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neevcn · 4 years

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ＮＥＥＶＡＮＪＡＭＥＳ ╱ 𝑓𝑟𝑖𝑒𝑛𝑑𝑠 𝑜𝑛 𝑡𝘩𝑒 𝑜𝑡𝘩𝑒𝑟 𝑠𝑖𝑑𝑒; 𝐭𝐚𝐬𝐤 𝟎𝟎𝟓

Inspirações: a princesa e o sapo, vodu haitiano, harry potter, assassin’s creed, the vampire diaries.

TRIGGERS: morte, violência, agressão física, sangue, vodu, cobras.

Pessoas mencionadas: @fameili @tigerwxrrior @margaerythings @lxcglr @howie-rabbit @propheticgrl @hasablanca @sxweselton @dearvodudoll @golittlebluefairy @tresdedoze (BART E KAROU QUE NÃO ESTÃO MAIS NO RP, MAS EU CITEI SIM SENHORAS)

Para quem preferir ler pelo docs, clique aqui. (Espero que funcione). Para quem preferir ler pelo tumblr, só continuar rolando a página.

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Para alguém que sempre optou por viver a vida da maneira mais simples e descontraída possível, Neevan vinha lidando com problemas bastante complicados ultimamente. Quando estava começando a se acostumar com a ideia de viver sob a pressão de estar prestes a se formar e, ainda assim, não ter preparo algum para ser rei, e sequer tinha um conto para chamar de seu, o príncipe fora surpreendido por uma reviravolta que ele jamais poderia prever. Sempre otimista, nunca imaginou que o fim de semana que esteve em Nova Orleans, durante um festival de jazz, iria lhe render uma maldição que desencadeou todas as adversidades que tivera de enfrentar nas últimas semanas. Todas as sensações que vinha experimentando, as visões horríveis que tinha e as vozes lhe incentivando a fazer coisas terríveis lhe renderam alguns momentos conturbados, e havia visitado a sala de Merlin e a detenção mais vezes na última semana do que toda a sua estadia em Aether nos últimos doze anos.

Sem controle algum sobre quando ou onde iria começar as visões, a entidade que o estava perseguindo lhe tirava a vista do que realmente tinha a sua volta e lhe mostrava apenas a escuridão, o que lhe causava todo tipo de sentimento ruim: medo, raiva, ansiedade. Durante alguma conversa com algum amigo, escutava uma voz rouca sussurrava em seu ouvido alguma frase ou palavra que o fazia sentir uma raiva imensa da pessoa a sua frente – o que fora, mais de cinco vezes, o motivo para ir à detenção e ainda gerar desconforto entre ele e os amigos. A voz lhe incentivava a fazer coisas terríveis, e foi assim que entrou em uma briga onde fez sua grande amiga de infância Meili chorar, acabou tendo um pequeno e doloroso duelo com Margaery, além da briga física com Kaimana e outra com Tye – o que os levou à detenção – e ainda tinha Sibylle, que tanto o estava ajudando e ele havia ferido a nova amiga. Mal saberia por onde começar a se desculpar, mas sentia-se atormentado todo o tempo, e era difícil pensar em um bom pedido de desculpas quando tinha medo de se aproximar dos amigos e acabar acontecendo algo irreversível, que se arrependeria pelo resto de sua vida.

As pessoas que o conheciam começaram a estranhar. Como alguém tão sociável como Neevan, que andava pelos corredores com Cornelius no ombro e o ukulele em mãos, improvisando canções para alegrar os outros, levando a vida sempre com leveza e um sorriso largo e sincero no rosto, agora era um rapaz de cara fechada, na maioria das vezes parecia irritado e sequer cumprimentava os outros. Os olhos pareciam sem vida, o sorriso em seu rosto não era visto há várias semanas, e o ukulele esquecido dentro de seu armário. A única coisa que permanecia igual era Cornelius em seu ombro. A lealdade do animalzinho de estimação do príncipe era clara, pois estava sempre com ele e usava do dom que o filho de Tiana possuía para falar com ele mentalmente durante as vezes em que a voz maligna tentava lhe incentivar a fazer algo horrível. O sapinho tentava acalmá-lo e lhe dizer coisas boas, e chegou a salvar a pele do príncipe algumas vezes.

Com todo esse peso sendo carregado sozinho, o músico sentiu-se aliviado por agora ter Sibylle para conversar e o ajudar. A cigana fora responsável por ajudá-lo a descobrir sobre sua maldição – a qual o príncipe já desconfiava, mas andava em negação e não queria utilizar a tal palavra para definir a sua questão pelo simples fato de achá-la forte demais. Não queria acreditar que aquilo estivesse mesmo acontecendo com ele. E então, no Calanmai, ao tocar o peito do aprendiz, a filha de Esmeralda enxergou um pouco de toda a escuridão que ele via, sentiu por uns segundos as sensações intensamente ruins que ele sentia nas últimas semanas. Dessa forma, os dois se aproximaram, e em um dia em que ela pesquisava algumas soluções para o problema de Neevan, as sombras se irritaram e invadiram a mente e a visão dele, o fazendo ter algumas alucinações e agir como alguém atormentado, machucando a garota. Sibylle poderia ter sido compreensiva, mas o maldonês estava completamente sem graça perto dela depois do acontecido.

Os dois ainda não souberam com toda a certeza identificar o que era exatamente a maldição, ou o que ela faria com Neevan, e muito menos como se livrar dela. Nesses dias de pesquisa, onde os dois já haviam tentado uma coisa ou outra, sem sucesso em nenhuma das vezes, o herdeiro da Maldônia passou a escutar uma voz diferente.

“Venha até a floresta! Me procure! Eu preciso te ver…”

Era uma vez feminina, mais calma e serena, não lhe causava arrepios ou sensações ruins. Parecia familiar, mas ainda não havia identificado com exatidão de quem era. Havia algumas possibilidades, entretanto, lembrava uma mistura das vozes de suas irmãs e de sua mãe. Mesmo tendo se aproximado Sibylle a pouco tempo, ela é quem mais o vinha ajudando nos últimos dias, e confiava nela e em suas boas intenções, por isso lhe contou sobre as vozes que vinha escutando.

— E então, acha que devo ir até a floresta? — Perguntou à cigana, logo após de lhe explicar tudo, esperando algum conselho. Disse que não identificou a dona da voz, mas que aquela não o atormentava como a outra, e nem lhe dizia coisas ruins. Apenas indicava para onde ir.

— Você quer ir até a floresta? — A cigana lhe devolveu a pergunta, fazendo o príncipe parar estático por alguns segundos, pensativo. Estava tão ávido pelo conselho de alguém que sequer pensou no que ele queria.

— Não sei. — Respondeu com sinceridade, uma risada sem humor escapando de seus lábios. Mordiscou o inferior, um pouco nervoso. — Acho que eu só ‘tava esperando que você me dissesse o que fazer. Só tenho tomado decisão errada ultimamente, fico até com medo de decidir alguma coisa e dar merda. — Permitiu-se rir um pouco, embora a situação ainda fosse difícil e não tivesse superado completamente. A cigana riu junto, sabendo bem das confusões que ele havia se metido nos últimos dias.

— Bom, eu não posso tomar essa decisão por você. Mas se você não está sentindo nenhuma sensação ruim, por que não? Vai! Não vejo nada demais. É melhor descobrir de vez o que essas vozes querem do que ficar sendo atormentado por elas o tempo todo. — Falou de uma só vez e, por algum motivo, Neevan encheu-se de coragem. Parecia que a outra tinha o dom da palavra quando se tratava dele, e tudo o que era dito por ela, era levado como verdade absoluta por ele.

— ‘Tá bem. Eu vou me organizar, me preparar, separar alguma espada, ou sei lá, vou hoje à noite. Valeu, Sibs. — Chamou-a pelo apelido, e com um sorriso meio torto e ainda meio sem jeito pela recente briga dos dois quando ele havia sido possuído, levantou-se e depositou um beijo na bochecha da cigana, despedindo-se.

Parecia um chamado para uma aventura, mas embora não fosse exatamente o tipo corajoso e que sabia se virar em uma briga ou um duelo, Neevan sentia que aquele chamado era importante. Sentia que aquilo precisava ser seguido e, quem sabe, resolvido. Era algo que lhe despertava interesse, lhe dava vontade de ir e descobrir o que poderia ser, e aquela forte sensação de que aquilo poderia decidir o destino de sua vida.

Chegando ao seu quarto, em profundo silêncio para não acordar os seus colegas, visualizou Cornelius em sua pequena cama dormindo e então com todo o cuidado que suas mãos possuíam, buscava por algo que pudesse lhe ajudar a se defender, caso precisasse. Não possuía nenhum tipo de objeto cortante que pudesse lhe auxiliar em um duelo, e também não possuía magia, ou algum poder que pensasse ser útil. Repensou seus últimos anos em Aether, onde dedicou todo o seu tempo a relações amorosas e até mesmo amizades, mas que não se preocupava com estudos, nem com desenvolver os seus poderes. Talvez, agora, soubesse de algo útil para ajudar a si mesmo. Só agora percebia o quanto havia feito descaso com sua própria vida nesse quesito, e todo o tempo que havia desperdiçado. Não se arrependia de todos os relacionamentos interpessoais que havia desenvolvido e colaborado para seu amadurecimento, mas talvez estivesse na hora de focar no intrapessoal e descobrir mais sobre si mesmo. Talvez agora fosse tarde demais. Não tinha mais controle de seu destino, e aquilo o assustava.

