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Escritora - @amantedosfandons no app laranja - Leitora, ama o que faz, mas segue no ramo da química 🤪🧪📚
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amantedosfandons · 2 years ago
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19 • A pasta vermelha
Foi uma tentativa falha, sem meu remédio nada funcionaria, passei a madrugada preocupada, pensando que ainda tinha alguém na casa.
Pareceu pouquíssimo tempo entre o momento que deitamos para dormir de novo, com a Bella entre nós, e o momento que senti ele beijar meu rosto, depois os passos leves pelo quarto, a porta abrindo e fechando.
Abri os olhos, pensei que ainda fosse noite, mas já estava amanhecendo, o que significou que não dormi nada, só tentei, e falhei. Encarei a Bella quando levantei, sempre gostei de deixá-la dormir mais nos fins de semana, o problema é minha falta de sono e medo.
Fiquei pensado por muito tempo se acordava ela ou a deixava ali sozinha, de a pessoa ainda estivesse na casa já te tentado algo enquanto dormíamos, certo? E tem um monte de policiais ao redor da casa, vasculharam tudo, cada cantinho.
Não me aguentei e verifiquei todas as janelas para ver se estava mesmo trancada, e tranquei a porta do quarto, só ia beber água, talvez tomar um remédio se encontrasse algum e voltar.
Desci as escadas bem devagar, dor de cabeça e insônia são coisas que não combinam, mas que infelizmente caminham juntas quando se trata da minha própria situação. Harry não estava na cozinha e nem na sala, ou em qualquer outro lugar que eu tenha passado na minha ida até a geladeira.
Evitar pensar em tantas coisas ao mesmo tempo, esse precisa ser meu objetivo, pelo menos até o começo da semana, mas é um pouco difícil fingir que não escutei a conversa dele com o Mitch.
Por outro lado, será que eu não estava alucinado? Eu escutei mesmo? Será que não estava tão apavorada a ponto de ver, imaginar e escutar coisas que nunca aconteceram?
Deixei o copo no escorredor e fui em direção ao tal escritório, não sei bem o que procuraria por lá, mas provavelmente era o lugar mais improvável para se encontrar algo, ou isso é o que ele quer que eu pense.
Bati antes de entrar, e ainda bem, porque ele estava lá, sentado na cadeira estofada, atrás da mesa, com o notebook ligado bem na frente dele. Achei estranho, na noite anterior a sala não estava assim, deu para ver que ele arrastou as caixas, mas se eu comentasse, ele saberia, então evitei meu semblante surpreso.
- Oi, linda. - Sorriu, fechando o notebook e o deixando de lado. - Está muito cedo, o que faz aqui?
- Não dormi. - Deu de ombros. - Não consigo sem meu remédio. - Abracei meu próprio corpo de maneira sutil.
- Kayra, isso não faz bem, você vai se viciar nessa droga. - Falou com calma, me encarando com preocupação. - Vem aqui. - Estendeu a mão, me chamando com um gesto.
Fui até ele, mesmo com tudo girando na minha mente ao mesmo tempo, por algum motivo preciso dele por perto, o Harry é tudo que ninguém nunca foi para mim, estou com medo de ter me tornado o que mais temo, dependente amocional.
Sentei no colo dele como uma criancinha, fiquei abraçada com ele naquela cadeira pequena, mas me senti segura, mesmo não querendo sentir isso.
Encarei ele depois de um tempo, analisei o rosto inteiro, até que vi uma marca no lado direito do rosto, no maxilar. Segurei o rosto dele e virei um pouco para eu poder enxergar melhor, e quando vi o arranhão lembrei do meu episódio ridículo de sonambulismo.
- Desculpa. - Sussurrei, tocando no machucado avermelhado.
- Não foi sua culpa. - Pegou minha mão e a beijou. - Acho que te assustei, meio que gritei para te acordar, acho que foi pior. - Riu baixo. - Na próxima eu tento fazer algo menos brusco.
- Não vai ter próxima. - Protestei rápido. - Vou começar a ir em mais sessões de terapia, vou melhorar...
- Kayra, não precisa disso. - O sorriso dele foi tão doce que me acalmou um pouco. - É importante você ir, claro, mas não precisa ter vergonha, essa é você, e eu não ligo, quero te ajudar. - Fez um carinho no meu braço com o polegar. - A começar pelo seu sono, por que não dorme?
- Eu... - Suspirei. - Tenho medo desse maníaco estar mais perto do que pensamos.
- Não está. - Falou rápido e meio alarmado. - Não se preocupe, pode ficar tranquila comigo aqui, hoje mesmo vai vir uma equipe para instalar alarmes de segurança, vou contratar algumas pessoas para cuidar da casa, ninguém mais vai entrar.
- Não consigo evitar pensamentos... - Pensamentos sobre você, Harry, mas ao mesmo tempo te quero comigo, como vai me ajudar nisso?
- Vamos fazer o seguinte. - Ele sorriu, tocando meu rosto. - Vamos lá para cima, eu fico te abraçando o tempo todo, só saio da cama quando você e nossa bebê acordarem.
- Não precisa disso...
- Claro que precisa. - Foi se levantando, me fazendo levantar também. - É importante dormir, vamos, nós três, não saímos com pelo menos uma horinha de sono.
Ele me convenceu com poucas palavras, do jeito que meu corpo se encontrou depois de tudo isso, não tive muitas forças para negar ou dizer algo contra. Não disse nada quando tirei a chave do bolso do short e destranquei a porta, mas ele percebeu o tamanho do meu medo só pela minha atitude.
Deitei e abracei a Bella, ele fez o mesmo, atrás de mim, me abraçando e ela ao mesmo tempo, bem perto, quase me sufocando com o abraço. Fechei os olhos e senti o cheiro dele, reconfortante.
- Te amo. - Sussurrei.
Apesar de tudo, sim, eu o amo, não posso negar, não importa o que seja, o que fez ou fará, eu o amo, e sei que vou me arrepender disso, mas não quero e não posso acreditar em nada sem provas oculares.
- Te amo. - Sussurrou de volta, beijando meu ombro.
*     *     *
Não sei bem quando dormi, e nem como, parece muito ruim admitir que foi por causa dele e da confiança que transmite. Cumpriu com a palavra, o senti perto o tempo todo, me abraçando e com a respiração tranquila tentando fazer a minha se acalmar.
Por isso odeio bisbilhotar as coisas dos outros, ou escutar conversas fora de contexto, agora tudo que ele fizer vai me fazer pensar o contrário de tudo, mesmo ele sendo um amor comigo, excelente. Talvez eu ame um cara do mal, talvez ele não seja tão bom assim.
Não posso me basear em fatos, nada de "talvez", preciso ter certeza, por mais que as cartas jogadas estejam quase claras demais aos meus olhos.
Abri os olhos rápido quando não senti ele me abraçando, e nem a Bella nos meus braços. Pulei da cama desesperada e cheguei a dar alguns passos apressados até à porta, mas escutei risadas vindo do banheiro.
De novo, odeio bisbilhotar, mas preciso ver o que estão fazendo. Encostei o rosto na porta, observando os dois de costas para mim, dava para ver pouco pela frestra, mas o suficiente.
- Não, Harry, a minha mãe não escova meus dentes assim. - Riu dele, que levou as mãos até à cintura.
- Como é então?
- É devagar. - Explicou, apoiando as mãos na pia. - E um de cada vez.
- Um de cada vez!? - Ela riu com a intenção de voz dele.
- Sim. - Assentiu.
A Bella não costuma mentir, apesar de a informação dela ser totalmente falsa. Talvez ela tenha a sensação de que é um dente de cada vez porque não está vendo nada do que estou fazendo.
- Tudo bem, eu posso escovar do jeito que eu acho que é, ou você mesma escova. - Explicou, cheio de paciência. - O que você prefere?
- E você escova! - Ele sorriu grande.
- Tudo bem, abra a boca crocodila! - Ela riu alto.
Ele sempre fazia ela rir em qualquer situação. Respirei bem fundo quando percebi que, na verdade, ele estava mesmo só escovando os dentes dela, com calma e cuidado para não machucar, o que pareceu incrível.
Preciso admitir que mesmo com todos os episódios recentes, o Harry sempre tentou fazer o melhor papel possível de um pai para ela, mesmo não sendo o de verdade, ele cuida dela e qualquer um perceberia de longe que tem sentimentos pela Bella, de qualquer jeito, até caminhando com ela na rua, segurando a mão pequena da minha bebê.
Abri a porta do banheiro devagar depois que ele levou a boca dela, estava entregando a toalha quando virou na minha direção.
- A não mamãe, você acordou. - Ele disse, fingindo decepção.
- Não é de acordar agora, mãe. - A Bella pareceu confusa.
- É, você precisa descansar. - Ele completou.
- Você saiu da cama. - Falei breve.
Ele a pegou no colo e me encarou com um sorriso nos lábios, como se estivesse feliz com o que eu falei, e foi mesmo um elogio, mesmo sem pensar, acho que só consigo dormir com ele.
Ele me deu um beijo rápido nos lábios e disse que ia descer com ela, então, disfarçadamente, escovei os dentes mais rápido ainda.
Desci rápido as escadas e fui até a cozinha, ele estava de costas enquanto ela estava sentada, com um papel e caneta azul, ele provavelmente providenciou para que ela ficasse entretida enquanto ele fazia algo para o que parecia o café.
Liguei o celular dele em cima da mesa e descobri que estávamos perto das dez, eu não dermi nem cinco horas.
Cheguei perto dele e o observei em silêncio. Pães estavam virando torrada enquanto ele amassava uma porção de abacate com sal, e pelos ovos em cima da mesa, ia fazer omelete.
- Você quer ajuda?
- Não precisa. - Me lançou um sorriso simpático. - Vou fazer um café da manhã simples, depois podemos sair para almoçar, o que acha? Não precisamos ficar em casa o dia todo.
- Você não tem coisas para resolver? - Ele riu nasalmente.
- Uma infinidade delas, você nem faz ideia. - Abriu mais os olhos, e negou com a cabeça, talvez querendo esquecer. - Mas posso tirar um tempinho para as minhas garotas. - Piscou um dos olhos.
Não teve como não sorrir, minhas reações são sempre as mesmas quando se trata dele sendo atencioso desse jeito, eu deveria achar errado ele largar o trabalho para ficar comigo, estava atrasando investigações, mas achei o máximo a atitude dele. Pobre mulher apaixonada.
Ajudei ele com a louça do café e fomos até à sala, deixamos a Bella assistir um desenho, mas estava muito concentrada nos brinquedos dela, dando voz a eles.
Fiquei deitada com ele no sofá, estava prestando atenção nela, mas ele estava simplesmente rolando o feed do Instagram dele.
Tão simples, por que não pode ser simples? Por que a nossa vida precisa ser desse jeito? Odeio agir como se nada estivesse acontecendo, sei que ele está evitando falar sobre a noite passada, mas em algum momento isso vai precisar vir a tona.
- Harry. - O chamei, com a voz baixa. Ele me encarou. - Você nunca faria mal para nós, não é? Para mim e para a Bella.
Ele me encarou profundamente, deixou o celular cair no peito. Não sei distinguir o olhar dele para mim, mas só preciso que olhe nos meus olhos e diga a verdade, o Harry não sabe mentir, ou será que na verdade é muito bom nisso?
- Nunca. - Disse com convicção, olhando fixo para mim. - Jamais, tudo o que eu quero é proteger vocês, ter vocês comigo. - Suspirou, olhou para o teto da sala. - Eu amo a nossa família.
Sorriu, mesmo encarando o teto, não sei dizer se ficou triste com a minha pergunta ou emocionado com as próprias palavras.
O abracei forte, não pode ser mentira, reconheceria um mentiroso, ele olhou nos meus olhos e se declarou desse jeito.
Eu com certeza alucinei.
*     *     *
A ideia de ir almoçar foi boa, entreteu a Bella, pensei que ia ficar com medo na maior parte do tempo, mas a palavra do Harry sobre o monstro ter medo de policiais surtiu efeito nela, mas em mim não.
Estava tentando evitar falar do assunto, queria muito que ele começasse a compartilhar as coisas comigo, eu jamais contaria sobre segredos policiais, só queria ajudar.
Preciso saber o que está acontecendo em Quebec, e principalmente o motivo, uma cidade calma que vira de ponta cabeça. A escola da Bella já contratou dois seguranças, nem vi as outras escolas, mas devem estar nesse nível, e obviamente a notícia sobre a tentativa de sequestro dela estava indo pelos ares, a cidade inteira estaria sabendo até segunda-feira.
Decidi que o momento certo para falar sobre isso com ele é longe da Bella, e visto que depois do almoço passamos no parque e ela adora brinquedos bem maiores que ela, o momento me pareceu propício.
Ele sentou ao meu lado no banco, sorrindo e abanando a mão para ela. Virei o rosto e abri a boca, mas nenhum som saiu, meu celular começou a vibrar na minha mão e encarei o aparelho.
Justin ligando em uma tarde de sábado, não é o fim de semana dele, então algo pode ter acontecido. Atendi rápido e o cumprimentei.
- Está em casa?
- Não, por que? - Verifiquei a Bella nos brinquedos.
- Queria conversar com você sobre uma coisa, seria melhor pessoalmente.
- É sobre o que? - Meu corpo gelou.
- É um pedido, na verdade. - Ele riu, e eu fiquei aliviada, por um momento pensei em outra coisa.
- Que pedido?
- Eu e a Hanna vamos visitar os pais dela em Portugal, é um país pequeno, nunca estive lá, pensei que a Bella fosse gostar de ir, a gente nunca viajou de avião.
Pensei por um momento, acho que ele sabia que eu precisava de tempo. A Bella ficaria longe, e eu poderia resolver vários problemas.
- Quanto tempo?
- Um pouco mais de uma semana, não é muito, olha, nós vamos na quinta, entendo se você achar que é...
- Ela vai. - Falei rápido. - Ela adora viagens.
- Espera, como é?
- Han?
- Você disse que pode? - Franzi o cenho.
- É, ela pode.
- Kay, meu Deus do céu. - Ele riu. - Agradece o Harry se ele estiver ao meu lado.
- Que engraçado, Justin, uau. - Rolei os olhos.
- Mas só pode ter sido ele que abriu essa sua mente, você mal deixa a Bella mover um dedo sem você por perto.
- Você está exagerando, ela saí com você sempre.
- Sim, e você manda mensagem o tempo todo, a garota passa dois dias seguidos juntos e você liga por vídeo.
- Ok, me manda mensagem, a gente se vê na quinta.
Ele se despediu e eu desliguei. Harry passou o braço ao redor dos meus ombros e aproximou o rosto.
- Tudo bem?
- Tudo. - Tentei sorrir.
- Parece que estava brigando. - Ele riu quando rolei os olhos.
- O Justin que vê graça no que não tem. - Riu novamente.
- Tudo bem com ele?
- Tudo, só queria perguntar sobre a Bella ir viajar com ele.
- E você vai deixar? - O encarei.
- Vou.
Ele abriu um sorriso pequeno e beijou minha bochecha, depois disse que seria ótimo para ela.
Vou deixar ela ir mesmo que eu não queira e não confie muito nela longe de mim por uma semana, conheço a Bella, sei que não vou precisar convencer ela sobre nada, vai receber a notícia e correr para arrumar as roupas.
Não sei dizer como estou, às vezes acho que alucinei, que tem algo na história que não se encaixa, o Harry é tão maravilhoso que nem pareceu a mesma pessoa falando ao celular, com a voz cheia de raiva.
Seja lá o que estiver acontecendo, não importa, eu e a Michelle estamos sendo enganadas, ela soube disso primeiro que eu, mas duvido que pense sobre o Mitch fazer parte disso também, mas ele faz, Harry estava em uma chamada com ele, tenho certeza que não estou louca.
Pensei por um tempinho, Harry levantou e avisou que ia comprar algo para comermos. Peguei meu celular no bolso da calça e abri as mensagens, mandei um simples "Oi" para a Michelle.
Fiquei encarando a Bella, correndo na areia, não fez amizade com ninguém, mas pareceu bem feliz sozinha.
Esse é meu destino? Ficar sozinha? Se o Harry estiver mesmo mentindo sobre tudo, então não posso ficar com ele, não nessas circunstâncias.
Espero estar errado. Quero estar errada. Preciso estar errada.
Michelle respondeu minutos antes de ele chegar com Milk-shake nas mãos, o meu de chocolate, o dele de morango, e havia comprado um menor para a Bella, também de chocolate.
Geralmente fico encarando as interações deles, só para admirar, mas estou mais interessada na resposta da Michelle. Perguntei o que iria fazer na próxima semana, se poderíamos marcar algo, mas a resposta dela foi simples.
Michelle: Não posso na semana que vem, vou viajar.
As peças se encaixam, ela vai viajar, Harry disse algo sobre irem para longe na ligação, mas ela poderia estar me evitando, a última visita não foi exatamente agradável.
- Sabia que a Michelle vai viajar? - Perguntei, como se estivesse surpresa.
- Sabia.
- Como?
- O Mitch me disse. - Deu de ombros.
Claro que o Mitch disse.
- Para aonde vão?
- Isso não sei, acho que nem decidiu ainda. - Franzi o cenho.
- Como assim?
Acho que ele percebeu a confusão no meu rosto, apesar de ser falsa, já que vão viajar e que não foi planejado.
Ele me encarou, depois o parque e suspirou, voltou a me encarar, como se não conseguisse não dizer a verdade.
- Eu disse para ele ir.
- Por que?
- Porque tentaram pegar a Bella de novo, eu posso ser o alvo, ele é meu irmão, logo vira um alvo também, achei melhor ele sair por uma semana.
- Mas isso não é meio precipitado.
- Não. - O vi apertar o próprio joelho. - É melhor assim.
A fala seca e um tanto ríspida me deixaram surpresa, não esperava que fosse ter essa reação, mas é compreensível, o Harry não sabe mentir, está nervoso.
- Por que fica tão estranho às vezes? Parece até que esconde algo...
- Para. - Me cortou, falando um pouco mais alto, mas sem me encarar. - Não...estou escondendo nada. - Ainda sem me encarar. Bebeu um pouco do doce e finalmente olhou nos meus olhos. - E se escondesse seria para o seu bem.
- Não existe isso de esconder para o bem. - Falei séria, sem tirar meus olhos dele. - Se eu descobrir alguma coisa, acabou, e você sabe disse.
Ele cerrou os olhos minimamente e franziu o cenho, depois parou e se recostou no banco, me encarando, mas não disse nada, voltou a encarar a Bella.
A fixa dele caiu, e fiquei com medo da expressão de seriedade dele. Ele sabe que sei de algo, sabe que escutei demais e sabe que vou investigar, seja lá o que for. Ele me encarou uma última vez, olhou para todos os pontos do meu rosto e por último nos meus olhos.
Ele simplesmente jogou o milk-shake inteiro no lixo, só jogou e acertou na lata, depois chegou perto de mim no banco e continuou com a expressão séria.
- Vou te dizer uma coisa e espero que isso grude na sua mente, para parar com isso. - Chegou mais perto. - Seja lá o que pensa que sabe, não sabe. Você é uma funcionária pública que pensa que pode investigar, ou pior, me investigar. - Riu no meio da frase. - Mas não pode, Kayra, não sabe com quem se meteu, não comece o que está pensando em fazer, não vai acabar bem nem para você, e nem para a sua filha.
- Isso é uma ameaça?
- Não, é um aviso. - Falou mais sério ainda.
- Você é um mentiroso. - Negou com a cabeça. - Disse que nos protegeria, que não nos faria mal...
- E eu não faria, não sou eu quem vai te machucar se continuar tentando se envolver, e não sei se consigo te proteger se você souber...
- Não é justo. - O interrompi. - A Bella quase foi sequestrada, seu psicopata!
Sei que ficou com raiva do adjetivo que usei.
- Não, não é justo, nem comigo, e muito menos com você. - Suspirou alto, e passou as mãos pelo rosto. - Isso não deveria ter acontecido...
- O que não deveria?
- Você. - Me encarou com certa raiva. - Você não deveria ter acontecido, eu nunca deveria ter me interessado, nunca deveria ter me apaixonado, te... - Não continuou, só virou o rosto e mexeu no cabelo. - Não estava nos planos...
- Está me assustando...
- Desculpa. - Sussurrou. - Não posso mais ficar por perto.
Meu mundo caiu bem ali, fiquei encarando ele, sem reação, desejei profundamente que existisse um botão para voltar no passado e nunca ter dito o que eu disse, e ele jamais teria chegado a essa conclusão.
- Pega um táxi e vai para casa. - Me entregou dinheiro. - Não me procura mais, e não me deixa chegar perto, nem que eu apareça bêbado na sua casa e Implore, chame a polícia e não me deixei entrar.
- Harry...
- Vai ser melhor para você. - Levantou do banco. - Não aguento mentir para você, para ninguém, por isso nunca tenho relacionamentos. - Suspirei. - Eu ainda...ainda gosto muito de você, mas talvez isso dure a vida toda, e sei que não vai ficar esperando por mim, e nem deve. - Sorriu. - Sinto muito.
- Por que não me conta o que está acontecendo? - Levantei também, ficando de frente para ele.
- Por que não posso. - Falou breve, sério, pareceu simples para ele. - Se eu te contar, pode ficar pior.
Ele me encarou uma última vez, depois encarou a Bella ao longe, a tristeza foi nítida nos olhos dele. Começou a se mover para longe, meu coração acelerou, cerrei os punhos, amassando os dólares.
- Harry! - Ele parou e me encarou. - Quem é você?
É só o que preciso saber, talvez eu possa ajudar, talvez tenha volta, não sei qual rumo escolheu tomar para a vida, mas não parece fazer bem a ele.
- Uma pessoa não tão boa, que tem a consciência de que você merece algo bem melhor.
Virou as costas e continuou andando na direção do carro dele.
Fiquei arrasada, tive muita vontade de chorar, muita mesmo, uma lágrima chegou a cair, mas a Bella estava a metros de mim. Limpei rápido meu rosto e fui pegar ela.
Às vezes eu odeio viver, precisei ter paciência para responder o motivo de ir embora cedo e aonde o Harry estava.
Deitei durante a noite e não dormi, chorei, e chorei a noite inteira, como jamais chorei antes, primeiro por não saber o que está acontecendo, depois porque ele nitidamente terminou comigo no meio do parque.
*     *     *
Pensei muito sobre ir trabalhar nessa terça-feira. Mandei a Bella para o Justin no fim de semana, passei os dias chorando e me humilhei mandando mensagem, perguntei se ele querida conversar, e o resultado? Sem respostas até hoje.
Tentei entender ele, mas nada me passou na cabeça, por que ele fez isso? E de novo eu fiquei sozinha, só que dessa vez por um motivo diferente, acho que não nasci para ter alguém, só a Bella, e pronto.
Pensei em falar com a Michelle, mas ela viajou no domingo para a fronteira com os Estados Unidos, Vancouver, Colúmbia Britânica, não quis atrapalhar ela, e nem preocupa-la. Ainda não acredito que o Harry fez isso comigo, tenho certeza que é um cretino agora, eu estava certa sobre isso o tempo todo, eu só servi para atender os prazeres dele, e nem com a Bella se importou, saiu com aquele discursinho ridículo sobre ser uma má pessoa e saiu andando, como se nada o abalasse.
Nada o abala, ele é um psicopata desgraçado que me magoou, quero que ele se ferre no trabalho dele, que seja amaldiçoado para sempre por ter feito isso comigo, por ter me deixado chorando o fim de semana todo, por não ter respondido minha mensagem, por ter sumido do mapa.
Preciso esquecer isso e seguir em frente, esquecer a ligação, esquecer o que aconteceu.
- E o Harry não veio mais na minha casa, mãe. - Ela falou enquanto amarrei os tênis dela.
- Ele está ocupado. - Falei sem encarar ela.
- É de empresa? - Ri baixo.
- É. - Concordei. - O trabalho dele na polícia, lembra?
- Sim. - Sorriu assim que levantei o olhar. - Mãe, e aí você e o Harry me ligam de vídeo quando eu for para longe com o J?
- Ligamos, prometo. - Sorri para ela e beijei o rosto pequeno.
Nem que eu vá atrás dele e o obrigue a falar com ela, a minha filha não precisa passar por esse tipo de coisa e ficar triste só porque um bacaca pensa que pode fazer qualquer coisa.
Entendi as mulheres pela primeira vez, fiquei pensando sobre isso no carro, a levando para a creche. É tudo uma merda, você se doa, acredita na pessoa, fica feliz quando o sentimento é finalmente correspondido, e então essa confiança se quebra, o idiota vai embora, e aí a sua fixa cai, nunca foi real, ele nunca gostou da gente, que cara jovem e bonito quer se envolver com uma mulher trabalhadora que tem uma filha? Isso é para idiotas, aposto que ele pensa assim.
Agora o meu luto passou, a minha tristeza passou, chorei por dois dias seguidos e pareceu horrível, nem dormi, só na segunda-feira, acordei para ir ao trabalho e senti raiva, simplesmente fúria, e agora ainda sinto. Quero matar o Harry, encher o rosto bonito dele de tapas até sangrar.
Parei na frente da escola dela, bem mais segura com os seguranças, coisa do Harry, aposto que é são podres, seguranças e policiais incompetentes igualzinho a ele, ridículo, que vá para o inferno.
Levei ela até a professora, quis ir andando, então ofereci minha mãe a ela e a deixei ir com a mochila nas costas, se achando super adulta. Estava crescendo, infelizmente, mas sempre foi necessário, a lei da vida, não vejo a hora de ver ela seguir com a própria vida, me orgulhando sempre.
Um beijinho no rosto e lá ia ela, correndo para a professora. Até a minha caminhada para o carro foi ridícula, me sinto idiota por ser uma adulta e ter sido enganada por um babaca, eu deveria saber.
Meus instintos estavam certos o tempo todo, não deveria ter dado chance nenhuma para ele. Vidrei os olhos do outro lado da rua, e que desgraçado.
Terminou comigo e agora está me perseguindo. A viatura bem na frente da escola, e ele estava nitidamente encostado no muro de uma casa, me encarando. Suspirei de raiva, atravessei a rua, pensando em bater no rosto dele, mas posso ter presa por desacato a autoridade.
- Está me perseguindo, por acaso? - Ele riu.
- Nem tudo é sobre você, coisinha. - Meu sangue ferveu de raiva. - Tudo bem?
- Isso não te interessa mais. - Ele estava sério, então só assentiu. - O que faz aqui?
- Observando.
- Observando o que?
- As crianças. - Deu de ombros. - Faz parte do protocolo.
- Que protocolo é esse? É sobre seu esquema secreto?
Ele ficou mais sério ainda, tirou óculos escuros do bolso e os limpou com um paninho que tirou do outro.
- Isso não te interessa mais. - Rebateu, e tive uma sensação se tristeza e raiva ao mesmo tempo. - Além de que, já vi o que precisava. - Colocou o óculos no rosto.
- Babaca. - Murmurei.
- Passar bem, Kayra.
Ele simplesmente passou por mim, quase bateu no meu ombro e abriu a porta do carro, virei bruscamente, e antes de ele fechar, segurei a porta com força. O Harry, como sempre, muito calmo, apenas encarou minha mão na porta, depois meu rosto, ainda com aquele semblante sério e os óculos escuros idiota.
- Quero minhas coisas de volta. - Falei. - Estão na sua casa.
- Passa lá e pega. - Tentou puxar a porta, mas a forcei de novo.
- Quero para ontem, não vou na sua casa, arruma e me devolve. - Ele riu.
- Não tenho tempo para arrumar suas coisas, e são suas, você arruma, leva, e pronto. - Desgraçado. - Diz para o segurança seu nome, vou avisar eles que vai passar lá.
- E o que te faz pensar que eu tenho esse tempo? - Ele sorriu, debochado.
- Sempre teve um tempinho para mim, não é hoje, linda. - O vi sorrir mais ainda.
Se eu estava com raiva antes, imagine quando escutei isso, o cara simplesmente terminou comigo, fez um discursinho ridículo e ainda me diz isso, como se fosse o maior gostoso da face da terra, como se voltasse e terminasse comigo quando quisesse.
- Espero que você vá para o inferno. - Ele parou de sorrir, ficou mais sério.
- Espero que você fique bem, Kayra, ainda cuido de você, mesmo de longe. - Ri nasalmente.
- Eu te odeio.
Fechei a porta dele, assim como fez comigo, e percebi que estávamos no mesmo cenário daquela vez, mas em posições diferentes.
Queria odiar ele, mas acho que não sou capaz de odiar ninguém, nem ele, falei tudo aquilo, mas espero de verdade que ele fique bem, acho que tem alguns assuntos que atormentam ele profundamente, dava para sentir quando estava diferente, sempre quis ajudar, mas nunca deixou. Ao mesmo tempo, me odeio por pensar assim, ele me magoou e ainda desejo o bem dele? Que ridículo.
Parei na frente do CT, suspirei, queria entrar, ontem foi horrível, Diana perguntou o motivo de eu estar tão para baixo. Nem desliguei o carro, saí da vaga e segui reto.
Ninguém me viu, então tudo bem, ia mandar uma mensagem que chegaria mais tarde.
Para ser bem sincera comigo mesma, odeio essa ideia de deixar ele sair da minha vida tão fácil, se ele estivesse em casa, pedisse desculpas e me explicasse tudo, tenho certeza que o aceitaria de volta, e essa é a droga do amor, odeio sentir isso, não quero que exista possibilidade de ter ele de volta, mas quero ele de volta, como explicar?
A minha inconsciência me levou até a frente da casa dele, sei o que quero aqui, pegar minhas coisas e me despedir das dele. É doloroso, mas preciso, sei que não me quer de volta, já teria dito algo, então não adiante de nada ficar me humilhando.
Desci do carro e fui até o portão, naturalmente, um dos seguranças me barrou.
- Kayra, vim buscar minhas coisas, o Harry disse que ia avisar.
Acho que o segurança sentiu pena de mim, confirmou com outro segurança sobre a minha entrada e me liberou, tenho certeza que dá para ver a tristeza no meu olhar, até a Bella estava me percebendo, perguntou se eu estava triste, menti que não, obviamente.
Harry tinha razão, a casa dele era grande demais para uma pessoa só. Caminhei pela sala e dei de cara com um cobertor fininho que usamos para assistir filme, ou ele não tirou dali, ou usou de novo, ou também pode não entrado na sala durante esses dias.
Saí da sala, não ia ficar olhando as coisas só para ficar triste. Entrei naquele escritório ridículo do andar debaixo, o mesmo que estava dentro quando o escutei em ligação com alguém. Vasculhei umas caixas e encontrei uma vazia, e é suficiente, nem tenho tantas coisas assim na casa dele.
Subi e fui direto para o quarto, fechei a porta, entrei no banheiro, peguei minha escova de cabelo, meu shampoo, meus cremes, meu perfume, encontrei até um dos meus brincos lá. Entrei no closet, avitei encarar o lado dele, coloquei minhas calças dentro da caixa, alguns shorts e camisetas, até minhas calcinhas, acho que foram as peças mais difíceis de pegar.
Fiquei arrasada quando percebi que acabaram as minhas coisas, então encarei o lado dele.
Por isso queria evitar encarar tanto as coisas dele, dei de cara com a camiseta dos Guns N' Roses que usei milhares de vezes para dormir. Não aguentei, peguei a camiseta e cheirei, por isso sempre gostei de dormir com ela, o cheiro dele predomina no tecido, talvez seja por isso que o cheirei e abracei a camiseta, que ridículo, quando me peguei fazendo isso, parei, dobrei a camiseta e a deixei no lugar.
