Tumgik
victoriademimmesma · 2 years
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3:24 da manhã. Vic sentou na cama com o olhar desperto observando as luzes que ultrapassavam os furos da cortina. A claridade da rua entrava como se fossem desenhos geométricos em um vitral de igreja católica. Alguns passarinhos, de espécie não identificada, já cantavam, fazendo parecer que era hora de acordar. Mas não era. Os pensamentos iam e vinham enquanto ele durmia em sono profundo e tranquilo. Não era a primeira vez que ela acordava neste horário sem sono, sem pretexto, sem perspectivas e sem cor. Por que a depressão é assim. Uma lente de cor cinza, pesada, que inunda os pensamentos como se fosse um mar de lama entrando pelo nariz e descendo pela garganta em um desespero sufocante. Não entendia bem o que sentia e nem conseguia explicar muitas vezes o motivo. Quem falou a palavra depressão pela primeira vez foi sua psicóloga. Foi aí que começou a pensar neste assunto, embora evitasse rotular como que para mascarar a doença.
Alguém no andar de cima estava acordado pois ouviu algo cair no chão. Seria um homem ou uma mulher? Algum casal com bebê recém nascido? Uma mãe solteira? Ou somente alguém solitário chegando em casa. Naquele horário? Não sabia. Morava ali há pouco tempo e ainda não conhecia os vizinhos, exceto pelas andanças no corredor, elevador, estacionamento e depósito do lixo. Seria alguém que estivesse passando pela mesma batalha? A chance de que a resposta seja positiva é grande, pois a depressão teve um aumento de casos na pandemia e pós pandemia.
Vic continuava sentada, paralisada e ao mesmo tempo com vontade de correr e sumir para um lugar em que os sofrimentos fossem esquecidos. E que ela fosse esquecida. Só por um momento quem sabe. Ou pra sempre. Sentia um aperto no peito como se fosse explodir. Sofria por antecipação, por coisas que nem sabia se um dia aconteceriam. Como por exemplo ter um filho, se sentir sozinha, engordar e ser rejeitada, virar mãe e deixar de ser mulher. Esses pensamentos borbulhavam em sua cabeça, dia sim dia não, como um vulcão em erupção. Mas Vic nem sabia se podia ter filhos e por isso se preocupava ainda mais.
Os passarinhos cantavam mais alto e já eram quase quatro horas da manhã. Amanhã seria feriado, mas um dia com a programação fechada desde o almoço. Vic precisava de um dia inteiro sem fazer nada pra se recuperar da falta de vontade que a consumia. Por que no outro dia já voltava ao seu trabalho estressante e que a deixava totalmente sem energia.
4:23 e Vic ainda estava sem sono. Lembrou daquele dia em que estava sozinha na sala e precisou descer do sétimo andar até o térreo pra respirar. Estava chovendo e só conseguiu dar uma caminhada de dois minutos em volta do prédio. Subiu pelo elevador e desceu até o chão do banheiro, onde chorou desesperadamente tentando cavar um buraco no porcelanato frio, branco e brilhante, embora com manchas de sujeira. A vontade era de morrer. Chorou tanto que aliviou seu desespero naquele momento. Então voltou para a sala, abriu uma cerveja e terminou dois episódio de Atypical no Netflix
Vic estava doente, podia sentir. Acordou no outro dia de manhã com pensamentos de morte imaginando as várias formas que as pessoas terminam com a própria vida. Um tiro na cabeça, remédios fortes, e outras coisas que seria melhor nem mencionar. Sua psicóloga havia indicado a consulta com um psiquiatra. Deixou algumas referências que ela buscou sem sucesso e ainda não havia achado ninguém. Gostaria que alguém pegasse o telefone e marcasse a consulta pra ela, como que em uma tentativa de ajuda. Precisava de ajuda. Diziam que somente ela mesma poderia se ajudar, porém estava se afundando cada vez mais. Acabava não tocando muito no assunto com ninguém. Mascarava a situação pois falar em psiquiatria e depressão ainda é um tabu pra muitos e ela também tentava evitar de certa forma ser taxada como doente, depressivo ou até ser chamada de louca.
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