Sentou-se na beirada de sua cama, com todos os pensamentos voltados para seus medos, anseios, arrependimentos. Hesitava em seguir o chamado que, há alguns segundos, parecia muito disposto, percebendo que não tinha capacidade nenhuma de lidar com tudo aquilo e gerando naquele momento um conflito interno que não sabia como resolver sozinho. Desanimou instantaneamente, pensando o quanto mais teria de conviver com aquela maldição, e desejando entender o que Facilier queria dele, afinal. A intenção da maldição era deixá-lo louco? Fazê-lo ficar isolado, sem amigos e brigando com todos? Decepcionar os pais e as irmãs? Porque já havia passado por tudo isso, e as sombras ainda o perseguiam e atormentavam, o que significava que o seu propósito ainda não havia sido cumprido. Então, fazendo uma rápida comparação sobre a sua situação atual e pensando como tudo poderia piorar se decidisse ouvir o chamado, optou por ficar onde estava. Porém, aquilo ainda parecia incomodá-lo.

“Venha até a floresta. Precisa ser essa noite! Venha me encontrar...”

— Que merda! Sai da minha cabeça! — Sussurrou consigo mesmo, ao voltar a escutar a voz insistente para que seguisse até a floresta. E então escutou uma outra voz em sua mente, a qual logo reconheceu. — Te acordei, Cornelius? Desculpa…

— Tudo bem. Quer conversar, amigo? — O dom de Neevan lhe permitia conversar verbal ou mentalmente com anfíbios e répteis. Embora nunca tenha encontrado grande utilidade nesse poder durante algum duelo, afinal não controlava os animais, apenas se comunicava com eles, sempre foi bastante útil ter uma forma de conversar com o seu sapinho de estimação, o qual agora era mais do que isso. Era um grande amigo!

— É sobre aquela voz. — Falou, logo depois de suspirar. Os dois conversavam por telepatia, para que não acordassem os outros quatro colegas de quarto. O sapinho já sabia da nova voz que o príncipe vinha escutando. — Ela continua no meu ouvido, cada vez mais perto e mais frequente. Ainda agora falou que preciso ir à floresta e que preciso ir hoje.

— E por que ainda está aqui? — Questionou o sapo, num tom de obviedade. Se tivesse sobrancelhas, certamente as estaria franzindo agora mesmo.

— É sério essa pergunta? Porra, Cornelius, sabe que não sei lutar, não sei brigar, o meu poder é inútil… Sem chance de eu me meter sozinho na floresta, na escuridão.

— Mas quem disse que você vai sozinho, idiota? Eu vou com você!

— Sem chance! Não quero que se machuque. Além do mais… — Pausou a própria fala para soltar uma risada. — Você me ajudaria como? Quer dizer, sei que foi muito legal me ajudando quando essas sombras horríveis tentavam me possuir, mas olha o seu tamanho. Se nem eu me garanto, imagina você?

— Ha ha ha! Vai brincando mesmo, seu mané. — Cornelius dizia, e Neevan se controlava para não rir alto. O amigo sempre sabia como lhe divertir de alguma forma, mesmo quando não era a intenção.

— Desculpa, Corny, não quis te ofender.

— Eu sei. — O sapo dizia, sério, compenetrado. Parecia sábio ao falar, embora ainda parecesse um sapo de pouca idade, o verdinho havia envelhecido e ainda mantinha o rostinho de filhote. Uma fofura! — Mas você precisa ir! Anda logo! A voz disse que precisava ir hoje, não é?

— Cornelius! Por Merlin! Eu não vou!

— Você vai sim!

— Não vou não. Você quer que eu morra?

— Deixa de exagero, você não vai morrer. — O anfíbio revirou os olhos.

— Não é exagero, e você sabe que não é. Mas ok, vamos lá, me fala um bom motivo para eu arriscar a minha vida indo até lá?

— Ah, você quer um bom motivo? Eu vou te dar um ótimo motivo: a sua família. Quer mais motivos? Os seus amigos. E todas as pessoas que você ama e você se importa. — A pequena pausa fora o suficiente para o rosto divertido de Neevan se transformar em um mais sério, fechado. Prestava atenção no que ele dizia, absorvendo aquilo como a verdade dura que não queria aceitar, mas que sabia que era a realidade dele. — Você viu o que aconteceu nos últimos dias? Suas irmãs tiveram sorte de não estar por perto, imagina se você machuca a Dora? A relação de vocês já não está muito boa. E a Jazz? Ela é pequena e delicada, você facilmente machucaria ela. Vai ter que se afastar de todo mundo que você ama só porque está com medo?

— Você fala como se fosse fácil. — O aderense replicou, alguns minutos depois de ficar em silêncio, refletindo sobre o que escutou.

— Eu não disse que seria. Mas para quem já está na merda, o que você tem a perder? E não me diga a sua vida porque, sendo sincero, você já perdeu a sua vida nas últimas semanas. Tudo mudou, você não é a mais o mesmo. E eu vou estar com você, como estive desde o começo da sua vida, desde o seu primeiro dia em Aether. Como estive lá quando você chorava porque sua primeira namorada te largou. E como estive quando você discutia com sua irmã e tentava pensar em alguma coisa para ficar bem com ela. Como também estive quando essa maldição chegou. Todos os dias. E vou com você agora, seja lá o que tiver nessa floresta, a gente enfrentar junto.

E então os olhos do príncipe encheram-se de lágrimas, ao mesmo tempo em que o peito encheu-se de esperança e aquele empurrãozinho de Cornelius era o que ele precisava para ganhar força e seguir em frente. Esticou a mão para buscar o sapinho, que cabia na palma dela, e o abraçou, sentindo as patinhas geladas do anfíbio em volta de sua nuca. Apoiou o amigo no ombro, e foi até a floresta apenas com o transmissor no bolso e toda a - não muita - coragem que adquiriu nos últimos minutos. Neevan desejou que toda a autoconfiança que tinha para flertar se revertesse em autoconfiança com o que estava por vir, mas sabia que não seria capaz. Ainda assim, lá estava ele, aceitando o desafio e indo resolver o conflito. Ou pelo menos tentar.

A floresta nunca lhe pareceu tão escura ou deserta. Lembrava-se das histórias que estudavam em História Geral dos Contos, as que narravam sobre florestas assombradas e perigosas, e aquela definitivamente parecia como a que diziam nos livros. Tentava manter-se forte e confiante todo o tempo, ficando cada vez mais difícil. Piorava quando ele tentava chamar por alguém, e ninguém respondia. Chamava pela voz que o pediu para ir até a floresta, mas não obtinha resposta. Continuou a caminhar, cada vez mais para dentro da floresta, apenas a luz da lua e o transmissor iluminando seu caminho, e quando pensou em desistir e voltar atrás, encontrou um rosto conhecido bem no meio da escuridão. Franziu o cenho, aproximando-se para verificar se era mesmo quem pensava ser.

— Melinoe? — Perguntou, mesmo que já conseguisse ver o rosto da antiga amiga. Não esperava encontrar a filha do Facilier por ali. — O que ‘tá fazendo aqui?

— Oi, Neev. — Ela respondeu, meio sem graça. Natural que aquilo acontecesse, os dois já foram bons amigos apesar dos pais sempre terem detestado a ideia, mas assim que descobriu que a garota conhecia os planos do pai e, ainda assim, não tentou alertá-lo, Neevan não conseguia mais confiar nela. Os dois brigaram, e não se falaram mais desde então. — Era eu quem estava te chamando.

E então o coração de James pareceu parar de bater por alguns segundos, a respiração lhe falhava também. Aquilo só podia significar que tudo havia sido uma emboscada, e ela estava ali para finalizar o que o pai havia começado. Seja lá quais fossem os planos dela, um cara que apenas conseguia falar com sapos não tinha a menor chance num duelo com uma aprendiz que sabia muito sobre vodu. Engoliu em seco, nervoso, pensando em se desculpar e implorar por sua vida, quando percebeu que, se fosse mesmo morrer, que fosse com honra. Coragem não tinha, mas poderia fingir.

— E você queria que eu viesse para quê? Terminar o que seu pai começou?

— É claro que não, Neevan. Deixa de ser idiota! — Pareceu ultrajada ao responder, mas logo se recompôs e prosseguiu. — Eu sei que se chateou, e com razão. Somos amigos, eu deveria ter te avisado sobre os planos do meu pai. De qualquer forma, ele mentiu para mim. O que ele me contou era que faria uma proposta à você, e apenas isso. Fui idiota de confiar nele. — A jovem parecia sincera, e o príncipe começara a ceder.

— E por que ele mentiria para você, logo a filha dele?