A camiseta ficou me encarando e eu encarando ela, juro que sussurrou um "me leve com você", sério, não tem como negar um pedido a uma camiseta.
- Ele nem usa mesmo, é mais minha que dele. - Falei sozinha, e joguei a camiseta na caixa.
Antes que eu enlouquecesse e começasse a chorar de novo, saí do quarto dele, não entrei em nenhum outro cômodo, não dava mais. Desci as escadas, mas parei, bem na frente da porta do escritório.
É sério que vamos só terminar desse jeito e vou ficar a vida toda me perguntando se o que escutei foi verdade?
Sejamos sinceros, mas quem é o Harry? A Michelle tem razão, ele chegou do nada, a cidade virou um caos, o próprio disse que estava mentindo para mim, e pior, que não era uma pessoa boa, fora todas as vezes que disse "não sabe com quem mexeu", com quem eu mexi? O que está acontecendo?
Não queria ficar pensando no pior, mas se o que escutei foi verdade, então ele estava envolvido em tudo, é o culpado, o mandante, ele...
Soltei a caixa na mesa de vidro, próxima da porta, entrei no escritório.
Fucei todas as caixas, mas só tinha alguns cadernos, coisas sobre direito, um álbum com fotos dele e da família, nada muito interessante e que eu não tenha visto no apartamento. Documentos, até o trabalho de conclusão dele, o que prova que realmente é formado em direito.
Até roupas tinha, tudo, menos coisas sobre os casos, onde será que guarda?
Fui até a escrivaninha, o notebook já não estava mais ali, abri as três gavetas do lado direito, todas vazias, abri as duas primeiras do outro lado e também estavam vazias, mas a última me revelou algo.
O notebook dele, em cima de uma pasta vermelha, fiquei encarando os dois objetos, na verdade, cheguei mais perto e não pareceu o notebook dele, um aparelho bem mais antigo, nunca o vi usando, mas não queria tirar do lugar, ele saberia que eu mexi. O levantei bem devagar e peguei a pasta vermelha.
Levantei e fiquei encarando, será que era algo sobre o cas? Algo importante?
Abri a pasta, mas escutei um barulho alto em algum lugar da casa, parecia algo caindo, algo frágil, quebrando. Meu coração disparou, ele estava em casa esse tempo todo?
Fechei a gaveta, corri até à porta, a fechei e peguei a caixa, escondi a pasta entre as roupas e corri até à entrada. Não entendi o motivo de ter sentido medo, mas senti muito. Vi ele não fez nem uma hora direito, o carro não estava do lado de fora.
Ele disse que ia contratar diaristas para a casa dele, até me pediu indicação de algumas, deveria ter sido uma delas. Quem quer que fosse, não podia me ver com aquela pasta.
*     *     *
Juro que tentei ver o que tinha dentro da pasta, mas não consegui, quando cheguei no CT, todos estavam enlouquecidos, correndo de um lado para o outro.
Houve uma denúncia durante a tarde, uma família surtou e bateram em uma criança, mas não fui até o local por dois motivos, primeiro porque provavelmente me sentiria muito mal, tenho dificuldades em ver crianças maltratadas, fico pensando na Bella e não sei como reagir, fico com medo e muito triste, e segundo porque não estava a fim de ver o Harry, e ele provavelmente estaria lá.
Tivemos uma reunião sobre os casos, sobre o andamento na polícia, e depois uma palestra que teve o objetivo de nos animar nos tempos difíceis em Quebec, nos últimos meses, um assassinato, seis desaparecimentos de menores, uma denúncia de espancamento e um assalto à mão armada em um restaurante era muito grave, pelo menos para nós.
Antes do novo delegado assumir, nada disso acontecia, nenhum desaparecimento, ninguém assassinado brutalmente, assaltos eram raros e as denúncias parecem ter começado a ser bem mais graves desde então. Uma cidade que cuida, que se ajuda, éramos tranquilos, agora não mais.
Fui buscar a Bella na escola e fiquei um tempão conversando com a professora dela, ela sempre teve um costume de me passar um feedback a cada conquista dela e atividades, normal para um quase final de mês. Levei ela para casa, dei banho, e ao invés de ocupar minha mente com coisas de fora da minha casa, resolvi dar atenção a ela, passar a noite brincando e conversando. Ela adquiriu uma dificuldade enorme de dormir sozinha, mas eu também não queria ficar sozinha na cama, então tranquei meu quarto, deixei minha arma na última gaveta da cômoda e dormi com ela.
Tudo isso por medo.
Fui ao mercado a tarde, antes de buscar a Bella na escola, e vi o Harry de novo, mas estava diferente, encostado na frente do carro, com uma calça jeans rasgada nos joelhos, uma camiseta branca e um casaco azul por cima, nem estava frio, e ele estava nitidamente encarando o mercado, me seguiu com os olhos até meu carro, ficou me observando guardar as compras, mas não foi até mim.
Estava diferente, a barba por fazer estava um pouco maior do que lembrei ter visto, o cabelo maior atrás e o estilo de roupa não era exatamente o dele, tinha algo estranho, mas aí lembrei de um vídeo que assisti outro dia, sobre um termino ser difícil e sobre as pessoas se verem diferentes depois do choque, e que algumas pessoas se abalam mais, mudando até estilos de vida. Será que eu já estava vendo ele diferente, e ele estava tão triste que resolveu mudar?
Pensei em ir falar com ele, mas não fui, me obriguei a entrar no carro e ir embora, mas pelo retrovisor vi ele encarando o carro, acho que a intenção dele era que eu tivesse ido conversar, mas estou mesmo disposta a fingir que ele nem existe.
Foi a primeira vez que tirei a caixa do carro, não queria tirar porque significa que acabou mesmo, ele nem me ligou, não perguntou da camiseta e nem da calcinha que deixei para trás propositalmente, pode ter jogado fora, ou nem visto.
- Você vai com seu pai hoje. - Bati palmas. - É legal viajar, não é?
- É. - Sorriu.
Estávamos arrumando as coisas dela, ia para a casa do Jus na quarta porque o voo seria pela madrugada, então a sugestão mais fácil foi deixá-la ir antes.
- Mas eu não sei... - Comentei. - Acho que são muitos dias, você aguenta tudo isso longe?
- Aguento. - Ri alto, a carinha de felicidade dela estava impagável.
- Mas eu vou sentir muita saudade. - Tentei de novo, testando ela.
- Mas e aí você me liga de vídeo, mãe.
- Aí eu fico com menos saudade?
- É. - Concordou. - Mas e eu volto para casa, mãe, é...é só uns dias. - Ri da escolha de palavras dela.
- Entendi. - Fechei a mochila. - Vai me contar tudo quando voltar?
- Sim, e comprar presente. - Ela riu. - O J me disse.
- Ah, ele vai comprar? - Assentiu. - Seu pai é muito legal mesmo.
- E ele se diverte, eu e ele. - Assenti de novo, entre risos. - O meu pai, ele...ele é muito divertido, mãe.
- Ah, ele é. - Concordei.
Ficamos conversando por um bom tempo. Gosto de conversar com a Bella, ela é verdadeira, é uma criança simpática, sincera, que não vê maldade alguma em coisa nenhuma, que confia em mim, aposto que se contasse a maior mentira para ela, acreditaria sem pensar duas vezes, na mente dela, eu nunca minto, nunca vou mentir, e sou a maior protetora dela.
E eu sou, mas estou longe de ser perfeita. Espero que ela se divirta muito na viagem, que aproveite, e que eu já tenha todas as respostas que preciso quando estiver voltando, tirar tudo isso da minha mente e da dela, e por enquanto posso esquecer da parte de precisar explicar que o Harry não volta mais.
Dava para sentir a ansiedade dela, nem deitou para beber o leite na mamadeira, ficou perambulando pela casa, mal sabia ela que o Justin ia ficar para jantar e só depois ia ir.
- Eu não fiz comida, pedi para entregarem aqui. - Ele riu, assentindo.
- Pensei que o Harry estaria aqui. - Tentei não parar de sorrir.
- Ele queria, mas teve um chamado longe...
- Entendi. - Sentou, observando a Bella na sala. - E você vai fazer o que nesses dias?
- Não sei, nunca ficamos tanto tempo longe, vai ser estranho. - Ele riu.
- Vai ser. - Assentiu.
Ele pareceu meio abalado, fiquei encarando ele, sem saber se deveria perguntar ou não.
- Tudo bem?
- Sim, é que eu briguei com a Hanna hoje cedo, sei lá. - Deu de ombros. - Foi a nossa primeira briga, acho que fiquei meio abalado.
- Foi grave?
- Não, foi bobo, por isso me chateou, está tudo bem agora, mas eu acho que deveria me desculpar melhor.
- O que você fez? - Franzi o cenho.
- Esqueci de buscar ela no trabalho, ficou horas me esperando, chegou a pé em casa, meu celular estava descarregado e nem olhei para ele, ficou uma fera comigo.
- Não acredito que esqueceu ela. - Segurei o riso.
- Nem eu. - Abriu mais os olhos, fazendo uma cara de apavorado.
Ficamos o tempo todo conversando sobre eles, até que gostei disso, esqueci do Harry, e ele não perguntou mais nada.
Doeu um pouquinho me despedir da Bella, sei que vai voltar, mas é difícil para uma mãe, a gente se preocupa o tempo todo, se está bem, se estão tratando ela bem, se está feliz ou não, tudo, mães sempre se preocupam além do normal, e não há nada que mude isso.
Me joguei no sofá e liguei a televisão, já faz dias que não durmo mais de três horas seguidas, e sei que essa noite não vai ser diferente.
Suspirei, encarei a caixa que trouxe da casa do Harry, deixei no canto do sofá.
Foda-se, não tenho nada melhor para fazer, a não ser ler a porcaria que tem naquela pasta vermelha.
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amantedosfandons · 2 years ago
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18 • O monstro do quarto
Antes de namorar, pensei que tudo fosse como antigamente, tipo, a gente ia passar a semana trabalhando, ele ia vir nos fins de semana ou eu iria, entraríamos em um conflito para saber na casa de quem o outro ia passar a noite.
Mas aí me dei conta de que somos adultos, e na última vez que fiz isso, eu era adolescente. O Harry não aparecia só nos fins de semana, na verdade, ele aparecia sempre, ou eu ia jantar na casa dele de vez em quando, no meio da semana mesmo.
E em outras ocasiões, como nessa, vamos sair para levar a Bella ao shopping, na quinta-feira, porque ela precisa de tintas para a escola e eu não tenho em casa, e nem ele, então pensando nisso, vamos ir lá comprar e depois jantar em algum lugar.
Terminei de me arrumar no quarto e fui até o quarto da Bella para ver como estava. Parei na porta e deixei minha bolsa cair, levei um susto, cheguei a levar a mão ao peito, até que ela riu e soube que estava tudo bem.
Uma figura toda de preto abaixada, ao lado da cama dela, encarando, não sei porque pensei que fosse uma ameaça, talvez o Harry estivesse em uma posição muito parecida com a daquele infeliz na noite em que apareceu.
- A minha mãe levou um susto. - Ela riu, apontando para mim.
- A sua mãe se assusta muito fácil. - Olhou para baixo, amarrando os tênis dela.
- Que engraçado. - Forcei uma risada sarcástica.
- O Harry também sabe amarrar os tênis. - Mostrou um dos pés, e eu fiz uma cara surpresa.
- É que o Harry é inteligente, não é?
- É o Harry inteligente! - Levantou os braços, o fazendo rir.
- É o Harry papai urso. - Ele fez uma voz grossa, nos fazendo rir. - Está rindo de mim, criancinha? - Continuou com a voz.
- Não, não é de criancinha, Harry. - Protestou.
- Mas você é uma ursinha. - Voltou com a voz normal, colocando o capuz de urso nela. - Não é a minha ursinha?
- Sim. - Ele riu, pegando ela no colo.
- Pronta, mamãe urso? - Precisei rir de novo, ele pareceu animado com a ideia.
- Pronta. - Cerrei os olhos.
- A mamãe é uma mamãe urso. - Ela riu, super espertinha, querendo me meter na brincadeira.
- É, e sou muito brava.
Tentei pegar ela do colo dele, mas não deixou, e ela riu, pedindo para ele proteger ela, ficamos assim por uns segundos, até decidirmos descer.
O Justin levou ela para outra cidade no fim de semana, foi visitar o irmão na fazenda, e ela sempre voltava com alguma ideia diferente, a da vez foi ter um cavalo, acho que é porque se parece muito com um pônei, provavelmente.
Saímos de casa e ela perguntou se não íamos de carro, porque nunca tinha andado no dele, e quando chegou com a camionete, fiquei muito animada.
- Nós vamos no carrão do Harry. - Ele riu, rolando os olhos.
- É um carrão o do Harry, mãe? - Assenti, super animada.
Ele abriu a porta, a Bella não sabia bem o conceito de carrão, mas acho que ela pensou que era pelo tamanho dele, que também chocou ela. A apoiou na cadeirinha que não, não era a do meu carro, ele comprou uma nova para ela, achei fofo da parte dele, bem atencioso, disse que comprar uma é melhor que ficar tirando a do meu carro e passar para o dele.
- Quer dirigir? - Abri mais os olhos.
- É sério?
- É. - Riu, me entregando a chave. - Acho que você meio que ama mais meu carro do que eu.
- Não é verdade. - Beijei rápido a bochecha dele. - Mas eu amo seu carro. - Ele riu.
- Então dirige. - Abriu a porta do carona. - Vai. - Me deu um tapinha leve na bunda depois de pegar minha bolsa.
Fiz a volta no carro e entrei, fiquei muito animada, um carro automático é vida, acho que demonstrei essa felicidade para ele um pouco demais, porque riu de mim.
Encaixei o cinto e liguei o carro, estava animada para dirigir, e ele parecia bem tranquilo com a ideia. Imaginem a minha felicidade de dirigir uma camionete gigante, com ar condicionado, e todo o conforto do mundo, muito bom, estava no paraíso.
Enquanto estava a caminho, percebi que ele estava se apegando demais na Bella, tinha jeito com crianças, mas dava para ver que com ela era diferente. Ficou o caminho inteiro conversando com ela e tentando pegar o pé dela, que escondia toda vez, entre risos.
- Eu quero ir no chão. - Ela disse assim que ele a pegou da cadeirinha.
- Ah, tá bom. - Atendeu o pedido imediatamente.
- Bella. - Ela olhou para trás, me encarando. - Tem que me dar a mão, não é para andar sozinha.
Ela queria ir no chão para correr na nossa frente, não tinha noção do perigo que era, e nem do que eu senti em todas as vezes que ela sumiu nas lojas e eu a encontrava nas prateleiras dos brinquedos.
Depois de muita insistência, ela aceitou caminhar segurando nossas mãos, ou era isso, ou o colo, e ela queria caminhar, então fizemos um acordo. A Bella não era mal-educada, sabia se portar nos lugares, se me pedisse algo e eu dissesse que não, então era não, mas era curiosa demais, e às vezes isso atrapalhava ela, porque não tinha noção dos perigos de uma criança caminhando sozinha.
- Olha, Harry, é uma coroa de princesa. - Ela apontou, e ele se abaixou para pegar a caixa. - É de adulto, essa. - Ele riu, e ela sorriu para ele. - É de grande, Harry, serve na sua cabeça?
- Hum...acho que serve, princesa. - Piscou um dos olhos para ela. - Você quer?
- E aí a gente brinca juntos de princesa?
- Claro, eu deixo guardado nas suas coisas, pode ser?
- Pode. - Sorriu grande.
Não acredito que ele fez isso, ainda deu a caixa para ela segurar e ficou andando pela loja inteira com o objeto em mãos, como se qualquer um fosse uma ameaça e só ela pudesse tocar.
Já cansei de dizer para ele não fazer todas as vontades dela, mas nunca adianta, ele sempre está fazendo algo que ela esteja pedindo, seja um favor, brincando, ou comprando a coroa de princesa, e para ele usar ainda por cima, nem era para ela.
Caminhamos bastante até encontrar uma loja que tivesse as tintas que ela queria, eu só precisava de um pote grande, rosa, foi a cor que ela escolheu, pensei que fosse mais fácil achar, mas às lojas pareciam contra a cor.
Ela ficou bem feliz, disse que ia fazer um trabalho de mãos, pelo o que entendi, iam pintar as mãos, cada um com uma cor, e carimbar cartazes. Gosto da creche que ela frequenta porque estão sempre fazendo brincadeiras lúdicas com eles.
Depois paramos na praça de alimentação e pedimos batatas fritas para ela, refrigerante e hambúrguer, não era de costume lanchar aquilo pela noite, mas uma vez não ia nos matar, e acreditem se quiserem, mas a Bella quase consegue comer um hambúrguer sozinha.
Na verdade, o Harry passou um tempão sendo palhaço com ela, prendendo batatas fritas na boca, fingindo que eram dentes enormes, nos fazendo rir.
- Se comporte, criancinha!
- Não, Harry, e é você que não se comporta! - O acusou, apontando para ele.
- Eu!? - Fingiu estar indignado.
- É, e eu não sou de criancinha.
- Nenhum de vocês se comporta, são duas criancinhas. - Os acusei, comendo meu hambúrguer.
- Bella, sua mãe brigou conosco! E agora? - Sussurrou a última parte.
- Dá um abraço nela? - Rimos alto, pareceu uma solução maravilhosa para ela. - Mãe, e eu não sou de criancinha, sou de grande, não é?
- Sim, vai para outra turma no ano que vem. - Concordei. - Quem troca de turma é grande.
- Viu, Harry? É de grande, eu sou. - Ele riu, concordando com ela.
- É sim, linda, já é uma mocinha. - Arrumou o cabelo dela, e depois voltou a comer.
- Ela vai trocar de turma no ano que vem, na creche. - Assentiu com a cabeça. - Tudo bem?
- Tudo. - Sorriu com os lábios. - Ficou bonita com essa jaqueta.
Acho que ele estava debochando, primeiro porque só uso ela, segundo porque ele quem me deu.
- Obrigada, foi um presente. - Ele sorriu mais ainda, assentindo leve.
- Vai ir lá para casa amanhã? É grande demais só para mim.
Não sei qual a dimensão da nova casa dele, só sei que entregaram no meio da semana, não tive oportunidade de ir, mas ele quer muito que eu e a Bella o visite o mais rápido possível.
- Porque mandou fazer um lugar tão grande?
- Ora, para quando vocês fossem viver comigo. - Piscou um dos olhos. - Eu fiz mais ou menos parecida com a minha antiga casa em Los Angeles, gosto de espaço. - Deu de ombros. - É linda, vocês precisam ver.
- Vamos amanhã, você me busca?
- Claro, depois das oito, estou resolvendo umas coisas.
- Alguma pista? - Cerrou os olhos.
- O pior é que estou desconfiando de uma coisa. - Tamborilou o dedo na mesa. - Se for verdade, a investigação não vai dar em nada, nunca.
- Como assim? - Negou com a cabeça.
- Tem coisas que é melhor você nem saber, vai por mim.
- Por que? - Suspirou.
- Porque sim, come sua batata, antes que eu coma. - Invadiu meu prato e pegou uma batata.
- Não gosto quando começa a falar uma coisa e não termina.
- Tem muitas coisas que você não gosta. - Rolou os olhos. - Chata. - Sussurrou, e beijou meu rosto em seguida.
Se não fosse tão comum ele me provocar, estaria brava, mas era mais que normal, na verdade, às vezes ele pedia para a Bella dizer coisas implicantes para mim, já disse para ele parar, mas duvidava que fosse mesmo.
Acho que o Harry fica meio agoniado de vez em quando, nem foi dormir comigo na outra noite, disse que estava preocupado demais e que era melhor não atrapalhar meu sono, e eu quase ri, falou como se eu fosse dormir de verdade. Acordei na sala durante a noite, com coisas nas mãos, tudo ótimo para uma sonâmbula, só não entendi ainda como não tive nenhum ataque na presença dele.
Às vezes acho que ele quase morre por não poder me contar nada, por ser confidencial, e essa é a parte chata de namorar um delegado, não fico sabendo de tudo porque ele respeita até demais os limites dele, dizia que eu já sabia demais e que pode ser perigoso, até respeito os limites dele, mas a curiosidade quase me mata.
Fomos para casa depois, com a Bella querendo andar sozinha e querendo abrir o tal pote de tinta, fez um escândalo, até chorou no carro, tentei explicar que ia sujar tudo e que só podia em casa, mas continuou chorando, tudo isso para dormir depois, estava apagada assim que ele estacionou na frente de casa.
Ela nunca foi uma criança mimada, mas fazia umas cenas de vez em quando que parecia muito ser uma, mas sempre tive muita paciência para conversar com ela. E o Harry foi só o Harry de sempre, não interferiu quando comecei a conversar com ela, e pediu para ela se acalmar, usando as próprias palavras dele, que foram: calma, princesa, não chora.
E foi assim que ele fez ela chorar mais ainda, depois disso deixou para eu resolver.
O mais legal é que com ele não existiu o clima estranho que fica depois que uma criança chora pela primeira vez na sua frente, ele só agiu com naturalidade e ainda pegou ela no colo, dormindo, e levamos até o quarto dela.
Percebi que aceitou sair para se distrair, estava deitado na cama a quase meia hora e não parava de se mexer, para todo lado, nenhuma posição parecia boa, e pela respiração apostava que estava acordado.
- Qual o problema?
- Eu não sei. - Suspirou alto. - Estou estressado, é isso.
- Com seus casos?
- É.
- Por que? Não tem nenhum novo, que eu saiba.
- Não é porque não tem novos, que eu não precise resolver os antigos.
A fala dele não foi ríspido, só óbvia demais, daquele tipo que te faz pensar "ah, é mesmo, tem isso". Não trabalho na polícia, não faço a menor ideia de como seja, presumo que muito difícil.
- Quer falar sobre isso?
- Querer eu quero, mas não posso, te envolver nisso só me traz mais problemas. - Senti ele me abraçar forte. - Sentir seu cheiro já me ajuda.
Sorri grande, igual uma boba, todos os dentes amostra para a escuridão do quarto. Virei para ele, dei um beijinho rápido na boca quente, e o abracei com força.
- Não fique ansioso, amanhã é outro dia, tudo vai dar certo.
Não houve resposta alguma, apenas o abraço apertado, pelo resto da noite, me movi para longe e quinze minutos depois ele já estava agarrado a mim de novo.
A rotina da semana sempre foi chata demais para mim, amo meu trabalho, mas de vez em quando paro para me perguntar se esse é o sentido da vida. Você vira adulto, tem um filho, trabalha, então limpa sua casa, leva seu bebê para a escola, trabalha, volta para casa, e no outro dia a mesma coisa, que chato.
Se eu pudesse escolher qualquer coisa no mundo, acho que escolheria um trabalho que não vire rotina, que seja sempre uma surpresa, e foi aí que me dei conta do motivo pelo qual Harry escolheu essa profissão, o motivo de ter aceitado. Ele mesmo disse que não liga para mudanças, óbvio, está sempre mudando, às vezes as manhãs são agitadas, outras tranquilas, mas então as tardes se tornam agitadas, quando não é nenhum desses dois turnos, então a noite traz uma surpresa, assim como em alguns dias em nenhum dos três turnos ele está acupado. Deve ser o máximo.
Fomos para a creche juntos hoje, perguntei se ele gostaria de ser um dos contatos de emergência da Bella e ter passe livre para ir buscar ela algum dia que eu precisasse, e ele respondeu com todo o ânimo que sim, e só precisou assinar um papel com a responsável. Fiz isso porque sei que um dia vou precisar disso, o Justin nem sempre pode, e já precisei recorrer a Michelle e até a minha mãe que mora a uns quarenta minutos de mim, então, tendo o Harry perto, se algum dia eu precisasse, sei que correria para me ajudar.
Apesar dos meus pensamentos reclamões sobre a vida e sua rotina, havia dias que trabalhar ainda era divertido.
Como hoje, agora, na sala do café. História rápida: Caroline foi namorada do Richard, os dois são colegas nossos, o namoro durou uns quatro anos, mas eles já terminaram tem quase dois, ambos parecem jovens apesar de não ser.
Estamos entre sete na sala, rindo porque estávamos falando sobre casamento e a Caroline disse que alguém queria casar o Richard, mas ela errou o nome, estava querendo falar o nome do Liam, estávamos falando dele, mas o simples fato de ter errado o nome fez todos rirem na sala, e de repente, em segundos, voltamos para a quinta série.
- O Richard vai colocar o anel de casamento bem no meio do bolo de aniversário da Carol. - Simon disse, simplesmente e apavorantemente animado.
Alguém entrou pela sala, Brandon, sorrindo para nós, sem fazer a menor ideia do que estávamos rindo.
- A Carol vai casar. - Brandon franziu o cenho para o Simon.
- Com quem?
- Richard. - Ele encarou a mulher.
- Vocês voltaram?
A pergunta dele foi super séria, e todos caímos na gargalhada de novo, porque a coitada da Caroline já estava vermelha, mas também não ajudava com as piadas sobre casamento.
- Tá, mas quem dos homens está solteiro?
Foi ela quem disse, nos fazendo rir do interesse dela, e a sala se tornou um compilado, agora com oito risadas diferentes.
- Quanto interesse...
- É isso, você precisa se impor! - Diana disse, batendo na mesa.
- Tá, mas das mulheres? Além da Carol, que já percebemos, quer casar...
Rimos de novo, primeiro pelo comentário do Diogo, depois pelo interesse repentino dele.
- A Kay não está. - Simon informou, todo venenoso.
Apenas escondi um sorriso idiota, bebendo meu café, os fazendo murmurar um tipo de "hum" ao meu redor.
- Vocês são tão intrometidos... - Comentei.
- Nega agora! Diz que não está casada! - Diogo bateu a mão na mesa.
- Ela está se fazendo de desentendida. - Diana comentou por cima, se mentendo, querendo que eu falasse.
- E ainda é delegado, que espertinha hein. - Carol bateu no meu braço.
Não contive o riso, era a primeira vez que alguém no trabalho falava sobre meu relacionamento, em quatro meses. Nos assumimos, mas não com palavras, saímos juntos, todos sabem que vivemos na casa um do outro, o pessoal só supõe, mas nunca sabem se é certo, pois não falamos.
- Lábia é para quem tem. - Brinquei, dando de ombros.
- Quanto abuso. - Acreditem, não é normal o Simon se dirigir a mim com tantas palavras. - Como é namorar um delegado? Você sabe tipo, de tudo?
- Não. - Rolei os olhos. - É bem irritante porque sou curiosa, sei do básico, as coisas por debaixo dos panos são como informações impossíveis.
- Que chique. - Mary comentou, estava calada, mas rindo o tempo todo. - Por debaixo dos panos, disse ela, até o vocabulário muda.
- Ah, ela é da alta realeza agora. - Brandon disse, sentando na cadeira próxima a mesa, apoiando a xícara na mesma. - Deveríamos sair. - Deu um gole no café. - Todos nós, sem namorados.
- E que graça tem? Nunca conheci um delegado jovem assim tão perto. - Diana comentou. - É a nossa hora, galera!
Depois de muito sofrer deboche por namorar o delegado, ninguém se convenceu de verdade sobre sair, porque era sempre assim, alguém comentava sobre marcar, todos concordavam, mas no fundo ninguém queria ir.
As únicas ocasiões de encontro eram os sindicatos, para todos do conselho e da polícia, já que trabalhamos diretamente juntos, essas reuniões acontecem pouco, na verdade, está demorando para ter uma, aposto que por causa das crianças desaparecidas, devem estar correndo para fazer uma, mas sem tempo para resolver tantos casos, isso porque quem fala por todos geralmente é o delegado e o reitor do conselho.
Acabo de lembrar que o Harry seria um dos responsáveis por uma reunião. É, talvez eu não esteja preparada para tantos olhares, não por vergonha, mas por tédio, imagine só um monte de gente querendo saber se estão juntos, mesmo que seja óbvio, e você precisar fingir que a fofoca não existe, me dá até preguiça.
Vou subir no palco e dizer ao microfone que o delegado bonito e gostoso já é comprometido, seria divertido e engraçado ver a cara de algumas, mas eu nunca faria. Que desperdício de ideia brilhante.
Fui buscar a Bella às cinco, e foi um dos meus dias infelizes, que eu teria que ter paciência e conversar com ela. Fiquei uns quinze minutos conversando com a professora dela e com a mãe de outra criança. Resumo da história? A professora contou que a colega não quis dividir o brinquedo com ela, e que quando ameaçou bater na Bel, ela não pensou duas vezes e deu um tapa no rosto da colega, um tapa bem mal dado, na verdade, ela nem tinha força o suficiente e nem mirou direito, mas assustou a garota e fez ela chorar.
- Bella, não é para bater nos outros.
Já em casa, ela tinha dormido no caminho, deixei ela no sofá descansando, o Harry chegou mais cedo que o comum e subiu para tomar banho, eu deveria estar me preparando para ir à casa dele, mas estava conversando com ela.
- Mas eu não bato, mãe.
- Mas hoje você bateu. - Ficou calada, me olhando. - Por que fez isso?
- E ela bateu assim no meu braço. - Bateu no colchão.
- A sua professora disse que não bateu.
- E ela bateu! - Ficou brava. - Bateu, eu...eu não minto, a professora mentiu!
- a professora mentiu?
- Sim. - O rosto bravo e cheio de personalidade apareceu. - Não pode!
- Não, não pode, é feio mentir. - Concordei. - Ela te bateu no braço? - Assentiu, calma, me encarando. - E o que você fez depois?
- Bati no rosto dela, forte. - Fechou os punhos, e eu fiquei apavorada.
- Bella! Não pode. - A repreendi.
- Mas ela me bateu, mãe, não pode.
- Mas você não precisa bater de volta.
- Mas não pode chorar, se ela me bate, mãe, eu também posso.
Deu de ombros, simplesmente, foi quando percebi Harry nos encarando no batente da porta, de braços cruzados.
- Bateu na amiguinha, Bella? - Chegou perto, contendo o riso.
- Não, Harry, ela não é minha amiga mais. - Explicou, super chateada. - Ela bateu em mim hoje, no meu braço. - Fez um semblante choroso.
- Machucou seu braço, linda? - Se abaixou, tocando o braço dela, e assentiu, bem chateada, fiquei só encarando a cena. - Ah, não acredito que ela machucou minha princesa. - A abraçou. - A sua mãe está certa, não pode bater.
- Mas e ela me bateu. - Franzi o cenho para a voz de choro.
- E você bateu de volta? - Assentiu, deitada no ombro dele.
Acho que ele não esperava que ela fosse chorar, e na verdade, eu também não, ficou quieto, me encarando, desesperado, me perguntando silenciosamente sobre o que deveria fazer. Ele disse a ela que eu estava certa, o que indica que não quer se meter na educação que dou a ela, mesmo assim, não significa que não vai apoiá-la.
- Eu fico triste se você chora, Bella. - A abraçou forte. - Não precisa ficar chateada.
- A minha mãe ficou triste. - E chorou, falou entre o soluço.
Ele me encarou, sério, e eu fiquei paralisada, a Bella já tinha chorado por isso antes, mas não entendi de onde ela tirou isso agora, só estava querendo que ela entendesse que violência gera a violência.
- Não precisa chorar por isso, meu amor. - Encarei ela, mesmo escondida no ombro do homem que ela estava determinada a agarrar. - Às vezes as mamães ficam chateadas, mas sabe o que é mais legal?
- Não. - Chorou, foi quase engraçado.
