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ribacaima · 2 years ago
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LUTEMBO, TERRA BUNDA.
PARTE III
A POPULAÇÃO DO LUTEMBO VISTA PELOS OLHOS DE UM EXPATRIADO. ANO DE 1974.
 Introdução.
Em 1974 o Lutembo compreendia 4 quimbos, ali agrupados, cujo nome lamentavelmente não anotamos. Tinha por isso, 4 (quatro) sobas. Três eram homens: - Sapato, Tetá e Ribango. O cargo restante era ocupado por uma mulher, a Muétepa, como antes referido.
Embora sem qualquer apoio estatístico (1), estimamos que os residentes não ultrapassariam as cinco centenas de pessoas; sendo muitas delas crianças e jovens, que frequentavam a escola lá existente, como algumas fotografias o documentam.
À data do nosso embarque a 11 de Setembro de 1973, com destino a Angola, sentava-se ao nosso lado um imberbe serrano, nativo da Suíça Portuguesa, e que se apresentou como sendo Von Almitz; talvez descendente de algum austríaco que se perdeu por aquelas bandas, aquando das invasões francesas.
Entabulada conversa, logo verificamos que, para além da origem, tínhamos mais coisas em comum, sobretudo no que se referia ao grande interesse pelo conhecimento das tradições de outros povos. A expectativa em relação aos africanos era enorme, está bom de ver.
Chegados ao Lutembo, as horas de ócio, nossas e dele, eram passadas, lendo, estudando e observando os pacíficos Bundas, povo étnico local.
De quando em vez, víamo-lo a rabiscar numas folhas de papel azul, com linhas, mas nem lhe prestávamos muita atenção; já que tal era comum à maioria dos soldados antes da redação final dos aerogramas a expedir para os familiares e conversadas na então dita metrópole.
Certo dia de Setembro ou Outubro de 1974, ao regressarmos do passeio habitual pela sanzala, em que tinha havido um ritual de fertilidade, em virtude de uma das esposas, do nosso guia, não engravidar; vimo-lo, mais uma vez, a escrevinhar, uns versos, mas de forma muito concentrada.
Gracejando, perguntamos-lhe se toda aquela literatura, que estava a redigir, era para a sua embeiçada, a Lurdes, a enviar pelo correio do dia seguinte. Desta vez nem corou, como era seu costume. Rindo, disse-nos:
            “Tenho andado, de há uns tempos a esta parte, a observar os Bundas e a passar para o papel o modo de viver simples desta gente, o que inclui a cerimónia de hoje, de que tiraste fotografias. Acho que as quadras estão muito imperfeitas quanto à métrica, que rima vai havendo alguma, parece. - Queres ver o que escrevi?”
- Sim, quero! Mostra lá?
Sendo nós o Escritas, com máquina de escrever distribuída, logo nos prontificamos para as datilografar, o que fizemos e aqui divulgamos.
Os Bundas do Lutembo pela pena de Von Almitz. Ano de 1974.
                                            I
                        Deste povo ainda não falei,
                        Com ele também aprendi.
                        Seus costumes deixam-me estupefacto,
                        Tão diferentes, daqueles aonde cresci.
                                               II
                        Seu período histórico ainda é antigo,
                        Sua maneira de proceder original.
                        Como se casam, como vivem,
                        Até a ida para o seio da terra é tradicional.
                                               III
                        A poligamia existe,
                        A mulher é comprada.
                        Também objetos pessoais levam,
                        Quando descem à última morada.
                                               IV
                        Suas danças me encantam,
                        Por terem origem antiquada.
                        Noites inteiras há batuque,
                        Só se calam, já quando é alvorada.
                                               V
                        Pena tenho de os não entender,
                        Mais lhes queria perguntar.
                        Conto o que viram os meus olhos,
                        Daquilo que não aprendi, fico a lamentar.
                                             VI
                        As mulheres vestem roupas longas,
                        Cores garridas são o seu ideal.
                        “Panos” lhe chamam,
                        Como o seu viver é sensacional.
                                               VII
                     O amanhã não os preocupa,
                        A mandioca dá a terra.
                        A casa é rústica,
                        Uma única preocupação: - a guerra.
                                               VIII
                        O homem foge do trabalho,
                        A mulher trata da casa (2).
                        Ele, sempre cansado,
                        Ela, a cuidar da filharada.
                                               IX
                        Às costas ela transporta o filho,
                        Até a pisar a mandioca lá fica instalado.
                        Vai à fonte, vai à loja,
                        Da mamã, ele nunca é separado.
                                               X
                        Connosco muito têm aprendido,
                        Mas, também, se têm prejudicado.
                        A compra do sexo é um exemplo,
                        Isto foi um nosso legado.
Von Almitz ainda se debruçou sobre o clima, nomeadamente os  vendavais e trovoadas, do seguinte modo:
Noites tenebrosas havia,
De chuva e vento a soprar.
O céu todo rugia,
Parecia que ia desabar.
A despedida.
Decorridas cinco décadas, damos por findas as observações e pesquisas feitas sobre a população do Lutembo e aqui vertidas para o papel pelo Escritas, que residiu então na localidade.
Dedicamos, por último, este trabalho aos adjuntos, para a loiça, Pedro e Karias e seus familiares; abraçando-os em qualquer que seja o local em que se encontrem ou repousem.
Queluz, 11 de Setembro de 2023.
Manuel de Almeida
(também dito Escritas e Von Almitz).                             
APONTAMENTOS:
– Na mesma altura os militares, ali aquartelados, rondavam os 160 e os Flechas seriam uns 30, parece.
– Deve entender-se palhota.
-  Para além das lides domésticas, as mulheres também tratavam das lavras. Os homens dedicavam-se mais à caça, pesca, artesanato e atividades militares. Idem, trabalho doméstico assalariado.
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Este garoto era, por sua vez, o adjunto do Karias ou seja o que lavava a loiça.
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Estátua do Cristo Rei colocada como Marco Geodésico Central de Angola, nas proximidades de Camacupa/General Machado. Parece que terá sido, entretanto, substituída por outra.
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