CONTRASTE COMO NARRATIVA: Poor Things via figurino
Muito se fala de Pobres Criaturas, sendo tratado como um filme ou desnecessário, sórdido e cansativo ou audacioso, visionário e imersivo. O filme pode ser uma mistura desses adjetivos mas não só isso, a obra é uma experiência que transcende a narrativa visual. Serve muito bem como propósito de obra de arte uma vez que não existe como opção ficar no estado de indiferença.
E quem assume um papel vital para esse imagético aclamado, é o figurino, indicado e vencedor da categoria no Oscar, executado com maestria por Holly Waddington. A figurinista disse sempre ter sido uma fã de Yorgos Lanthimos e se refere ao trabalho dele como interessante, idiossincrático e subversivo, e foi exatamente essa sacada que fez essa combinação brilhar.
A cabeça de Holly e Yorgos pareciam funcionar quase que como telepatia, a figurinista conta que sempre teve a imagem do filme em preto e branco, mesmo antes dessa informação. Além do preto e branco disse também que sempre viu a Bella meio vestida. Disse que o livro é incomum e pós-moderno, e traduziu isso muito bem através de seu trabalho.
Yorgos sempre deixou claro que não queria que o filme parecesse um sci fi nem um filme de época. Por isso o filme se passa em - como se fosse - uma realidade alternativa dos dois visuais, em um sonho consciente do século 19, um sonho de um indivíduo vivenciando 1880 / 1890 com informações do mundo pós moderno, uma obra que ressoa através da arquitetura georgiana, arquitetura brutalista, art nouveau e art déco 1930, esse é o ambiente. Foi assim que as ideias tomaram forma, com esses anos em mente tiveram as mangas oversized como chave do figurino.
O diretor deixou seus colaboradores trabalharem sua criatividade em nível máximo, sem restrições. Talvez esse tenha sido o fundamento para o sucesso desse trabalho muito bem executado e condizente como papel de o figurino contar uma história e não só acompanhar o enredo. Ele por si só é um acontecimento, ele por si só é um conceito essencial para entendimento da obra, ele anda de mãos dadas com o espaço-tempo. Holly entrou em contato com o trabalho do resto dos colaboradores depois que ela tinha o conceito pronto, e tudo pareceu cair como uma luva, e enfeitou essa categoria de estranheza.
A pauta principal de discussão para o resultado final foi em como se ambientar no século XIX e mesmo assim trazer o ar do pós moderno e lúdico. Bella Baxter, se resumida, é incontrolável, desenfreada, e, depois da transição do preto e branco para cores, é livre, não pode ser moldada. Foi pensando nisso que Yorgos trouxe a ideia de tirar o espartilho, essa decisão construiu o contraste perfeito da mulher rica que se vestia como uma boneca, que a limitava de movimentos e ditava uma postura, para Bella. O que conversa também com questões feministas que o filme aborda, o espartilho pode ser associado ao controle, o que não funciona para a personagem uma vez que esta se movimenta como uma criança.
Outro ponto que secunda esse contraste é o cabelo de Bella e o fato de parecer que ela sempre está meio vestida, deixa a impressão de que falta algo, porque realmente falta, ela sempre é retratada com vestimentas incompletas, como pé descalço, meias etc. Imagem que lembra os anos 70, um ano que teve como conotação a ideia de liberdade.
O figurino acompanhando o espaço-tempo, segue uma evolução, um exemplo é quando Bella sai de casa e começa a se vestir sozinha, aparece vezes com agasalhos e anágua e com misturas não óbvias de peças, com vestimenta que vai perdendo elementos conforme o filme faz seu percurso. Nesse momento a personagem está inserida no mundo, com ânsia de viver mesmo que com a inocência de uma criança. A impressão é de que Bella não se importa, que pega as 3 primeiras peças de roupa que “God” escolheu a dedo para ela. Baxter está tão vidrada no mundo a fora que mal se enxerga em um primeiro momento.
Talvez o que mais incomode no filme seja o fato de que a personagem principal é tratada muitas vezes como objeto e ao mesmo tempo ser uma figura infantilizada, praticamente uma criança. O espaço entre os polos é bem estreito mas é tratada no filme não como uma crítica mas mais uma vez como contraste, o imagético do filme é inteiro trabalhado em cima dessas contraposições ambíguas, desde o não aparecimento do espartilho em um filme ambientado no século XIX, época a qual a figura da mulher era limitada a um padrão em que Bella não se encaixaria nem de longe, da presença de temperos dos anos 70, do preto e branco para as cores até o fato de uma pessoa com imagem totalmente pueril ser vestida com peças que lembram partes íntimas; se bem observado as silhuetas das roupas tem referências de partes do corpo humano.
O filme choca a cada cena, o que é resultado desses contrastes.
É uma obra sobre descobertas, viagens dentro do próprio corpo e fora; o fato de Bella lembrar uma criança condiz uma ótica de um mundo para ser experimentado com apetite, ânimo, disposição e energia. É uma beleza que perdemos conforme vamos absorvendo mais do mundo e crescendo, Bella se inspira pela sensação de liberdade e se mostra curiosa. Seria isso o que separa nos adultos de uma criança? É o brilho, a curiosidade do novo?
O figurino é curioso, despretensioso, livre, inusitado, quase descuidado, por trás de muito zelo. É criativo, é a tradução de Bella Baxter, a mistura de materiais novos com silhuetas clássicas, as cores, a ambiguidade…. Sem esse trabalho minucioso de Holly o filme não teria o mesmo magnetismo recreativo, Bella não seria Bella Baxter.
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Saia feita por minhas mãos 🙌🏽 habilidosa que Deus me deu 🙌🏽🙏❤️Assino visagismo audiovisual #figurino com @oliveiracris10 🌟⭐️vestir ela é vest 1 mulher fera #jumarrua - Já te amo ❤️ (em CINEMA) https://www.instagram.com/p/CqFMd-qMW7_vH6AhG5BxTYIyZNWPJAGm0ZjClg0/?igshid=NGJjMDIxMWI=
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One hour dress
Vamos de desafio de costura histórica #DCHBR2023. 😃 Esse o ano o tema é *cores*. Pra o meu janeiro branco escolhi 2 metros de um voil com metalizado furta-cor e criei um *one hour dress*.
O #onehourdress é um modelo de 1920, que ficou bem popular, por causa da modelagem sem mistérios que permita bom aproveitamento dos tecidos e da premissa de que ele poderia ser executado em uma hora na máquina de costura.
Por causa da delicadeza do #voil optei por executar o meu vestido inteiro a mão e levei cerca de 15 horas no projeto. Minha ideia pra ele é dar um algo mais no pretinho básico e um refresh no #look todo branco de ano novo e ir criando sobreposições.
O #desafio deste ano foi postado no perfil da @merlim.crafts. 😘#costuraartesanal #desafiodecostura #desafiodecosturahistórica.
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