- O mais legal é que o amor das mamães não acaba nunca, mesmo chateadas às vezes, é para sempre o nosso amor. - Limpei as lágrimas dela. - E não estou triste, só queria te explicar que não adianta bater nos outros.
- Não ficou triste, mãe?
- Não, só estava conversando, entendeu? - Assentiu, meio desanimada. - Você nem tomou o mamazinho quando chegou, dormiu, não foi? Dorminhoca! - Toquei o nariz dela, mais uma tentativa falha de fazê-la rir. - Quer agora? - Assentiu bem leve.
- Sua mãe não brigou com você, linda, as mamães conversam com os bebês delas quando...
E não fiquei para escutar o resto, queria dar privacidade para a conversa deles, acho que seria bom ela perceber que ele pode ser uma figura confiável e que só queremos o bem dela.
Esquentei a mamadeira, Harry desceu com ela e com a mochila, depois buscou minhas coisas e fomos para o carro dele, ela foi bebendo o leite no caminho, era a primeira vez que eu o via dirigindo o próprio carro, e foi muito lindo ver ele desse jeito.
Acho que o Harry é perfeito mesmo, fez a Bella se acalmar e ainda disse para ela que eu era a melhor mamãe do mundo, me fez rir e a pequena ainda concordou, até me deixou feliz, a paciência que ele teve com ela foi quase surreal, pela primeira vez senti isso com alguém, ele não queria que só eu fizesse parte da vida dele, queria a Bella também.
Quando chegamos na casa dele, eu já estava boquiaberta bem antes de entrar, era enorme, não uma mansão, mas bem mais sofisticada que a minha, a sala estava branquinha, cheia de móveis claros, uma televisão enorme. Escolheu dois tons para a cozinha, branco e azul serenity, cores suaves e delicadas, tinha um escritório no andar de baixo, uma porta que dava para o porão, segundo ele. Outra sala cheia de vidros com vista para o jardim, que ainda era só um jardim, simples, e a escada tinha uma proteção de vidro por toda a extensão. Banheiros embaixo, e em cima, mostrou o quarto de hóspedes e o dele.
Na verdade, ele sussurrou para mim e disse que o quarto era nosso, gostei disso, adorei, na verdade. Lindo, uma cama enorme e bem alta, um banheiro grande com banheira e chuveiro, uma pia enorme com espaço para dois e quando olhei para dentro do boxe, percebi que ele simplesmente escolheu que tivesse dois chuveiros. Uma televisão enorme descia do teto, era só apertar um botão, ficou bem na frente da cama, uma maravilha, e bem ao lado da cama, a uns dois ou três metros, uma parte inteira de vidro que estava fechada por uma cortina, saímos e ele mostrou nossa mini varanda, uma fofura.
Por último, mas não menos importante, fomos até o quarto que ele fez especialmente para a Bella, quando ele contou a ela que tinha um quarto só dela, os olhinhos brilharam. Abriu a porta bem devagar e ela correu para dentro.
Lindo, devo dizer que ele tem muito bom gosto, um quartinho cheio de cores, uma cama grande mesmo sendo de solteiro, um espaço para ela brincar e desenhar, e ele até se deu o trabalho de comprar alguns brinquedos.
- Mãe, tem uma pônei! - Ela correu, pegou o brinquedo e correu de volta para mim. - Harry, você me deu de presente isso? - Ele riu.
- Sim, princesa, tudo que tem aqui é seu. - Sorriu para ela. - Você gostou?
- Sim! - Sorriu grande, depois correu até a mesa dela. - É de desenhar esse papel?
- É, sim. - Ele foi até ela. - Essas são suas coisas para quando você vier e quiser brincar, tudo bem? Podemos comprar mais coisas para arrumar seu quarto do jeito que quiser.
- E como se agradece ao Harry? - Perguntei, olhando para ela.
Ele se abaixou para ficar bem da altura dela, e ela o abraçou imediatamente, dando um beijo no rosto dele, que retribuiu com muito mais de um beijo pelo rosto dela.
- É o meu quarto agora, não é Harry?
- Claro, é só seu. - Levou parte do cabelo dela para trás da orelha. - Que bom que gostou.
Nós ficamos um tempão lá, estava fascinada pelo cantinho dela, mas tudo tinha seus momentos. Insisti em saber o que tinha atrás da porta branca, perto da cozinha, ele não estava muito afim de me mostrar, mas colocou um desenho na televisão e pedimos para a Bella ficar só ali.
Ele abriu a porta e foi na frente, uma escada grande, então entendi que era o portão, mas quando ligou as luzes e chegamos no lugar exato, visualizei o que foi nada mais, nada menos que uma adega de vinhos.
- Aí meu Deus! - O encarei. - Tudo isso é vinho?
- É. - Ele riu, meio sem graça, só não entendi o motivo.
Uma parede gigante, e foi só o que ele fez no porão, uma adega, pensei que fosse guardar algumas tralhas, mas não, a organização dele me assusta às vezes.
Dei passos até chegar bem na frente dos vinhos, eram muitos e eu queria um daqueles, pensei em usar a desculpa de estar visitando a casa nova dele pela primeira vez. Toquei em um dos vinhos que mais me chamaram atenção, e comecei a puxá-lo.
- Esse não!
Me assustei com a reação dele, estava próximo de mim, com o semblante estranho.
- Por que? - Continuei com a mão no vinho.
- É seco, você odeia.
- Ah. - Soltei o vinho. - E onde ficam os doces?
Ele abriu um sorriso imenso, se posicionou atrás de mim, segurou minha cintura e então me fez dar vários passos para o lado.
- Bem aqui. - Deslizou as mãos para os meus ombros. - Os que estão na altura dos seus olhos são os mais doces.
Fiquei encarando eles, todos deitadinhos, vidros mais variados que outros, então peguei um do rótulo rosa, e dessa vez ele não protestou quando puxei.
Lindo, com as escritas em letras cursivas douradas, senti o beijo no pescoço e senti como se já tivesse bebido duas taças de vinho.
- Mãe! - Escutamos a Bella me chamar.
Ele riu nasalmente, subiu as mãos rápido e apertou meus peitos com força, mesmo por cima da blusa.
- Vamos trepar na nossa cama nova, hoje. - Mordeu minha orelha. - Estou pensando em te comer em cima dela desde que mudei para cá. - Mais um aperto maravilhoso.
- Mãe! - Escutei de novo.
Escutar a voz da Bella me despertou do transe, saí de perto dele e escutei a risada atrás de mim, depois ganhei um tapa forte na bunda e subimos, como se nada tivesse acontecido.
- O que foi? - Larguei a garrafa na bancada e fui até ela, estava de pé no sofá.
- O desenho parou. - Apontou para a televisão.
Eu só apertei alguns botões e tudo voltou ao normal. Harry disse que ia cozinhar, então deixei ele na cozinha e fiquei com ela, era mais seguro que ficar perto dele e todo aquele tesão reprimido.
E no final, o jantar foi ótimo, como sempre, acho que se ele não fosse delegado, com certeza seria um bom chef. Ainda comemos pipoca depois e assistimos um filme com a Bella, mesmo que ela estivesse mais interessada em conversar e pular por cima dele do que realmente assistir.
- Você é um filhotinho de canguru, é isso? - A pegou quando pulou de novo.
- É. - Riu. - O canguru é minha mãe. - Ele riu.
- Vou te fazer ficar quietinha agora. - A pegou bruscamente, a fazendo rir e a colocando no colo dele a força. - Dorme neném...
- Não, Harry, não é de neném. - Ele riu.
- Dorme menina grande... - Eu ri, fui obrigada, e ele me acompanhou.
Ela escolheu um dia bem específico para não querer dormir, mas o Harry parecia bem disposto a cansar ela, até correram, ele brincou de princesa, assistiu vídeos no celular, e por último ela decidiu que não podia dormir sozinha no quarto novo.
Tentei convencer ela, mas não adiantou. Por último, o Harry disse para ela que não tinha problema nenhum se dormisse com a gente, assistiu mais desenhos com ela, até que dormiu no colo dele. Quando levantou com ela, pensei que fosse levá-la direto ao quarto, mas não, ficou caminhando de um lado para o outro com a pequena, então entendi a tática dele, queria que estivesse em sono profundo.
Fiquei encarando ela dormindo e senti algo estranho, não neles, em mim, levantei e fui até o banheiro, foi como uma angústia repentina, era difícil sentir que tinha alho errado com um momento ou um lugar, mas senti isso.
Passei água pelo rosto e fechei os olhos, meu coração acelerou e comecei a sentir minha nuca latejar. Ansiedade.
Nem escutei quando ele levou ela para dormir, só o vi abrir a porta do banheiro com um sorrisinho que sumiu quando percebeu que eu não estava bem.
- Tudo bem?
- Sim. - Suspirei e levantei o corpo totalmente.
- Não parece bem.
- Mas estou. - Tentei sorrir. - Foi só um mal-estar.
Ele chegou perto, bem devagar, segurou minhas mãos e ficou me encarando como se quisesse desvendar algo, saber o que estava acontecendo sem me perguntar.
- Eu te assustei mais cedo? Lá na adega?
- Não, de jeito nenhum.
Não sei porque lembrou daquele momento em específico, eu já estou tão acostumada com as besteiras que sussurra para mim que me senti bem.
- Sua cara não está boa. - Negou com a cabeça. - Tem algo errado. - Franziu o cenho. - Não está fingindo só para não trepar, não é? Não precisa disso, é só me dizer que não quer e não fazemos.
- Primeiro para de falar a palavra trepar. - Rolei os olhos. - Segundo, não, eu não estou fingindo, não preciso disso. - Deixei claro. - Me senti mal de repente, acho que é ansiedade.
- Ansiedade por quê?
- Não sei. - Dei de ombros. - Foi do nada, eu...não sei, não me sinto bem.
- Por que?
- Não sei, parece que alguma coisa vai acontecer...
- Para. - Pediu rápido. - Nada ruim vai acontecer. - Me abraçou. - Acho que a trepada fica para amanhã.
- Harry!
- Aí, meu Deus! - Brincou, riu e se afastou. - Tá, sexo, sei lá... - Deu de ombros. - Qual seu problema com trepar?
- É grosseiro. - Rolou os olhos.
- Vou jogar videogame. - Deu meia volta e saiu do banheiro.
Pensei que fosse para a sala ou algo assim, mas quando saí do banheiro, me deparei com ele ligando o aparelho, abrindo uma gaveta, pegando um controle e ligando o comando para a televisão descer e ficar de frente para a cama.
Ele se jogou na cama e apoiou as costas nos travesseiros. Vesti uma camiseta grande dele, tirei meu short e deitei ao lado.
Primeiro fiquei encarando ele jogar, futebol, ou seja lá qual fosse o nome exato do jogo. Uma resolução ótima, nem entendo muito de esportes, mas dava para ver que o gráfico do jogo era dos melhores.
Ele ficou meio irritado com o jogo, murmurou xingamentos para ele mesmo, baixinho, mas acabei pegando no sono, é estranho dizer, mas acho que o som do jogo, dos botões do controle sendo apertados e os murmúrios dele me fizeram dormir mais rápido.
Não sei que horas eram exatamente quando peguei no sono, mas acordei de novo com o barulho do jogo, não tinha nenhum relógio e não encontrei meu celular para verificar as horas, mas provavelmente estava tarde.
Me virei na cama, prestes a pedir para ele desligar e ir dormir, mas não tinha ninguém ao meu lado. Encarei a televisão, parece que do nada o barulho do jogo ficou muito mais alto, fiz uma careta e tapei os ouvidos, parecia no último volume.
Levantei da cama e foi quando percebi uma figura, de costas para mim, mas na porta do quarto, que estava aberta. O reconheci na hora, era o Harry, mas parado, imóvel, como se tivesse algo na frente dele.
- Harry, abaixa esse volume! - Ele não se mexeu. - Harry! Anda logo!
Ele não se mexeu, ficou parado, encarando a escuridão, e de repente, chamas apareceram na frente dele, fogo, o corredor inteiro estava em chamas.
Corri até ele, ainda com as mãos tampando as orelhas.
- Harry, a Bella! - Toquei no braço dele, mas não se mexeu. - Harry!
Puxei ele forte, e se virou, mas quando virou, percebi que não era ele. Soltei um grito agudo e fechei os olhos, a figura, de novo, sem os olhos, todo ensanguentado, de repente nem as roupas eram mais visíveis de tanto sangue que tinha.
- Kayra! Acorda!
Me assustei com o grito perto demais e mexi meus braços bruscamente, senti as costas da minha mão se chocar com algo e abri os olhos.
Só a luz de um abajur iluminava o quarto, a do lado dele, o resto estava escuro, a televisão desligada, a porta fechada e eu próxima a ela, e então encarei o relógio na mesa de cabeceira com os números chamativos em cor vermelha. Três e meia da manhã.
Encarei ele, que estava com uma das mãos no rosto, no maxilar, perto da boca, levei um susto e ele percebeu pelo som que soltei pela boca.
- Não foi nada.
- Aí meu Deus... - Corri e liguei a luz do quarto. - Eu te machuquei. - Não foi uma pergunta, foi uma afirmação.
- Não, tudo bem...
- Não, não está tudo bem. - Cheguei perto e afastei a mão dele.
Meus olhos se encheram de lágrimas, primeiro porque machuquei ele, depois porque estava com muito medo de ainda estar sonhando e ele virar aquela figura horrenda de novo.
Fechei os olhos fortemente e comecei a chorar, não aguentei, não queria encarar ele e passar por tudo de novo, e nem machucar ele, por isso tentei me afastar, mas ele não deixou.
Os braços fortes me envolveram em um abraço cheio de desespero.
- Não chora, meu amor, por favor. - Me apertou mais ainda. - Já acabou, não me machucou, eu juro.
- Machuquei, sim. - Chorei mais ainda, não conseguia controlar.
- Não, tudo bem. - Deslizou a mão pelas minhas costas, me abraçando e fazendo carinho ao mesmo tempo. - Tudo bem, já passou.
Estava chorando, mas escutei passos apressados vindos do corredor e junto deles um choro diferente, o da Bella.
- Mãe! Harry! - E ela chorou desesperada, batendo com força na porta.
Ele me soltou do abraço e correu para abrir a porta, quando abriu, ela entrou desesperada, chorando muito, e alto, se agarrou as pernas dele quando fechou a porta atrás dela.
- Princesa, o que foi? - A pegou no colo.
- A chave na porta, Harry, tranca ela!
Franzi o cenho e limpei as lágrimas, Harry atendeu o pedido dela e chorou mais ainda.
- Linda, para que trancar a porta? - Ele perguntou, mas ela chorou de novo. - Hun? O que aconteceu?
- A minha mãe. - Se esticou na minha direção, chorando.
Peguei ela no mesmo momento, a abracei forte. Continuei não entendendo o pedido dela sobre a porta, mas ficando balançando ela para se acalmar, dizendo que tudo bem, talvez tenha me escutado gritar e ficou assustada.
Harry estava nos olhando fixo, quando franziu o cenho e de repente encarou a porta, como se estivesse escutando algo que eu não estava escutando. Foi até a porta e encostou a orelha nela, achei muito estranho e meu coração disparou de medo.
Ele se afastou bruscamente, andando de costas, sentou na cama e abriu a última gaveta da cômoda. A Bella não estava olhando, estava com o rosto escondido em mim, me abraçando forte, mas reconheci o barulho de uma arma recebendo um pente cheio de balas, mas ele teve consideração e a escondeu quando veio na nossa direção.
- Bella, pare de chorar. - Foi uma ordem um pouco rígida. - O que tinha lá no quarto que te assustou tanto? - Ela não respondeu, estava soluçando de tanto chorar. - Princesa, eu posso ir lá ver para você, só preciso que me diga.
- E eu não... - Soluçou algumas vezes. - Não quero mais o quarto. - Voltou a chorar.
- E por que não, linda?
- Por...porque... - Fechei os olhos com os soluços horríveis dela. - Tem um...um monstro lá.
- Um monstro? - Assentiu, desesperada. - Ele estava no quarto?
- Sim, Harry... - Chorou mais ainda.
- E como ele é? Esse monstro horrível?
- E...uma...uma sombra. - Chorou, tentou parar, mas não conseguiu. - Grande, ele...ele me viu dormindo na minha cama. - Eu estava quase chorando de novo com ela.
- E ele tentou te pegar? - Assentiu, e fiquei desesperada. - Correu atrás de você?
- Sim, mas...mas e eu escapei. - Chorou mais ainda. - E...não quero o quarto de...de presente mais. - Ela me abraçou forte e voltou a chorar.
Ele me encarou, sério, e meu desespero correu pelas veias.
Não era só imaginação, tinha alguém no quatro dela, alguém tentou pegar ela, Harry escutou algo atrás da porta, pegou a arma e teve um motivo.
Tem alguém na casa, além de nós três.
- Não. - Segurei o braço dele, estava prestes a sair. - Por favor, não. - Implorei, quase chorando.
- Tranca a porta quando eu sair. - Pediu.
- Não. - Neguei rápido. - Por favor, não me deixa aqui sozinha com ela. - Segurei com mais força. - Por favor. Por favor. - Implorei em um sussurro.
- Kayra! - Me xingou, sussurrando.
- Por favor, estou com medo, não me deixa aqui. - Tentei de novo, agarrada ao braço dele. - Liga para a polícia.
- Eu sou a polícia, Kayra, ele ainda pode estar aqui dentro!
- Então liga para eles, por favor, e protege a gente aqui dentro.
Ele suspirou fortemente, soltou o braço da minha mão e passou a mão livre pelo rosto, passou pelo cabelo e o segurou por segundos.
- Droga! - Xingou. - Merda! - Murmurou, não entendi se era comigo ou com ele mesmo. - Vem logo! - Fez um gesto com a mão.
O segui para o closet, ele também trancou a porta e me pediu para sentar em uma das poltronas dali. Ficou de pé, voltou ao quarto, pegou o celular e ligou para a polícia.
Estava nitidamente irritado, não queria ficar ali conosco, queria sair e ir pegar quem quer que fosse. Fiquei tentando acalmar ela, mas a voz grossa e irritada dele no celular não ajudava.
- Tudo bem, minha florzinha, a mamãe promete que vai ficar tudo bem. - Falei para ela, massageando o cabelo solto.
- O Harry ficou com raiva, mãe? - Soluçou, tentando se acalmar. - Ele...é furioso agora?
- Não, querida. - Beijei a testa dela. - Ele só não gostou do monstro te incomodando, não está bravo com a gente. - Garanti, mesmo não tendo certeza. - Ele vai ficar bem agarradinho com a gente daqui a pouco, tá bom?
- Mãe...e o monstro não vai mais me pegar? - Perguntou, se abraçando mais em mim. - Ele não me quer mais agora?
- Não, o Harry é policial, os monstros tem medo de policiais. - A abracei forte, balançando nossos corpos de um lado para o outro.
- Mas...e...mãe? O quarto é na casa do Harry, o monstro não...não sabia que ele é polícia? - Soluçou um pouco, a vi limpar as próprias lágrimas.
- O monstro não sabia, por isso se assustou e não entrou aqui, entendeu? - Senti ela assentir.
Depois de um tempão de inúmeros telefonemas, ele abriu uma gaveta e camuflou a arma no meio de algumas coisas, ainda irritado, até que nos encarou e parou por segundos.
Andou em passos leves até nós e se abaixou, tocou o cabelo da Bella e beijou a testa dela.
- Tudo bem, eu já estou resolvendo. - Sorriu para ela, mesmo ainda irritado. - Não precisa mais ter medo.
- E o seu furioso é comigo, Harry? - Ele riu, negando com a cabeça.
- Nunca, minha linda, não tenho raiva de você nunca. - Continuou fazendo carinho no cabelo dela. - É do monstro que pensa que pode invadir minha casa, mas ele vai se dar mal. - Garantiu.
- E a polícia pega ele?
- Claro, a polícia pega todos os monstros. - Garantiu. - Logo você vai poder voltar a dormir no seu quarto.
- Não, Harry. - Negou com a cabeça. - E eu não durmo mais sozinha, é só juntos. - Ele assentiu levemente. - Eu tenho medo.
- Não precisa ter medo, princesa, eu te protejo, lembra? - Beijou a bochecha dela. - Não tem problema ter medo, e nem querer dormir juntos.
- Você também tem medo do monstro, Harry?
- Eu? Não. - Negou rápido. - Ele que tem medo de mim, mas não sabia que essa era a minha casa.
- Não sabia?
- Não. - Chegou perto dela. - Ele é burro!
Foi a primeira vez que ela riu. Ele sorriu para ela, jamais deixando de fazer carinho e dizer para ela que tudo bem.
Meu coração estava a mil, e provavelmente percebeu, sentou ao meu lado e me beijou rápido duas vezes, passou um dos braços ao redor do meu pescoço e fez eu deitar no ombro dele.
- Tudo bem. - Sussurrou e beijou o topo da minha cabeça. - Não vou deixar nada acontecer. - Mais um beijo.
Ficou abraçando nós duas ao mesmo tempo, até a polícia chegar. Escutamos o barulho da sirene. Fiquei assustada e sozinha no closet, ele disse que ia ir lá embaixo resolver tudo.
Eu e a Bella tivemos bastante tempo para nos acalmar, ela estava com medo ainda, dava para notar só nos gestos dela, mas pelo menos não estava mais chorando, só soluçando um pouco, bem baixo, apertando o tecido da minha camiseta, quase não consegui vestir meu short de pijama sem ela perceber.
O Harry entrou no quarto e garantiu para ela que estava tudo bem, que o monstro havia se assustado e sumido, e que agora que sabia sobre a casa ser de um policial, nunca mais ia voltar.
Não tenho tanta certeza disso, parece que o monstro está mais perto do que parece.
Ele me pediu para descer com ela, que se tivesse sorte e ela gostasse dos policiais, se não se impressionasse muito com eles, poderia responder algumas perguntas.
- E grande, e...e preto. - Ela disse. - E aí você desenha na sua folha de polícia? - Ela apontou, fazendo o investigador rir.
- Sim, é o meu caderno de polícia. - Mostrou para ela. - Então, Bella, dá para ver que você é muito esperta. - Ela sorriu, adorando o elogio. - O monstro que você viu era alto assim? - Esticou a mão, indicando uma altura.
- Sim. - Assentiu.
- Grande igual a mim, ou mais parecido com o seu amigo Harry? - Apontou para ele, logo ao lado.
Deu para ver que o investigador tinha uma altura considerável, quase chegando na altura do Harry, mas dava para ver uma pequena diferença entre os dois.
- Hum...igual o Harry.
Ele assentiu e anotou as informações dela. Não sei se ela saberia dizer uma altura exata, mas qualquer detalhe os ajudaria.
- E ele estava vestindo roupas pretas?
- Sim, e o rosto dele era de preto também. - Informou. - E...e tudo preto, tio.
- Tudo bem. - Sorriu para ela, tentando não fazer perguntas tão assustadoras. - E o que você acha que ele estava fazendo no seu quarto?
- Ele queria me pegar. - Se recostou mais em mim. - E ele corre rápido.
- Correu atrás de você? - Assentiu. - E você escapou? - Assentiu de novo. - Uau, Harry, ela é muito corajosa. - Eles sorriram um para o outro.
- Ela é muito. - Harry concordou.
- E como fez isso? Fugiu do monstro sozinha? - Ele fingiu estar super surpreso.
- Eu corri muito rápido! - Sorriu grande. - E ele não conseguiu, estava me olhando, e aí eu corri, ele correu e parou. - Fez um gesto com as mãos. - Porque a minha mãe e o Harry, eles abriram a porta do quarto e me pegaram.
- Entendi. - Sorriu, assentindo. - Bella... - Ele franziu o cenho. - E você viu os olhos dele?
- Sim. - Assentiu.
- De que cor eram?
- Verde. - Se abraçou mais ainda em mim. - Mas era o verde do mal.
- Verde do mal? - Assentiu. - Por que?
- Porque o monstro não é de bonzinho. - Negou com a cabeça. - Ele pega as crianças e leva para a casa dele.
- Oh, entendi. - Assentiu rápido. - E ele te falou alguma coisa?
- Não. - Respondeu com a voz baixa.
Vi Harry encarar ela profundamente depois que falou mais baixo, depois me encarou e por último o investigador, pediu para ele parar de fazer perguntas, a Bella já estava muito assustada.
Ele saiu com o investigador, e eu fiquei sozinha com ela de novo, sabe-se lá quando ela vai querer dormir sozinha, mas para falar a verdade, talvez eu não queira mais que durma sozinha.
Fiquei tentando fazer ela dormir, o Harry ainda estava conversando, mesmo depois de o investigador ir embora e dizer que algumas viaturas ficariam na frente da casa, escutei os passos dele se distanciarem, mas não vi para aonde foi.
A Bella me encarou e sussurrou que queria beber água. Deixei ela no sofá e levantei para ir até a cozinha, mas parei no corredor quando escutei uma voz.
Caminhei mais alguns passos e parei na frente de uma porta entreaberta, abri mais um pouco, bem devagar, e reconheci o Harry, mesmo de costas naquela espécie de escritório em construção, não está pronto, posso ver pelas caixas lá dentro, afinal ele tem mesmo o cantinho da bagunça.
- Virou perseguição, Mitch, eu sei. - Franzi o cenho. - Agora a Bella viu, tem as minhas características, eu vou ser pego!
Me afastei da porta, queria sair dali, mas precisava saber mais.
- Faça isso, vá para longe com a Michelle e o Joe. - Fiquei confusa. - Não, ela não sabe. - Uma pausa. - E a sua mulher por acaso sabe? Ah, pois é, que homem. - Fiquei um pouco chocada com as palavras. - Se qualquer coisa acontecer, se eles encontrarem imagens e me verem nelas, acabou, eu perdi, vou ser condenado.
Dei vários passos para trás, a conversa lá dentro parou, fiquei com medo de ter me escutado, então saí um pouco apressada, mas tentando fazer silêncio.
Não faz sentido, a Michelle não pode ter razão, ele não pode ser o culpado por isso, ele disse para o irmão ir para longe.
O Mitch sabe? Espera, o Mitch está envolvido?
Se ele estiver mesmo envolvido, então a Michelle corre perigo, a minha Bella corre perigo.
Kayra! Que isso? Seu namorado é delegado, ele nunca faria isso.
Mas e quanto a conversa que escutei? E sobre ele dizer que ia ser pego?
Para! Só para de pensar!
Preciso de um xanax, um não, uns cinco, me dopar, dormir por vários dias seguidos. Será que ainda estou sonhando? Isso é verdade? O que está acontecendo?
Parei quando cheguei na cozinha, me encostei na pia e massageei as têmporas, é muita coisa, não consigo lidar com tudo isso. Primeiro que ele tem uma arma bem ao lado dele no quarto, tinha alguém na casa além de nós, e a pergunta que fica é: a quanto tempo? Já estava ali quando chegamos? Estava nos observando na sala? Como sabia aonde era o quarto da Bella? Por que ela de novo?
Perseguição foi a palavra que o Harry usou no telefonema, então alguém está perseguindo ele, logo não faz sentido ele ser o sequestrador, certo? Eu não sei, ele poderia estar falando sobre a polícia o perseguindo, ou sobre mim mesma, até porque foi eu quem o fez ficar no quarto e não sair.
Mas como foi parar bem na minha frente enquanto eu estava sonhando? Escutou meu grito e saiu correndo? Não faz sentido, a Bella chegou só depois, dizendo que alguém correu atrás dela.
Mas e se não for o Harry o sequestrador, mas o chefe de todos eles? E se estava tentando me prender no quarto enquanto...
- Oi. - Senti alguém tocar minha cintura. Levei um susto e tentei me afastar. - Sou eu. - Ele riu. - Calma. - Me abraçou, bem atrás de mim, e suspirei alto.
- Desculpa.
- Tudo bem. - Murmurei.
- Está tremendo. - A voz dele soou preocupada, massageando meus braços ao invés de me abraçar. - Não está frio... - Comentou. - Está com medo?
- Sim. - Fechei os olhos, meu coração disparou, nem percebi que realmente contei a verdade.
- Não precisa, linda, nada vai acontecer, eu não deixaria. - Beijou meu ombro. - Amo você, Kayra, eu faria qualquer coisa para te deixar segura. - Sussurrou.
Segurei as mãos dele, não pode ser verdade, o Harry não é nada disso.
É o meu Harry, o homem que só quer me proteger, a a nossa bebê também, como ele mesmo diz.
- Você promete? - Minha voz saiu trêmula.
- Claro que sim. - Me virou para ele, bem devagar. - Você a Bella vão ficar bem enquanto estiverem comigo. - Sorriu, segurando meu rosto para eu encarar ele. - Pode confiar em mim. - Selou nossos lábios.
- Ainda estou com medo. - Sussurrei, sem dizer que o medo é dele.
- Eu sei. - Sussurrou de volta. - Mas não precisa.
- Eu... - Encarei ele profundamente. - Preciso do meu remédio de dormir...
- Nem pensar. - Negou rápido. - Não vai se dopar com aquilo, te faz muito mal.
- Não vou conseguir dormir se não tomar, por favor, só um. - Ele negou com a cabeça.
- Para com isso, Kayra. - Sussurrou, e me abraçou de novo. - Eu queria poder tirar todo seu medo e passar para mim. - Me apertou no abraço. - Odeio te ver desse jeito.
Agarrei ele no abraço, queria me enterrar no peito dele, ficar para sempre naquele abraço.
Os dois não podem ser a mesma pessoa.
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amantedosfandons · 2 years ago
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17 • Então quem é você?
Não sei bem quando parei de falar com a Michelle, mas não foi intencional, o trabalho me ocupava e quando vi se passaram quase quatro meses.
Quatro meses passam em um piscar de olhos, como se no dia anterior estivéssemos no Natal, e agora, estamos entrando no verão. Não era certo deixar ela de lado, era minha amiga, pelo menos para mim ainda era, não que nos visitássemos muito antes, mas quatro meses era demais.
Seja lá qual for a reação por eu ainda estar namorando o cunhado dela, estou na porta, com uma caixa de rosquinhas na mão, sei que está sozinha porque Mitch levou Joe para passear com o Harry e a Bella, e depois vão deixar ela na casa do Justin.
É um sábado de recomeços, talvez, se é que tem algo para recomeçar.
Bati na porta, ninguém atendeu, esperei por uns dois minutos, então apertei a campainha, talvez devesse ter feito isso primeiro já que o barulho dos passos foi instantâneo.
Eu esperava uma cara estranha, uma careta, algo que a surpreendesse, ou aquela cena típica dos filmes quando duas amigas se encontram, o clima fica estanho e o telespectador tem a impressão de durar uns cinco minutos entre o tempo delas na porta se encarando até entrarem no lugar.
- Kay! - Sorriu, se inclinando para me abraçar. - A quanto tempo, você é louca? - Ri baixo.
- Muito trabalho esses dias. - Dei de ombros.
- É sempre isso, não é? Vaca mentirosa. - Não me surpreendi com o xingamento, era o ânimo normal dela. - Entra! - Pareceu mais uma ordem.
Entrei na casa dela, seguimos para a cozinha, deixei a caixa com as rosquinhas na mesa e ela foi pegar pratos, copos e fez um suco. O clima de verão chegando até me deixa alegre, nunca é tão frio, mas ainda se pode usar calça jeans, mas não um casaco, uma camiseta seria o ideal. Meu clima favorito.
- Então... - Mordeu um pedaço do doce. - Me conte, ainda com o meu cunhado? - Assenti, e ela fez uma cara de pena. - Sinto muito, deve ser horrível. - Ri baixo.
- Ele é legal. - Ela sorriu pela primeira vez enquanto falávamos dele.