— Porque ele queria me testar. Se sou confiável. Ele sabia que se fosse algo mais sério eu iria te contar, porque somos amigos. — Ela fez uma pausa, e se aproximou dele nesse tempo. Ele não a interrompeu, e deixou que prosseguisse. Tinha medo, mas estava igualmente curioso. — Ele me disse que te faria uma proposta. Que se casasse comigo, para que eu fosse rainha e ele, consequentemente, teria acesso à realeza. Imaginei que você fosse negar e ficaria por isso mesmo. De qualquer forma, eu nunca imaginei que ele iria te rogar a Maldição da Morte, imaginei que se ele fosse- — E então Neevan arregalou os olhos, a interrompendo.

— MALDIÇÃO DA MORTE? — Gritou, assustado. O sapinho em seu ombro também parecia extremamente chocado. — Então é isso o que o seu pai quer? Me matar?

— Espera aí! Você não sabia? — Perguntou, de cenho franzido.

— É claro que não! Quer dizer, eu escutava vozes e tinha visões horríveis, sentia raiva o tempo inteiro, mas eu achei que ele só queria me atormentar.

— Ai Neevan, você é muito otimista. Ou ingênuo. Facilier teve a vida arruinada pelos seus pais, é claro que ele iria buscar uma vingança que os magoasse de verdade.

— Beleza, e você me chamou aqui só para me contar isso? Me falar que vou morrer? — Perguntou com o tom de voz claramente desesperado. A respiração pesada chegava a falhar.

— Na verdade, não. Eu me senti muito culpada pelo que aconteceu, por não ter te alertado antes. Lembra que te procurei depois que brigamos? E você não quis me ver de jeito nenhum? E não tiro sua razão por isso, que fique claro. — Enquanto ela dizia, Neevan prestava atenção, embora ainda estivesse tentando digerir todas as informações. Não conseguia interrompê-la porque seus pensamentos estavam embaralhados, e não podia colocar em palavras tudo o que estava sentindo. Teve vontade de chorar, ao pensar que poderia realmente morrer e nunca mais ver as pessoas que amava. — Então eu comecei a pesquisar formas de te ajudar. Li muitos livros, entrei em contato com pessoas de muito conhecimento sobre vodu, e descobri algumas coisas.

— Verdade? Tipo o quê? — Perguntou esperançoso, fitando-a nos olhos. Estavam agora bem próximos um do outro, o transmissor guardado no bolso e Cornelius em seu ombro atento à toda a conversa. Melinoe poderia não entender o sapinho, mas ele certamente entendia tudo o que ela dizia.

— Bom, as primeiras pesquisas foram desanimadoras. Eu vi em todo livro que uma Maldição da Morte só poderia ser quebrada com… Bem, uma morte. Ou seja, se você não morresse, precisaria matar uma outra pessoa, e conhecendo você, sei que não faria isso.

— Realmente não. — Ele reforçou, mas continuava com os olhos negros arregalados, atentos à ela.

— Então encontrei sobre sacrifício, e também não achei que você toparia. Fazer trocas com as trevas também fora de cogitação. Elas têm milênios de experiência em pactos, enganariam a gente tranquilamente. Seria como desafiar Merlin para um duelo de feitiços. — Os dois riram com a ideia de algum idiota fazer aquilo, e ela logo retomou o assunto. — Então, depois de muita, muita, muita pesquisa… Olha, eu nunca li tantos livros na minha vida como nos últimos dias. Enfim, eu juntei informações e cheguei à uma conclusão.

— Ok, fala logo, Noe. — Falou ansioso, chamando-a pelo apelido, o que a fez sorrir.

— Vai ser complicado, Neev. E perigoso. — Ela falou, ficando séria de novo. Bufou antes de prosseguir. — Já ouviu falar em Bokor? — Ele negou com a cabeça, e ela continuou a explicação. — Na religião do vodu, eles são feiticeiros de aluguel, e praticam tanto a magia maléfica quanto a benevolente. Meu pai é um Bokor.

— Nem precisa dizer o tipo de magia que o seu pai pratica, né? — Revirou os olhos, culpando o feiticeiro por toda essa confusão.

— Eu sabia que eles são responsáveis, dentre outras coisas, pela criação de talismãs. Foi um desses que meu pai usou para prender o sangue do seu pai e toda aquela história que você já sabe. Afinal, é desse conto que a gente veio, né? Enfim, eu busquei muito sobre esses Talismãs, e pensei em uma forma de te ajudar. Eu não li em lugar algum que isso vai dar certo, mas- — Neevan a interrompeu.

— Mas para quem já ‘tá na merda… — Repetiu a fala de Cornelius de algumas horas atrás, e os dois riram. Melinoe riu junto, mesmo sem entender a referência. As risadas de todos, entretanto, pareciam levemente forçadas, porque estavam mais nervosos do que realmente se divertindo. — Então vai, me fala a sua ideia.

— Eu acho que consigo remover a maldição temporariamente. Quer dizer, não exatamente. A ideia é que eu guarda as sombras que estão te perseguindo dentro desse Talismã. — Apontou para o objeto pendurado em seu pescoço.

— Parece tão simples…

— Só parece. E também não é só isso. As sombras vão ficar dentro do Talismã, como uma forma representativa da sua maldição, e para quebrá-la, precisaríamos destruir o Talismã. Mas não é tão fácil destruir um objeto criado por um Bokor. Apenas um objeto específico, criado pelo primeiro deles, é capaz disso.

— E o que seria esse objeto e onde a gente encontra?

— É uma adaga que chamam de Vèlonbraj, ou na língua comum de Mítica: Shadowglass. É uma adaga mágica, foi criada a partir das sombras pelo primeiro Bokor: Makaya de Vodou. Essa adaga se tornou uma lenda na nossa religião, muitos nem acreditam que ela ainda exista. Mas através de algumas pesquisas, e uns contatos meus, eu descobri que existiu um Bokor chamado Clairvius, que se revoltou contra todos porque não se tornou um Houngan.

— O que é um Houngan?

— Tipo um Sumo Sacerdote no vodu. Enfim, ele não era considerado bom o suficiente, então roubou a adaga e fugiu. Ninguém nunca mais o encontrou. Foi descoberto que ele viaja por toda Mítica, até para outras dimensões, ninguém sabe exatamente até onde ele pode ir, mas ele viaja sempre e nos últimos anos, conquistou vários outros objetos mágicos. Ele se tornou um colecionador. Fiz alguns cálculos baseados nas poucas informações que existem sobre Clairvius, e descobri que um dos lugares que ele visita todos os anos é Aether! De acordo com minhas pesquisas, ele vem no primeiro dia do mês da Lua de Sangue, ou seja, hoje. Depois ele vai embora e só volta daqui um ano, por isso eu pedi que você viesse hoje, não podia ser outro dia.

— E por que ele vem especificamente hoje?

— Por causa da Lua de Sangue. Deve ficar bonito de assistir da floresta, sei lá… — Deu de ombros, percebendo que Neevan estava nervoso por estar se apegando a detalhes inúteis de toda a história. — Em resumo, Neev, você vai ter que ir atrás dele. E vai precisar ir sozinho. Clairvius odeia todos os Bokors, e seus descendentes, se ele me ver com você, pode desistir de te ajudar.

— Noe, eu… Eu não tenho a menor condição de fazer isso sozinho. — Explicou, temeroso, e ela tentou forçar um sorriso para incentivá-lo.

— Eu acredito em você, Neev. Tudo o que você faz com o coração, você faz bem. Pensa na sua família, nos seus amigos, na sua própria vida! — Melinoe tentava lhe estimular, mas o príncipe estava completamente inseguro.

— E como você tem certeza que ele vai estar aqui?

— Não tenho. Mas como você disse: “Para quem já ‘tá na merda…” — E então os dois riram, e Cornelius também.

— Lembre-se que estou com você aqui. E estarei o tempo todo. — O sapinho, em seu ombro, falou verbalmente, mas tudo o que Melinoe conseguiria ouvir era o som de coaxar. Mas Neevan o compreendeu, e sorriu.

— Ok, então me fala onde eu o encontro.

E então a filha de Facilier começou a lhe passar todas as instruções que achou necessárias. Falou sobre uma parte da floresta que poucos conheciam, pois era escura demais e ninguém sabia exatamente o que encontraria ali. Aquilo não o encorajou muito, é claro, mas enquanto engolia em seco, ficando cada vez mais nervoso com a missão que enfrentaria, Melinoe parecia focada no assunto. Informou que ficaria por ali, no mesmo lugar, preparando tudo para a transferência da Maldição para o Talismã, enquanto os dois pensavam em como ele poderia abordar Clairvius. Pactos estavam fora de cogitação, ouro não devia lhe interessar, mas havia algo que Neevan possuía que talvez interessasse o colecionador. Carregava consigo, pois havia sido presente de uma garota por quem esteve, recentemente, apaixonado. O poder que o objeto emitia não era de grande valor ao rapaz, pois ele não possuía magia, mas certamente havia um valor sentimental e simbólico por trás disso.

