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Slams: O “esporte” da poesia falada
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“Pra eles mulher preta tem que viver no “Shhh”... Mas eu.. Eu vou gritar. Porque eu tenho é muita raiva. Raiva dessas que faz o estômago revirar. Porque ou a gente aprende a brigar ou a gente perde o tempo todo. Esse negócio de calmaria é pra quem tem grana pra terapia. Coisa pra quem não perde mais de uma irmã todo dia. Eu sinto é raiva, nojo, ódio. Porque tristeza estagna, não sai do lugar. Mas ódio move e dá vontade de lutar”. Ryane Leão dispensou o microfone para recitar sua poesia na competição do Slam do Grito na última terça-feira (18). É que as vezes a emoção é muito grande ao recitar o tipo de poesia que reina nos slams: da resistência, da vida real.
Para quem observa de longe, sem participar, a emoção é tão grande quanto. A plateia é extremamente ativa e viaja junto com o artista pelo universo poético. É o tipo de lugar em que a você sente a positividade, que vem das pessoas que recitam poesias por livre e espontânea paixão, presente no ar. Existe toda uma aura de liberdade e diversidade. A batalha de poesia que aconteceu num bar no bairro do Ipiranga e foi organizada pelo Slam do Grito em conjunto com o Slam da Guilhermina, é apenas uma das muitas que acontecem em todo o Brasil, principalmente em São Paulo. Mas afinal de contas, o que são os slams? E porque tem surgido tantos nos últimos tempos?
O conceito de slam surgiu nos anos 80 na cidade de Chicago nos Estados Unidos e foi idealizado pelo poeta e construtor civil Mec Kelly Smith. O slam surgiu como um refúgio aos recitais de poesia que eram muito estáticos e permaneciam adormecidos e desconhecidos pelo grande público. Inicialmente os eventos aconteciam num bar de jazz em Chicago, mas no ano de 1986 eles começaram a se espalhar por várias cidades estadunidenses. Cresceu junto e até hoje é primo do hip-hop, isso acontece por causa da natureza poética do rap que os liga e como resultado grande parte dos “slammers” são MCs também.
Slams ou poetry slams são, basicamente, eventos de “spoken words” ou traduzindo, poesias faladas que procuram juntar poesia e performance em clima de competição. É reconhecido como o esporte da poesia falada e como todo esporte tem regras muito bem estipuladas. Primeiro de tudo a poesia deve ser autoral e o tema fica a escolha do slammer. São proibidos qualquer tipo de adereços ou auxílios visuais ou musicais com o intuito de deixar as rainhas da noite brilharem: as palavras e a performance. Os poetas não podem ultrapassar o tempo de 3 minutos se não penalidades são aplicadas pelos juízes. Outro ponto interessante dos slams: eles pregam que qualquer pessoa é capaz de opinar sobre arte, então os juízes são escolhidos espontaneamente no momento do evento. Os escolhidos dão notas de 0.0 a 10.0 para as apresentações, tendo como critério o conteúdo e a performance.
No Brasil a primeira batalha de Slam que aconteceu no território nacional foi o ZAP! Slam ou Zona Autônoma da Palavra. Roberta Estrela D’Alva após uma viagem aos EUA, trouxe a cultura do slam para o Brasil no ano de 2008 em ação conjunta com o Núcleo Bartolomeu de Depoimentos. Atriz, musicista, poeta e apresentadora do programa de TV “Manos e Minas” na TV Cultura, Estrela D’Alva mantém até hoje os eventos do ZAP! que acontecem nas segundas quintas-feiras de todo mês.  
Logo após o surgimento do primeiro slam brasileiro os seguintes rapidamente se formaram, sendo que o segundo a ser criado foi o Slam da Guilhermina pelo poeta Emerson Alcade. O evento acontece na praça pública ao lado do metrô Guilhermina-Esperança na Zona Leste de São Paulo, toda última sexta-feira do mês e trouxe novos ares para a cultura que muitas vezes faz falta na região. Por acontecer ao lado do metrô e em praça pública se torna ainda mais acessível para todos que quiserem participar ou apenas apreciar.    
Lucas Afonso, 24, slammer, MC e fundador do Slam da Ponta que acontece em Itaquera, também na Zona Leste de SP, conheceu o ZAP! Slam em 2013 e a partir daí não parou mais de frequentar os eventos. Hoje, já conquistou títulos: foi campeão do Slam BR, campeonato nacional de poesia falada em 2015 e em 2016 foi até a semifinal da Copa do Mundo de Poesias na França.