- Me conte como ele é. - Encarei sem entender, ela já o conhecia. - Não como a cunhada dele, como sua melhor amiga, me conte como se sente com ele.
Aquele era o momento típico. Todo mundo já passou pela fase onde conta para a melhor amiga sobre o novo relacionamento, eu não fui diferente, nem antes do Harry, e nem agora, porque estou prestes a dizer tudo a ela, sei porque já estou sorrindo antes.
- Ele é muito bom comigo, e principalmente com a Bella, ninguém desde o Justin foi assim, e tem uma coisa nele que me faz gostar muito, tipo...comecei a gostar dele cedo demais por isso, talvez seja a sinceridade ou o jeito que me trata...
- Puta merda. - Me interrompeu. - Você está apaixonada. - Concluiu. - Isso é um desastre, sinto muito. - Rolei os olhos.
- Ele é bom para mim.
- Graças a Deus.
Ela não falou como se agradecesse de verdade, falou como se algo tivesse acontecido antes e ele estivesse mudando de vida agora.
Como se a família inteira escondesse um segredo, ou como se ele escondesse algo e só a Michelle desconfiasse, algo que não seria novidade, sempre foi muito esperta.
- Agora ele é uma pessoa boa, pelo visto. - Comentei, encarando ela.
O  comentário mexeu com ela, sei disso porque começou a mastigar devagar e me encarar, como se me devesse algo, uma explicação.
Para ser bem sincera, não sei se quero mesmo a verdade, tudo tem ido muito bem nos últimos meses, a Bella se apegou a ele, Harry me trata como uma rainha, literalmente, cuida de nós duas. Bom demais para ser verdade, e nesse meio tempo tirei mais três adjetivos da minha lista.
》Generoso
》Companheiro
》Fiel
Ainda não contei que ele é o homem perfeito, não tive oportunidade, sempre estamos com a Bella, ou tendo uma conversa profunda, ou fazendo sexo silenciosamente, ou com barulho quando ela sai. É ótimo, e eu quero viver isso para sempre.
Não sei se quero a verdade.
- Sabe, já tem um tempo desde a última namorada dele, nunca dura muito mesmo. - Limpou as mãos, mas a informação não me abalou, eu já sabia. - Mas a última foi diferente, eles tinham sete meses de namoro e iam se casar. - Ela riu, tentei manter a reação plena. - Ele estava perdido de paixão por ela, maluco, fazia de tudo, se obcecou pela mulher, só que um dia, tudo foi por água abaixo.
Não sei se quero escutar a última parte, mas sei que preciso.
- Saímos do Canadá para a nossa viagem anual, o Mitch queria ver a mãe, mas resolvemos fazer uma surpresa para o irmão dele, e quando chegamos na casa, escutamos gritos, e dele, pensei que estava batendo nela, e pela cena que vimos, estava quase. - Não tive reação, odeio ficar apavorada na frente dos outros. - A questão foi a desculpa dele, disse para o Mitch que ela estava flertando com um cara, e sei que é inteligente e sabe muito bem que nenhuma mulher merece sofrer agressão, por nenhum motivo.
- Ele bateu nela?
- Quase...
- Então não bateu.
- Kay, por favor! - Parecia indignada. - Ele sumiu depois disso, sumiu do mapa, ninguém sabe onde se enfiou, nem a Anne, a mulher também, ninguém nunca mais viu, e agora ele apareceu, do nada ligou para o Mitch e pediu abrigo, e o idiota deixou, sem minha permissão. - Bebeu um pouco do suco. - Ele mal era investigador, era novo no cargo, e agora é delegado? Do nada? Nem sei se ele é mesmo formado na faculdade. Porra, Kayra! Tem alguma coisa muito errada com ele.
- Você não tem provas.
- É claro que não! Acha que não procurei? - Pareceu uma fala óbvia. - Vasculhei o quarto inteiro atrás de alguma pista, escutei conversas e nada, o maldito é esperto. - Suspirou, se apoiando melhor na cadeira. - E agora essas crianças desaparecendo...
- Isso já é demais. - Afastei meu prato. - Ele não tem nada a ver com isso.
- Ah, não? Será mesmo? Seis crianças em quatro meses, fora o delegado que foi assassinado e o assunto virou poeira. - Cruzou ou braços. - Aqui era um lugar tranquilo antes de ele chegar, foi só ele pisar e tudo explodiu, tem alguma coisa errada e sei que sabe disso.
- Chega. - Levantei. - Não acredito que pensa isso dele.
- Eu valorizo a nossa amizade, e como sua amiga achei certo dizer, pode nunca mais me olhar, conversar comigo, ou sei lá, mas achei que deveria saber. - Levantou e chegou perto. - Sei que ele é bom para você, mas confie desconfiando.
Eu só assenti e saí, não queria discutir com ela, mas também não queria fingir que estava tudo bem. A princípio achei um absurdo ela o acusar desse jeito, não acho que ele tenha alguma coisa a ver com as seis crianças nos últimos meses, o quadro aumentou, e na metade dos sequestros ele estava comigo.
Na última vez, era madrugada, duas da manhã, a Bella estava na casa da minha mãe, deixei ela ir pela primeira vez, eu e ele estávamos no apartamento. Lembro bem do que estávamos fazendo, ofegantes, já era a nossa segunda rodada quando o celular vibrou na cabeceira, pedi para ele atender, mas riu e disse que ia terminar primeiro, depois atenderia, durou mais uns quarenta minutos depois da ligação, porque ele terminou e eu não, o que não o deixou nada satisfeito, disse que não era justo, e nas palavras dele "te ver gozar me excita", e a quem não? Por isso demorou para atender.
Ele se culpou depois, não a mim, me pediu desculpas mesmo depois de eu falar umas mil vezes que tudo bem, mas não adiantou, dava para ver a frustração no rosto dele, e só voltou às onze da manhã, fiz o almoço, mas ele continuava arrasado.
Foi a última vez que uma criança desapareceu de novo, já faz quase um mês desde então.
Não era ele, não tinha como ser, o que aconteceu com o último delegado foi uma fatalidade, as crianças são coincidência, ele estava comigo nos desaparecimentos, pelo menos em metade deles, mas pensando melhor, será mesmo?
Como ele tem tanta certeza de que é um homem?
Por que estava tão envolvido em cuidar de nós duas?
É normal uma pessoa ser obcecada pela outra igual ele mesmo diz ser por mim?
Como ele quis ficar justo comigo sem nem me conhecer direito? Quais os reais interesses?
Por que o sequestrador não levou a Bella?
Ele é a única pessoa que voltaria atrás caso tentasse pegar ela um dia.
Não, não pode ser, Kayra, ele é seu namorado não tem possibilidade nenhuma, é até ofensivo pensar isso dele.
Duas coisas: não vou mais falar sobre isso com a Michelle, e preciso muito de um Xanax.
Fiquei encarando a janela da cozinha, a princípio, não queria tomar o remédio, já fazia tempo que não usava, me ajudava a dormir, mas evitava muito quando a Bella estava em casa. Eu estava em um caso de emergência e sozinha, e a Bella não voltaria.
Tudo isso só serviu para me deixar mais preocupada, pois a Michelle o acusou e ele está lá fora com a minha filha.
Ansiedade a mil. Dois Xanax de uma vez.
Peguei um copo de suco e sentei em uma das cadeiras da mesa, e ri de mim mesma, era loucura, o Harry não tinha perfil de um criminoso, apesar de já ter sido um, ele nem mesmo suporta mentiras, fica todo estranho quando mente para a mãe dele na minha frente.
Eu só vi ele estranho duas vezes, quando disse para a mãe dele que estava tão acupado que não ia poder viajar para ver ela, o que era mentira, me contou que tinha medo de sair e algo acontecer. E outra vez quando...
Levantei a cabeça e encarei a janela, lembrei da última vez que mentiu para mim, e eu nem tinha percebido na hora.
- Isso não deveria ter acontecido...
- O que não deveria ter acontecido? - Ri baixo, sem entender.
- Eu me apaixonar por você. - Estava sério, acariciando meu rosto.
- Por que? - Totalmente confusa. - Se arrependeu, por acaso?
- Nenhum pouco. - Sorri de alívio, e ele beijou minha bochecha. - Só é complicado.
- Por que? - Cheguei mais perto. - O que você esconde nesse coração? - Cerrei os olhos, tocando o peito dele.
Já tinha percebido que ele não era do tipo que mostrava sentimentos pelas reações, mais um motivo de ser ruim uma pessoa que sorri o tempo todo.
- Meus relacionamentos nunca foram bons e duradouros, por isso nunca saio com ninguém. - Deu de ombros. - Eu tenho um trabalho meio complicado...
- Ser delegado não tem sido complicado. - Ri baixo, o encarando. - E eu já disse que entendo você, é seu trabalho, vai precisar ir em horas que não quer, e isso faz parte.
- Você não entende. - Riu baixo. - Não sou quem pensa que sou.
Fiquei olhando para ele, parecia prestes a me contar um grande segredo, mas só sorriu de novo e acariciou minhas coxa, na verdade, ele nunca sabia onde deixar as mãos.
- E quem você é?
- Um cara ocupado, tá bom? Não tenho experiências nisso, eu amo esse trabalho, mudei muito de uns anos para cá, mas tenho medo de um dia preferir a minha carreira do que você e a Bella. - Fechou os olhos, suspirando e negando com a cabeça, parando de me tocar. - Odeio isso.
Ficou me encarando por um tempão, e então engoliu em seco, suspirando e voltando a me tocar.
Tenho certeza que estava mentindo, por isso teve aquela reação, engolindo em seco, nervoso, seja lá onde tenha crescido, não o ensinaram a mentir
Não sou quem pensa que sou.
Então quem é você, Harry Styles?
*     *     *
Sei que apaguei porque a sensação que estou sentindo antes mesmo de abrir os olhos é típica, consigo sentir a cama macia, os cobertores, escutar o silêncio, minhas costas estão doendo, não muito, mas sinto elas, e parece que estou de ressaca.
É assim que me sinto toda vez que uso esse remédio, ele é bom, mas faz eu me sentir uma louca toda vez que o uso.
Não fui parar no quarto sozinha, sei que alguém me levou, posso ver que a noite está caindo, o que significa que dormi até demais. Escovei os dentes e desci as escadas.
O vi na sala, a televisão estava ligada, mas ele estava mais interessado em mexer no notebook dele, que vivia mais na minha casa que na dele. Escutou o barulho da escada e levantou o olhar, me lançou um sorriso pequeno e voltou os olhos ao aparelho.
- Pensei que ia dormir até amanhã. - Disse, me fazendo rir.
- Eu também. - Me joguei no sofá oposto.
Ele estava desligando o aparelho, na verdade, era difícil ele não me dar atenção, me deixar falando sozinha, sempre parava de fazer o que estava fazendo quando percebia que eu chegava, eu até gostava.
Me chamou com a mão, sorrindo com os lábios. A sensação de estar grudada né depois de acordar de uma ressaca de remédios era realmente boa, por isso fui até ele, uma perna de cada lado dos quadris, mesmo sentado no sofá, ainda tinha o encaixe perfeito ali.
Ele me beijou quase imediatamente, uma das mãos na minha nuca, me segurando firme, me beijando calmamente, até que desceu a mão pelo meu pescoço. Então era assim que a minha noite ia começar?
- Por que tomou três remédios de uma vez?
Ele usou a mão no meu pescoço para me afastar, segurando firme o suficiente para fazer força, e aquilo meio que me assustou.
Foi quando lembrei dos motivos de ter usado remédio.
- Tira a mão. - Falei firme, olhando nos olhos dele.
Não sei dizer se percebeu que me deixou com medo ou o gesto não foi mesmo intencional, mas ele tirou, deixou os braços apoiados no sofá e ficou me encarando, esperando pela resposta.
- Não foram três, foram dois, o outro eu já tinha usado há muito tempo.
- Que seja, dois então, por que?
- Fiquei ansiosa.
- E usou dois? - Riu. - Uau, alguém te deixou bem estressada, quem será que foi? - Sabia que estava querendo saber desde o começo. - E o motivo?
Fiquei pensando no que dizer, era loucura acusá-lo, obviamente, não fazia sentido e ele era tão bom e paciente que me senti mal. Ao mesmo tempo que eu sabia que deveria conversar com ele e não escutar a Michelle, não queria dedurar ela, já não se gostavam muito, imagine depois disso.
- Você vai me prometer duas coisas. - Uma das sobrancelhas dele se arqueou, esperando que eu falasse. - Vai me contar a verdade. - Pousei um dedo na boca dele. - E não vai ficar com raiva de ninguém. - Outro dedo, indicando o número dois.
Ele sorriu leve e beijou meus dois dedos apoiados na boca dele, depois assentiu, indicando que concordava.
Saí de cima dele e sentei ao lado, com meu ombro encostado no sofá, de frente para ele, que se moveu para ficar cara a cara comigo de novo.
Eu não sabia muito bem como dizer, então expliquei tudo, contei a história toda desde que comprei a caixa de donnuts, até a parte em que fui embora da casa da cunhada dele.
Resolvi não contar que ela o acusou dos crimes que vem acontecendo, não fez sentido para mim e nunca vi o Harry como um criminoso, então, essa parte fingi que nunca existiu.
Ele fixou quieto quando terminei, nitidamente com raiva da Michelle, mas eu precisava muito saber o que tinha acontecido.
- Eu nunca bateria em uma mulher, não faz sentido. - A fala indignada. - Eu surtei com ela, mas não bati e nem ia.
- Por que surtou com ela?
Suspirou alto, fechou os olhos por um momento e negou com a cabeça, como se não quisesse lembrar.
- Eu descobri que ela tinha traído, fiquei frustrado, acho que nunca tinha acontecido antes, foi novo para mim. - Apoiou a cabeça no sofá. - Falei para o Mitch que tinha sido só uma conversa porque não queria explicar tudo, mas sabia que já fazia tempo que estava se encontrando com alguém.
- E aí você foi embora?
- Fui, voltei para Boston por um tempo, eu tinha uma casa lá, naquele ano eu ainda não tinha muita ideia do que fazer, foi logo depois que o Rob morreu.
- Já morou em Boston?
- Não durou tanto.
Ele nunca tinha comentado que morou em Boston, mas tudo bem, não vi isso como uma informação importante.
- E a mulher?
- O que tem ela?
- O que aconteceu?
- Não sei, acho que foi embora, deve ter ficado com o cara, ou nem isso. - Deu de ombros. - Não fiquei para descobrir.
Deu para perceber que o assunto estava abalando ele, mas não estava estranho como quando mentia, era só o Harry sincero, para a minha sorte.
Sabia que não deveria ter me precipitado, ficado ansiosa com aquilo, ele já tinha me falado que não gostava de contar sobre o passado e que o irmão não sabia de metade das coisas sobre ele.
- Já chega disso. - Levantei do sofá, enquanto ele me encarava sem entender. - Vamos fazer um jantar, vem. - Peguei a mão dele e puxei.
O Harry sempre foi nitidamente e ridiculamente bem mais forte que eu, então, se ele decidisse ficar no lugar e não se levantar, não levantaria mesmo, e foi o que fez, minha tentativa pareceu ridícula.
Ele riu, debochando de mim e da minha força, então me puxou forte e me jogou no sofá, ficou por cima de mim rápido e beijou minha boca, levemente, mas eu estava assustada com a rapidez com que tudo aconteceu.
- Você é o jantar, coisinha, quero te comer agora. - Sorriu doce, como se tivesse dito a coisa mais romântica do mundo.
- Não cansa de ser romântico?
- Não. - Sussurrou, sorrindo e beijando minha bochecha.
- Mas você vai cozinhar, certo? - Ele riu, tirando o rosto do meu pescoço.
- E eu por acaso virei seu empregado?
- Não é para isso que serve um namorado? - Cerrou os olhos.
Pensei que fosse dizer algo, mas então abriu minha calça e enfiou a mão dentro do tecido da minha calcinha, sem nem dizer nada, sem pedir, só pude soltar um gemido instantâneo, foi uma loucura sentir os dedos dele me masturbando.
Agarrei os braços dele, deixando mais um gemido escapar, até que ele chegou bem perto da minha orelha, ainda com os dedos trabalhando.
- É para isso que serve, para te comer direito, e te fazer gemer o tempo todo. - Beijou minha orelha.
Tirou a mão, saiu de cima de mim e ajeitou a camiseta, estava começando a me ajeitar, mas ele me puxou para cima e começou a andar em direção a escada.
Entramos no quarto, ele me soltou, beijou meu rosto e me deu um tapinha na bunda.
- Tira a roupa. - Falou sem me olhar, estava indo fechar a porta.
Estava me corrompendo, porque adorei obedecer ele. Ficou sorrindo para mim, me encarando, andando devagar até a cama sem tirar os olhos de mim por nem um segundo.
Pensei que ele também fosse tirar a roupa, mas depois que me livrei da última peça, a única coisa que ele fez foi tirar a camiseta, sorriu grande e deitou na cama, bem no meio dela, ficou me encarando por um tempo.
- Agora senta no meu rosto.
Abri mais os olhos, fiquei congelada, encarando ele, que riu de mim, e riu de verdade, uma gargalhada alta.
- Eu...é sério?
- E tem alguma coisa mais importante para fazer do que esfregar sua boceta na minha cara?
Abri mais os olhos, acho que nunca vou deixar de ficar apavorada com as barbaridades que saem da boca desse homem, nunca escutei ninguém dizer tantas besteiras em voz alta igual a ele.
- Eu... - Cheguei mais perto da cama. - Eu nunca fiz isso. - Olhei para ele, sorrindo, deitado, quase esqueci que eu estava sem roupas.
- É fácil, só encaixa minha cabeça no meio das suas pernas e segura a cabeceira. - Suspirou, bem tranquilo. - Se quiser, nem precisa fazer nada, vou estar no paraíso de qualquer jeito.
Fiquei pensando na ideia, e não ia discutir com ele, subi na cama de joelhos, enquanto ele só sorria. Passei uma das pernas para o outro lado da cabeça dele, e nem deu tempo de ficar nervosa, nem tinha me encaixado direito e ele puxou minhas pernas mais para baixo e me encheu de beijou lá em baixo, revirei os olhos em prazer só com aquilo.
As mãos dele subiram pela pele da minha barriga, o toque me fez queimar por dentro, arfei quando apalpou meus peitos, e quando começou a usar a língua, entendi o aviso sobre segurar a cabeceira. Nunca vi ele ser ruim em alguma coisa, mas acho que ele poderia ganhar um prêmio de habilidades com a língua.
Os toques dele foram certeiro, principalmente o conjunto com a língua e os dedos, gemi mais alto e segurei o cabelo dele com uma das mãos, provavelmente percebeu que gostei dos movimentos porque fez exatamente a mesma coisa até eu gozar. Por último, acho que gritei muito alto e mordi a cabeceira para tentar abafar o som, quando me afastei, passei o dedo indicador por cima da marca.
Foi provavelmente a minha posição favorita. Me puxou para baixo, ficou sentado na cama comigo por cima dele, beijando minha boca, passando a mão por todo meu corpo, nem estava sentindo minhas pernas direito, e esse era o efeito dele.
- Eu disse que era fácil. - Falou entre o beijo.
Não disse nada, na verdade, estava tão chocada com o prazer que estava sentindo, que provavelmente nem tinha forçar, só deixei ele me beijar, enfiar dois dedos em mim de novo, me fazer gozar no colo dele, a sensação que eu tinha de gemer e fazer tudo aquilo só com dois dedos dele era que estava dominada, e ele provavelmente sabia.
Ele não tirou a calça de moletom, mesmo depois de ter pego o pacote de preservativos do bolsa dela, só me deixou deitada e baixou os tecidos que estavam atrapalhando ele, e lá se ia o Harry gentil, cada vez que entrava dentro de mim, me sentia como uma garota de programa dele, e o mais apavorante era que não era ruim.
O jeito que ele me fazia contorcer os dedos dos pés e gemer mais alto que o normal parecia surreal, mas ao mesmo tempo fácil para ele. Minhas mãos se prenderam nas costas dele enquanto ia cada vez mais forte e rápido, sussurrando inúmeras coisas, não sei quando saí de uma vida com sexo calmo para um com xingamentos que entravam nos meus ouvidos como elogios, mas sei dizer que era bom.
Sabia que ele já tinha terminado, mas eu não, sinceramente, não me importei, já tinha sido o bastante as duas vezes anteriores, mas esqueci que com ele não dava para se dar por satisfeita tão fácil. Abriu mais minhas pernas e massageou minha intimidade com a mão, me encarando.
- Quero te ver gozar. - Avisou, com a voz rouca.
Não tirou os olhos de mim, mesmo com a mão lá em baixo, me viu ficar ofegante, murmurar coisas, viu meu semblante quando meus gemidos baixos se tornaram altos e ele não precisou de muito para me fazer gozar.
Pensei que fosse parar por ali, mas não, baixou a cabeça e lambeu toda a extensão da minha intimidade quando percebeu que eu já tinha chegado lá, me enchendo enchendo arrepios e sensações diferentes.
Beijou minha cintura, minha barriga, o espaço entre os seios, até finalmente chegar a minha boca, me beijando gentilmente.
- Perfeita. - Sussurrou. - Foi lindo. - Sorri.
- O que foi lindo?
- Meter em você, é claro. - Se jogou ao meu lado. - Suas expressões de prazer são uma obra de arte. - Sorriu grande, fechando os olhos. - Agora faz um boquete, só para fechar com chave de ouro. - Levou as mãos para trás da cabeça, super relaxado.
- Não. - Abriu os olhos. - Mal educado. - Mostrei a língua.
- O que? Precisa que eu peça por favor? - Arqueei as sobrancelhas. - Faz um boquete em mim, por favor?
- Cala a boca. - Empurrei ele de leve. - Preciso de uma hora de descanso, já fiz demais. - Ele riu.
- Eu fiz demais, você só ficou parada.
- Cala a boca, ou vai ficar um mês sem ver nada. - Ele riu, me puxando para perto dele.
- Tem razão, dar exige muito esforço e concentração, não é qualquer uma que consegue os mesmos feitos que você. - Rolei os olhos.
- Como você fala tanta besteira?
- Eu não falo besteiras, só uso a linguagem correta da coisa.
Ficamos deitados por um tempão, conversando, todos os dias aprendia mais coisas sobre ele, e visse versa, era divertido apesar de tudo.
Cheguei a um nível que descobri que realmente é um prazer deitar no peitoral dele e deslizar a mão por todo o corpo, ele é lindo, isso não deveria significar nada, mas é um combo perfeito para mim, acho que meu nível de paixão está alto porque até os pelinhos que formam uma linha abaixo do umbigo dele me atraem, e o motivo? Não sei, acho que é porque gosto dele.
Descobri que a cor favorita dele é laranja, o que me surpreendeu de verdade, ele vive de preto, laranja é no mínimo muito estranho para alguém que só tem uma cor no guarda-roupa.
- Eles vão entregar minha casa na semana que vem.
- Já? - Levantei a cabeça, encarando ele.
- Sim, também achei que demorou.
- Demorou, Harry? Quatro meses para construir uma casa é até rápido demais. - Às vezes ele parece um sem noção.
- Eles não construíram exatamente do zero.
- Foi praticamente. - Deu de ombros.
- E ainda demorou um pouco, tive que mudar o projeto.
- Mudou por que?
- Queria que tivesse o quarto da Bella também.
Fiquei encarando ele, sorriu com os lábios, e eu nem estava acreditando.
- Às vezes você é um fofo. - Segurei o rosto dele e beijei o outro lado. - Sua intenção foi linda, ela vai amar.
- Tomara, queria que fosse o espaço dela, para quando estiver lá e quiser brincar, algo assim. - Respirou fundo, beijando meu ombro. - E eu não sou fofo às vezes, sou sempre.
- Não, às vezes você é um ogro nada romântico. - Escutei ele soltar o ar pesadamente. - Mas eu gosto do seu jeitinho.
- Pelo menos isso. - Murmurou, me fazendo rir.
Voltei a deitar, ainda massageando o abdômen dele, nada especial, só queria retribuir o carinho que estava ganhando nas costas. Outra característica dele era sempre querer me tocar, fazer um carinho leve ou me beijar, qualquer tipo de beijo, o tempo todo.
- Em três meses você pode se mudar e alugar essa casa aqui.
- Vai com calma, amor. - Ri baixo.
- O que?
- Vai com calma?
- Não, a outra coisa, depois disso.
- Amor? - Será que ele sabe que foi ironia?
- Amor. - Repetiu. - Hum... - Murmurou depois, franzi o cenho. - Tá aí um nome legal. Quero ser chamado assim agora, cansei de Harry. - Ri dele.
- Mas seu nome é Harry. - Levantei de novo para encarar ele.
- Não mais, eu mudei.
- Não tem como mudar, seu nome é Ha... - Prendeu o dedo indicador na minha boca.
- Para você é amor, e só. - Comecei a rir, mas ele só ficou me encarando, com um sorriso, então parei, fiquei sem entender o motivo do olhar. - Gosto de te ver rindo assim, fica linda.
E lá se foi minha palavra pelo ralo, não queria mais esperar uma hora para a próxima rodada.
*     *     *
- Se passarmos dos sete meses de namoro, você é a mulher mais perfeita do mundo.
- E por que?
- Ninguém consegue me aguentar por tanto tempo, merece um prêmio.
Só o fato de ele admitir já era engraçado, mas era melhor o jeito que ele falava da própria vida, uma piada autodepreciativa, mesmo assim era engraçado.
Decidimos sair para comer, ele insistiu que não era empregado, apesar de eu dizer que sim e fazê-lo me olhar com certa indignação. Fomos parar em um restaurante, já estava tarde, éramos quase os únicos clientes, mas foi ficando cada vez mais tarde e estavam a um passo de nos expulsarem.
Os únicos lá dentro, ainda tinha meia hora de acordo com o pessoal que cuidava do lugar, então ficamos, nos perdemos na conversa.
Percebi que ele ficou quieto de repente, três homens entraram no restaurante e foram direto para o balcão, não tinha ninguém, então bateram forte no sino de mesa.
Posso não ter experiências policiais, mas sei que três homens encapuzados entrando em um restaurante, sendo um tanto rudes e tarde da noite, não é coisa boa.
- Harry...
- Bebe o vinho e não fala nada.
Foi só o que ele disse, sério, com aquela postura alarmada sempre que entrava em algum lugar novo ou estava em uma cena de crime.
Nem me olhou direito, ficou quieto, bebendo, era como se estivesse esperando algo acontecer, e pelo tom de voz, estava me avisando sobre o pior.
De repente alguém apareceu no balcão, e foi quando escutamos eles pedirem o dinheiro do caixa, até aí tudo bem, ficamos quietos, não nos envolvemos, até um deles fazer uma pergunta.
- Onde fica o cofre?
- Não tem cofre.
E então eles começaram uma discussão, o homem jurou que não tinha cofre nenhum, e eu não sei de onde aquele bandido saiu, mas é óbvio que não tinha, ninguém usa cofres em estabelecimentos hoje em dia, o dinheiro vai todo para o banco, na conta do dono, e se existe um cofre, é com um valor muito pequeno.
- Que saco. - Ele murmurou na minha frente. - Ele já disse que não tem a porra do cofre, será que é surdo?
Congelei no lugar, primeiro pela fala dele, e depois porque um deles veio na nossa direção.
Eu travei, fiquei em choque, porque tinha uma arma na mão do cara, e pensem comigo, arma é igual a morte certeira, especialmente apontada para a cabeça do meu namorado novinho em folha, demorei para conquistar e vou perder tão cedo?
Fiquei desesperada mesmo, até o Harry abrir a boca de novo, aí tive certeza que eu ia morrer.
- Para de apontar essa porra na minha direção.
- Como é que é? - O cara riu, claro, eu mesma estava quase mandando ele calar a boca.
- Mandei parar de apontar. - Repetiu, sem medo nenhum na voz.
- Ou o que?
Ele suspirou, me encarou como quem dizia "é sério?" Ironicamente, já eu o encarava como quem queria gritar um "Cala a boca, idiota!".
Ele levantou, bem calmo, encarou o cara, e eu juro que nunca vi um gesto tão rápido na minha vida, simplesmente tirou a arma da mão dele e atirou na perna do cara, dei um pulo na cadeira, apavorada com a situação.
Os outros dois, obviamente encararam ele, mas nem deu tempo de nada, o segundo tiro foi certeiro na mão de um deles, a que estava segurando a arma, e o outro ele resolveu poupar.
Aposto que o cara teria feito xixi nas calças se estivesse com vontade, eu mesma teria feito. Ele se abaixou e deixou a arma no chão, depois levantou as mãos, não sei se só reconheceu ele por ser delegado ou se ficou com medo, mas foi o mais esperto dos três.
- Agora chuta a arma para cá, e a que está atrás também.
Ele foi bem devagar, chutando as duas armas, nitidamente apavorado, enquanto os outros gemiam de dor. Aposto que não eram bandidos, pouco experientes, não sou perita, mas acho que as chances de dar mais certo é invadir o local depois de fechado.
- Agora deita no chão. - E ele fez mesmo o que mandou.
Fiquei com mais medo ainda por ele ainda estar segurando uma arma, e percebeu, porque me encarou e tirou o pente na mesma hora, depois deixou tudo na mesa e foi até o cara no chão, com o sangue quase chegando aos meus pés.
- A sua arma é uma merda, nem foi calibrada, sabia disso? - Riu, pareceu piada para ele. - Isso nem era necessário cara, agora está sangrando e com dor só porque quis se mostrar para a garota, que péssimo.
- Vai ferrar...
- Olha a boca, pode ser que eu chute seu rosto antes de sair. - Abri mais os olhos. - E você aí no canto ficou sem a mão, que grande noite, han? - Bateu palmas, como se fosse um show. - Vocês são burros para cacete, não assaltem quando o delegado estiver no estabelecimento.
Ele suspirou, frustrado, aparentemente com a burrice deles, depois fez um gesto com a mão e levantei, grudei no braço dele e comecei a segui-lo.
- Não se preocupe, tudo bem.
Pensei que fosse embora, mas parou no balcão e pegou o telefone, discou um número e o apoiou no ouvido, fez um sinal com o polegar para o atendente, tremendo de medo, acho que nem assimilou quem ele era.
- É o delegado Styles, sim, escute...
E ele passou uns minutos descrevendo o que aconteceu, o endereço, e ainda avisou que precisava de uma ambulância, depois deu dinheiro ao recepcionista, pelo nosso jantar, e amarrou o único bandido mais esperto com um pedaço bem firme de plástico.
- Vai estudar, essa vida não é para você. - Deu duas batidinhas no ombro dele.
- Obrigado. - Sim, o cara agradeceu.
- De nada, cara. - Respondeu, super sorridente.
Saímos de lá, graças a Deus, eu ainda estava tremendo quando ele abriu a porta do carro, entrei em pânico e quando ele entrou continuei em pânico, mas quando ligou o carro, a minha reação foi instantânea.
- Pode desligar essa merda, agora!
Ele encarou estrada, depois a chave, por último me encarou, como se não estivesse acreditando nas minhas palavras, e então desligou o carro.
- Mas o que...
- Cala a boca! - Afastou o rosto, franzindo o cenho. - Você é louco? Você é! Você é maluco!
- Mas eu...
- Você nada! - Foi quando percebi minha respiração rápida. - O que te deu na cabeça, seu doente!?
- Não entendi. - O semblante confuso me irritou mais ainda.
