Projeto documental sobre vilas operárias de SP discute afeto e patrimônio
[Originalmente publicado em maio de 2018 aqui]
Na Vila Maria Zélia, a manicure Rita diz que ali o tempo corre de outra forma. "É como se eu estivesse em Minas". Não muito longe, na Vila Cerealina, Zelinda tira o acordeon da caixa e se emociona ao dedilhar as notas, contando que "não aprendeu a ler música, mas aprendeu a tocar". Do outro lado da cidade, em Perus, um morador da Vila Triângulo fala sobre as reivindicações nos anos 1960 em uma "fábrica bruta" onde "se comia pó", e sobre o alento do bom convívio entre funcionários.
Esses fragmentos conectam histórias surgidas no interior de vilas operárias paulistanas, lugares onde se morava, trabalhava e vivia, retratadas no projeto Entrevilas. O webdocumentário que acaba de ser lançado foi feito ao longo de três meses por profissionais de diversas áreas — jornalistas, designers, arquitetos, historiadores e fotógrafos — em uma produção em parceria do Estúdio Crua com o Centro de Pesquisa e Formação do Sesc.
"Eu e a Marcia [Mansur] fizemos um projeto chamado 'Som dos Sinos', de patrimônio e novas mídias, que ganhou vários prêmios, e daí veio a demanda por cursos sobre narrativas transmídia", conta Marina Thomé, do Crua. Após iniciativas de webdocs realizados durante hackatons, veio a vontade de desenvolver algo mais longo. "Fizemos um chamado aberto e fechamos um grupo multidisciplinar de 17 pessoas".
Abordando origem e destino de 5 vilas (Maria Zélia e Cerealina, na zona leste; Economizadora e Itororó, na região central; e Triângulo, na zona noroeste), o projeto fala sobre patrimônio, lutas trabalhistas, afeto, criando uma espécie de vila imaginária interativa. No site, um mapa mostra a localização delas, dos rios e das antigas ferrovias na cidade. Conta a história de cada espaço, a qual fábrica pertencia. Traz reflexões sobre arquitetura, ocupação dos lugares, trabalho e direito à cidade, mostrando que a história não se faz só na preservação de edificações, mas nas trajetórias de quem passou por ali — e também na experiência e significação dos novos moradores.
"Quais os personagens envolvidos neste processo? Engenheiros, empreiteiros, operários, imigrantes e migrantes que construíram o ambiente não são mais importantes que os moradores e habitantes que convivem e desconhecem o passado do ambiente. Afinal de contas, qual o sentido de um sítio histórico se sua trajetória não pode ser identificada e propagada?"
Na vila da fábrica de cimento em Perus, ficamos sabendo mais sobre a greve dos queixadas e tomamos conhecimento do movimento pela reapropriação do local para criação de um centro de lazer, uma universidade livre e um instituto de pesquisa, tudo destinado aos moradores de uma região periférica da cidade. Já na central Vila Itororó, na Bela Vista, é discutido o uso público por meio de um projeto que administrava o lugar até março, após a desapropriação do local como moradia. Na Vila Economizadora, acompanhamos o relato de uma trabalhadora paraguaia que hoje vive ali.
"A ideia do webdoc é ser uma ferramenta também de mobilização social, gerar conversa sobre a cidade", diz Marina.
Quer conhecer as vilas? Vilas Cerealina (entre as ruas Fernandes Vieira, Herval, Álvaro Ramos, e Júlio de Castilhos) e Maria Zélia ficam a 30 minutos de caminhada uma da outra e o passeio é uma forma de conhecer mais o bairro do Belém. Da Vila Itororó (é fechada; vale consultar o site para saber sobre os horários de abertura) até a Economizadora, o trajeto a pé dura em torno de uma hora pela av. da Liberdade, Sé, Rua Cantareira e região do Mercadão. Em Perus, não é possível conhecer a vila, mas é possível se informar sobre o movimento que envolve sua resignificação por aqui.
Fotos: Entrevilas / Reprodução
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Mostra de cinema exibe curtas feitos só por mulheres
O Guia Maria Firmina, em parceria com a Casa Vulva, realiza a 1ª Mostra Lee de cinema composta por 13 curtas dirigidos por mulheres, que abordam temas como mulheres no funk, corpo feminino, geração tombamento, história de São Paulo e muito mais.
A Mostra LEE – de Livres, Extraordinárias e Excêntricas, é um trabalho em conjunto do Guia Maria Firmina, responsável pela curadoria da programação, e da Casa Vulva, espaço de artes integradas que recebe a atividade. Foram mais de 40 inscrições com curtas de diversos lugares do Brasil e 13 selecionados, entre eles “Beat é Protesto – O funk pela ótica feminina”, de Mayara Ef, e “Lacry: Histórias da Geração Tombamento”, de Mayara Nunes.