— Acha que ele vai aceitar? — Perguntou depois de lhe explicar sua ideia.

— Olha, eu já vi você flertando várias vezes, as garotas caindo na sua lábia porque você sempre as convencia de ficar com você. Essa é a hora de usar o seu dom. Convença a ele de que o que você tem aí é mais interessante do que a adaga. Mas tome cuidado! Pense muito bem antes de responder certas perguntas dele. Bokors podem ser bem tendenciosos, você sabe.

— Pode deixar, vou me cuidar. — Suspirou, e tentou forçar um sorriso confiante que não era tão convincente. — Como você vai tirar essas sombras de dentro de mim?

— Elas não estão dentro de você, Neevan. Pelo Narrador!

— Como não? Eu já senti elas dentro de mim.

— É porque elas podem te possuir em alguns momentos, mas elas não ficam o tempo todo dentro de você, como se estivessem presas. Elas te perseguem, te rondam, te atormentam, se comunicam com você, te mostram o que elas querem que veja, brincam com seus sentimentos, e às vezes te possuem para que fique inconsciente. Como um encosto, sabe? Mas nem sempre estão por perto, são os raros momentos que você tem paz e não as vê e nem as escuta.

Mais uma vez, o aprendiz entendendo melhor a sua própria maldição e compreendendo o que ocorreu com ele nas últimas semanas. Melinoe estava sendo realmente incrível o ajudando daquela forma, e ele torcia para que tudo desse certo e ele poderia recompensá-la depois. Quem sabe, até, voltariam a ser amigos. E então, no último suspiro, pronto para partir e seguir as coordenadas indicadas por ela, despediu-se e caminhou na direção oposta, para dentro da floresta.

— Ei, Noe! — Chamou-a pelo apelido, já um pouco distante. — Como você fez aquilo? Entrar na minha mente, falar comigo. E a voz… não parecia a sua.

— Era a voz da sua mãe. Ou das suas irmãs. — Respondeu, e ele assentiu com a cabeça. Melinoe sorriu antes de responder. — Há alguns dias, eu pedi que o Ever, seu colega de quarto, colocasse uma poção em uma bebida sua. Era para que a gente ficasse conectado mentalmente e eu pudesse te passar minha mensagem. Tentei imitar a voz da sua mãe ou das suas irmãs, alguém que você confiasse. Não sabia se seguiria a minha voz. — O leve tom entristecido na voz, e Neevan partilhava do sentimento. Agora poderia confiar nela, mas há alguns minutos atrás, não saberia dizer se o faria.

— Obrigado, Noe. Você é uma ótima amiga! — Sorriu, e a garota também.

Os dois sorriram um para o outro, e se encararam alguns segundos fixamente, antes de Neevan virar as costas e adentrar na escuridão da floresta. Pronto (ou nem tanto) para enfrentar os caminhos tortuosos que viria pela frente.

Quanto mais adentrava a floresta, mais perdido ficava. Neevan estava se descobrindo um tremendo medroso. Sempre soube que não era exemplo de coragem, mas pensar a todo momento em recuar só mostrava o quão frouxo poderia ser. Entretanto, apesar do alarmante medo e dos pensamentos lhe gritando que voltasse, seus pés não lhe obedeciam, e no fim das contas, optou por seguir sua intenção e seguir em frente. Talvez houvesse um pouco de coragem em si, afinal. Ou talvez fosse a sua lealdade e amor pela família e amigos que o fizesse continuar, porque tinha a forte sensação de que tudo seria resolvido essa noite. Nunca havia sido uma pessoa muito intuitiva, mas também nunca havia tido uma sensação tão forte como aquela. Talvez fosse apenas o seu desejo de solucionar tudo, mas o que tinha a perder se tentasse? Já estava fadado à morte de qualquer forma. Como Cornelius disse: “para quem já está na merda…”

O caminho ficava cada vez mais escuro, e agora podia contar com uma neblina que cobria mais ainda a sua visão. A luz de seu transmissor já não era mais o suficiente para lhe ajudar, e foi então que percebeu dois fortes feixes de luz vindo do céu. Pareciam intencionalmente iluminar o caminho à sua frente, como se tentasse facilitar para que enxergasse, ao mesmo tempo lhe mostrar para onde ir. Olhou para o céu e viu duas lindas estrelas, uma ao lado da outra, e imediatamente sorriu, sabendo do que se tratava. Eram Ray, o vagalume que havia ajudado seus pais em sua jornada, e agora auxiliava o filho deles, e também Evangeline, a estrela a qual o vagalume era apaixonado. Seguiu pelo lado onde os dois feixes de luz cinza indicavam, a neblina atrapalhando um pouco, mas conforme caminhava na direção proposta, percebia a névoa diminuindo aos poucos. Viu uma cabana e então aproximou-se calmamente desta. Parecia abandonada, velha e não se conseguia ver iluminação na parte de dentro.

— Acha que é aqui Cornelius? — Olhou para o sapinho em seu ombro, e cochichou.

— Não sei, parece abandonada.

— Ninguém nunca falou de uma cabana nessa parte da floresta. Mas ninguém nunca vem até aqui, geralmente.

E então, os dois feixes de luz que lhe iluminaram o caminho, piscaram freneticamente várias vezes na direção da cabana, e Neevan entendeu o recado. Caminhou calmamente até lá, passo após passo, sem ter certeza do que encontraria. Não escutava nenhum som vindo de dentro, nenhuma luz, nenhum sinal de vida. Não poderia estar tão fácil assim. E quando a mão alcançou a maçaneta velha e empoeirada, abriu devagar, escutando um barulha alto enquanto a empurrava para dentro. Assim que tinha espaço, passou para dentro e fechou a porta atrás de si, ficando maravilhado com o que via. O lugar era imensamente grande, muito maior do que poderia se prever vendo por fora. Certamente alguma magia era responsável pelo feito. Mas não só sua grandeza era impressionante. Se por fora a cabana era feia, velha e empoeirada, por dentro parecia uma mansão, cheia de objetos reluzentes e, aparentemente, valiosos, uma grande escadaria, potes com ouro espalhados em alguns lugares, e pedras preciosas presas às paredes. Com certeza aquele era o lugar que procurava.

Tudo ainda parecia fácil demais, mas enquanto o impedimento não aparecia, adentrou mais afundo a casa, procurando pelas armas. A adaga devia estar por ali. Procuraria por uma que continha as descrições que Melinoe lhe passara, mas antes que pudesse encontrar qualquer coisa, logo que um de seus pés pisou no primeiro degrau, escutou uma voz extremamente grave que lhe causou um arrepio até o último fio de cabelo. Virou-se lentamente, dando de cara com um homem negro, alto e muito magro. Usava um terno branco, com gravata borboleta, fumava um charuto e tinha uma grande cobra enrolada em seu pescoço. Parecia chique demais para ser o homem que Melinoe havia descrito. O silêncio estranho entre os dois incomodava o descendente, e era possível escutar com nitidez os sons da floresta lá fora; o pio da coruja, o vento forte batendo nas árvores, os galhos balançando. Tudo aquilo foi interrompido por uma risada alta, maléfica e muito intensa. O homem, então, fitou o príncipe com um sorriso satisfeito no rosto.

— Não achei que alguém teria culhões de vir até esse lado da floresta. E justamente no dia em que eu estou. Que infeliz coincidência! Gosto de ficar sozinho durante a Lua de Sangue. — Lamentou.

— Ah, eu… eu também gosto de assistir a Lua de Sangue daqui. — Neevan tentou uma abordagem, o que fez o homem semicerrar os olhos, suspeitando.

— Nunca te vi por aqui em todos esses anos. — Tragou o charuto, o analisando de cima a baixo.

— Eu também nunca te vi. Mas eu não venho todos os anos, eu- — E foi interrompido pelo homem.

— Está mentindo! Consigo sentir. Veio porque precisa da minha ajuda, ou quer roubar algo meu.

— Não, não. Roubar não. Eu vim propor uma troca.

— Então admite que mentiu para mim?

— Desculpe, senhor. Eu só não queria- — Interrompido novamente.

— Tanto faz. Não lhe darei nada, pode ir embora. — E já virava de costas para ir embora, quando foi surpreendido pela fala do aprendiz.

— Clairvius. Você é o Clairvius não é? Eu vim propor uma troca.

O homem virou-se, o olhando com curiosidade e interesse. Não acreditava que um jovem que sequer era da religião do vodu poderia lhe oferecer algo útil. Não conseguia sentir nenhuma energia de magia vinda do príncipe, então pensava que poderia estar perdendo o seu tempo o escutando. Ainda assim, estava curioso.

— Como sabe o meu nome? Somente os Bokors sabem o meu nome real, e você com certeza não é um. Apenas um garoto esperto e corajoso, que descobriu o meu esconderijo e o dia em que venho até aqui.

— Sobre ser corajoso eu não sei, ainda ‘tô descobrindo. Mas esperto definitivamente não. Quem me indicou aqui foi uma descendente de um Bokor. É assim que te conheço. — Era arriscado confiar no homem, mas já havia percebido que mentir estava fora de cogitação.