- Ah, não entendeu? - Cruzou os braços. - Harry! Eu tenho medo de armas, sabia disso? Você atirou em dois caras do nada, como se fosse a porra do Rambo, e acha isso normal!? Acha normal!? Vai dirigir depois disso!? - Ficou me encarando, super sério. - Harry!
- Kayra, isso é normal para mim, foi até leve.
- Leve é o cacete! - Empurrei meu corpo contra o banco. - Como você conhece reagir assim as coisas? Isso não é normal.
- É normal para um policial...
- Você... - O observei, boquiaberta com a reação tranquila. - Era só ter ligado para a polícia, eles nem prestaram atenção em nós. - Arqueou uma das sobrancelhas. - Ele podia ter atirado em você!
- Não ia.
As luzes dos carros de polícia apareceram e nós ainda estávamos nos resolvendo.
- Ah, não ia? E como sabe?
- Ninguém conseguiria, sou bem treinado. - Ri alto.
- Nenhum policial faria o que fez.
- Sou bem treinado. - Repetiu
- Isso é mentira, tem algo a mais.
- Escola militar.
- Para de mentir! - Bati os pés com raiva.
Acho que ele percebeu que cheguei no meu limite, porque suspirou, soltou o volante e virou o corpo para mim.
- Tem razão, estou mentindo. - Juntou as mãos, me olhando nos olhos. - Sou apaixonado por armas, se eu pudesse, teria uma coleção, e eu atiro toda semana, vou nos treinamentos policiais só para poder treinar um pouquinho, é divertido para mim, e se torna um talento.
Não sei porque fiquei tão chocada com a informação, mas ele é policial, precisa ter contato com armas, pode ter sido pelo meu medo de usar uma, mas ainda me parecia uma informação verdadeira pelo olhar dele.
- Por que não disse antes?
- Porque você tem medo, achei que não ia gostar. - Respirou fundo, deixou de me encarar por segundos, mas voltou depois. - E eu achei que não ia gostar de saber disso por causa da Bella, podia ser uma ameaça para ela, sei lá.
- E por acaso brinca de dar tiros com a minha filha?
- O que!? Não! - Pareceu indignado.
- Então não é uma ameaça, Harry, era só ter me contado que você saiu de um filme de ação. - Rolou os olhos.
- Eu não saí de um filme, eles só eram burros e devagares demais.
Ficamos quietos por um tempão, o meu choque ainda estava passando, minha respiração voltando ao normal, e então comecei a assimilar tudo. Se ele não tivesse paralisado os dois caras, provavelmente atitariam nele, então, a ação meio que se tornou necessária.
Polícias têm habilidades diferentes, as dele talvez sejam com uma arma, e tudo bem, ele nem estava armado na hora, usou a deles, o que significa que estou segura.
Eu espero.
- Quero ir para a sua casa.
- Por que? - Pareceu não entender.
- Quero dormir em uma cama que tenha seu cheiro.
Foi só o que eu falei, fiquei esperando ele ligar o carro, mas obviamente não fez. O vi se inclinar na minha direção, mas não olhei para ele, continuei olhando para frente, mas o rosto dele apareceu no meu campo de visão, de tanto que ele se esticou, com um sorrisinho besta no rosto.
- Você gosta de mim. - Cantarolou.
- Não gosto, agora sai. - Tapei os olhos dele e o empurrei daquele jeito mesmo.
- Não faz assim, coisinha, fui seu herói essa noite. - O encarei sarcasticamente. - Me dá um beijinho.
- Não.
Ele continuou chegando perto, tentou pegar minha mão, mas tirei dele, que fez um semblante incrédulo, ainda chegando perto.
- Só um beijinho.
- Não, para com isso.
- O que vai te custar?
- Beijar um idiota, isso que vai me custar.
- Não fala assim. - Segurou minha coxa com força.
Ele ficou me encarando um tempão, e que merda, eu odeio não conseguir negar nada a ele, dei o beijinho que tanto queria, que resultou em vários beijos e se tornou um beijão, e do nada, escutamos alguém bater no vidro.
Levei um susto, pelo menos não era no meu vidro e sim no dele, um policial. Ele abaixou o vidro e conversou com o cara com se nada tivesse acontecido.
Depois fomos para a casa dele, ainda bem, não era tão perto do restaurante, mas a viagem serviu para colocar minha mente no lugar.
Ele ser policial nunca ia mudar, e polícia é igual a arma, então, eu provavelmente precisaria lidar com um monte de coisas desse tipo, o problema mesmo é estar disposta, mas quando se gosta de alguém, é preciso estar.
A minha felicidade foi chegar ao apartamento, o segui até o elevador, e quando senti as mãos dele na minha cintura e meu corpo inteiro colar no dele, sabia exatamente o que estava fazendo.
- Não vou transar com você hoje. - Avisei.
- Por que não? - Ri nasalmente, sentindo ele apoiar a testa no meu ombro.
- Porque não quero, não força a barra.
Ele suspirou alto, saiu de trás de mim, mas continuou me abraçando de lado, derrotado, coitado, mas eu não ia mesmo fazer nada, só precisava dormir.
Durante todo aquele tempo eu já tinha chegado no nível de ter pelo menos uma peça de roupas no roupeiro dele, mas nunca usava, peguei uma das camisetas pretas dele, tirei toda a roupa e vesti, era praticamente um vestido em mim, servia como um pijama.
Escovei os dentes, me joguei na cama e apaguei a luz, só precisava dormir, não queria nem conversar com ele. Odeio o jeito que certas atitudes dele me deixam desconfiada, já vi conflitos policiais antes, às vezes eles até choram por ferirem alguém, tudo bem que eram bandidos, mas ele literalmente riu, que cara estranho.
Fechei os olhos assim que entrou no quarto, preferia fingir do que precisar olhar para ele e ter uma possível conversa. Não estava com raiva, só cansada e pensativa demais para conversar.
Toda vez esqueço que ele é esperto, acho que tem dois cérebros ao invés de um. Sabia que eu estava acordada, não sei como, mas soube que sabia porque me abraçou forte e beijou meu rosto, não saiu da posição, estava me encarando para ver se eu abria os olhos, com a luz mínima do abajur que ele acendeu.
- Desculpa. - Sussurrou, mas não abri os olhos. - Na próxima prometo que mando eles chegarem depois que eu sair. - Abri os olhos, indignada com o sarcasmo dele.
- Vai dormir. - Ele sorriu, vencedor por ter me feito abrir os olhos.
- Queria que soubesse que odeio quando fica me evitando.
- Não estou te evitando, estou com sono. - Senti ele apoiar a cabeça no meu ombro. - Não me faça ser má.
- Ser má? - Riu, levantando o olhar.
- É, se ficar escondendo coisas de mim, vou acabar quebrando seu coração.
Foi uma piada, eu não seria capaz de quebrar o coração de uma formiga se me pedissem, posso admitir que fico derretida bem fácil por qualquer gesto romântico, e acho que ele também já percebeu, porque sorriu ao invés de ficar confuso.
- Sabe, linda, você poderia quebrar meu coração de trezentas formas diferentes e eu ainda agradeceria por ter me dado a chance de te amar.
Fiquei abismada com a escolha de palavras, principalmente por ele ser uma pessoa que pensa muito antes de falar.
- Você me ama? - O encarei.
Ele sorriu com os lábios e assentiu bem devagar.
- Como assim, me ama? - Ele riu, acho que me achou engraçada, mas eu estava em choque.
- Amando. - Deu de ombros. - É diferente com você, eu nunca tinha sentido antes, acho que gosto de você um pouco demais, percebi que era diferente hoje, quando você apareceu toda linda para ir jantar comigo e quando brinquei que íamos ao McDonald's, você só sorriu e disse que amou a ideia. - Ele riu, me olhando nos olhos. - Acho que você também sente o que sinto, qualquer lugar é maravilhoso se você estiver, e não se importa com o nível do restaurante que te levo, você vai porque quer ir comigo, e foi assim que descobri. - Deu de ombros.
- Você me ama porque não ligo para restaurantes? - Riu, rolando os olhos.
- É porque você não liga para o lugar, com tanto que estejamos juntos.
Fiquei encarando ele, pareceu simples dizer, ele só disse, muito natural, e realmente, não ligava para o lugar, mas se ele estivesse junto, então seria maravilhoso.
- Eu acho que também te amo. - Ele riu de novo, mesmo que eu estivesse séria, assimilando tudo.
- Que bom, fico feliz. - Disse entre risos. Beijou meu pescoço depois, e ficou ali, me abraçando. - Te amo, coisinha.
- Por que me chama por esse apelido tosco? - Senti o sorriso dele, mesmo que não estivesse vendo o rosto.
- Porque você é toda pequenininha, uma coisinha. - Deu de ombros.
- Hum. - Fiquei um pouco ofendida. - Acho que não gostei.
- Problema seu. - Beijou meu rosto. - Coisinha. - Sussurrou.
Eu não deveria ter falado, agora ele vai me chamar disso o tempo todo, e não que eu ligue, mas não parece romântico, acho meio injusto eu precisar chamar ele de amor enquanto me chama de coisinha.
Fechei os olhos de novo, sentindo ele me abraçar por trás, não ia desgrudar a noite toda, e depois das revelações eu não queria mesmo que desgrudasse.
Rolei os olhos quando me desejou boa noite e me chamou pelo apelido, só o beijo no ombro salvou depois.
Acho que meu dia só foi longo demais, a Michelle não sabia sobre o que estava falando, o Harry só tinha um passado horrível que não gostava de compartilhar e era um policial acostumado demais com tragédias.
O Harry era só o Harry, um cara legal que eu conheci no mercado, se tornou meu vizinho temporário e quatro meses depois, estamos juntos, e basta para mim.
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amantedosfandons · 2 years ago
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16 • Sonambulismo
Minha mãe ia mesmo me visitar, me avisou na sexta a tarde que chegaria no sábado para almoçar, falei para ela que estava saindo com alguém e a preocupação foi eminente.
Voltemos ao passado, muitos anos atrás e a preocupação da minha mãe realmente vai ter um significado pesado para tudo. Entendia o lado dela, de verdade, afinal, ela também teve um padrasto.
Nem todos tem tanta sorte quanto o Harry, por exemplo, de uma pessoa tão boa entrar na sua vida. Não foi o mesmo para a minha mãe, digamos que a vida de traumas dela tenha a ver com o padrasto que abusava dela.
A época era outra, a mãe dela até a protegia, mas existe uma diferença bem grande entre apenas gritar com alguém e realmente levar o caso a justiça, foram anos sofrendo, até que ela conheceu meu pai e foi morar com ele antes mesmo de completarem seis meses de namoro, porque ele queria ajudar ela, mesmo que não fossem ficar juntos.
No fim das contas, casaram e ainda engravidaram de mim, o que foi a parte boa na história toda, não por eu ser maravilhosa e a melhor pessoa do mundo, mas porque ter um bebê realmente trouxe forças para ela, e desde então, ela cuida de mim como se fosse uma criança.
Avisei que não precisava se preocupar com o Harry, mas mesmo que eu dissesse ser uma boa pessoa, ela ainda precisava ver com os próprios olhos.
Harry não foi para a minha casa na sexta, disse que precisava resolver umas coisas, e que não queria chegar tarde e me acordar. Obviamente não me contentei com as poucas informações e fiz ele falar o que estava fazendo.
Eu queria muito ser policial e ir com ele, parecia tão legal ficar de tocaia em algum lugar suspeito. Ele ainda estava atrás do sequestrador, os casos não aumentaram desde que ele mandou equipes gigantes patrulharem a cidade inteira durante a noite, mas não significava que a pessoa ainda não estivesse em Quebec.
Chegou cedo no sábado, desconfiei que nem tivesse dormido, porque só assentiu quando perguntei, e o Harry não sabia mentir, fica nervoso, um ótimo ponto ele ser tão sincero, qualquer um consegue saber quando omite fatos.
- Estou nervoso. - Franziu o cenho, tamborilando as mãos na mesa. - É normal eu estar nervoso?
- Não. - Debochei. - São só meus pais, eles são legais. - Encarei a Bella, sentada na cadeira cheia de almofadas só para ela. - Seus avós são legais, não é?
- Sim. - Assentiu, animada.
- Conta para o Harry quem são, ele não sabe ainda.
Virei de volta para a cozinha, almoçamos e eles ainda não haviam chegado, atraso sempre foi típico dos meus pais, se diziam que estavam chegando para o almoço, provavelmente estariam chegando para o lanche da tarde.
- A minha vovó Grace, e o meu vovô Bless. - Estava falando tão séria, as informações eram muito importantes para ela. - E eles tem uma casa lá no rio. - Ri baixo.
- Eles moram perto de um rio. - Informei a ele.
Ela ficou contando coisas soltas a ele, tipo que a minha mãe gostava muito da cor roxa e o meu pai azul, coisas sem contexto que pareciam muito importantes para ela, mas Harry dava atenção a cada informação e fazia um semblante surpreso.
Quando eles bateram a porta, só faltou ele sair correndo, não sabia se ficava perto, longe, sentado, de pé, e eu só sabia rir, não era eu mesmo, a situação ficou toda com ele.
Abri a porta e eles já estavam sorrindo bem antes, cheios de sacolas nas mãos, e nenhuma era deles, apostava que tudo eram presentes.
- Demoramos para vir, eu sei, não vai acontecer de novo. - Minha mãe disse, me abraçando.
- Foram só duas semanas. - Ri nasalmente.
- Sim, uma eternidade. - Entrou.
- Oi, querida. - Abracei meu pai, bem menos dramático.
- E o seu homem? - Minha mãe olhou ao redor. - Cadê?
- Grace. - Meu pai sussurrou. - Deixe a menina apresentar ele no tempo dela.
A minha mãe sempre foi uma pessoa do tipo ansiosa, tudo precisava ser na hora, não parava quieta um segundo. Meu pai, ao contrário, super tranquilo.
Deixei as sacolas deles no sofá e os levei até à cozinha. Paramos na ilha, Harry estava ajudando a Bella com um copo de água, de vidro, provavelmente porque não encontrou o copo dela no armário, na verdade, duvido que tenha procurado. Quando levantou o olhar, seguindo o dela, sorriu, não parecia tímido.
- Olá. - Se endireitou.
- Oi, oi vó e vô. - Bella acenou para eles, que riram, a cumprimentando também.
- Mãe, pai, esse é o Harry. - Apresentei ele, super normal para mim, apesar de saber que ele estava morrendo. - Harry, esse é meu pai Bless, e minha mãe Grace.
- É um prazer.
Meu pai foi o primeiro a se mover para cumprimentá-lo, minha mãe demorou um pouco, até disse oi, mas ficou analisando ele, depois me encarou, séria.
- Kayra, por que não disse que o cara era desse tamanho? A camiseta que comprei não vai servir.
Harry riu, o som audível, e meu pai o acompanhou, minha mãe sempre foi engraçada sem nem perceber, e provavelmente os um e noventa de altura dele deixaram ela assustada, minha mãe não passava do um e sessenta e cinco e meu pai tinha no máximo dez centímetros a mais que ela, e eu fiquei no meio termo.
- Não ria, querido, é tamanho médio, você é enorme.
- Eu não me importo...
- Claro que se importa. - Ele não, mas ela se importava. - Nós vamos lá no centro comprar uma coisinha para você.
- E você faz o que?
Meu pai estava morrendo para saber.
- Sou da polícia.
Sou da polícia. Ele não enfatizou o fato de ser delegado, diferente de quando conheceu o Justin, provavelmente por não pensar que meus pais eram uma ameaça.
De qualquer jeito a informação os impressionou, minha mãe queria saber mais dele de repente. Conversa vai e conversa vem, ele foi obrigado a revelar o cargo, meus pais queriam saber o que ele fazia lá e em qual posição estava.
Minha mãe ia o aprovando aos poucos, demoraria uns meses até ela finalmente bater o martelo, mas no geral, acho que ele causou uma boa impressão.
- Muito educado seu namorado. - Comentou.
》Educado
Outro adjetivo que já deveria ter cortado.
Estávamos na cozinha, Harry foi para a sala com meu pai, a Bella queria abrir o presente dela que eu já sabia o que era, minha mãe pediu uma sugestão de presente eu disse que ela adoraria uma pônei, só avisei ela sobre as que já tinha.
- Ele é daqui?
- Estados Unidos, morava na Califórnia.
- Em que cidade de lá?
- Acho que em Los Angeles ou San Diego, não lembro agora. - Ele tinha falado alguma coisa sobre as cidades, mas não estava me recordando.
- E a Bella?
- Bem, ela gosta dele, estão construindo uma relação legal. - Assentiu. - Ele sabe que é complicado com uma criança, não precisa se preocupar.
- Eu me preocupo, você sabe. - Braços cruzados e corpo encostado na pia. - Não é porque é policial que é santo, é bom ficar de olho.
- Eu sei. - Busquei paciência. - Monitoro a Bel, não se preocupe, sei o que é seguro e o que não é.
Não falei de forma grosseira, meu tom de voz foi bem suave. Aprendi a ter paciência com a minha mãe ao longo da vida, quando se tem uma pessoa muito acelerada em casa, é bom que tenha muito dessa virtude.
Ela nunca se meteu na criação da neta, mas sei que daria a opinião a qualquer momento se constatasse que ter o Harry por perto não era seguro.
Para quem estava nervoso, até que se saiu muito bem, não que fosse difícil para uma pessoa completamente simpática. Meu pai obviamente estava tranquilo em relação a ele, principalmente porque a Bella fazia questão de incluir ele em tudo, mostrando os presentes dela, e ele sempre dizia que era lindo, então ela estava amando.
Estava comentando comigo que preferia ir para casa e me deixar passar a noite com meus pais, pareceu importante para ele.
- Você não atrapalha em nada. - Sussurrei.
- Eu sei. - Sorriu, me dando um selinho rápido. - Vou para casa.
- Vai para casa, Harry? - Bella chegou perto, escutou nossos sussurros.
- Eu vou. - Sorriu para ela, mexendo no cabelo clarinho.
- Não vai, não. - Cantarolou, como se fosse uma brincadeira.
- Vou, sim. - Retrucou, a fazendo rir.
- Não, Harry, lá na sua casa não tem eu de bebê. - Rimos alto, e ela ficou com vergonha, porque escondeu o rosto nas mãos dele.
- Mas eu tenho que ir para casa hoje. - Pegou ela no colo, me lançando um olhar de pena.
- Não, Harry, por favor. - Fechou os olhos quando ela pediu.
- Amanhã eu volto e a gente brinca com o Joe, pode ser?
- Não. - A resposta dela tinha tristeza e irritação junto. - Você não vai. - Olhou para ele, irritada.
- Quem disse?
- Eu, e a minha mãe também não deixa.
- Bel, ele quer ir para casa, não pode obrigar ele. - Expliquei, com toda a paciência.
- Não, mas e... - Parou, pensou por segundos e pousou as mãos nos ombros dele. - Harry, vai lá na sua casa, pega uma roupa, tá bom? E aí eu, você e a minha mãe dorme na cama juntos, tá bom?
Nós rimos, todos nós, a ideia parecia ótima no ponto de vista dela.
- Não vai deixar eu ir? - Negou com a cabeça. - Tudo bem, eu não vou.
- É de prometer? - Perguntou, séria.
- Você não quer assistir o desenho da sua pônei? - Ele não ia prometer.
- Mas e é de prometer? - Repetiu, ainda séria.
Ele enrolou ela o máximo que pode, parecia tão bobo aos olhos dos outros, mas pareceu importante para ele, se prometesse, teria que ficar, e não ia ficar, estaria mentindo para ela.
》Honesto
Ele ficou por um bom tempo, contou muitas coisas aos meus pais, fez ele rirem, em muito tempo meus pais não riam com algum namorado meu, o Justin foi o único sério e eles já eram tão familiarizados que fazia tempo que eu não sentia a experiência de apresentar alguém novo para a família.
Jantamos, ele preparou a mamadeira para a Bella, eu dei banho nela, brincou até não poder mais, mexeu no celular dele, até fotos registrou no pobre aparelho, e por fim, dormiu, encolhida no chão. Não percebemos a ausência dela, estava brincando e quando nos demos conta estava deitada entre os brinquedos, apagada.
Levei ela para cima e meus pais foram se acomodar no quarto de hóspedes. Sobrou alguns minutinhos para nós no meu sofá, apenas conversando, nada demais.
Pela primeira vez naqueles dias, tive a certeza de que estava apaixonada, eu já sabia antes, obviamente, mas a ficha caiu naquele momento, até escutar ele falando me trazia felicidade.
- Posso te contar um segredo? - Sussurrei.
- Adoraria que me contasse. - Respondeu, também sussurrando.
Cheguei bem perto dele, verifiquei a escada e os arredores, ninguém. Eu me sentia segura com toda aquela segurança que ele transmitia, por isso não fiquei tímida na hora de falar.
- Estou apaixonada por você.
Ele sorriu no mesmo momento, desviou os olhos por um segundo e me encarou de novo, super bobo, acho que ele não estava esperando, era a primeira vez que eu falava.
- Eu... - Riu baixo, tocando meu ombro sutilmente. - Por que deixa para dizer essas coisas justo quando a casa está cheia de gente? - Foi a minha vez de rir.
- Achei importante deixar sair o que sinto agora.
- Fez muito bem. - Sorriu com os lábios. - É mútuo, só para você saber. - Sorri grande, me encostando no sofá, e ele se aproximou mais. - Deixa eu te dar um beijo e mostrar minha paixão por você? - Perguntou baixinho, e eu só soube assentir.
Os lábios dele tocaram os meus sutilmente, bem calmo, a mão dele apoiando meu rosto e a outra na minha cintura, meio esmagada entre meu corpo e o sofá, mas foi ótimo. Nada mais era audível além da nossa respiração e nosso beijo calmo, vez ou outra dando um estalo típico, prova de que estava sendo ótimo. Não sei qual seria a opinião dos outros, mas beijos terminando em selinhos deveriam ser considerados a oitava maravilha do mundo.
Ficamos nos encarando, mas o puxei mais uma vez para um beijo. Pela primeira vez vi sentido no rumo que minha vida estava tomando, queria ir com ele até onde o destino me permitisse, e podia ser muito bem a paixão falando, mas nunca me senti tão vida.
Tudo com ele era simples, e foi maravilhoso sentir isso. Pela primeira vez não senti medo de me jogar, a vida inteira estive em um penhasco, me mantendo de pé, com medo, "Kayra, você tem uma filha, não é o tipo de relacionamento que procuro agora", e lá estava eu, no penhasco, pronta para suportar empurrões, mas com o Harry foi como se eu desse um passo a frente e caísse, e no fim, não era ruim, era o passo necessário para uma nova vida.
- Eu queria que você ficasse aqui. - O olhar surpreso sobre mim, mas seguido de um sorriso. - Na verdade, eu queria que estivesse todos os dias aqui.
- Você disse sete meses. - Ele riu, fazendo um carinho na minha bochecha com o polegar. - Não sabe o quanto gosto de ficar com você, sempre, se pudesse nem ia trabalhar. - Rimos baixo, parecia loucura. - Acho que meu coração pode te dizer.
Pegou minha mão, encostando no peito dele, dava para sentir o excesso de velocidade. Mesmo que nosso cérebro comande tudo, o coração e os olhos nos transmitem a verdade, aquilo tudo não era nervosismo, era só a nossa verdade.
Peguei a mão dele e coloquei no meu peito também, e ele sorriu, depositando um beijo suave na minha boca. Sei que parece desesperado, que em tese é muito bobo se apaixonar tão rápido por alguém, mas em dias aprendi que a paixão e o amor não são para ser difíceis, e sim fácil.
Adoro o fato de ser fácil se apaixonar por ele.
Ele me puxou para cima dele, caímos no sofá, ele deitado e eu jogada nele, me derretendo a cada toque. Gostaria de dizer que fizemos mil coisas, mas não, por respeito aos meus pais e pela Bella, não fizemos o que gostaríamos no sofá, primeiro porque qualquer um podia descer e segundo porque era impossível se segurar com ele.
Peguei um cobertor no andar de cima, ele disse que podia ficar mais um pouco. Passamos a noite inteira conversando, nos beijando, pude sentir as mãos dele em muitas partes, e o carinho também, gostava muito do jeito que ele demonstrava o carinho dele, sempre com um toque leve e romântico.
》Romântico
Eu provavelmente precisava contar a ele que se tornou o cara perfeito para mim.
*     *     *
Provavelmente todos já sentiram aquela sensação de "meio acordado/meio dormindo"  você agarra o travesseiro que parece ter o tecido perfeito e o cobertor está macio, mais do que na noite anterior. Você está acordado, mas não abre os olhos, quer sentir aquilo por mais alguns minutinhos, e depois abre os olhos, se espreguiça, mas volta a fechá-los, pensa que não vale a pena sair do paraíso tão cedo logo no fim de semana. É aquela sensação de quando tem certeza de que sua mãe vai bater a porta e te xingar, dizendo que já passou da hora, mas sempre preferimos correr esse risco.
Foi o que aconteceu, ou quase.
Cheguei a abrir os olhos e me espreguiçar, virei na cama, mas meu sorriso sumiu e abri os olhos bruscamente de novo. Estava no quarto, na minha cama, então a não ser que o Harry tivesse me levado até lá e resolvido dormir comigo, tudo bem, o problema é a parte de eu ser sonâmbula em nível extremo.
Levantei da cama, olhando ao redor. A porta do banheiro de abriu, encarei Harry saindo dele, mas estava distraído olhando para o celular, fechou a porta com o pé e parou, ainda encarando a tela. Em questão de segundos, parou e encarou a cama, depois me procurou sutilmente com os olhos e abriu um sorriso.
- Bom dia. - Começou a andar na minha direção. - Estava esperando para usar o banheiro? Podia ter batido, só estava escovando os dentes. - Beijou minha bochecha.
- Não, eu... - Precisava mesmo escovar os dentes. - Como vim parar aqui?
Ele riu, não uma risada longa e animada, era do tipo que cortava um clima e dissesse "é o que está pensando", e era aquele o meu medo.
O que eu fiz? Quebrei alguma coisa? Bati nele? Gritei? Meus pais viram? Assustei a Bella?
Para, Kayra! Só...pare de pensar. Agora.
- Eu te trouxe. - Deitou na cama, me encarando, foi quando percebi que estava usando só uma calça de moletom.
- Eu acordei?
- Não. - Ele estava percebendo meu nervosismo. - Você não fez nada, só caminhou, tremeu e suspirou de medo, aí eu te trouxe.
- Ah, tá. - Fiquei mais aliviada, então voltei para a cama.
- Você matou a Bella de novo? - Engoli em seco.
- Por favor, não fala isso alto, me sinto muito mal. - O encarei. - E não lembro do sonho dessa vez, para mim eu só dormi e acordei agora.
- Eu achei que tinha alguém na casa, acredita? - Riu baixo. - Tipo, além de nós, mas era só você andando pelo corredor, aí eu fui atrás e você ficou parada na lavanderia, tremendo bem assim...
Ele fechou os olhos e tremeu o corpo todo, depois abriu os olhos e me viu o encarando, percebendo que eu desejasse que não tivesse visto aquilo, por mais que não tenha sido tão ruim.
- Eu não me importo.
- Mas eu, sim. - Falei rápido. - Que merda. - Murmurei, levando as mãos aos olhos.
- Nada disso. - Tirou minhas mãos do caminho. - Tudo bem, eu fiquei aqui até você parar de ter medo, acabei dormindo com você, foi bom, eu gosto de dormir com você. - Sorriu doce, com os lábios.
- Não conta para ninguém. - Sussurrei.
- É o nosso segredo. - Piscou um dos olhos. - Bom, até você decidir parar com essa besteira e me deixar contar. - Franzi o cenho, o achando idiota. - Vou contar para todo mundo que você caminha dormindo e diz "Harry, eu te amo, Harry, oh meu Deus, estou apaixonada, Harry. Harry, meu amor"
Ele levou um tapa dos bons no ombro e abriu os olhos, incrédulo, e então me atacou.
Gostaria de dizer que odiei o comentário dele, mas nos rendeu gargalhadas até ele decidir parar de me torturar com cócegas, e precisei controlar o volume do riso para não acordar todos da casa. Ficamos rindo por um tempão, mas acho que ele não percebeu a dimensão da palavra, ou não demonstrou, não dava para dizer se eu o amava, mas com certeza me sentia bem apaixonada.
Ele disse que gostou bastante dos meus pais, até revelou que se sentiu bobo por ter medo, mas eu apenas sorri e disse que era completamente normal, e então perguntei sobre a mãe dele. O brilho nos olhos foi evidente, amava a mãe dele e dava para notar, as informações básicas me fizeram gostar dela de primeira, principalmente por amar crianças, e foi aí que eu o peguei sem nem perguntar, foi evidente que falou de nós para a mãe.
- Sua mãe sabe que você namora? - Ele abriu um sorrisinho besta.
- Eu namoro? - Assenti levemente. - Você finalmente aceita ter insônia comigo, então? - Ri um pouco alto.
- Você nem me fez um pedido romântico, mas acho que se me pedisse agora, te beijaria e aceitaria.
Era óbvio que sim, nem precisava pedir, na verdade, era só me dar um aviso e eu estaria plenamente satisfeita, apaixonada, querendo ele vinte e quatro horas comigo.
Meu coração acelerou quando se inclinou sobre mim, fazendo um carinho maravilhoso na minha coxa, e eu levei minhas mãos às costas dele, massageando levemente, sentindo os músculos a cada movimento.
- Quer ser minha namorada? Hun? - Sussurrou, me dando um selinho.
- Quero muito. - Sussurrei contra a boca dele.
Não pude resistir, deixei ele passar a mão por dentro da minha calcinha e me satisfazer com dois dedos. Quase não aguentei, quando ele percebia que eu ia sussurrar alto demais, me beijava e pedia para eu ficar quieta, ou fazia um som com os lábios contraídos, pedindo silêncio.
Foi tão bom, maravilhoso. Senti ele de todos os jeitos, mesmo que só com dois dedos. Quantos homens na vida fazem isso? Não é tão fácil quanto parece, simplesmente fazer uma mulher gozar com dois dedos, e o fato de ele conseguir com facilidade, me fez pensar que talvez fosse um deus.
A voz dele me atraia toda vez que chamava por mim, ou até quando simplesmente sorria e empurrava os dedos mais fundo, me fazendo gemer bem baixinho, quase inaudível, enquanto ele só sorria, óbvio, estava adorando ter a mão no meio das minhas pernas e ver minhas reações em plena luz, vez ou outra ele até mordia o lábio, mas na maior parte do tempo só sorria ou me beijava.
Ficamos um tempão na cama, depois foi obrigado a levantar e ir ao banheiro, provavelmente lavar a mão e se livrar do cheiro. Foi ótimo, mas tudo tinha consequências depois, tipo o cheiro de sexo, seja lá como ele for, as pessoas sempre sabem.
A melhor parte de tudo era que ele agia com muita naturalidade, deitou novamente e sorriu para mim, beijou meu rosto, minha boca, e simplesmente escondeu o rosto na curva do meu pescoço, fazendo um carinho sutil na minha cintura, enquanto eu mexia no cabelo dele.
- Sua mãe sabe?
Voltei com a questão principal, e ele riu. Me deixou tão desnorteada e de olhos rolando em prazer que só fui lembrar vinte minutos depois de terminarmos.
- Sabe.
Disse simplesmente, tranquilo, respirando devagar, eu sentia parte da barba e da respiração no meu pescoço, ambas fazendo cócegas.
- Ela...você já mostrou alguma foto? - Ele riu, eu não sabia bem como perguntar.