A mostra de cinema acontece no próximo dia 28 de abril, às 16h. A entrada custa R$ 5 com pipoca à vontade.
Abaixo, confira os curtas exibidos:
1. Beat é Protesto – O funk pela ótica feminina
O funk sempre foi uma forma de protesto e ser mulher também é! Dirigido por Mayara Efe, O Beat é Protesto – O funk pela ótica feminina é um documentário que retrata sobre a cena underground das mulheres no funk de protesto da última década de São Paulo. Os depoimentos vêm de mulheres transgênero e cisgênero que transitam em diferentes funções dentro desse universo como cantoras, DJs, beatmakers, produtoras, empresárias, MCs, dançarinas etc.
2. Crisálida
Passando por questões como a rejeição do próprio corpo e questionamentos diante à sociedade que a reprime, até enfim, a aceitação de si mesma, Crisálida é um documentário ensaístico com direção de Paola Santos que dá ênfase aos pensamentos de jovens mulheres que vivem e são inseridas na sociedade do século XXI.
3. Capitais
A vida de Alice muda quando Laura, filha da sua vizinha de parede, bate em sua porta para perguntar se sabe algo sobre sua mãe. Ninguém tem visto ela há dias, nem Alice, nem Laura, e muito menos os moradores do condomínio. O curta, com direção de Kamilla Medeiros e Arthur Gadelha, é um drama sobre a solidão das capitais, baseado na poética das músicas do cantor cearense Belchior.
4. Do tempo que só minha mente se movimentava
O curta dirigido por Amanda Pinho conta a história de Sofia, que possui duas protusões em sua lombar e, atravessada por suas limitações, acessa novas formas de expressividade através da dança, ressignificando a imobilidade.
5. Entretantos
Com direção de Sue Durden, Entretantos é um videodança sobre um corpo que fala, que grita, que risca no asfalto seu manifesto.
6. EntreVilas
Produzido ao longo de 3 meses, EntreVilas permite ao usuário navegar pela história das vilas operárias da cidade de São Paulo, mergulhando no contexto da urbanização paulistana. O documentário, dirigido coletivamente por dez pessoas (oito mulheres e dois homens), discute as relações entre trabalho e moradia, registra o contexto em que essas vilas foram construídas e sua relevância na constituição das famílias e na expansão da cidade.
7. Lacry: Histórias da Geração Tombamento
Dirigido por Mayara Nunes, o documentário mergulha em histórias de vida para compreender os múltiplos sentidos e a vivência daquilo que se define como “Geração Tombamento “, um movimento que articula política, estética, arte e empoderamento negro.
8. MARROCOS
Dirigido por Andrea Nero e Iajima Silena, o documentário conta a história do do antigo Cine Marrocos, que estava ocupado em 2015 por cerca de 500 famílias organizadas em torno de um movimento social pela habitação. O mesmo espaço há décadas atrás era cenário de importantes episódios da cinematografia brasileira. Marrocos é um documentário que aborda o tema da transitoriedade, criando relações com o imaginário do nomadismo que se identifica com o atual contexto urbano.
9. MATCH
Duas pessoas desconhecidas sentam no banco de uma praça. Uma conexão é estabelecida entre elas no silêncio de seus aplicativos. Trabalho dirigido por Raquel Freire.
10. nem sólido, nem líquido
Realizado a partir de um processo de pesquisa, seleção e colagem de vídeos institucionais da década de 50 e outros materiais de arquivo disponíveis em bancos gratuitos na internet, o documentário de Nanda Carneiro reúne narrativas fictícias e experiências autobiográficas para incitar uma reflexão sobre os distúrbios de imagem e o controle sobre o corpo da mulher ao longo da história.
11. O que vem depois do adeus
Com direção de Patrícia Sá, o curta narra os recomeços de Paula e Jorge após a separação. Angústias, saudades, despedidas… O que vem depois do adeus?
12. Que som tem a distância?
Depois do cárcere, Isaura tenta se reconectar com o mundo. Na prisão, participou de uma iniciativa literária e, a partir do reencontro com companheiras do projeto, discorre sobre suas angústias e a dificuldade de se reconfigurar como mãe, mulher e humana. Um filme dirigido por Marcela Schild.
13. UM CORPO FEMININO
Quando nomeamos uma coisa, ela perde ou ganha sentido? “Um corpo feminino”, filme de Thais Fernandes, propõe um jogo aparentemente simples – pergunta para mulheres de diversas gerações a definição de algo que em teoria as unifica. Parte de um projeto transmídia (http://bit.ly/2PcZZYD), o filme é a porta de entrada para uma narrativa que possui muitos pontos de vista e nenhuma resposta certa.
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Mostra de cinema exibe curtas feitos só por mulherespublicado primeiro em como se vestir bem
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