— Quem não é da nossa religião não me conhece como Clairvius. As pessoas me conhecem como Papa Legba.

No vodu haitiano, Papa Legba era o intermediário durante comunicações entre pessoas comuns e os espíritos do vodu. Há anos não era contatado diretamente e ninguém sabia exatamente o seu paradeiro, mas era sempre o primeiro e o último a ser invocado em qualquer cerimônia de vodu, pois sua autorização é necessária para qualquer comunicação entre os dois mundos, ele abre e fecha as portas. Com certeza ele teria poder para ajudar Neevan de uma maneira mais fácil, mas o príncipe também sabia que isso poderia ter um preço ainda maior do que a própria vida, e não queria arriscar. De qualquer forma, o filho de Naveen não era conhecedor dos poderes de Papa Legba.

— O que precisa de mim, garoto? Quer curar a sua Maldição da Morte? — Perguntou com um sorriso esperto no rosto, e o maldonês o encarou assustado. Não sabia porquê estava surpreso, afinal, o outro tinha dons extraordinários. Papa Legba riu com o choque do rapaz. — Eu consigo sentir daqui a energia negra que emana de você. As sombras não estão contigo nesse momento, mas elas já te possuíram vezes o suficiente para corroer um pouco da sua essência. Sua alma não é mais a mesma, está atormentado. Uma Maldição da Morte que age diferente, te suga um pouco a cada dia, faz você enlouquecer e morrer aos poucos. Quanta crueldade… — Debochou, com um sorriso sarcástico lhe estampando o rosto. — Mas eu, com certeza, faria pior. Especialmente com quem me interrompe no dia de assistir a Lua de Sangue. — O tom de ameaça fez o príncipe estremecer, mas logo retomou com uma coragem que não sabia ter.

— Eu tenho um Diamante Paragon.

Mostrou o objeto, sua voz soava firme e seu corpo não tremia mais. O homem fitou o diamante, preso a um colar, com os olhos brilhando e surpreso com a revelação. O presente que Neevan recebera de uma bruxa ruiva por quem fora apaixonado recentemente era muito poderoso, mas ele apenas guardava como lembrança da garota. Mas mesmo que não tivesse interesse em usá-lo como algo além de um acessório, conhecia suas particularidades. Diamante Paragon é uma pedra preciosa que gera uma espécie de campo de força super potente, e quem o usa, não pode ser atingido por feitiço algum. Se a pessoa souber usar, pode até mesmo reverter o feitiço de volta a quem lhe lançou. Infelizmente, Neevan não possuía o objeto consigo no dia que recebera a Maldição da Morte. Do contrário, nada daquilo estaria acontecendo.

— Além de você ficar imune a qualquer feitiço ou maldição, o Diamante Paragon também é um objeto-chave. — Neevan começara a explicar, mas Clairvius o interrompeu, revirando os olhos.

— Eu sei o que isso é, garoto. Essa pedra pode conectar pessoas com tipos de magias diferentes, unir seus poderes e produzir Objetos Negros. É como um foco de poder, e aumenta a potência da magia de qualquer feiticeiro. — Não era de sua religião, mas Papa Legba gostava de estudar todo tipo de magia.

— Se tiver interesse, eu o troco pela Adaga de Makaya, a Shadowglass. — Sua voz soava decidida, firme. Papa Legba soltou uma risada alta e arrepiante, debochando mais uma vez do príncipe.

— Acha mesmo que vou te dar a Vèlonbraj fácil desse jeito? Eu tenho uma ideia melhor, você me dá o diamante, eu mantenho a adaga, e você sai daqui com vida. — Seus olhos escureceram, o encarando com raiva e o tom de ameaça.

— Eu não vou embora sem a adaga. — Neevan respondeu com igual firmeza na voz. Os punhos cerrados, sentindo a raiva crescer dentro de si, junto de uma coragem que não sabia ter.

— Você quer mesmo me desafiar, garoto? Sabe que pode morrer, não é?

— Eu já ‘tô amaldiçoado para morrer de qualquer forma. Como um sábio amigo meu disse hoje: para quem já ‘tá na merda… — E deu de ombros, disposto a fazer o que fosse preciso para conseguir.

— Você está me irritando, rapaz. QUER MESMO ME DESAFIAR? — Gritou, agora irritado pela audácia do jovem. — Eu vou te mostrar quem eu sou.

Papa Legba passou uma das mãos pelo rosto, e algo como uma máscara branca em formato de caveira cobriu metade do seu rosto, deixando apenas a boca livre. A máscara mais parecia uma maquiagem branca, marcada no rosto. Os olhos estavam vermelhos quando ele estalou os dedos e o seu terno branco sumiu, agora ele vestia uma roupa preta e vermelha, coberta por pelos de algum animal que o príncipe não saberia identificar. Na cabeça, cobrindo parte dos cabelos em dreadlocks, um chapéu com pequenas caveiras, vários cordões, e um cajado com uma caveira de chapéu na ponta. A risada característica dele invadiu o ambiente, dessa vez muito mais alto do que das outras vezes, como se agora revelasse mais verdadeiramente quem era.

— Gosto de estar elegante para assistir a Lua de Sangue, por isso o terno branco. Mas para fazer negócios, eu sou assim. — Apontou para o próprio corpo, os olhos vermelhos pareciam faiscar enquanto analisavam o príncipe com desdém. Tragou o charuto mais uma vez, a cobra escorregou por seu pescoço e caminhou pelo chão. — Muito bem, o que vai ser? Vai me entregar e te deixo ir embora com vida, ou terei que tomar o Diamante Paragon à força?

— Nenhum dos dois. Eu te proponho um desafio, tipo uma aposta. O que eu posso fazer para conseguir a adaga?

Enquanto tragava o charuto, caminhou para perto do príncipe, rondando o rapaz e soltando a fumaça em seu rosto, fazendo-o tossir. Pensou em matá-lo ali mesmo, mas parecia divertido a brincadeira e, deveria admitir, gostava da audácia dele em desafiar alguém que não conhecia, mas já havia percebido a magnitude de seus poderes. Especialmente porque, aquele rapaz em questão, não possuía nenhuma habilidade com mágica e, a julgar pela falta de espadas ou outras armas, também não era talentoso para combates físicos.

— Muito bem, garoto. Venha comigo.

Caminhou até um outro cômodo, e o príncipe o seguiu. Não estava muito confiante, mas ainda aproveitava da coragem que recentemente descobriu ter. O outro cômodo tinha poucos objetos, uma parede continha alguns objetos como anéis e colares, e do outro lado da sala várias mesas com frascos, alguns vazios e outros com líquidos de diversas cores. Possivelmente a sala onde ele guardava poções, e era bem menos iluminada do que a outra, cheia de ouro e jóias preciosas. Chegaram até uma porta vermelha, e Papa Legba pediu que ele abrisse, enquanto apoiava o corpo no cajado. O príncipe abriu e ali tinham diversas adagas.

— Vamos, pegue a adaga. Quero dizer, você deve saber qual delas é a Adaga de Makaya, não é? — O mesmo tom de ironia, por ter certeza que ele não acertaria qual delas escolher.

Aquele era o primeiro desafio, e Neevan encarou todas elas por vários segundos. Seus olhos encontraram uma que todos os detalhes batiam com os descritos por Melinoe. Era enrolada com um fio negro na parte onde segurava, e a parte letal parecia feita de vidro, mas era escuro; exatamente como se alguém tivesse prendido as trevas ali dentro. Shadowglass. Só podia ser aquela. Então por que a sua intuição lhe dizia que não? Continuou a passear com os olhos pelo local, vendo diversos tipos, até sua atenção ser presa por uma avermelhada. Também parecia feita de vidro, mas não aparentava carregar sombras nela. Tinha o cabo vermelho, e um desenho que parecia ser a máscara que os Bokor usavam. Tinha algumas escrituras em uma língua que não conhecia, e em volta dela parecia emanar um tipo de fumaça que misturava o negro com o carmesim.

— É aquela. — O príncipe apontou, e sem expressar surpresa, o homem lhe indicou com a mão que a pegasse. Assim que tocou na adaga, o herdeiro da Maldônia sentiu por todo o corpo a sensação de estar fazendo a escolha certa, então olhou para Papa Legba, esperando alguma fala.

— Muito bem, rapaz. Ótima intuição! — Elogiou, e o príncipe sorriu confiante, mas o homem continuou. — Mas não tão fácil. Vamos brincar mais um pouco.

Chamou-o com a mão, permitindo que ele continuasse com a adaga em mãos, a qual ele segurava com muita firmeza. Levou-o até um novo cômodo, esse era pequena e quase vazio, com a exceção de uma mesa no centro da sala. Nela continham cartas de tarô, pedras preciosas, uma bola de cristal e umas ervas. Até o cheiro do lugar era diferente, e parecia ter algum tipo de incenso natural, sempre deixando o ambiente com cheiro de alguma planta específica. O homem se sentou em uma das cadeiras, e indicou que Neevan sentasse de frente à ele. Assim que estavam posicionados, o feiticeiro acendeu um outro charuto, e começou a embaralhar cartas.