- Sua, sim, da Bella ainda não. - Se aconchegou mais, suspirando. - Falei para ela que era recente, mas não queria mandar sem você deixar, ela é criança, não posso simplesmente fotografar ela e enviar.
- O que ela falou quando viu? - Ele riu, porque não perguntei com animação, e sim com preocupação.
Ele simplesmente pegou o celular, sem desgrudar de mim, inseriu a digital, o vi abrir as mensagens e clicar na mãe dele, demorou algum tempo, eles se falavam bastante, até me surpreendi, e quando encontrou, me entregou o celular.
Ele enviou uma foto minha do Instagram, a mais recente. Eu estava bem na frente de uma cafeteria, a neve havia começado a cair na época e eu estava com roupas de frio, mas sorrindo muito, porque estava prestes a comer bolo, me lembro bem, a Diana disse que deveríamos registrar minha alegria no dia.
Mãe: Ela é linda, filho, nossa
Mãe: Estou impressionada, ela é daí?
Mãe: O nome é esse da foto?
Ele enviou um print, bem descarado, podia ter enviado a foto cortada, mas ou teve preguiça, ou simplesmente não ligou.
Harry: É
Mãe: Significa "princesa" em árabe, que lindo
Harry: Aposto que ela nem sabe disso
Mãe: Eu pesquisei agora
Enviou carinhas de risos em seguida.
Mãe: A quanto tempo estão juntos?
Harry: Desde que cheguei aqui
Mãe: E por que só sei disso agora?
Duas opções, mentiroso ou muito seguro se si. Nesse meio tempo sei que a resposta seria a segunda opção, já que parece odiar mentiras. As mensagens não eram recentes, eram de muitos dias atrás, deveria fazer umas duas semanas que nos conhecíamos quando conversaram.
Em seguida só tinha uma notificação de chamada, fiquei sem saber o que mais falaram de mim. Não olhei as outras mensagens, até queria, mas devolvi o celular, saber que minha sogra me achava linda e que havia procurado pelo significado do meu nome foi demais para mim, fiquei feliz além do normal, minha mente boba começou a escrever um conto de fadas e fugir da realidade de novo.
Depois que dei uma chance a ele, percebi a diferença entre as relações. Às vezes, quando você pensa que gosta muito de uma pessoa e quer ela por perto, se decepciona com o desconforto e constrangimento do silêncio repentino, você se pergunta o que está acontecendo e se é normal se sentir estranho, e antes eu até pensava que era, mas não, descobri com o Harry que o silêncio pode ser confortável, principalmente por ter certeza de que ele estava quase dormindo de novo.
Em outras circunstâncias eu ficava ansiosa, me perguntando se deveria fazer ou falar algo, mas a minha reação foi tão genuína que tive certeza sobre estar com a pessoa certa, mesmo em pouco tempo.
Saí dos pensamentos quando escutei passos vindos do quarto ao lado, reconhecia a Bella pelo barulho e pela corridinha. Vez ou outra, ela ia para o meu quarto só para dormir de novo. Empurrou a porta, fechou e correu até a cama, pensando que eu estava dormindo, mas vi o cabelo despenteado dela antes mesmo de levantar o rosto e esticar os braços para tentar subir na cama.
Pensei que ele estivesse quase dormindo, mas levantou levemente com o meu movimento. A peguei rápido e coloquei na cama.
Como ele já havia percebido, a Bella não era muito de interagir de manhã, se fosse em outro horário ela provavelmente estaria impressionada por vê-lo ali, mas só deitou ao meu lado, virou o corpo e fechou os olhos, como se a cama fosse todinha dela.
Escutei a risada dele, bem baixa, e voltou a deitar ao meu lado, de bruços na cama, super confortável.
Depois que conclui a minha falta de sono, levantei, deixei ela na cama e fui para o banheiro, tinha pelo menos uns quarenta minutos para tomar banho, até a Bella acordar e dizer que estava com fome. É assim que as mães se viram, com o mínimo de tempo até precisar atender os bebês de novo, quarenta minutos pode ser muito para quem não sabe o que é isso, pode ser até tempo demais para alguém que precisa se arrumar rápido para sair, mas para mim, quarenta minutos eram como quatro minutos.
A minha parte favorita de ter um namorado é essa, sei que ele vai estar cuidando dela caso acorde, e sei que vai bater na porta do banheiro avisando que vai descer e preparar a comida para a Bella, por isso, pela primeira vez, tomei banho sem monitorar o tempo.
Penteei meu cabelo molhado, passei meu perfume bem de leve e limpei meu rosto, abri a porta sutilmente e olhei na direção deles, não me viram, minha bebê estava ocupada demais avaliando as tatuagens dele.
- Dois passarinhos. - Ele sorriu. - Uma borleta!
Ele riu, concordando, ela parecia fascinada com o desenho de borboleta no tronco dele.
- É, uma borleta. - Imitou a fala dela.
- Você desenhou?
- Um amigo fez para mim.
- E...e aí sai com a água? É de caneta que seu amigo fez? - Ele riu, negando com a cabeça.
- Não, essa é para sempre, não sai com água. - Explicou, deixando ela tocar nas tatuagens do braço. - Se chama tatuagem.
- Tatuagem? - Assentiu, e ela continuava olhando e passando a mão. - E eu também quero uma tatuagem, Harry. - Ele riu. - Faz uma em mim?
Ele não riu, mas sorriu de um jeito que pareceu querer rir dela. Ao invés disso, tentou arrumar o cabelo bagunçado dela e se ajeitou no travesseiro.
- Você só pode fazer quando tiver dezoito anos. - Aposto que ela fez uma carinha triste, porque ele riu. - E se a sua mãe deixar, é claro.
- E dezoito anos demora?
- Um pouquinho, pode ser que até lá você nem queira mais uma tatuagem.
- Eu vou sim, Harry, igual essa. - Tocou na barriga dele.
- A borleta? - Perguntou, e ela riu.
- É.
Depois disso eu quis chorar de alegria e por sentir tanta fofura, ela simplesmente pulou por cima dele, e mesmo gemendo com um pouquinho de dor e surpresa, a pegou com os braços. Fingi que estava saindo do banheiro, não queria que soubesse sobre a minha espionagem.
Abriu um sorriso quando me viu, piscando um dos olhos, mas não fui até a cama, peguei outra toalha na cadeira da minha penteadeira e comecei a secar os cabelos um pouquinho melhor, eu gostava mais de deixar ao natural, usava o secador às vezes, quando tinha tempo.
Ele sussurrou algo para ela, provavelmente que eu estava ali, porque virou o rosto e sorriu.
- Mãe, o Harry tem uma tatuagem! - Abri mais os olhos, fingindo surpresa.
- É mesmo? - Assentiu. - Onde é a tatuagem dele? - Cheguei perto da cama, assistindo ela mostrar.
- No braço, olha mãe, tem um montão. - Rimos, e eu prestei atenção. - E passarinho, e...olha mãe, tem uma borleta aqui. - Apontou, me fazendo rir. - É seu bichinho favorito, mãe.
- É sim, eu adoro borboletas. - Sorri para ela.
Ele me encarou com um sorriso nos lábios, provavelmente constatando o motivo de eu gostar tanto daquela em especial.
Segundos depois da conversa produtiva, ela ficou de pé na cama e correu em minha direção, nem precisou esticar os braços direito para eu pegá-la.
- Perdeu uma meia? - Encarei os pés dela, um com meia e outro sem. - Como perde tantas meias? - Perguntei entre risos, tirando a meia do pé dela.
Vi o movimento da cama, ele sabia que eu estava prestes a descer, então vestiu rápido a camiseta e abriu a porta para mim. Aquele era o visual que eu mais gostava nele, calça de moletom, camiseta e meias, estava em casa, e lindo, essa era a melhor parte.
Arrumei o cabelo dela enquanto comia algo, era um dos únicos momentos que ficava quieta o suficiente, depois trocamos de roupa, e assim começaria nosso longo domingo.
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amantedosfandons · 2 years ago
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15 • A partir de agora
Seria mais fácil se ele não fizesse todas as vontades dela, mas eu até entendia, era um lugar diferente e ela estava cheia de perguntas, tanto que não queria dormir.
Tentamos deixar ela no outro quarto, mas se recusou, ficou nos indagando sobre dormir juntos, e se eu também tinha um quarto separado e queria saber o motivo de não poder dormir comigo. Ele teve muita paciência explicando para ela que só tinha dois quartos, e quando ela revelou que estava com medo de dormir sozinha, nos entre olhamos e ele disse que tudo bem se nós três ficássemos juntos.
Ele alegou a ela que teria duas pessoas protegendo ela, por isso todos estaríamos na cama, e ela acreditou, obviamente.
Ele deixou a luz do abajur dele ligada, eu desliguei a minha, precisava mesmo dormir. A Bella não parecia querer, se virou para ele, que sorriu, e bastou para ela pensar que também queria conversar, e como me viu de olhos fechados antes de virar, tomou como sinal que eu estava dormindo, mas, na verdade, estava acordada, escutando tudo.
- Harry, essa é a sua barba? - Tocou no bigode dele, ralo, mas perceptível.
- É, sim. - Sorriu, com os lábios.
- O meu pai também tem. - Ele arqueou as sobrancelhas, assentindo. - O seu olho é verde, não é? E o meu é azul.
- É, os seus são bem azuis.
- É o do meu pai também. - Ele assentiu, com sono, mas dando atenção para ela. - E o meu cabelo é do meu pai também.
Ele murmurou um "aham", tocando no cabelo dela, que voltou a tocar na barba, mas na bochecha, esfregando a mão pequena no rosto dele.
- Harry, você quer ir dormir? - Sussurrou, e ele riu.
- Mais ou menos. - Deu de ombros.
- Harry? - Ele abriu os olhos. - Minha mamãe é namorada sua agora?
Ele abriu mais os olhos, sem entender de onde ela tinha tirado isso, e meu coração acelerou, abri os olhos instintivamente, e o encarei, mas ele estava olhando para ela.
- Quem te disse isso?
- E você beijou ela na boca hoje. - Ele Franziu o cenho.
- Não beijei, não...
Beijou, ele me deu um selinho na cozinha e ela chegou bem na hora, pensamos que não tivesse visto, mas erramos feio. Irresponsabilidade minha, agora ela estava confusa e a culpa era minha.
- Eu vi, Harry. - Ela riu. - Foi aqui. - Tocou na boca dele, que continuava apavorado. - Harry, e o meu pai também namora, e agora ela é minha amiga, ele disse. - Ele assentiu devagar.
- Ainda não sou namorado da sua mãe. - Ela se encolheu, ficou quieta, sem dizer nada por um tempão. - Você queria que eu fosse? - Ela assentiu devagar, me deixando em choque. - E se for outro homem?
- Não. - Ele riu.
- Só eu posso? - Assentiu. - Então...posso te contar um segredo?
- Pode. - Sussurrou, chegando mais perto dele.
- Vou pedir para a sua mãe ser minha namorada antes de outra pessoa pedir, aí eu vou ser o namorado, entendeu? - Assentiu. - Você acha que ela vai aceitar?
- Sim...e, eu vou pedir para ela, tá bom? - Ele riu um pouco alto.
- Vai pedir para ela aceitar?
- Sim. - Ela estava séria, como se fosse um segredo. - E, Harry, você é meu pai? E aí você mora lá na minha casa comigo?
Ele encarou ela, um pouco sério, na mente dela, se ele morasse na nossa casa, seria o pai, porque todos os papais e mamães moram juntos. Se inclinou para beijar a testa dela, e foi quando me viu acordada, de olhos bem abertos, analisando os dois.
Voltou a encarar ela, que provavelmente estava com os olhos bem abertos.
- Princesa, seu pai sempre vai ser o Justin, mesmo que eu more com você um dia, entendeu? - Ela não assentiu, mas ele continuou. - Gosto muito de você e da sua mãe, sou seu amigo, vou cuidar de você como se fosse minha filha, e no fim das contas, você vai ter dois papais.
- Dois? - Ele assentiu.
- Sim, o Justin, que é seu pai, e eu, que cuido de você e da sua mãe, sempre. Sou um...padrasto. - Explicou, e ela o tocou na bochecha, esfregando a mão na barba.
- Um...um drasto? - Se enrolou nas palavras, o fazendo rir. - Que é isso? - Ele riu mais ainda.
- É como se fosse um pai, ele faz as mesmas coisas, mas sempre vai ter seu pai, o Justin, nós dois podemos cuidar de você juntos.
- E a Hanna é um drasto também? - Ele riu.
- É uma madrasta.
- Mas e ela não é minha mãe.
- Não, e nem eu seu pai, mas cuidamos de você mesmo assim, você entende? - Finalmente assentiu. - E agora, mocinha, depois de tantas perguntas, acho que você quer dormir, não quer?
- Não. - Ela riu, e ele cerrou os olhos.
- Sim, já está na hora, como vai ir para a creche se não dormir?
Ela não disse nada, só se aconchegou nele, perdi meu espaço no peitoral dele para uma garota de quase três anos, mas foi bom, ele piscou um dos olhos para mim, sorrindo. Me aproximei, apoiei minha mão no rosto dele e o beijei silenciosamente.
*     *     *
Acordamos juntos, um pouco mais cedo que o normal, então a deixamos dormindo mais um pouco, acordar cedo nunca foi o forte dela.
- Acho que agora que já tenho a aprovação da Bella...
- Falta a dos meus pais. - O interrompi, e cerrou os olhos.
- Você já é minha muito antes disso. - Sussurrou, próximo de mim.
- Você é possessivo...
- Sou. - Concordou no mesmo momento. - Mas não do tipo "veste outra coisa, sua saia está curta demais", e sim do tipo "se levantar a voz para a minha mulher de novo, eu te mato", há uma diferença. - Deu de ombros.
- Então se eu vestir uma coisa super curta, não vai ligar? - O desafiei, não acreditando.
- Vou querer que vista a mais curta que tiver.
- Por que?
- Porque eu amo te exibir para os outros, imagine a cara das pessoas quando virem você em um vestidinho ao meu lado. - Fechou os olhos, suspirando dramaticamente. - Os caras pensariam "A gostosa tem dono, afinal" - Eu ri alto.
- Você é maluco. - Constatei. - Não sei o que viu em mim, porque sinceramente...
- Eu acho muito sexy você ser independente. - O encarei, ele bebia o café calmamente. - Você trabalha, é inteligente, linda, sustenta sua casa e sua filha, tem sua profissão e seu status de profissionalismo intactos. É sexy para cacete. - Ri baixo.
- Obrigada. - Murmurei.
Ficamos quietos por um tempinho, mas ele estava cantarolando enquanto preparava uma torrada, não perguntei, mas imaginei que fosse para a Bella, já que já havia comido a dele, metade da minha, bebido café e ainda acabado com os ovos mexidos. Ele disse que odiava iogurte, então perguntei por que tinha tantos na geladeira dele, e simplesmente disse que comprou pensando que a bella gostaria, por sorte, ela amava.
- Vou acordar ela.
- Aham. - Murmurou, mastigando um biscoito. - Vou me arrumar, já deveria ter saído. - Beijou meu rosto e foi em direção ao quarto.
Eu estava semi pronta, escolhi uma calça azul, o tecido era de moletom, mas ela não se parecia nada com uma calça simples de moletom, ganhei de aniversário da minha mãe e servia muito como um uniforme formal para trabalhar. Vesti meu casaco de couro que o próprio Harry havia me dado de presente, e um tênis, que nem aparecia direito pela calça escondê-lo.
Era sempre a mesma coisa, ela choramingava para acordar, levava pelo menos uns dez minutos até resolver levantar e escovar os dentes. Ela sabia fazer sozinha, mas eu mesma escovava para ela de manhã, às vezes ela permanecia com os olhos fechados, mas naquele dia estava com um semblante irritado, e eu já estava acostumada.
A sentei em uma das banquetes, sempre perto, estava mais dormindo que acordada, fiquei com medo de que caísse. Por sorte decidiu colaborar e comer, tinha uns dias que ela brigava, fazia cara feia e dizia que não ia comer.
Toda mãe quando sai de casa, sai preparada, eu já tinha feito a lancheira dela uma noite antes, estava na geladeira dele, também tinha as roupas dela e tudo que precisava para ir à escola, e eu tudo que precisava para ir trabalhar.
Ele ficou ajudando ela a comer enquanto eu tirava as coisas dela da geladeira, pegava minha bolsa e arrumava tudo, mas mesmo que eu soubesse que estava segura, meu olhar sempre batia nela.
- Não estava atrasado?
- Estou. - Me corrigiu, sorrindo, mas a Bella não tinha bom humor nem para ele. - Mas vou sair com vocês, um minuto a mais ou a menos não faz diferença agora. - Passou a mão pelo cabelo.
A minha opinião até aquele momento estava sendo boa, sobre tudo, sobre os meus sentimentos, sobre o novo relacionamento, sobre ele e sobre a Bella, tudo indo muito bem, e eu sabia que a pequena estava adquirindo um carinho enorme por ele, provavelmente pela paciência e demonstração de interesse quanto a ela.
Saímos juntos, ele fechou a porta e a trancou, depois me ajudou a colocar ela e as outras coisas no carro, me deu dois selinhos rápidos e disse que me mandaria mensagem mais tarde.
Pensei que a Bel faria alguma pergunta sobre nós em vista da conversa deles na noite passada, mas ela não estava nada bem, o humor matinal dela sempre parecia ruim, talvez explicasse a falta de palavras dela.
- Não saia com estranhos, só com a mamãe, combinado? - Assentiu. - Eu te amo. - Sussurrei, e beijei o rosto dela.
- Te amo. - Murmurou, meio sem ânimo, mas com um sorrisinho pequeno.
- Se divirta muito hoje, tá bom? - Assentiu.
Entrei na escola e a deixei na sala, dei tchau para ela e avisei a professora que iria buscar ela às cinco de novo, estávamos fazendo três vezes por semana, a pequena ainda estava estranhando a mudança de horários, já que algumas crianças iam para casa e ela não.
Meus dias de escritório eram bons, na verdade, eu não precisava sair para vistas se não quisesse, esse trabalho é geralmente dos outros conselheiros, não dos chefes, que têm seus próprios escritórios e só mandam o trabalho pelos outros. Talvez fosse o motivo do reitor gostar tanto de mim, sabia que eu preferia ver com meus próprios olhos.
Apollo, por exemplo, nunca havia ido à nenhuma casa cujos pais tinham os filhos desaparecidos, e nem na época que as crianças eram encaminhadas para abrigos por conta dos pais irresponsáveis, ele sempre mandava alguém quando podia, a não ser nos últimos dias, com todos os atentados acontecendo.
- A situação é grave. - Falei para ele. - Já tivemos três denúncias sobre eles, não dá para deixar a garota lá.
- Ela faz dezoito em cinco meses. - Apollo me encarou.
- E só por isso ela precisa ficar mais cinco meses sofrendo? - Escutei o suspirar dele. - Se ela for para um abrigo, vai receber ajuda depois que for maior de idade, eles podem cobrir uns três meses de aluguel dos quartos deles até ela arranjar um emprego, estudar...
- Você foi ver?
- Fui. - Assenti rápido. - Ela não vai ter nenhuma oportunidade se não sair de lá.
- Por que está me pedindo isso? Não faço mais parte dessas responsabilidades.
- Porque você tem mais influência. - Na verdade, a resposta certa seria "porque você é homem e tem mais respeito". - Estou no cargo a menos de dois, talvez se eu tiver alguém ao meu lado, seja mais fácil. - Dei de ombros. - E ela ainda é menor, é a nossa responsabilidade.
- Você quer que eu assine a petição?
Assinto, entregando o papel para ele, que sorriu quando percebeu que eu já tinha ele preparado, me encarou de novo, com um sorriso.
- Ainda está saindo com o delegado?
- O que isso tem a ver? - Ele percebeu a irritação na minha voz.
- Ora, ele é da polícia, talvez uma petição com o nome dele assinado seja mais influente que a minha. - Deu de ombros.
- Você está se recusando a me ajudar só porque estou saindo com outro homem?
- O que? - Riu. - Não! Eu nunca faria isso, só quero que a garota tenha um final feliz. - Arrastou a folha de volta para mim. - Apesar de que...não consigo parar de pensar nas possibilidades que teríamos tido se eu não fosse tão idiota.
Fiquei encarando ele, sem acreditar no flerte velado, peguei a folha de volta, bruscamente.
- O Harry vai adorar assinar quando eu falar sobre o caso. - Levantei da cadeira.
- Kay, qual é? Eu não falei por mal.
- Nunca é por mal, vocês homens são nojentos.
- Nós homens. - Riu, e o encarei de novo. - Você acha que não sei qual a sua? - Fiquei perplexa, enquanto ele mantinha o semblante sério. - Nunca se envolve com ninguém, a coitadinha da mãe solteira, que dó. - Estava em choque com as palavras. - O delegado aparece e você é a primeira a ir para a cama com ele, para que? Aposto que para ser reitora, você dá chances a caras que podem elevar seu nível, é uma interesseira, óbvio que não dava chances para ninguém daqui, é esperta, você usa as pessoas...
- De onde tirou isso? - O olhei de cima a baixo.
- Eu não precioso escutar ninguém para enxergar o óbvio, ninguém é burro. - Ele elevou a voz. - Todo mundo aqui sabe o que é ser uma puta com estilo, graças a você.
Fiquei em choque, realmente apavorada com as palavras dele, nunca pensei escutar isso de alguém, ninguém nunca me tratou com tanto desrespeito igual ele. Nunca me senti tão aliviada por não ter dado chances a alguém.
- Vai se arrepender de ter falado assim comigo. - Falei séria, e simplesmente saí.
Estava chateada, abalada, mas não ia mostrar para ele, para ninguém, por isso não fechei as persianas do meu escritório, apenas sentei no meu lugar e peguei o telefone da sala, ia ligar para a delegacia.
A recepção atendeu, pedi para falar com o delegado, obviamente precisei me identificar, o homem pediu para eu esperar, provavelmente o informaria sobre quem era, e em menos de três minutos eu já estava na linha com ele.
- Eu sabia que não ia aguentar de saudade, estava apostando comigo mesmo. - Rolei os olhos e sorri.
- Você tem um carimbo com sua identificação, certo? Tipo, seu nome e o seu cargo em baixo. - Eu mesmo tinha um.
- Sim, por que?
- Será que você podia vir aqui e trazer ele? - Ele riu alto. - Se você tiver tempo...
- Não tenho, mas se for para te ajudar, eu arranjo. - Sorri, me sentindo idiota pela reação. - É sobre um caso seu?
- É, na verdade.
- Tudo bem, estou indo. - Escutei a movimentação dele. - E com um carimbo, não se preocupe. - Rimos baixo.
Fiquei olhando para a folha, tentando deixar de lado o que meu colega de trabalho disse. É incrível como as pessoas deduzem coisas e te julgam de graça, como se meus medos não existissem, óbvio que não ia sair com qualquer um, tinha uma criança na minha casa, a minha fase de sexo sem compromisso já havia passado, e nunca vi muito sentido em me envolver com alguém só por uma noite.
Fui julgada por ser eu mesma e xingada por simplesmente me livrar de uma insegurança e finalmente me entregar a alguém. A vida sempre foi muito injusta, mas foi a primeira vez que presenciei algo tão horrível.
Os pensamentos foram tantos, que nem vi quando chegou, só percebi quando simplesmente abriu a porta e entrou.
O engraçado sobre ele era que mesmo pela manhã tinha um sorriso grande no rosto, sempre animado, até em casa, literalmente cantarolava enquanto preparava um café.
- Sobre o que é? - Nem mesmo me deu oi. - Abuso? Espancamento...
- É uma garota. - Informei, acenando para ele em seguida, que sorriu e se acalmou um pouco. - Ela tem dezessete anos, vai fazer dezoito daqui a cinco meses, mas ela está sofrendo nas mãos dos pais, não vai ter futuro se ficar na casa.
- E você pretende?
- Mandar ela para um dos nossos abrigos, depois que ela for maior, nós pagamos uma estadia para ela em alguns prédios que temos convênio, são três meses até ela arranjar um emprego e começar a estudar, tem mais futuro do que se ficar na casa, mas ela já vai ser maior, então...
- Mas ainda é menor, ainda pode ajudar.
Sorri ao escutar, duas pessoas completamente diferentes.
- É, foi isso que pensei, mas se você assinasse a petição também, talvez teria mais força quando chegasse até o reitor, não tenho muitas influências aqui. - Dei de ombros.
- Claro, onde eu assino?
Fiquei em choque com a diferença de tratamento dele, uma pessoa que me conhece a pouco mais de dois mês, ou nem isso, e de uma pessoa que me conhece a anos.
Arrastei o papel e apontei para o local onde deveria assinar, bem perto da minha, e depois tirou o carimbo do bolso e o pressionou em cima da assinatura em caneta azul.
Peguei o papel, fiquei encarando por um tempo. Era só o Apollo ter assinado, colaborado com quem precisa, todos sabem o quanto é burocrático fazer uma petição, até enviarem alguém já se foram uns três dias.
- Tudo bem? - Ele me tirou dos devaneios.
- Sim. - Sorri com os lábios.
Ele ficou me encarando, olhando não só para o meu rosto, mas para o meu corpo inteiro, franzi o cenho, soltei a folha e fiquei analisando o jeito que ele estava me encarando.
- Está me analisando?
- Óbvio. - Sussurrou.
- Para que?
- Saber se está mentindo.
- E a sua conclusão foi que?
- Você está. - Sorriu. - Mexeu no cabelo, largou rápido a folha, juntou e separou as mãos duas vezes em segundos. - Nem eu mesma havia percebido tantos gestos. - Te ensino leitura corporal em casa, agora quero saber por que está nervosa.
- Não estou...
- Está, quem te deixou assim?
- Ninguém.
- Tá. - Riu. - Quem foi o infeliz?
- Por que acha que alguém fez isso?
- Por que você podia ter pedido para qualquer pessoa assinar, você tem amigos aqui, mas pediu para mim, e enquanto explicava, sua voz baixou, como se estivesse suplicando e pensando que eu diria não. - Puta Merda. - Alguém aqui te chateou, não teria me chamado, você não gosta que eu venha.
- Eu gosto...
- Mas evita, quer separ o relacionamento do trabalho, e não está errado, então, para ter me chamado, algo aconteceu. - Se inclinou. - Quem te chateou?
- Como você chega a todas essas conclusões? - Ele sorriu, dando de ombros, como se fosse modesto.
- Anos de cursos e treinamentos, e já interroguei pessoas o suficiente para aprender. - Suspirou. - Agora, quem te deixou assim?
- Às vezes eu odeio o jeito que é espeto e inteligente. - Sorriu, piscando um dos olhos.
- Odeia nada. - Sussurrou. - Me conte quem te chateou, não quer conversar sobre isso?
- Não foi nada. - Eu não ia entregar o Apollo, não depois de ele ter dito que mataria quem levantasse a voz para mim. - Só coisa de trabalho.
- Uma discussãozinha de trabalho? - O encarei, sem dizer nada. - Sabia que você não é obrigada a escutar coisas desagradáveis e passar por isso sozinha? Tem coisas que nos deixam tristes mesmo sendo pequenas.
Fiquei pensando no que ele disse, encarando uma folha qualquer, dobrando a pontinha, pensando se ser chamada de puta no ambiente de trabalho era algo pequeno ou não. Óbvio que não.
- O Apollo ficou meio chateado por eu estar saindo com você. - Ele Enrijesseu a postura. - Acho que ele não gostou muito.
- O que ele disse? - A voz dele ficou fria de repente.
- Ele... - Suspirei, com medo dos capítulos seguintes. - Ele disse que sou uma interesseira e uma puta com estilo. - Engoli em seco, sem encarar ele.
- Ele disse isso? - Assenti, sem olhar para ele. - Te chamou de puta só porque escolheu um cara que não é ele? - O encarei finalmente.
Ele riu, literalmente, tamborilando os dedos na mesa, sorrindo sarcasticamente, negando com a cabeça, como se não acreditasse no que havia escutado.
Encarou a petição na mesa, a pegou e levantou de repente.
- Harry. - Me encarou. - Pelo amor de Deus...
- Só uma visita ao seu reitor, vou resolver essa questão para você. - Sorriu, e saiu em seguida.
Fiquei com medo do semblante dele, não entendi se ao dizer que resolveria minha questão tinha a ver com a petição ou com o Apollo, ou com os dois.
Senti o maior alívio de todos quando percebi que havia passado reto pela sala dele, pelo menos não estava tomando medidas drásticas, porque se quisesse encher Apollo de socos, tenho certeza de que ganharia fácil do ruivo, era maior em questão de músculos, qualquer um perceberia de longe.
A manhã passou, Harry só enviou uma mensagem dizendo que estava indo resolver alguma coisa e me desejou um ótimo dia, perguntei se ele fez algo, mas não respondeu minha mensagem, se quer visualizou.
Fui almoçar com a Diana, ela estava me contando algo sobre o fim de semana, estava saindo com uma garota, na verdade, duas, o coração dela estava divido entre uma graduanda em direito e uma mulher do abrigo, eu mesma me perdia nos nomes, cada dia era uma.
Mandei uma mensagem para ele de novo, estava esperando por uma resposta, foi um  simples "Oi", nada de pressão, apesar de eu querer muito saber o que havia feito.
Duas e meia da tarde, estava verificando algo no notebook quando vi o reitor passar pela minha sala, reto. Meu coração acelerou na mesma hora, virei o rosto, tentando não prestar atenção.
Sejamos francos, todos temos receio do que pode vir a seguir quando o chefe aparece, o nervosismo surge mesmo que você não esteja devendo nada a ele ou aos outros, mesmo que faça um bom trabalho, eu devia respeito ao Roger, mas ainda tinha um pouco de receio.
O mais engraçado de tudo foi pensar nele, sempre animado, nunca me chamou atenção porque nunca precisou, na verdade, já tive minhas conversas informais com ele, e mesmo assim, toda vez que aparecia era um ansiedade diferente.
Quarenta minutos depois, bateu a minha porta, mesmo sendo o diretor ainda pedia para entrar, como se eu fosse dizer não a ele.
- Olá. - Sorriu grande, sentando na cadeira a frente.
- Oi. - Tentei ficar o mais calma possível.
- Fiquei sabendo da sua petição. - Só fui perceber a folha com ele depois. - Acho muito boa a sua ideia, mesmo que ela vá ser maior daqui a alguns meses, não ajuda só ela, mas a nossa imagem também.
- Ah, eu fico grata, apesar de difícil, acho que ela vai ter mais futuro...
- Claro. - Dava para ver que ia falar mais alguma coisa. - Fico feliz com o seu desempenho aqui, sinto muito se outras pessoas veem sua subida esperando pelo seu fracasso, e também sinto em dizer que vai passar muito por isso. - Eu sempre esperava pelo pior, então só assenti. - Gosto que você e o novo delegado se deem tão bem, ele é um bom, tem tido um ótimo desempenho, nenhum homem gosta de saber que sua mulher está sendo maltratada.
Meu Deus, o que foi que ele disse?
- Eu...eu não...
- E eu também sinto muito, e sei como é, a minha Hester também sofreu muito com isso, mão gostaria que se repetisse. - Levantou, formalmente. - Sinto muito, e só para saber, sua petição está aceita. - Levantei no mesmo momento.
- Obrigada. - Estendi a mão e ele a apertou. - Por todo o apoio, não só com a petição. - Ele só assentiu em resposta.
Depois saiu da minha sala, com a folha na mão, fiquei parada, assistindo ele se mover para longe. Depois encarei a sala do Apollo, só dava para ver metade dela, mas pude enxergar ele lá dentro, movendo algumas coisas para uma caixa.