Lucas sempre esteve ligado à arte “Minha mãe cantava e tocava violão, então desde o útero eu tenho contato com a arte. O contato com a literatura, com a poesia veio na escola, ainda no ensino fundamental. A literatura que me apresentaram na escola, nem sempre me agradava. Um divisor de águas na minha vida, foi quando percebi que as letras de RAP também eram poesia. Na poesia, encontrei o meu canal de expressão. Descobri uma forma de ser protagonista da minha verdade”. E completa: “ O poeta do Jd. São Carlos, que só tem ensino médio numa escola estadual, disputou um torneio de poesias com poetas que falam três, quatro idiomas. Isso é grandioso pra mim. Eu sempre fui muito otimista com o meu trabalho, mas não imaginava que a poesia poderia me levar tão longe, tão cedo”.
Assim como Lucas, os eventos de slam atraíram e atraem mais e mais pessoas. É fácil entender porque as competições se tornaram tão populares. Os slams deram vida à um campo da arte contemporânea que permanecia adormecido e por causa da sua dinamicidade conseguiu envolver um público que mantinha certa distância da poesia. Mas esse não foi o único motivo do slam ter conquistado tanta popularidade. A diversidade e a inclusão são elementos mandatórios nesses eventos em que pessoas de todas as orientações sexuais, gêneros, classes sociais e crenças se juntam, em comunhão, para contemplar e apreciar as rimas desses artistas. Nesse momento a protagonista passa a ser a poesia. É uma forma de democratizar a poesia que ficou ligada por muito tempo aos acadêmicos e dar acesso a uma prática cultural que é pouco incentivada nas quebradas.
  “Acredito que o papel dos slams de poesia e dos saraus, seja proporcionar a possibilidade do sujeito de ser ouvido. O acesso à cultura, ainda é muito restrito para quem vive às margens. O bairro de São Miguel, onde fica o Jd. São Carlos, tem aproximadamente 400.000 habitantes, uma biblioteca pública, uma casa de cultura. Como surge poeta, como surge artista numa região assim? É aí que vejo a importância de pessoas criarem os slams, os saraus, as rodas de samba, as rodas de capoeira, os eventos de graffiti, entre outros movimentos. Nos dá uma possibilidade de nos tornarmos protagonistas, de nos sentirmos importantes, de nos sentirmos belos e saber que o fazemos também tem sua importância”, diz Lucas.
Em seu projeto “Margens”, a pesquisadora Jéssica Balbino estuda, entre outras coisas, a repercussão e a existência dos eventos de poetry slam, afirmando que o slam contribui na autorrepresentação de minorias como mulheres, negros, os mais variados gêneros e moradores de periferia em geral. “Para competir no slam, a pessoa não precisa ter livro publicado, ser rapper, ser artista, nada. Vale para donas de casa, taxistas, vendedores, etc. No sarau também, claro. Existe algo de: todos podemos fazer poesia. Todos podemos usar a palavra para nos manifestarmos. Não há necessidade de um livro publicado para validar o ofício de poeta e/ou slammer” diz em entrevista ao jornal Nexo.  
Com o tempo surgiram novas iniciativas no slam, como por exemplo, um slam exclusivo para mulheres cis e trans chamado “Slam das Minas”. Pioneiro como um espaço apenas feminino nos eventos de poesia falada o Slam das Minas surgiu primeiro no Distrito Federal, mas sentindo falta desse tipo de espaço em São Paulo slammers como Luz Ribeiro, primeira mulher campeã do Slam BR e Mel Duarte, campeã do Rio Poetry Slam em 2016, primeira competição internacional de slam na América do Sul, trouxeram esse conceito para a metrópole.
Ainda em entrevista ao Nexo, Balbino afirma “As mulheres ainda publicam menos. Porém, nos últimos cinco anos, isso vem mudando. Identifiquei um número bem maior de mulheres na cena, publicando seus livros, se identificando como poetas, participando de saraus e de slams”.
Hoje, os slams de spoken words estão experimentando um momento de ascensão na cena cultural urbana, tendo mais de 25 só aqui na capital paulistana e totalizando mais de 30 em todo o país. “A internet é um instrumento que cria uma extensão para esse movimento. Vou citar por exemplo o Slam Resistência, que faz vídeos dos poetas se apresentando e postam no Facebook. Tem vários vídeos com milhões de visualizações. Isso ajuda a criar discussões, reflexões em torno de assuntos que dificilmente seriam pautados em programas de TV, por exemplo” diz Afonso.
A tomada de espaços públicos por parte desses movimentos culturais que se estendem desde o centro até as periferias de São Paulo e outras cidades representam um protagonismo artístico diferenciado. São as minorias que se levantam e ganharam tal proporção que praticamente forçaram os meios midiáticos a ouvirem sua voz e dar visibilidade para esses protagonistas da cena cultural que não pertencem a elite e que viram esse espaço artístico ser restringido a eles repetidamente.
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