— Vou tirar a sua sorte nas cartas, e enquanto isso você tenta adivinhar meus enigmas. — Parecia algo bobo, mas o homem se deliciava com o desespero no olhar dos outros enquanto tentavam decifrar enigmas tolos e ridiculamente fáceis, mas que o medo e ansiedade impediam de pensar com racionalidade. Mas diferente do que ele previu, o príncipe estava concentrado e extremamente focado em escutá-lo e decifrá-lo.

— Pode mandar. — Neevan disse, o observando embaralhar as cartas e, vez ou outra, tragar o fumo.

— Essa coisa tudo devora: pássaros, feras, árvores, flores. Rói o ferro, corrói o aço, faz pó de pedra dura, mata reis, destrói cidades e traz altas montanhas abaixo. — Lançou, enquanto o fitava aguardando a resposta.

Neevan pensou por algum tempo, tentando se recordar de todas as criaturas mágicas que aprendera durante os anos em Aether, mas então percebendo que ele disse “coisa” e não “criatura”. Isso significava que poderia ser literalmente qualquer coisa. Então, analisando com calma, o que seria capaz de destruir qualquer coisa?

— O tempo. — Respondeu firmemente, e o homem o encarou quase incrédulo.

— Certo. — Confirmou, à contragosto, porque detestava admitir derrotas, especialmente para alguém comum, sem magia. Continuava a embaralhar as cartas, dessa vez tirando com calma uma a uma e posicionando na mesa. — Alguns tentam me evitar, outros me trapacear, mas o tempo mostrará. Iremos nos encontrar, adivinha meu nome se quiser tentar, mas juro que o saberá quando sua hora chegar.

As cartas posicionadas à mesa, mas toda a atenção de Neevan no que fora dito. Riu ao pensar na primeira opção que veio em sua mente. Ele não seria tão óbvio de usar um enigma que a resposta fosse justamente o motivo do rapaz estar ali.

— A morte. — Embora em dúvida, falou com pouca firmeza na voz.

— Olha, você é inteligente! Tire três cartas. — Pediu e, enquanto Neevan pensava em qual tirar, o homem falava mais um enigma. Queria distraí-lo pedindo que tirasse cartas. — O que traz os mortos de volta, faz você chorar, faz você rir, deixa você jovem, surge em um instante, mas dura uma vida inteira.

Esse parecia muito mais difícil, e nada de útil vinha à mente do maldonês naquele momento. Continuava a se esforçar em pensamento, já havia escolhido as três cartas, e o Bokor as virava para lê-las enquanto Neevan ainda refletia sobre o enigma. Os olhos do homem se arregalaram, e ele pareceu surpreso com o que via no futuro do rapaz.

— O que você viu aí? — A curiosidade interrompeu o foco de seus pensamentos.

— Continue pensando, rapaz. — Disse sem olhar para Neevan, ainda encarando as cartas, como se tentasse confirmar o que via.

Passaram-se longos minutos, possivelmente se aproximava de uma hora que os dois estavam ali focados em suas tarefas: enquanto um pensava na resposta para o enigma, o outro encarava as cartas buscando respostas. Cornelius ainda no ombro do príncipe, tentou ajudá-lo, e enquanto os dois conversavam mentalmente pensando em diversas opções, chegaram a uma conclusão que parecia ser aceitável. Pensaram que não precisavam ser literais, e que Neevan poderia agora usar todo o seu talento para metáforas - que as utilizava muito em suas músicas - para tentar entender melhor sobre o enigma.

— As lembranças. É, elas trazem os mortos de volta à vida, não no sentido literal, mas trazem. Podem fazer você rir ou chorar, te deixa jovem, também não no sentido literal. Surge num momento mas dura uma vida inteira. As lembranças são para sempre.

E sem esboçar surpresa alguma, com um sorriso satisfeito no rosto, o homem confirmou com a cabeça. Não explicou o que havia lido nas cartas, mas fora o suficiente para que mudasse de ideia em relação ao rapaz. Não queria mais interferir em seu destino, então apenas indicou que fosse embora com a adaga.

— Mas eu quero o Diamante Paragon.

— Ei, não é justo! Você disse que se eu decifrasse os enigmas poderia ir.

— A vida não é justa, rapaz. Não se esqueça que ainda sou mais poderoso, e posso tirá-lo de você. Vamos logo, me entregue o Diamante.

Só queria ir embora dali e resolver todo o fim da história, então sacou o colar do bolso e com um suspiro, despediu-se dele e da lembrança que continha. Jogou na direção de Papa Legba, e este alcançou o objeto no ar. Os dois se encararam, e assentiram com a cabeça uma vez, como uma despedida silenciosa. E com a adaga em mãos, Neevan virou-se para partir. De costas, não pôde ver o sorriso que Papa Legba havia dado. Algo que indicava que sabia que não havia acabado ali, mas ele não podia - e nem queria - interferir no destino do outro.

Voltou ao primeiro cômodo, aquele que continha o ouro e as jóias preciosas, e tinha uma outra pessoa ali. Era um aprendiz de Aether, descendente do conto O Pescador e sua Mulher, e ele e o príncipe nunca tiveram contato direto antes da última semana, em que se meteram em uma briga. Neevan já havia se desculpado, mas o outro parecia determinado a atormentá-lo.

— O que ‘tá fazendo aqui, Fisherman?

— Te segui para saber o que vinha fazer. É mais corajoso do que pensei, Neevan. Sempre achei que era só um principezinho arrogante, que ignorava nós, os descendentes de contos pequenos. — A raiva no olhar e na fala do outro era palpável. O filho de Tiana percebeu os punhos do outro semicerrados. Tudo o que não precisava agora era entrar em uma briga.

— Me deixa em paz, Fisherman. Eu preciso resolver uma coisa urgente! — Dizia enquanto caminhava em direção à porta, mas o outro pôs-se à sua frente e o empurrou com força. O filho do pescador era, certamente, mais forte do que Neevan.

— Você não vai a lugar nenhum com essa adaga. Precisa dela, não é? Não vou deixar você levar, não vou te deixar vencer. Não depois da vergonha que eu passei por sua causa.

— ‘Tá falando da nossa briga que fez a gente parar na sala do Merlin? Cara, qual o seu problema? Você me bateu muito mais, eu fiquei com um olho roxo e quase quebrei um braço. Eu não te fiz passar vergonha, fui eu quem fiquei machucado.

— Mas as pessoas só se preocupavam com você. É claro, porque o seu conto é muito mais famoso.

— Nada a ver, esquece isso. — O príncipe revirou os olhos e, respirando fundo, decidiu tentar uma nova abordagem. — Escuta, me desculpa se eu te fiz se sentir mal. Nunca foi minha intenção. Eu nem queria brigar com você.

— Ah tá! Não foi o que pareceu quando avançou para cima de mim.

— Eu vou te explicar, resumidamente, o que ‘tá acontecendo. Eu fui amaldiçoado pelo Facilier, e eu ‘tô morrendo aos poucos. Fui possuído pelas sombras quando a gente brigou, não foi intencional. Se você me conhecesse, saberia que eu não sou o tipo de cara que briga. Sou o tipo de cara que foge de uma briga. Me desculpa, de verdade. Deixa eu ir, vamos embora, vou resolver o meu problema e conversamos melhor depois. — Havia total sinceridade na fala do príncipe, e o outro conseguia perceber isso. Mas estava tão cego de ódio, que decidiu não escutá-lo e muito menos perdoá-lo pelo ocorrido.

— Então quer dizer que está amaldiçoado? — O outro concordou com a cabeça, e com um sorriso cruel no rosto, o filho do Pescador respondeu. — Lamento, Neevan, mas essa maldição não vai te matar. Quem vai te matar sou eu.

Com os olhos arregalados, Neevan sentiu o outro correr em sua direção e não teve tempo de ir na direção oposta ou correr para longe dele. Seu pescoço estava envolvido pelas grandes mãos de Fisherman, que tentava enforcá-lo, e o maldonês não tinha força alguma para tirá-lo de cima de si. A adaga havia voado de sua mão, e estava em algum canto da sala. Cornelius pulou de seu ombro na hora do ataque e foi procurar pela adaga e mantê-la por perto.

— Vocês, herdeiros de contos populares, sempre pisam na gente. Isso vai acabar agora!

O outro estava claramente perturbado. Poderia ser verdade o que dizia, mas Neevan certamente não se encaixava nesse padrão. O rapaz sempre fora muito simpático com todos, sociável toda a vida, falava com qualquer um, sem distinção por casa ou descendência. Mas a briga recente pareceu ser ele necessitava para exalar o seu ódio por descendentes de contos populares em cima do filho de Naveen. Poucos o conheciam, e era espantoso que não tivesse sumido ainda, como aconteceu com Jason Bee, mas os que sabiam quem Fisherman era, sabia do seu lar problemático e de como ele era cheio de traumas. Sempre foi um aprendiz que causava problemas e de caráter muito questionável.