Arregalei os olhos, não dava para acreditar que Harry o fez ser demitido. Corri até a sala da Diana, ela era fofoqueira o suficiente para saber o que estava acontecendo. Não estava lá, mas assim que me virei esbarrei com alguém.
Diana, com cara de apavorada, me encarando.
- Ficou sabendo?
- Não. O que? - Falei rápido, a apavorando, eu nunca ia atrás de fofocas.
- Apollo foi rebaixado, vai ir trabalhar nos abrigos e o Simon vai ficar no lugar dele. - Arregalei os olhos, e ela percebeu. - Pois é. - Me deu um tapinha no braço.
- Mas por que? - Me fiz de desentendida.
- Ninguém sabe, o reitor só apareceu aqui e ele começou a arrumar caixas, o Simon está todo feliz arrumando as dele para se mudar de escritório. - Deu de ombros. - E o pior nem é isso. - Chegou perto, frase típica de um fofoqueiro. - Foi coisa grande, para ele sair assim não é qualquer coisa.
- Pois é. - Repeti a frase dela. - Pensei que tivesse sido demitido, estava arrumando tudo.
- Para ser desligado daqui só uma coisa muito maior acontecendo. - Falou como se entendesse do caso todo.
Fiquei conversando com ela por um tempinho, depois voltei para a minha sala, não queria dar de cara com ele de novo, seria melhor se fosse sem me ver.
Em meio a um trabalho e outro, fiquei respondendo o Justin, queria levar a Bella para passear, mas simplesmente não tive vontade que ela saísse na terça, disse a ele que seria melhor na quinta, e por ele, tudo bem.
Estava desconfiada de que minha mãe estava para me visitar no fim de semana, quando ela começava a me perguntar se estava precisando de algo, era mais do que óbvio que chegaria cheia de coisas, como se fosse uma ONG de doações.
Não sabia se deveria agradecer o Harry ou não, me senti mal por ter gostado do rebaixamento do Apollo, o que ele fez foi horrível, mas nunca precisei torcer para a queda de ninguém, parecia injusto e patético ao mesmo tempo.
Só sei que fui para casa perplexa, busquei a Bella primeiro, sempre que me via na porta saia correndo, ela mesma abria muitas vezes, animada por estar indo para casa, todas as professoras achavam uma graça. Ela ia correndo na minha frente, reconhecia o carro, chegava a subir sozinha nele, mas eu sempre a ajudava a entrar, colocava o cinto nela, bem apoiado na cadeirinha, e então ligava uma música.
- Wanna be yours. - Ela praticamente gritava, me fazendo rir. - Mãe, porque ele quer ser um café? Esse homem. - Ri alto, parando no semáforo.
- Esse homem é o Alex Turner, sou fã dele, é o meu cantor preferido. - A Informei. - Na música ele só quer completar o amor dele, entende?
- Quem é fã, mãe?
- Fã é quem gosta muito de alguém. Quem é seu cantor ou cantora favorito?
- É...é a little pony. - Levantou as mãos, falando alto.
- Então você é fã dela, entendeu? - Vi ela assentir pelo espelho.
Quando chegamos em casa, praticamente pulou do carro, ficou esperando eu abrir a porta, se jogou no sofá, estava esperando a mamadeira, muito espertinha. Como todas as mães sabem, sempre somos preparadas, era só esquentar no micro-ondas, já estava pronto na geladeira, cinco minutos depois entreguei a ela, que já sabia que eu ia entregar e ela, por isso já estava deitada em cima de uma almofada.
Liguei a televisão em algum canal que estivesse passando algo leve, não desenhos porque eu já estava enjoada da pequena pônei, só não falava em voz alta para ela não se chatear.
Suspirei, e mandei outra mensagem para o Harry.
Kay: Obrigada
Ainda não sabia se era certo gostar da queda do Apollo, mas o agradeci.
》Protetor
E esse adjetivo nem estava na minha lista para o cara perfeito.
Ele não me respondeu, mas me ligou em seguida.
- Oi. - Joguei as pernas para o sofá, verificando a Bella ao meu lado.
- Oi. - Dava para sentir a hesitação na voz dele. - Pelo o que foi o agradecimento?
- Acho que você sabe. - Ele riu. - O que você disse para conseguir que ele fosse rebaixado de cargo?
- Dizer que uma mulher merece respeito foi o suficiente. - Levantei uma das sobrancelhas, não acreditando muito que tenha sido apenas isso. - Já chegou em casa?
- Já. - Me aconcheguei mais nas almofadas.
- Na sua casa, ou na minha hoje?
Ele não ia desistir de dormir comigo todos os dias, insistente que só, disse que dormiria no sofá se fosse preciso.
- Vou arrumar o sofá para você, pode ser? - Escutei a risada baixa dele.
- Pode, mesmo que eu saiba que você jamais resistiria em dormir comigo.
- Eu nem gosto tanto. - Rolei os olhos.
- Não, só desmaia e fica tão tranquila que nem o terror noturno te atormenta. - Não era uma mentira, mas não totalmente verdade, podia acontecer um dia.
- O que posso fazer se me sinto segura com você?
- Não diz isso, amorzinho, não estou aí para te dar um beijo agora. - Segurei o riso. - E a Bella?
- Mamazinho. - Sussurrei, e ele riu.
- Deixa eu falar com ela?
- Bel? - Ela me olhou com a mamadeira ainda na boca. - Você quer falar com o Harry?
- Sim, mãe. - Praticamente levantou no sofá, levando as mãos as minhas pernas.
Coloquei no viva-voz e entreguei o celular para ela, assenti, indicando que podia falar, fiquei com o trabalho de segurar a mamadeira.
- Oi, Harry. - Aproximou a boca do celular, e falou alto.
- Filha, não precisa gritar, ele te escuta. - Enquanto isso ele só ria.
- Oi, princesa. - Ela sorriu para o celular. - Eu queria saber se posso ir na sua casa hoje.
- Pode, eu deixo. - Rimos alto, a risada dele era bem audível.
- Eu posso te contar um segredo?
- Pode. - Falou mais baixo, mas mesmo assim aproximou o celular da boca.
- Comprei uma coisa para você. - Ela abriu a boca e soltou um suspiro de surpresa.
- Mãe, pode perguntar se é de presente? - Ri alto, e ele escutou o sussurro, porque riu também.
- Pode. - Assenti entre risos.
- Harry, é de presente?
- Sim, é uma surpresa para você.
- É agora, Harry? Que você vem?
- Daqui a pouco, linda, eu chego em alguns mimutos, tudo bem?
- É de pouquinho tempo? - Parecia ansiosa.
- É. - Ele riu. - Prometo não demorar.
- Tá bom, e...a minha mãe vai me dar banho para a surpresa. - Avisou, nos fazendo rir de novo. - Tchau, Harry.
- Oh, tchau. - Ele riu. Me entregou o telefone.
- Acho que ela ficou ansiosa. - A vi pegar a mamadeira de volta e sair do sofá. - Você vem que horas?
- Perto das oito, pode ser?
- Pode. - Levantei, ela estava me puxando. - Te vejo depois.
- Até.
Ela estava insistindo em tomar banho. Antigamente ela odiava tomar banho, uns cinco meses atrás chorava sempre que eu mencionava algo sobre, e foi um longo processo até explicar para ela que a higiene pessoal era importante, e que era muito bom ficar cheirosinha, até que minha mãe a presenteou com um perfume de morango que ela amou, queria usar suja e tudo, mas nunca deixei, a condição era banho, e foi então que decidiu amar tomar banho.
Não estava afim de entrar na banheira com ela, a Bella tinha uma espécie de agonia com o chuveiro, disse que não gostava daqueles pingos caindo dela, então a deixei na banheira enquanto tomava meu banho, sempre de olho, o tempo todo, eu já sabia até lavar o cabelo sem fechar os olhos só por cuidar de uma criança sozinha, e não, meus olhos não ardiam, uma habilidade que poucas têm.
Sequei ela primeiro e a vesti com uma roupa que ela mesma escolheu, a deixei na cama com meu celular, o tempo na tela sempre monitorando, dou valor a atividades lúdicos até mesmo em casa, o que explicaria todos os quebra-cabeças, desenhos para colorir, blocos de montar, tintas, papéis, pincéis, muitas coisas mesmo.
Provavelmente adorava que eu me arrumava sempre depois dela, o tempo dela assistindo vídeos era muito maior. Depois eu deitava na cama, com o meu cabelo já seco, e literalmente cheirava ela, enquanto ria, talvez eu fizesse cócegas mesmo que não intencionalmente. Presumi que gostasse, sempre pedia para eu fazer mais, e eu ficava uns bons minutos a abraçando, chegando ela e beijando o rosto inteiro, enquanto ela ria alto.
Desci com ela, aproveitei para arrumar algumas coisas para o outro dia antes que ele chegasse, tirar algumas coisas da lancheira, quase nunca sobrava nada, mas ela deixava um pedaço ou outro de alguma coisa. Meu estoque de suquinhos estava cheio graças a ida ao mercado, deixava bem gelado e colocava só de manhã na lancheira, uva e laranja, os sabores favoritos.
Escutei um carro estacionar antes mesmo das sete e meia, depois a campainha e verifiquei o olho mágico antes de abrir, só para ter certeza, vai que fosse o Apollo revoltado. Harry estava parado na porta, com aquele semblante animado de sempre.
- Oi. - Sorriu grande, se aproximado e deixando um beijo na minha bochecha.
- Oi. - Fechei a porta e a tranquei.
- Harry! - Óbvio que ela correria até ele.
Ela parou bem na frente dele, tinha sacolas nas duas mãos, o ajudei com algumas enquanto ele se abaixava para retribuir o abraço dela.
- Oi, linda. - Beijou o rosto dela. - Tudo bem?
- Tudo. - O abraçou pelos ombros, super atirado. - Trouxe a minha surpresa? - Ele riu.
Mesmo que eu a repreendesse, não adiantaria, estava ansiosa desde que ele comentou que levaria um presente, não podia culpá-la quando eu mesma estava querendo saber o que era.
- Claro que sim. - Pegou a sacola e tirou um brilho de presente, era algo quadrado. - É para você.
- Que lindo! - Ele riu, lindo significava que ela estava amando.
O abraçou de novo e murmurou um "bigado", e depois se dirigiu a sala, às vezes eu ficava imaginando se ela se achava uma adulta, porque agia como uma. Deixei as sacolas dele na mesinha e a segui.
Ela estava tentando abrir, de qualquer jeito, e eu ria com ele pela empolgação.
- Quer ajuda? - Ofereceu.
- Sim.
Provavelmente aceitou pela ansiedade, em outros momentos ela falaria que preferia fazer sozinha. Conforme foi abrindo com ela, imaginei o que era, mas ele a deixou rasgar o papel da frente.
Os olhos dela nunca brilharam tanto, um sorriso grande e juro que deu dois pelinhos no sofá, parecia encantada por ele, e novamente eu não poderia julgar, também estava.
- Bel, é a sua pônei favorita!
- É, mãe. - Ela puxou a caixa com força. - E agora a minha pônei tem uma amiguinha.
- Sim, que legal. - Ela sorriu grande para mim.
- Você gostou? - Ele perguntou, mas pela reação dela, havia amado.
- Sim! - Chegou perto dele.
- Pouquinho, ou muito? - A provocou.
- Muito, muito! - Levantou a caixa, e ele riu. - Abre?
- Abro.
Ainda tinha a parte da embalagem, e fiquei observando, não era qualquer pônei, era uma edição muito melhorada do brinquedo, a crina era melhor que o meu cabelo, me senti até ofendida, e vinha até com escova para pentear o cabelo de uma égua com chifres. A indústria anda mesmo um absurdo.
Levei as coisas dele para o quarto, tinha umas roupas, imaginei que o uniforme e algo para dormir, depois desci e ele ainda estava envolvido com o brinquedo.
Ela definitivamente amou, dava para ver pelas reações, até deu um beijinho no rosto dele, que retribuiu depois, e levantou do tapete, ela nem ligou de ter ficado sozinha, estava brincando porque não tinha mais uma pônei, e sim duas.
Fomos para a cozinha, e não que eu estivesse me aproveitando, mas o que quer que aconteça, ele vai cozinhar.
  Era fato que eu estava pensativa desde cedo, desde a minha conversa desagradável com o Apollo, não estava com raiva, mas triste, precisei de segundos para perceber que, na verdade, não o conhecia de verdade, se fosse tão legal quanto eu pensava, certamente nunca diria aquilo.
Sorri para ele, que me abraçou, sem mais nem menos, vivia fazendo aquilo, na verdade.
》Carinhoso
- Quieta demais. - Sussurrou, me fazendo rir.
- Desculpa.
- Não peça desculpas. - Me encarou, com as mãos no meu rosto. - Me conte o que está te deixando assim e eu faço sumir.
- O que disse ao reitor? - Deu de ombros.
- Só que eu achava que não era justo alguém ser grosseiro com você só porque tem uma vida fora do trabalho e que não merecia tanto desrespeito naquele local, e que não deveria ser do perfil de alguém que cuida de crianças fazer aquele tipo de coisa. - Assenti levemente.
- E ele acreditou fácil?
- Óbvio, sou eu. - Rolei os olhos, o fazendo rir. - A esposa dele não tinha um cargo tão nobre na época dele, também sofreu com esses comentários, acho que isso ajudou.
- Não achei que fosse recorrer. - Ele riu, como se meu comentário fosse absurdo.
- Você não faz ideia. - O encarei, confusa. - Vou fazer um jantar bem gostoso para nós. - Piscou um dos olhos.
》Bom cozinheiro
Esse adjetivo eu já deveria ter tirado a tempos.
Foi simples, mas ótimo, cortei o bife em pedacinhos para ela, ele ainda fez batatas assadas, em pedacinhos pequenos, que a Bella adorava. Era a única criança que já conheci que comia tantas verduras e frutas, talvez por eu sempre introduzir na alimentação dela, desde muito nova.
Eu lavava a louça e ele secava, nada mais justo, deixei a Bella no quarto dela e me surpreendi quando olhei pela janela. Harry realmente mandou policiais vigiarem a casa, pensei que estivesse brincando, mas realmente fez.
Ele nem pediu para tomar banho, só entrou no banheiro e escutei o barulho do chuveiro, tudo bem que estávamos tendo alguma coisa, mas fomos na casa um do outro poucas vezes e ele já estava pensando que tudo era dele.
A segurança dele me deixava mais segura também, não tinha vergonha de nada e eu definitivamente evitava falar algumas coisas em voz alta, e ele só soltava como se fosse natural. Fiquei mexendo no meu celular, respondendo a minha mãe, dizendo pela milésima vez que não precisava de calças, e quando ele saiu do banheiro, só com uma calça de moletom, lembrei que deveria contar aos meus pais que estava saindo com alguém.
Sabia que meu celular não ia durar muito tempo, ele meio que tinha uma necessidade imensa de me beijar e apertar minha bunda, mesmo que eu afastasse a mão dele diversas vezes.
- Para de me agarrar. - Sussurrei.
- Não. - Riu, voltando a me beijar. - O que você tem contra trepadas silenciosas?
- Eu não sei se você lembra, mas tem uma criança logo ao lado.
- Não é exatamente ao lado.
- Ainda é perto. - Rolou os olhos.
- Quando você era pequena, acha mesmo que seus pais não transavam no quarto ao lado?
A pergunta dele me fez imaginar, e eu achei nojento, provavelmente percebeu porque riu e beijou minha bochecha.
- Vai dormir.
- Não. - Fez uma voz chorosa e se abraçou em mim. - Que perfume você usa?
- É um body splash, se chama salada de frutas.
- Eu gosto do cheiro. - Sorri, ele não estava vendo mesmo. - Acho que gosto de você um pouco demais.
- Isso é ruim?
- Não. - Levantou a cabeça, me encarando com um sorrisinho pequeno. - Eu acho que foi uma péssima ideia inventar de dormir com você todos os dias.
- Por que? - Franzi o cenho.
- Porque quando tudo isso passar e voltarmos a programação normal, vou sentir muita falta. - Ele parecia até preocupado com a hipótese. - Quando posso te convidar para morar comigo?
Gelei com a pergunta, fazia tipo, uns quarenta dias que estávamos juntos, sim, eu estava contando. Não sabia bem quanto tempo seria ideal para um casal morar na mesma casa, mas dei de ombros, pensando no que seria mais certo.
- Quando completarmos sete meses juntos. - Assentiu.
- A partir de agora, ou desde que nos conhecemos?
- A partir de agora. - Assentiu de novo, deitando a cabeça no meu peito.
- E quando posso te pedir em casamento? - Levantou a cabeça bruscamente.
Sorri para ele, pensei que fosse brincadeira, mas estava esperando por uma resposta. Por mim, eu faria tudo para dar certo e ele não seria só um namoro bobo, pensava em um futuro, mesmo que fosse recente, mas nunca disse para ele. Talvez ele também pensasse, já que estava perguntando.
- Um ano e meio.
- A partir de agora? - Assenti levemente. - Tá bom.
Voltou a deitar, me segurei para não rir, o jeito dele era engraçado, o tempo todo, na verdade, até falando sério, quando gesticulava mais que o normal, afastava o cabelo e dava a coçadinha típica debaixo do nariz.
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amantedosfandons · 2 years ago
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14 • Quebra-cabeça
- É de polícia, Harry, a sua roupa?
Ele riu da pergunta dela, era o segundo dia e ele insistia que precisava ficar na minha casa. No primeiro dia, depois que neguei o pedido, o peguei dormindo na viatura na frente da minha casa, o xinguei, mas não adiantou, e naquele dia, quando abri a janela da sala, ele já estava fora da viatura, caminhando como quem não queria nada, na frente da minha casa.
- É de polícia, sim. - Massageou o cabelo dela. - Eu trabalho lá. - Ela sorriu.
- De policial? - Ele assentiu. - E eu gosto de polícia, é o meu preferido. - Ele riu mais ainda.
- Ela quis dizer que gosta de policiais. - Ofereci uma torrada, mas ele negou. - Não é, filha? Os policiais protegem a cidade.
Ela assentiu, animada, bebendo o suco dela, era difícil comer muito de manhã, não gostava tanto, então eu reforçava o lanche para a creche. Harry riu quando me viu fazer mini panquecas em formato de Mickey Mouse, mas ela adorava, um suco de caixinha sabor laranja, morangos e um pouquinho de mel em cima, e ainda deixei um pouco de cereal em outra caixinha, tudo na lancheira térmica dela.
- A Bella é cheirosa. - Escutei o sussurro dele, e ela riu alto quando sentiu a barba dele de propósito no pescoço dela. - Tudo isso para a escola?
- Não, é a creche. - Explicou. - Eu...é de bebê ainda.
- Ah, então você é bebê?
- É, da minha mãe. - Riu, e não olhei, sabia que ia negar se eu fizesse.
- E minha? - Olhei de relance, ela riu, e negou com a cabeça. - Ah, mas é que eu queria um bebê.
- Você não tem bebê, Harry? - Negou em silêncio. - E por que não tem?
- Era para ser você, mas não quis. - Deu de ombros, e riu depois. - Eu não tenho filhos ainda, princesa.
- Mas você é grande. - Ele riu, e eu o segui, quieta, só para escutar os dois. - Harry, mas bebê toma mamadeira, e eu tomo. - Ele riu, de novo.
- Mas eu já fiz para você, lembra? - Não disse nada, então presumo que assentiu. - Eu sei cuidar de bebês.
- Mãe. - Virei para ela, fechando a lancheira. - O Harry quer que eu seja a bebê dele. - Apontou, e encarei ele.
- Tá... - Ri baixo, sem sabe o que fazer. - Bel, eu acho que o Harry quer que eu divida você com ele.
- Mas e pessoas é de dividir? - Rimos alto.
- Às vezes é. - Cheguei até a ilha da cozinha. - O Harry gosta muito de você, e o que ele quis dizer, é que... - Encarei ele, que sorriu para mim. - Que ele quer passear com você, te encher de beijinhos. - Cutuquei ela, que riu. - E de abraços...tudo que eu faço.
- É de amor? - Ri de novo, assentindo. - Tá, Harry, eu posso ser sua bebê, tá bom?
- Tá bom. - Sorriu grande, avançando e beijando o rosto dela.
Já que a linda e chamativa viatura estava na frente de casa, iria embora antes, ou tentou fazer isso, a Bella queria de todo jeito entrar no carro e ir para a creche com ele.
- Deixa ela ir.
- Você... - Suspirei. - Eu vou junto.
Ela ficou animada demais, especialmente quando sentou no carro sem a cadeirinha e o Harry só passou o cinto por ela, se sentiu muito adulta, "grande", como ela mesma disse.
Não bastava só estar no carro da polícia, e foi naquele momento que percebi meu erro, pelo Harry não ser confiável? Não, exatamente o contrário, era pelo Harry ser pior que uma criança de quase três anos, a Bella seria filha dele se eu tivesse o conhecido antes. Eles riam alto e gritavam quando ligou a sirene e as luzes do carro, e eu só sabia negar com a cabeça, em silêncio, esconder meu rosto com as mãos e rir.
Ela não parava quieta, ficava gritando vez ou outra, em forma de comemoração, e ele a acompanhava.
- Não, mãe. - Me empurrou pelos ombros quando a peguei no colo. - O Harry me leva lá na professora. - Cerrei os olhos.
- Como assim? Eu sempre te levo. - Fiquei com ciúmes, sim, admito.
- É que é de polícia.
Encarei ele, que saiu de dentro do carro, colocou os óculos escuros e se antes estava sério, naquele momento perdeu a postura com a mochila rosa nas costas e a lancheira na mão livre, e a Bella ficou bem tranquila, como se estivesse realizando um sonho.
E lá foi ele, todo tranquilo, andando em direção a estrada, as mães não sabiam se olhavam para mim ou para ele com minha filha no colo, e quase morri quando ela deixou um beijinho no rosto dele, que sorriu e também deixou um beijo nela.
O tempo até ele voltar para o carro era suficiente para eu ver ela entrando na escola, e então o encarei, voltando para o carro, postura ereta, óculos escuros e o cabelo caindo pela testa, caminhando como se fosse o modelo das autoridades - e era -, com um sorrisinho no rosto. Apenas cerrei os olhos e entrei no carro, cruzei os braços e o encarei assim que entrou.
Ele me encarou, ainda sorrindo, e então começou a cheirar o ar, fez um semblante confuso, e começou a cheirar o ar perto de mim, de repente parou, sorriu e me encarou de novo.
- Cheirinho de ciúmes. - Apertou minha coxa, me provocando.
- Só para você saber, a magia de ser policial vai acabar um dia.
- Vai nada. - Ligou o carro, mas não deu partida.
No momento em que ligou, o rádio do carro acionou o escutamos outro policial falando, não com ele, estava só tendo acesso a outra conversa, entre outros policiais.
- Código um, oito, sete, no Rio São Lourenço, em Quebec, solicitação de reforço agora.
E ele repetiu o código mais três vezes. Olhei para ele, o semblante mudou, dando lugar a um homem sério, e pelo acionar das luzes, soube que era sério.
- O que é um código cento e oitenta e sete?
- Assassinato.
Abri mais os olhos, e então olhei para frente, dirigiu rápido até o prédio onde eu trabalhava, não foi uma parada brusca quando chegamos, mas rápida até demais.
- Tchau, te conto depois, nos vemos a noite. - Me deu um selinho rápido.
- Que isso? Como assim a noite?
- Eu te mando mensagem, preciso resolver isso. - Dava para ver que estava com pressa.
- Desculpa. - Murmurei, abrindo a porta.
- Não se desculpe, não fez nada. - Sorriu para mim, depois beijou meu rosto de novo. - Só estou com pouco tempo, eu que devo me desculpar, sinto muito.
- Tudo bem, tenha um bom dia de trabalho. - Beijei rápido o rosto dele e saí do carro.
Corri para o prédio, por sorte não tinha ninguém bisbilhoteiro do lado de fora. Entrei de cabeça baixa, sem olhar muito, conversas não eram meu forte pela manhã.
Trabalhar com pessoas é complicado. Tudo bem que todos os trabalhos envolvem pessoas, mas quando elas são chatas fica bem pior, nada está bom, nada fica bom e se alguém faz algo errado e você chama a atenção, aí você é a chefe chata.
A começar pelos processos, casos tranquilos existiam, mas os complicados também, os pais nem sempre têm um divórcio amigável como o meu, que não foi bem um divórcio porque não cheguei a casar, mas tinha a minha filha no meio. Depois que o conselho tutelar intervia em um caso e a criança ia para um abrigo, então os advogados entravam em ação e nós não podíamos fazer muito mais que manter o abrigo e as crianças, que não eram meu assunto, cada um tinha um cargo e tinha muitas pessoas mantendo o abrigo em cada canto do estado.
De vez em quando eu ficava na minha sala só olhando para os lados, analisando as pessoas, mas até aquilo se tornou chato, e admito que esperei pelo Apollo durante o dia, não por querer algo, mas por esperar que me procurarsse de novo, provavelmente tirou suas próprias conclusões quando Harry apareceu em casa.
O problema de não se ocupar é que você começa a pensar demais nas coisas, e o pesadelo de duas noites anteriores voltava com tudo, meu coração acelerava e eu começava a pensar que o pior podia ter acontecido. Eu provavelmente deveria tirar aquilo da minha cabeça, mas estava determinada a investigar sozinha, não me importava com o Harry, se iria me deixar ajudar ou não.
O mapa dele mostrava os três pontos muito próximos. O baixei online e fiz as mesmas marcações pelo notebook, a minha casa era do lado contrario daquele bairro, formava uma linha entre a distância da primeira casa e a minha. Contando com a ideia de por algum motivo não ter levado a Bella e me matado - Obrigado, Deus, eu te amo! -, então não atuaria no meu bairro, porque já havia sido visto lá, pelo menos de acordo com a linha de raciocínio do delegado.
Parei de pesquisar e de anotar, fechei meu caderno que continha as seguintes perguntas:
• Quem é ele?
• Qual o próximo lugar a atuar?
• Me conhece?
• É um padrão?
Fiquei ansiosa demais, então guardei meu notebook na bolsa e saí. Decidi que precisava de ar fresco, com certeza a baboseira do meu diário de voz funcionaria, sempre funcionava para me acalmar, era como se eu estivesse desabafando, mas não dava para fazer nada no meio da rua.
Sentei no primeiro lugar que vi, do lado de fora, a neve já se foi e o sol prevalece, mas debaixo de telhas é fácil enxergar a tela do notebook. Não podia gravar, então escrever talvez fosse a saída.
Querido diário...
Uau, nunca fui tão brega na minha vida, apaguei aquela linha e me senti enjoada, não gosto de breguices, a não ser que tenha a ver com o Harry, eu gostaria que ele fizesse uma breguice, enfim, coisas da minha mente. Decidi que seria legal escrever como se fosse para alguém, então nomeei meu diário.
Querida Georgea, ou...olá, Georgea?
Não sei porque escolhi esse nome, mas achei que combinaria com um bloco de notas rosa do meu notebook.
Estou com medo hoje, porque passei por uma coisa ruim dois dias atrás e fico pensando muito nisso, queria poder me trancar em um lugar seguro com a minha filha e nunca mais sair, mas preciso viver, ela precisava viver. Minha vontade é ir até à escola e tirar ela de lá agora, verificar se está bem e levá-la para casa, comigo, segura e a salvo, mas também não posso fazer isso, porque na verdade não me sinto segura em lugar nenhum, nem na minha casa.
Para ser bem sincera, só tem uma pessoa que me deixa segura, que é o Harry, ele é delegado da cidade e estou apaixonada por ele, parece fácil quando se lê, mas não é, juro que é mais complicado que isso, porque tenho medo, e não falo de duas noites atrás. Se apaixonar é um ponto assustador para mim, porque na verdade nunca tinha acontecido de verdade, fui apaixonada pelo pai da Bella, mas não de um jeito certo, não como é com ele. Eu tenho um distúrbio do sono, se chama terror noturno, e isso estraga absolutamente tudo para mim, porque meu coração dispara, fico ansiosa e depois com pânico, e é vergonhoso ter tantas crises, fico muito e não queria que ele visse isso, e é só um dos meus problemas, mas não quero falar disso agora...
Ele me disse para ir dormir na casa dele, que eu ficaria mais segura com ele e que a Bella ficaria melhor ainda, nas palavras dele "quero cuidar de vocês", e quando perguntei o motivo, ele só disse "gosto de cuidar de vocês", e só, tipo, ele gosta de cuidar de mim e da minha filha, e fiquei tão apaixonada quando disse isso, que quase aceitei, mas não fiz, e o motivo? Não posso abandonar tudo, fugir como se algo fosse acontecer a qualquer momento, porque não vai, a pessoa que entrou na minha casa não seria burra a esse ponto, e tem muitas patrulhas agora, não posso simplesmente me esconder na casa dele como se estivesse com a mira de uma arma bem na minha testa.
Por mais que eu me sinta vigiada, inclusive, me sinto vigiada agor...
- Oi.
Olhei para cima, Harry estava sorrindo e eu já estava escrevendo a quase trinta minutos. Sorri de volta e indiquei a cadeira a minha frente.
- Oi. - Fechei o notebook. - Como foi?
- Horrível. - Suspirou, mas ainda sorriu com os lábios. - O que faz aqui? Que eu saiba seu trabalho é lá. - Apontou para o prédio uma rua atrás de mim.
- Estava me sentindo estranha, resolvi sair.
- Tudo bem?
- É. - Dei de ombros. - Só com medo, ainda não parei de pensar naquilo.
- É compreensível, mas acho que vai gostar de saber que temos uma grande patrulha na cidade inteira. - Sorriu. - Claro que ficaria bem mais fácil se aceitasse ficar na minha casa durante a noite, mas ok.
- Sabe que não posso.
- Por que? - Ele ainda insistia. - Kayra, é para a sua proteção, se a Bella foi um alvo, ele vai voltar.
- Mas... - Fechei os olhos. - Eu não quero ir.
- A sua teimosia vai te custar muitas coisas.
- É uma ameaça? - Enrijeci, sem entender a fala dele.
- É um aviso. - Se inclinou na mesa. - Um conselho de amigo, para ficar melhor. - Suspirei, voltando ao normal. - Não posso deixar que o pior aconteça, quero proteger vocês, te ofereço minha casa se for preciso.
- O seu apartamento. - Corrigi, e rolou os olhos.
- Minha casa já está sendo construída, em breve me mudo de lá.
Com tudo acontecendo, até esqueci de perguntar sobre a casa e as coisas dele que chegaram dos Estados Unidos. Encarei minha mão, ele estava anilando meu dedo mindinho com o indicador, contornando ele, fez a mesma coisa no anelar, e depois do médio, até chegar no topo da minha mão.
- Eu não quero ir para a sua casa porque tenho medo que as coisas se tornem rápidas demais e tudo de errado entre nós.
Sussurrei, não o encarei, nem sabia se estava me olhando. Falei só a verdade, qualquer coisa contrária seria meu cérebro tentando me convencer que meu medo sobre aquilo não existia.
Eu queria muito que desse certo com ele, mesmo que em passinhos de bebê, foi tão legal experimentar algo diferente, saber que ele também queria mais do que dormir comigo, foi surreal os nossos dias juntos, mas parece que depois de três casos de sequestro, temos nos afastado, não pelo trabalho, mas pelo meu medo bobo.
Segurou minha mão, olhei diretamente quando a levou até para cima e beijou o topo, e foi quando o encarei.
- Tudo bem, não precisa se preocupar, entendendo, mas saiba que eu adoraria.
