia-se intensamente, contrapondo-se - genialmente - às cores quentes, mais naturais das demais imagens, compostas pelos tons terrosos e saturados dos seus "encourados" sertanejos.
Com as fotografias em cromos para tungstênio, ela fazia ampliações em papel que posteriormente jogava em uma bacia com água, a qual era balançada criando ondas que geravam distorções ao serem fotografadas com um filme normal daylight. Uma espécie de dilatação temporal a partir do movimento, o que estreitava a distância de 80 anos entre os sertanejos acólitos do Conselheiro e aqueles visitados por ela nos estados do Ceará, Bahia e Alagoas. 
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Bisilliat também refotografava contatos e cópias em papel, iluminando-as com filtros coloridos. Ao responder minha pergunta do porquê esses experimentos específicos neste livro e não nos demais que se seguiram, ela é incisiva: " Parei, porque se continuasse estaria criando um truque! A ideia foi para este trabalho e mais nada" completando com o tom mais alto de seu forte e rouco sotaque as reticências "Rien! Rien! Rien! " (nada, nada, nada em francês). Aos 88 anos e verve intacta, a fotógrafa continua a produzir imagens e a filmar.
Sheila Maureen nasceu no vilarejo de Englefield Green, em Surrey. O Bisilliat veio de seu segundo marido, o desenhista francês Jacques Bisilliat, de quem ficou viúva em 1991. Mãe de duas filhas (uma delas, Sophia Bisilliat que também é cineasta), ela é fruto de mãe artista inglesa e de pai diplomata argentino, ao qual ela justifica sua vida meio nômade. Desembarcou no Brasil em 1952 e ficou de vez em 1957, depois de estudar em Paris com o cubista André Lothe (1885-1962) que entre outras coisas foi professor do francês Henri Cartier-Bresson (1908-2004) que reputaria a este mestre e conterrâneo tudo que sabia de fotografia. Para ela " Lothe era muito rígido e seco. Não poupava crítica aos alunos, embora valioso como professor" reconhece.
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Maureen Bisilliat oferece uma visão incontornável da alma brasileira, conta Miguel del Castillo, assim como grandes escritores como Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) ou  João Cabral de Melo Neto (1920-1999), "suas equivalências fotográficas, termo que ela usa para para se referir à conversa de suas imagens com a literatura". Tudo começou quando recebeu de presente um exemplar do Grande Sertão: Veredas, de Rosa. Um desafio, escreve ele, para quem estava apenas a 6 anos no Brasil.
A versão atual de Sertões Luz & Trevas foi impressa em papel Eurobulk (fosco) pela gráfica Ipsis, com tiragem de 1,4 mil exemplares, diferentemente do papel Couché brilhante da primeira edição da Rhodia, e da segunda (já comercial) de 1983, impressa também pela Gráfica Raízes, que em sua estrutura não difere da primeira, a não ser por um acréscimo de uma indicação precisa do contexto de onde cada trecho do texto de Euclides da Cunha foi retirado, que também está nesta última edição do IMS. Há também uma versão de 1984 publicada na Suíça, com texto em alemão e com prefácio do escritor peruano Mario Vargas Llosa, autor de La Guerra del fin del mundo ( Seix Barral, 1981) uma ficção baseada em fatos históricos ocorridos em Canudos.
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Algumas das modificações da versão atual são textos cotejados com a edição crítica de Os Sertões ( Ed.Ubu, 2016) que teve notas, organização e estabelecimento textual da professora Walnice Nogueira Galvão. Certas fotografias foram mais ampliadas, duas foram substituídas por imagens semelhantes e uma foi excluída. Poucas duplas de páginas tiveram suas imagens invertidas. Uma das páginas que tinha 4 imagens, se desdobrou em duas.
Trinta e nove dos cromos originais se perderam, com exceção de duas imagens que foram escaneadas a partir de cópias em papel. As demais foram refeitas a partir do escaneamento do próprio livro e foram tratadas posteriormente para equalização com as demais. É interessante que esse tratamento digital, coordenado por Joana Americano Castilho e sua equipe do IMS, mostrou certos detalhes que não eram vistos anteriormente, realçando ainda mais o valor excepcional desta grande obra. Segundo Miguel Del Castillo, o livro favorito de Maureen Bisilliat e "aquele que considera mais atual, bem acabado e forte." o que concordamos plenamente com ela.
Imagens © Maureen Bisilliat  Texto © Juan Esteves
 O  livro que  já  está a venda na livraria do IMS de São Paulo e pelo seu site, terá seu lançamento oficial, na FLIP, em Paraty, Rio de Janeiro.
 A obra de Bisilliat será tema também de uma mostra, que a casa IMS exibirá ao longo de toda a Flip. A exposição reunirá imagens do livro recém-lançado, inspirado em Os sertões, de Euclides da Cunha, e outras fotos que dialogam com as obras de Ariano Suassuna e João Guimarães Rosa
Além das atividades da casa, o público poderá visitar a mostra Conflitos: fotografia e violência política no Brasil 1889-1964, em cartaz no caminhão-museu localizado na Praça Aberta. Uma parceira do IMS com a Universidade Federal de Minas Gerais, o projeto é uma adaptação da mostra exibida no IMS Paulista e no IMS Rio, e apresenta um panorama da fotografia de guerras civis e outros conflitos envolvendo o Estado brasileiro. O caminhão também terá uma programação de conversas com autores, que acontecerá em seu palco.
Leia mais sobre o livro organizado por Heloisa Espada e Angela Alonso, publicado em 2017, em
https://blogdojuanesteves.tumblr.com/post/169745850941/conflitos-fotografia-e-viol%C3%AAncia-pol%C3%ADtica-no
Leia a programação completa do IMS para a FLIP no site
www.ims.com.br
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