Pensando em sua família e amigos, e de como chegou tão perto de conseguir se livrar de sua maldição e voltar a viver a vida que tanto amava, o herdeiro do Reino da Maldônia buscou força física em suas boas lembranças e conseguiu empurrar o outro que segurava firme em seu pescoço. Agora com a nuca livre, conseguia respirar, ainda que com certa dificuldade. Apoiou-se na parede por alguns segundos, mas logo se recompôs para revidar o novo ataque de Fisherman. Os dois começaram a trocar socos, e apesar da dor, mantinha-se firme e tentava mais se defender do que agredir. Quando percebeu que seria necessário machucá-lo de volta, tentou desferir alguns golpes em seu rosto e barriga, tentando lhe tirar o ar. A ideia era deixá-lo fraco e correr para fora dali, mas as coisas tomaram um rumo diferente.

Do outro lado da sala, Cornelius encontrou a adaga que fora jogada longe e quase se quebrou, quando Neevan fora pego de surpresa e agarrado pelo pescoço por Fisherman. O sapinho segurou o objeto com boca com todo o cuidado e pulou até o amigo, tentando lhe entregar a arma para que se defendesse. O príncipe não queria utilizar aquilo, sabia que iria matar o aprendiz e não queria ser responsável pela morte de ninguém. Entretanto, o outro não pareceu nem um pouco incomodado com a ideia de tirar a vida do aderense. Depois de os dois estarem feridos, sangue escorrendo da boca e da testa de ambos, Fisherman jogou o corpo do rapaz no chão e montou em cima dele, que já não tinha mais força para tentar tirá-lo dali. Pegou a arma com rispidez, quase machucando Cornelius, e segurou-a firme no ar, pronto para descer bem no peito de Neevan, quando o príncipe segurou a sua mão impedindo de que aquilo acontecesse.

Sem saber quanto mais tempo conseguiria suportar, tentou focar sua mente em boas lembranças de sua vida, já se despedindo dela. Pensou que, já que iria morrer, que fizesse isso pensando nas pessoas que amava. Lembrou de seu amigo mais antigo, Qili, e de como os dois eram diferentes mas sempre se deram muito bem, e de como ainda precisava saber da nova fase do amigo, como desejava estar presente para vivenciar com ele todos os novos momentos bons que viriam. Consequentemente, lembrou de Meili, e de como os dois haviam brigado e ele ainda precisava reparar o erro com a garota adorável que sempre era responsável por iluminar seus dias, fosse com palavras ou simples sorrisos. Pensou em Hugo, e de como ainda queria recuperar a amizade que um dia tiveram. Seus colegas de quarto que lhe renderam tantas risadas: o jeito ansioso e atrasado de Howard, as experiências artísticas com Lux, a doçura de Alyssa, o companheirismo de Ever, que todos os dias o ajudava a não se tornar um homem de masculinidade tóxica. Lembrou de Sibylle, sua nova amiga que ainda tinha muito o que retribuir em gratidão pela ajuda e paciência dela. Pensou nos amores que viveu, e os que não poderia viver pois estaria morto dentro de alguns segundos. Pensou em Shantal, e em como ainda desejava entender melhor os seus sentimentos pela filha de Scar, e em Saxa, que era sua melhor amiga de muitos anos, que já tiveram um breve relacionamento por pura pressão de terceiros, mas que permaneceram amigos e ele prezava muito pela companhia dela, sempre se importava em escutar sua opinião. Lembrou de dois amigos que muito adorava, mas não via desde que deixaram Aether: Karou e Bart eram, certamente, amigos que ele ainda queria rever algum dia e matar a saudades, saber de suas aventuras.

E então veio a sua família. Eudora, a irmã do meio, que sempre se sentiu deslocada mesmo com todo o amor e carinho que a família tentava lhe transmitir. A relação deles não estava boa nos últimos meses, e tudo o que ele queria era tempo para recuperar a amizade dos dois e estar junto da irmã em sua jornada para descobrir o quão incrível ela era. Rachel Jazz, a irmã caçula, o segundo nome escolhido pelo próprio Neevan. Os dois não tinham a música em comum, mas a culinária com certeza os unia. Lembrava-se de um dia específico onde dividiram funções na cozinha com Tiana e o jantar havia sido o mais inesquecível de todos, de acordo com as pessoas presentes. Pensou no carinho e afeto de sua mãe, todos os seus ensinamentos, e de como ela sempre acreditou no potencial do filho mesmo quando nem ele acreditava. Naveen, o homem que era grande inspiração para ele, e de como os dois eram tão parecidos que as pessoas diziam que havia grandes chances do conto de Neevan ser basicamente o mesmo do pai. Todas as memórias lhe atingiram em cheio, e com lágrimas nos olhos, pronto para morrer, as lembranças lhe trouxeram a força que precisava para empurrar o outro e afastar a adaga de seu peito.

Os dois voltaram a lutar, e Fisherman ainda possuía a adaga em mãos, o que prejudicava Neevan. Em certo ponto, o príncipe precisou absorver a ideia de que era um ou outro, e que o filho do Pescador não o deixaria sair vivo dali; e se deixasse, o procuraria um outro dia para terminar o trabalho. Estava completamente transtornado e paranoico, não saberia se teria tempo de fazer o certo e buscar ajuda de Merlin, e então com a ajuda de Cornelius retirou a adaga de Fisherman, e o pressionou contra a parede, cravando a adaga em seu peito. De cenho franzido expressando o seu ódio, a raiva se esvaiu do rosto assim que percebeu a vida escapar o corpo do outro, e o sangue escorrer pelas suas mãos. Estava chocado com o que acabara de acontecer, com o que fizera. Uma outra pessoa acostumada com mortes talvez não ficasse tão abalada, mas era perceptível o quanto aquilo havia mexido com o príncipe.

Seus pensamentos ficaram embaralhados e vários sentimentos ruins lhe atingiram como uma avalanche. Sentiu uma tristeza profunda, seu humor debilitado, rapidamente perdeu o interesse em continuar o que estava planejando. Sentiu culpa, sem esperanças, tinha dificuldades de raciocinar, de se concentrar e de tomar alguma decisão, mal conseguia se mover. Caíam lágrimas de seus olhos, e Cornelius tentava se comunicar mentalmente com ele, mas o maldonês não respondia. Respirava com dificuldade, tinha vontade de gritar, mas nada saía de sua boca. Lembrou-se de criticar as pessoas que matavam, e de como dizia que uma pessoa que mata outra não merece viver, sempre fora bastante decidido com esse tipo de pensamento, então passou a desejar a própria morte ao perceber que agora se encaixava no grupo de pessoas que sempre criticou. Não porque se achava melhor do que alguém, mas porque acreditava que jamais seria capaz de matar alguém. É claro que, aquele caso exigia, de outra forma ele iria morrer. Não tinha outra alternativa, mas não conseguia pensar dessa forma.

Todas aquelas sensações que tinha agora eram classificadas, no mundo dos humanos, como depressão. Na religião do vodu, acredita-se que uma pessoa que se deixa afetar gravemente com algum acontecido e passa a sentir esses sintomas, fica suscetível a possessões ou encostos. Uma pessoa que mata e não se importa com isso, não ocorre mudança dentro dela, mas quando uma pessoa se perturba com a ideia de ter tirado uma vida, a alma desse alguém é corrompido, e logo isso abre uma espécie de rachadura no seu espírito que permite possessões. Mesmo sabendo disso, e tendo visto toda a cena, Papa Legba não interferiu em nada. Afinal, tudo o que aconteceu ali estava nas cartas que previram o destino de Neevan, e o feiticeiro não pretendia impedir nada. Dessa forma, viu o herdeiro partir para fora da cabana, com a Adaga de Makaya em mãos, o sapo no ombro e uma expressão de quem estava perturbado. Tudo estava acontecendo como deveria.

Correu pela floresta, completamente desnorteado e quase se perdendo. Não fosse pelo sapinho em seu ombro teria ido na direção errada várias vezes. Ray e Evangeline, lá de cima, também iluminavam o caminho para ajudar como podiam. Tão logo passou pela neblina, ainda escutando o vento bater nos galhos e as corujas piando, encontrou a parte um pouco mais clara da floresta, onde havia se encontrado com Melinoe horas atrás. E então correu até ela, ofegante e nervoso com todo o acontecido. Deveria lhe contar o que aconteceu ou não era tão importante naquele momento? Era de extrema importância, ele só não sabia disso. Dessa forma, preferiu guardar para si e quando ela questionou o motivo de estar agindo daquele jeito, disse que era apenas nervosismo e que explicava melhor depois.

Mostrou a Adaga de Makay à ela, que era completamente diferente do que ela imaginou. Neevan explicou, contou brevemente sobre os enigmas, mas não mencionou as cartas que o homem tirou sobre sua vida, e muito menos sobre a morte do garoto. Não ficou curioso em perguntar sobre o que Papa Legba havia visto nas cartas, porque parte de si não acreditava naquilo, e a outra parte tinha certeza de que ele não lhe diria. Por isso, aquele assunto pouco o incomodava, e ele não fazia ideia de como o que foi revelado era importante. Sentiu um incômodo estranho no bolso de trás de sua calça, e ao colocar a mão lá, encontrou uma enorme carta de tarô com alguns dizeres em latim nele. Estranhou, mas mostrou à Melinoe, que pareceu surpresa.

— Onde conseguiu isso? — A feiticeira perguntou.

— Não faço ideia. Achei agora no meu bolso.

— Deve ter sido o Clairvius, mas por que ele te ajudaria? — A menina falou, e o príncipe deu de ombros. Nenhum dos dois entendeu, mas decidiram seguir com os planos.

Melinoe havia preparado tudo, e em cima de uma enorme pedra estava o Talismã, aberto para receber a entidade. Em volta dele, várias ervas, velas acesas e alguns cristais de energias específicas. De um lado estava a feiticeira, se preparando para dizer o feitiço, e de frente à ela, do outro lado da pedra, estava Neevan com a adaga, pronto para destruir o Talismã assim que este contivesse as trevas presas à ele.

— Suscipe deprecationem, Papa. Audi petitionem meam. Aufer puer obumbratio. Ponatur ei aureaus. Aufer puer obumbratio. Ponatur ei aureaus. Votre mezino cadau. Votre mezino cadau. Suscipe deprecationem, Papa. Ponatur ei aureaus.

Repetiu várias vezes as frases contidas na carta que Neevan carregara sem saber. Não entendia nada do que ela dizia, mas percebia ela falar cada vez mais alto e com mais intensidade, e então ele conseguiu ouvir aquela voz que, infelizmente, já era tão familiar. A voz das trevas que o vinham perseguindo apareceram atrás de si, e ele segurou a Adaga com mais firmeza. Seus olhos avistaram elas passaram pela sua frente e cercarem Melinoe, mas ela estava protegida por algum feitiço e as trevas não conseguiriam alcançá-la. A filha de Facilier continuava a dizer as frases em latim, e então tudo ficou escuro como se uma fumaça negra cobrisse a visão de ambos. Mesmo com dificuldade de respirar, Melinoe continuava gritando o feitiço e então, em questão de segundos, toda a sombra negra que os envolvia e impedia de enxergar, ficou presa dentro do Talismã.

No mesmo instante, a feiticeira fechou o medalhão e sussurrou um feitiço de selamento para conter as trevas no objeto. Depois de finalizado e reforçado, o príncipe recebeu um aceno de cabeça da Facilier, e ergueu a Shadowglass no ar, descendo até o colar com toda a força e raiva que poderia ter dentro de si. Aquilo era o ato final para se livrar de tudo o que o vinha atormentado, daquilo que quase o matou várias vezes, sem contar as confusões que se meteu. Se sua vida estava uma confusão e agora era responsável pela morte de outra pessoa, era tudo culpa daquelas sombras. E então, pronto para se livrar de tudo, foi surpreendido com uma reviravolta.

As sombras deveriam simplesmente evaporar, e voltar para o Outro Lado, como previra Melinoe. E isso teria acontecido, não fosse o novo tormento de Neevan por ter encerrado a vida de alguém. As sombras são liberadas do Talismã e, enfraquecidas pelo poder da Adaga, procuram um corpo para possuir, mas nenhum dos dois estaria pronto para recebê-las, de acordo com os planos de Melinoe. Entretanto, o acontecido na cabana fora uma vertente que ela não cogitou, e como o aprendiz não havia contado à amiga sobre a situação, ela não havia preparado o corpo dele com nenhum feitiço de selamento. Sua alma estava corrompida, e exposta para uma possível possessão.

O príncipe sentiu cada parte do seu corpo doer quando a escuridão lhe invadiu, uma dor forte, inexplicável, muito diferente de qualquer coisa que já havia sentido. A filha de Facilier não entendeu o que estava acontecendo, e nem o próprio Neevan. E foi então que, por algum motivo, ao invés de possuir todo o seu corpo, o motivo da dor que sentiu fora explicado. Invadiram o seu corpo, mas enfraquecidas, não conseguiram dominar toda a alma, e se concentraram em sua mãe; a parte de cima, próximo ao polegar. Uma cicatriz num formato de uma cobra se fez ali, rasgando sua pele e guardando as sombras naquela região.

Melinoe cobriu a boca, parecia tão chocada quanto ele. Os dois não sabiam bem o que havia acontecido, mas a feiticeira logo explicou que já leu algo a respeito. Quando as sombras, por algum motivo, não conseguem possuir um corpo, elas se instalam em uma parte dele, deixando uma cicatriz para que se lembre de que estão lá. Não sabia muito mais informações para dar à Neevan sobre sua nova condição, mas ao menos sabiam que ele não estava mais fadado à morte, e só aquilo já era um alívio. O maldonês contou toda a história para a amiga, que logo lhe explicou o motivo de estar suscetível à possessão. Os dois conseguiam compreender um pouco do que havia ocorrido, e ela lhe explicou que ele poderia sentir algumas dores, mas que o ajudaria a controlar as trevas e não deixar que elas o controlem. Ao menos até que um deles, ou outra pessoa, descobrisse como se livrar de vez daquilo.

— Isso é péssimo! Mas pelo menos eu vou viver. Eu acho… — Brincou, ainda nervoso com todo o ocorrido. Cornelius pulou de volta ao seu ombro, lhe abraçando pela nuca com as patinhas geladas.

— Mas, como tudo na vida, tem um lado bom. Se eu tiver certa, você agora ganha o dom da Umbracinese. Vai conseguir fazer algo que nem eu faço: controlar as sombras. Precisa focar nos estudos agora, Neevan, e não ficar por aí só flertando e beijando na boca. Vai possuir um poder muito forte, e precisa aprender a controlar.

— Eu vou. Valeu, Noe. — Abraçaram-se logo depois de alguns segundos se encarando e sorrindo um para o outro.

Caminhando de volta para o Castelo, conversando com Melinoe, percebia que mesmo agora livre da maldição, ele jamais voltaria a ser o mesmo. Poderia se esforçar, mas não sabia como ou sequer se conseguiria ser o mesmo Neevan apaixonado pela vida, sociável e amigável como sempre, mas estava disposto a se esforçar. De qualquer forma, todas aquelas mudanças e acontecimentos o haviam feito abrir os olhos para certos pontos de sua vida, e amadurecido ao menos um pouco. Restava agora aproveitar o seu tempo com as pessoas que amava e focar em coisas que realmente importava. Dedicar-se a conhecer a si mesmo, aperfeiçoar seus talentos e estudar para ser um bom rei também estavam em seus planos agora. Especialmente com o novo poder adquirido, não podia deixar que aquilo o dominasse de novo. Provavelmente precisaria de consultas com curandeiros, a respeito dos sintomas depressivos que sentiu na cabana e que poderiam piorar e se intensificar caso não cuidasse.

Despediu-se da amiga assim que entraram no Castelo, em total silêncio para não serem descobertos acordados naquele horário. Caminhava tranquilamente pelos corredores de Aether, sentindo o gostinho da conquista e da mudança, mas o sucesso poderia ser temporário se ele não se planejasse. Antes de entrar na Aderem, no entanto, algo estranho ocorreu. Jurou ter visto um vulto e, ao fitá-lo com melhor atenção, parecia ser Fisherman, o rapaz que, supostamente, havia morrido na cabana. Mas como ele poderia estar ali se Neevan o tinha enfiado a adaga no peito e o assistido morrer bem diante de seus olhos? Aquilo só poderia ser uma alucinação provocada pelo peso na consciência que sentia de ter tirado uma vida. Sabia do risco que enfrentaria, e que poderia ser expulso caso Merlin descobrisse sobre o acontecido. Balançou a cabeça, tentando afastar pensamentos negativos e tentando se convencer de que aquilo não passou de uma alucinação.

Entrou em seu dormitório compartilhado, pronto para descansar, agora que finalmente não estaria mais ouvindo as vozes que tanto o infernizaram nas últimas semanas. Teve todo o cuidado para não fazer barulho e acabar acordando seus colegas de quarto, tomou um rápido banho para limpar os ferimentos e deitou-se em sua cama, respirando fundo e tentando relaxar. Precisava descansar e se preparar, porque se ele achava que essa havia sido a última batalha de sua vida por uns tempos e que agora era só aproveitar a vida, estava muito enganado. O que ele ainda não sabia era que Fisherman estava vivo, e agora ele precisaria descobrir o que realmente havia acontecido na cabana.

#. ⋄ . ∗ . ☼ · tasks ╱ I've got fire for a heart I'm not scared of the dark ✰ .#tw: morte #tw: violência #tw: sangue #tw: agressão física #tw: cobra #se alguém achar mais algum trigger me avise por favor #de novo: parabéns pela coragem de quem ler pq ta enorme kkkkk #mais uma vez agradecendo a bela pela paciência com meus surtos desde o dia que postaram sobre a task #e agradeço a cada um que me permitiu usar seus chars #e quem não pedi permissão mas usei mesmo assim: vcs q lutem #mentira podem me pedir pra tirar se incomodar ou mudar qlqr coisa #enfim eh isto bjs

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