Pensei que fosse insistir, ser o Harry intruso e me chamar de boba, mas deu para ver que estava se colocando no meu lugar, era maduro nos momentos certos, um bom ponto para um homem perfeito.
》Maduro
》Trabalhador.
Mais duas coisinhas da minha lista mental.
- É que eu quero ir. - Riu, me encarando com atenção. - Tipo, o meu coração quer ir.
- Seu coração é super inteligente, meu bem. - Sorri, sem graça.
- Mas o meu cérebro não...
- Esperava bem mais do seu cérebro, para ser sincero...
- E se eu for, me acostumar, e quiser ficar? E se isso estragar tudo? E se descobrirmos que...
- E se você parasse de fazer tantas perguntas e experimentar? - Me interrompeu. - Entenda, ma belle, ter você por perto é magnífico, se as barreiras estiverem rachando entre nós, voltamos a programação normal, por ser?
- Pode. - Respirei fundo, encarando carinho dele com a minha mão. - Mas se a Bella ficar me perguntando coisas demais e não gostar, volto na hora.
- Fechado, nossa bebê, nossa prioridade. - Sorriu grande.
- O que? Minha bebê, você não tem nada a ver com isso.
- Mentira! - Bateu na mesa, indignado. - Ela mesma disse que é minha bebê, você concordou em dividir.
- Isso foi antes de eu perceber que você é uma ameaça!
- Ma belle! - Rolei os olhos, fiquei com vergonha de adorar o francês dele, principalmente me chamando de linda. - Isso não se faz, é maldade comigo, só quero dar amor a ela.
- Hum...não, ela é minha, e só. - Dei de ombros, segurando o riso, ele não estava diferente.
- Você é egoísta, somos um casal agora, você precisa...
- Ainda não somos um casal...
- Claro que somos...
- Não.
- Han? Fazemos coisas de casal e não somos um casal?
- Mas que coisas de casal?
- Ora, várias coisas, conheço sua casa, durmo lá, você já dormiu no meu apartamento, saímos juntos, levamos a Bella para a escola, preparo jantares, cuido de você, você me xinga como se fosse uma esposa, trep...quer dizer, fizemos amor bem mais de uma vez. - Deu de ombros, e eu ri da correção dele no meio das informações. - Para mim isso é coisa de casal, só faltou ir ao mercado.
- Isso aí é só...bom, coisas que fazemos, não quer dizer que somos um casal. - Cerrou os olhos.
- Sabia que você dificulta as coisas sem necessidade? - Juntou as mãos. - Tudo bem, somos amantes, então.
- Não! - Praticamente gritei, ofendida.
- Ué, se fazemos tudo isso e não somos um casal, então somos amantes. - Falou como se fosse óbvio. - Duas pessoas que agem como um casal e não se assumem, são amantes. Sinto muito, amante.
- Tá legal, Harry, somos um casal.
- Eba! - Levantou as mãos, sorrindo.
- A Bella faz exatamente isso quando consegue algo.
- Eu sei, já vi ela fazendo. - Riu. - Ela é uma graça, adoro a nossa bebê.
- Harry!
- Tá! - Levantou as mãos em rendição.
Suspirei, estava inquieta desde o começo da manhã. Olhei ao redor e ninguém parecia prestar muita atenção em nós ali.
- Por que você não me mostra quais suas pistas sobre a pessoa que está sequestrando crianças?
A encarada dele foi bem interpretada por mim, não podia e talvez nem quisesse me contar, mas era o Harry, estava sempre sorrindo, chegava a ser estranho de vez em quando.
- Não vai desistir, vai?
- Nem pensar. - Neguei com um gesto sutil.
Fiquei bem surpresa quando disse que ia pegar cafés para a viagem. Enquanto estava lá dentro, abri de novo o notebook e dei de cara com as notas que escrevi, entrei em um dilema entre salvar ou não, mas acabei salvando, talvez não fosse a escrever, não dava para saber.
Fomos até à delegacia na viatura dele, bebi um pouco de café na ida só para disfarçar o fato de eu olhar para ele o tempo todo dirigindo, não sei se qualquer pessoa me entenderia se estivesse no meu lugar, mas ver ele de uniforme, óculos escuros, nada atrapalhando o cabelo, igualzinho naqueles filmes onde tem os policiais bonitos, era muito sexy, e para completar estava dirigindo, toda vez que girava o volante com uma mão, me obrigava a parar de olhar e beber meu café.
Cacete de paixonite.
Ninguém perguntou nada para ele quando chegamos, nem o encararam de modo questionador ou o atrapalharam na nossa caminhada curta até a sala dele. Aquele era o peso de ser um chefe homem, porque uma chefe mulher recebe tratamentos bem diferentes.
Nunca havia entrado de verdade na delegacia, estava sendo a minha primeira vez, não imaginava que existia tantos escritórios para tantas pessoas e tantos cargos, e esperava mais da sala dele. Ok, era só uma delegacia, não a empresa e uma sala de CEO, tudo em tons marrom ou branco, uma mesa só para ele, Bel organizada, as paredes eram fechadas e nem a porta tinha vidro, não era como no CT, onde parecia que estávamos em um aquário.
Por mais incrível que parecesse, ele realmente começou a conversar comigo sobre o caso, o mapa eu já sabia, também disse que tinha certeza que era um homem.
- Ele pode querer seguir uma linha, ou um quadrado, um círculo... - Desenhos as formas no mapa.
Ele queria me explicar que a pessoa seguia um padrão, e o mapa nos mostrava bem o formato. Os pontinhos estavam perto do canto esquerdo do mapa, já a minha casa estava mais perto do canto direito, e a linha entre ela e a casa do primeiro sequestrados era quase reta, como se só seguisse em uma rua. Queria me fazer entender que poderia estar só seguindo reto, ou poderia se mover mais para baixo no canto direito, depois o esquerdo, formando um tipo de quadrado no mapa.
- E como sabe que não vai invadir a casa do meu vizinho? - Era uma hipótese. - Ou alguma na rua da frente?
- Por que já tem policiais demais nessa área, na verdade, deixei policiais nesses quatro cantos, fazendo rondas, eles mudam o formato do mapa de hora em hora, para ficarem só nos cantos, enfim...quem quer que seja, sabe que estamos de olho, está esperando a poeira abaixar, ainda não quer ser pego, ou já teria tentado de novo.
- E... - Engoli em seco. - Por que acha que ele não me atacou?
- Tenho minhas teorias. - Se encostou na cadeira. - O cara é da vizinhança, deve saber que estamos juntos, não ia querer problema com a mulher do delegado, mas precisava tentar. - Deu de ombros. - Ou matar realmente não é do perfil dele, ou... - Me encarou profundamente. - É alguém que te conhece, na pior das hipóteses está no mesmo círculo social que você.
- Então não é um psicopata. - Ele riu, rolando os olhos. - Teria me matado, psicopatas não têm sentimentos.
- Ou sabia que arrumaria problemas.
- Teria me matado e levado a Bella para não arrumar problemas. - Franziu o cenho. - Não ter me atacado gera exatamente a ideia de me conhecer, a pessoa não ia querer isso, seria preciso me matar, não faz sentido.
- Ou ele quer que pensamos isso. - Se inclinou para frente, me olhando como se uma ideia estivesse surgindo. - A intuição dele é nos fazer procurar e focar em coisas bem longe do que realmente é, a essa altura a cidade inteira deve saber que estamos saindo, o Justin é do jornal. - Bateu as mãos e estalou os dedos. - Sabia que eu ia ficar preocupado, focar em você, é isso que ele quer, que eu foque tanto na sua proteção que esqueça o resto, me manter longe é a jogada certa.
- Faz sentido. - Ele riu.
- É claro que faz. - Pegou a caneta e começou a anotar algo no caderno dele. - Além disso...tem isso aqui.
Abriu um envelope e mostrou várias imagens, todos de um mesmo carro, um Mitsubishi Mirage na versão mais antiga, pelo que parecia, todo preto.
- Foi visto passando bem devagar nas três ruas durante o dia. - Indicou o mapa com a cabeça. - Ficou parado a noite na frente das casas, ninguém nunca saiu, e...também passou pela sua. - O encarei. - Só não ficou parado lá, por algum motivo. - Deu de ombros. - Conhece alguém com esse carro?
Comecei a fazer uma lista mental de todas as pessoas próximas de mim, se estava no meu círculo social, era obrigada a reconhecer o carro.
Justin tinha um Leasing branco, a Michelle e o Mitch, um Dodge Grand Caravan, minha da frente era uma senhora que nem dirigia e o filho dela tinha uma camionete, os vizinhos do lado um Civic, do outro lado só tinha uma moto, eu estava com um Ford Escape vermelho. Foi só o que me lembrei, nunca vi aquele carro no estacionamento do CT, na verdade, em lugar nenhum.
- Não. - Franzi o cenho. - É antigo.
- E roubado. - O encarei de novo. - O dono mora nos Estados Unidos, estava vendendo, fomos atrás e comprovamos, o cara é envolvido com revendas, mas roubaram o carro bem na frente da casa dele a uns três meses atrás.
- Em Boston? - Assentiu, lembro que me contou sobre ter ido lá. - Meio longe.
- Muito. - Riu. - Com certeza mandou trazer o carro como uma mudança, ou veio dirigindo, quem sabe. - Deu de ombros. - Já pedimos retorno para a polícia de lá, mas não sei.
- Que carro você tem?
- Não sou um sequestrador, desculpe. - Rolei os olhos.
- Uau, sério? Juro que foi a minha primeira opção. - Cerrou os olhos, só podia ser idiota. - É que me veio na mente, você disse que suas coisas estavam para chegar.
- E chegaram, estão em um depósito que eu aluguei, e até minha casa ficar pronta, é lá mesmo que vão ficar. - Fiquei surpresa pela mudança ter chegado e ele não ter comentado nada. - Tenho uma GMC Sierra preta.
Abri a boca em um perfeito "O", a cor não era novidade já que ele parecia fazer parte da própria família Adams, o carro foi o que me impressionou, uma camioneta gigante daquelas, com quatro lugares e a parte de trás ainda era enorme, muito chique, gostaria muito de poder dirigir uma daquelas um dia.
- Você é rico? - Riu, levantando em seguida.
- Se eu fosse, não te contaria. - Dobrou o mapa, estava guardando tudo. - Vai que você é uma ladra.
O observei guardar as coisas, concentrado em outras pastas. Se ele fosse como eu, provavelmente estaria fazendo algo, e no momento momento batesse os olhos em outra coisa, perderia o rumo do trabalho e começaria a investigar sobre outro formulário, e então se lembraria o que estava fazendo antes. Ou ele só estava pegando coisas a ver com o caso.
Foi então que um estalo surgiu na minha mente.
- Quem morreu? - Virou o corpo levemente, me encarando com o cenho franzindo. - Hoje, código cento e oitenta e sete.
- Ah. - O semblante dele mudou, estava lembrando de mais cedo. - O antigo delegado.
- O quê!?
- Pois é. - Voltou para a mesa, mas não para o lado dele, se encostou no móvel, ficando de frente para mim. - Pareceu um assalto, estava sem a carteira, celular, nem os sapatos tinha, bem ao lado do rio. - Fechou os olhos. - Seria mais fácil ter jogado na água. - Murmurou.
- Que horror, por que diz essas coisas? - Era como se ele mesmo estivesse lamentando por seu erro.
- Porque além de bandidos, são burros, a polícia demora séculos para achar um corpo no rio. - Deu de ombros e cruzou os braços.
- Acha que tem alguma a ver com os sequestros?
- Não descartamos a hipótese, mas pareceu mesmo um assalto, e a esposa dele disse que havia saído para caminhar, as roupas esportivas justificavam.
Ele ficou falando sobre o corpo estar sendo examinado, mas duvidava que fossem encontrar algo, e disse que era quase certo que não tinha nada a ver com o que estava acontecendo no momento.
Lembrei que ia ter problemas no trabalho, mas ele ligou para o meu superior e disse que por consequências do que estava acontecendo, pediu ajuda de uma pessoa próxima de um "profissional infantil", e me pediu para acompanhá-lo com algumas perguntas, o que foi uma grande mentira, eu estava só especulando sobre a investigação.
Ele saiu depois de uns minutos, disse que precisava resolver algo, e pela quantidade de papéis, pensei que talvez fosse demorar. Nunca gostei de mexer nas coisas dos outros, principalmente nas dele, vai que tem uma arma na gaveta e então em pânico?
Fiquei parada no lugar, mexendo no meu celular, até que meus olhos começaram a passar pela estante atrás da mesa dele, pequena, sutil, alguns livros que com certeza não eram dele, pastas, algumas coisas encadernadas, e estreitei os olhos, parecia algumas coisa brilhando no meio de dois livros.
Sempre fui uma pessoa ativa, quase nada passa batido quando se trata dos meus olhos, percebo tudo e reparo em tudo, até na casa dos outros, a minha diferença é que fico quieta, e, na verdade, essa é uma característica típica de conselheiros, o local sempre fala por si só.
Não me aguentei e levantei, afastei os dois objetos e levei a mão até o pontinho brilhante, a luz batia nele e o fazia refletir. Puxei para mim, uma corrente dourada com um pingente de cruz, constatei que era masculina pela aparência, parecia um colar cru demais para uma mulher vaidosa, comprido também, e contando que estava na sala do delegado, ou era do Harry, ou do antigo.
Escutei a porta abrir e virei.
- Olha. - Mostrei para ele, super animada.
- Olá, bisbilhoteira. - O olhei de relance, e ele sorriu, chegando perto. - Deixa eu ver.
Entreguei a ele, que encarou o colar com atenção, e não era dele, se reconhecesse não teria pedido para ver e nem faria a cara que estava fazendo.
- É seu? - Mesmo sabendo a resposta, perguntei.
- Não. - Negou com a cabeça, sutilmente. - Alguém deve ter esquecido.
- Parece que faz tempo que estava ali, tinha poeira no pingente. - Apontei, sorrindo. - Você podia usar.
- Hum... - Fez uma careta. - E se for do defunto?
Eu não deveria, mas ri com ele, apesar de triste, a cara que ele fez ajudou o comentário a ter graça.
- Nunca vi ele usando uma corrente. - Tivemos contato o suficiente para eu perceber. - Deveria usar.
- Não gosto muito de correntes.
- Que pena. - Dei de ombros, voltando ao meu lugar.
- Você gosta? - Assenti. - Por que?
- Ah...sei lá.
Tinha um motivo, correntinhas no pescoço sempre foram o meu fraco, Justin usava uma de prata com um pingente de cruz bem menor que aquele, e no auge da nossa paixãozinha pelo outro, a corrente dele era ótima, um detalhe que me atraia. Na minha opinião, um homem foca mais bonito se estiver usando um colar, mas tudo bem se ele não gostasse.
Ficou me encarando, Harry era bom em perceber sinais por expressões corporais ou semblantes, mas não falou mais nada, apenas deixou a corrente na mesa.
Fui embora depois, ainda precisava trabalhar, pegar minhas coisas e ir buscar a Bella.
* * *
- Ela ficou muito nervosa. - Explicou a professora. - Me desculpa, não consegui chegar a tempo até ela.
- Tudo bem, são muitas crianças, deve ser difícil.
A professora da Bella sempre foi ótima, mostrava preocupação com as crianças, bem melhor que a anterior. Ela tropeçou e caiu no chão, o galo pequeno na testa dela mostrava tudo, e os olhos inchados e vermelhos também revelavam o choro, e o fato de ter se abraçado em mim imediatamente foi a prova da tristeza dela.
Levei ela até o carro em silêncio, às vezes, quando ela ficava chateada, não gostava de conversar, queria ficar quietinha, não me impedia de tocar nela ou qualquer coisa, mas dava para ver que não dava a mínima, que precisava do tempo dela.
Ficou o tempo todo olhando para a janela durante o trajeto, coçava os olhos vez ou outra, provavelmente ardendo pelo choro. Tirei ela da cadeirinha e nem quando a deixei em casa se animou, foi direto para o sofá, ofereci meu celular, mas não aceitou.
Fiz nosso café, geralmente bebia leite na volta, e pelo menos a mamadeira aceitou, eu comia um sanduíche sempre, bebia suco e verifiquei minhas mensagens, sempre de olho nela no sofá. De repente, encarei o sofá e não estava mais lá, entrei em pânico por segundos, até sentir a palma da mão dela na minha perna. Olhei para baixo, estava me entregando a mamadeira, silenciosamente.
Levei até à pia, lavei o objeto e ela continuava me olhando. Abri a sacola e peguei muffin, entreguei a ela e aceitou, depois voltou a sala e sentou no chão para comer.
- Sabe o que vamos fazer hoje a noite? - Me encarou, esperando que eu falasse. - Ir lá na casa do Harry.
Não sorriu, mas deu para ver o ânimo aparecendo só de escutar o nome dele.
- Aonde é a casa dele, mãe?
- É um apartamento, lá perto do centro. - Assentiu, o centro para ela era onde tinha as lojas. - Ele está ansioso para te ver. - Sorriu pela primeira vez desde que chegou.
- E ele comprou presente? - Suspirei.
- Bel, nós não vamos a casa dos outros só para presentes. - Ficou me encarando, comendo o bolinho dela. - Não sei se comprou, ele não disse.
- E se ele comprou?
- Aí você espera ele entregar, tá bom?
- Tá. - Sorriu, voltando a comer.
Aquilo tudo era obra dos meus pais, toda vez que nos visitavam levavam presentes para ela, meus pais se aposentaram, os dois trabalhavam em caros públicos como eu, vivendo só os dois, com dois salários de aposentados, podiam estar sempre comprando coisas, o problema mesmo era mimar ela demais.
Deixei ela segurando uma bolsa de gelo na testa, para não inchar mais ainda. A coloquei na cama enquanto arrumava minhas coisas e as dela, ele não estipulou um horário, então imaginei que eu pudesse chegar umas sete, já que era para dormir lá, ir à noite poderia ser bom.
Virei a cadeirinha dela no carro porque não gostava das luzes dos outros carros no rosto dela durante a noite. Harry só disse para eu avisar quando saísse, já sabia o caminho, mas a Bella nem sabia que eu conhecia o apartamento, na inocência dela, era a nossa primeira vez indo visitar ele.
Quando cheguei, o vi atravessar a porta automática do prédio, caminhando devagar até meu carro, e por sorte tinha uma vaga vazia bem na minha frente, não há nada que deixe com mais ódio do que circular por todo o lugar até encontrar uma vaga.
Me cumprimentou com um beijo no rosto, e logo abriu a porta, dando um oi eufórico para a Bella, aproveitei para pegar as duas bolsas enquanto ele tirava ela do carro.
- Deixa eu levar uma. - Estendeu o braço, o como não sou burra, entreguei a dela, a mais pesada.
Ela meio que estava dormindo quando chegamos, o que explicaria a preguiça no colo dele, ou eu só não queria aceitar que ela estava apaixonada pelo meu namorado e não estava pronta para dividi-la com ninguém. Na verdade, nem era meu namorado ainda.
Ele só abriu a porta, a trancou depois que entramos, disse que eu podia deixar as bolsas onde eu quisesse, e então procurou os olhos da pequena no colo dele.
- Alguém ficou com sono na viagem para cá. - Ele riu, e ela escondeu o rosto nele, mais envergonhada que com preguiça. - Fiz uma surpresa para você, sua mãe disse que ia gostar.
Na verdade, eu nunca disse nada, nem sei dizer o que estava por vir depois daquilo, mas serviu para ela levantar o rosto, finalmente o encarando, e ele riu quando percebeu o interesse dela, a fazendo ter um ataque de risos com as cócegas pelo corpo dela.
Quando finalmente parou, ela ainda estava rindo, mas crianças nunca esquecem o assunto principal, principalmente quando ficam interessadas.
- É de surpresa hoje?. - Ele assentiu. - É de que?
- Eu comprei uma coisa para o jantar. - Sussurrou, mas escutei. - Pizza. - Ela riu.
- É o meu preferido. - Comentou, animada.
- É mesmo? Eu acertei? - Assentiu.
- É de frango? - Ele riu.
- É, tem de queijo e calabresa também.
- E a bresa dói aqui. - Tocou na própria barriga, e ele entendeu a língua dela.
- Ah, então essa você não come, só queijo e frango, pode ser?
- Sim. - Sorriu, super doce, o fazendo sorrir de volta e beijar o rosto dela.
Ele a deixou no chão depois, mas ela o seguiu pela casa inteira. Seria uma noite longa com ela.
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amantedosfandons · 2 years ago
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13 • Que seja livre
O resultado dos três últimos dias foram que Harry ficou me importunando o tempo todo, me obrigando a contar para ele se algo tinha acontecido comigo a noite depois que me deixou entrar na casa.
Para falar a verdade, não tinha nada de assustador, era só uma casa, até bem organizada e o quarto da criança não saia muito do normal, alguns brinquedos espalhados e uma gaveta entreaberta, mas não tinha nada além de roupas, nenhuma mensagem ou algo suspeito, os forenses tentaram coletar algumas digitais em possíveis locais que a pessoa encostou, mas assim como nos dois últimos casos, não tinha nenhum, quem quer que fosse, tomava muito cuidado.
Estranho usar a palavra profissional para esse tipo de coisa, mas o sequestrador infelizmente era, e muito.
Harry não foi dormir na minha casa, disse que não queria me importunar porque duas pessoas com insônia eram muito pior que uma, o que resultou em conversas por celular até tarde da noite, mas na quarta-feira ele resolveu que ia entrar na minha casa sem mais nem menos.
Segundo ele mesmo disse:
- Sinto muita saudade de você, não posso ficar longe.
Foi mais como um sussurro, estávamos um ao lado do outro no sofá enquanto a Bella insistia em pegar o celular dele para assistir desenhos no YouTube.
O cenário se repetiu na quinta, com uma conversa muito descontraída entre ele e a pequena.
- E essa é a sua preferida, Harry?
Os olhinhos dela eram de muita curiosidade, talvez por ele ter tido paciência e escutado ela mostrar cada uma das pôneis do desenho, e a favorita dela era a Rarity, e quando ele falou o nome de uma delas, tomou como um sinal de que ele gostou daquela.
- Não, a minha preferida é a Rainbow Dash. - Tocou na tela do próprio celular, mostrando para ela.
- E a da minha mãe é essa. - Tocou na pônei rosa.
- Ela é linda também. - A Bella riu.
- A minha mãe é linda? - Olhou para ele, que sorriu.
- É muita linda, igual você. - Só serviu para se aconchegar nele mais ainda.
- E eu sou esperta também. - Ele riu.
- Quem disse?
- O J me disse. - Deu de ombros, passando o dedo indicador pela tela.
- E se ele mentiu? - Ri baixo.
- Não, Harry, ele não mente, é meu amigo. - Ele fez um semblante de alguém surpreso.
- Amigos não mentem? - Negou com a cabeça. - E o que acha de eu e você sermos amigos?
- E...e aí vai me dar um presente de little pony? - Sussurrou.
- Bel... - Chamei atenção dela.
- Só posso ser seu amigo se te der um presente? - Ela assentiu, não eram aqueles os modos que eu dei para ela, e sabia muito bem, porque nem me encarou. - Te dou um presente, então...
- Essa? - Apontou para a tela, o fazendo rir.
- Pode ser essa.
- Mas e a minha mãe pode ser amiga também? - Ele assentiu, apertando leve a bochecha dela. - E a minha mãe também me deu uma pônei.
- Ah, é?
- É. - Entregou o celular para ele.
Ela saiu apressada para encontrar a ponei na caixa, lembro bem da carinha desapontada dele quando percebeu que comprei a errada, mas ela disse "não tem problema, mamãe", e também avisou para eu não ficar triste, o que me fez rir.
Passou um bom tempo explicando para ele quem era a pônei e porque ela precisava de outra, segundo ela, precisava da favorita e ainda seria amiga do outro brinquedo dela, porque a pônei era triste sozinha sem outra junto, e com certeza na mente dela aquilo tudo fazia sentido, mesmo que engraçado para adultos.
Ela não tinha exatamente um cronograma, nunca precisei obrigar ela a dormir, ou algo parecido, às vezes chorava no meio da noite e eu ia deitar com ela, e ficava até se acalmar e voltar a dormir, o problema mesmo era eu dormir depois.
Voltei da cozinha com um copo de suco para mim e vi ela deitada, encolhida ao lado do Harry, que também estava deitado como se o sofá fosse dele, nem percebeu que eu estava encarando ele, e também não tinha percebido a ausência da pequena, porque continuava assistindo ao desenho da pônei.
- Legal você gostar do desenho. - Ele me encarou e sorriu. - Será que vai continuar assistindo mesmo depois de eu levar ela para o quarto?
Foi então que ele encarou ela, com a cabeça quase escapando da almofada, e foi ali que percebeu que havia dormido. Parou o vídeo e desligou o celular.
- Tem um jeito certo de pegar ela?
- É só não ser grosseiro. - Cerrou os olhos, me encarando com tédio.
- Não sou grosseiro com os pequeninos. - Pegou ela, com bastante cuidado, chegou a morder o lábio por pura concentração.
Inclinou o corpo e encostou as costas no sofá, braços bem firmes ao redor do corpinho dela e os cabelos bagunçado ficaram por todo o ombro dele. Me encarou com um semblante super convencido, deixando um beijo no rosto dela, só para me provocar.
- Chega, deixa eu levar ela.
- Não. - A abraçou mais ainda, levantando com ela em seguida. - Eu levo.
- Harry...
- Tchau. - Passou por mim.
Fiquei parada por segundos, mas o segui escada a cima, não sei dizer se era para me impressionar de novo com o fato de saber cuidar de uma criança e colocar ela para dormir, ou se ele realmente estava gostando de tudo aquilo.
Não entrei no quarto, mas fiquei parada N batente da porta, cruzei os braços e tentei não sorrir para uma das cenas mais fofas que já vi. A Bella teve direito até a um beijinho na bochecha, cobertores nos seus devidos lugares, um carinho no cabelo e ainda ficou parado por uns segundos, assistindo ela, e então se dirigiu a porta, sorrindo para mim.
- Pode falar, sou bom. - Fechou a porta.
- É, bonzão, não feche a porta, ela tem medo. - Abri de novo e a deixei deixei entreaberta.
- Um deslize, aprendo rápido.
- Para que aprender rápido?
- Para ser o melhor padrasto do mundo. - Piscou um dos olhos.
- Nem é meu namorado ainda e já está se autonominando como padrasto? - Franzi o cenho.
- Au! - Levou a mão ao peito. - Essa doeu, e muito!
- Fala baixo. - O empurrei de leve, e segui para a escada.
Estava cedo para dormir, e eu queria o meu tempinho com ele, ficou dando tanta atenção a Bella que nem me deu um beijo direito, não que eu quisesse, mas é o necessário para uma relação crescer, certo?
Errado, estou adiando o sentimento, mas vai ser inevitável, sei e já sabia antes mesmo de aceitar sair com ele. Me apaixonei rápido demais pelo Harry, de todas as características de um homem perfeito para mim, ele tinha até mais atribuições, era bom com a Bella, me fazia rir o tempo todo e toda vez que ia até à minha casa dizendo que simplesmente não conseguia ficar longe, fazia me apaixonar mais ainda.
Inteligente, gentil comigo e com a Bel, me dava o espaço certo quando pedia, mesmo que nos últimos tempos eu tenha tido o desejo de ficar com ele o tempo todo. Um ótimo cozinheiro e sempre me levava um presente, mesmo que simples, flores, chocolate, ingredientes para uma receita nova, surpresas para a Bella, tudo me fazia querer ele para sempre.
Naquele momento, não quis pensar no que poderia dar errado, nem no que a Michelle disse sobre ele, em nada, nada que pudesse estragar o que estávamos tendo.
- Agora vai ser assim? - Me beijou mais uma vez, fazendo um carinho gentil na minha coxa. - Sua filha dorme e a pegação começa? - Riu, me encarando com aqueles olhos maravilhosos.
- Não se acostume. - Sussurrei, espalhando selinhos em todo canto da boca dele.
- Você não é assim. O que houve? - Sussurrou de volta, subindo as mãos gentis.
- Nada. - Ele riu.
- Diz para mim. - Afastou meu rosto levemente. - Diz que sentiu saudade. - Sussurrou com a boca perto da minha.
Era impossível negar, senti saudade, sentia o tempo todo, só mensagens não bastavam. Como ele conseguiu me deixar desse jeito?
- Senti saudade. - Sussurrei, tímida e o encarando.
Ele sorriu grande, selando nossos lábios em um beijo demorado, uma, duas e três vezes antes de se afastar de novo e levar meus fios de cabelo para trás da orelha.
- Sinto saudade toda vez que deito na cama e você não está, sabia? - Sorri para ele, totalmente entregue. - Isso não deveria ter acontecido...
- O que não deveria ter acontecido? - Ri baixo, sem entender.
- Eu me apaixonar por você. - Estava sério, acariciando meu rosto.
- Por que? - Totalmente confusa. - Se arrependeu, por acaso?
Eu estava sorrindo, mas com muito medo, só o que vinha na minha mente era "de novo não, de novo não", cheguei tão longe com alguém e agora ele resolve que não deveria estar acontecendo.
- Nenhum pouco. - Sorri de alívio, e ele beijou minha bochecha. - Só é complicado.
- Por que? - Cheguei mais perto. - O que você esconde nesse coração? - Cerrei os olhos, tocando o peito dele.
Já tinha percebido que ele não era do tipo que mostrava sentimentos pelas reações, mais um motivo de ser ruim uma pessoa que sorri o tempo todo.
Nos ajeitamos no sofá, antes deitado e naquele momento sentado, comigo ainda em cima dele, as mãos fazendo um carinho agradável na minha cintura, mas se moveram rápido para o meu rosto.
- Meus relacionamentos nunca foram bons e duradouros, por isso nunca saio com ninguém. - Deu de ombros. - Eu tenho um trabalho meio complicado...
- Ser delegado não tem sido complicado. - Ri baixo, o encarando. - E eu já disse que entendo você, é seu trabalho, vai precisar ir em horas que não quer, e isso faz parte.
- Você não entende. - Riu baixo. - Não sou quem pensa que sou.
Fiquei olhando para ele, parecia prestes a me contar um grande segredo, mas só sorriu de novo e acariciou minhas coxa, na verdade, ele nunca sabia onde deixar as mãos.
- E quem você é?
- Um cara ocupado, tá bom? Não tenho experiências nisso, eu amo esse trabalho, mudei muito de uns anos para cá, mas tenho medo de um dia preferir a minha carreira do que você e a Bella. - Fechou os olhos, suspirando e negando com a cabeça, parando de me tocar. - Odeio isso.
- O que?
Ficou me encarando por um tempão, e então engoliu em seco, suspirando e voltando a me tocar.
- Dizer isso, sou um idiota. - Riu, me encarando só depois. - Sei que tem medo de ficar sozinha de novo, e eu não quero isso, Kayra, o que sinto por você é intenso, mesmo que seja pouco tempo, não quero ser um idiota, o cara que te prometeu ficar e no final decide ir embora, claro que não quero fazer isso, gosto de você, mas...eu não sei.
Dava para ver a confusão no olhar dele, suplicando uma chance mesmo que não estivesse pedindo nada.
Um homem com experiências ruins nos relacionamentos e que nitidamente ama o trabalho, e uma mulher que já foi rejeitada inúmeras vezes simplesmente por ser o que é.
Não dava para arriscar de novo, colocar expectativas em algo que ele mesmo disse que talvez não daria certo, e antes de gostar dele, sempre me amei muito mais, e não podia me magoar de novo, era feliz com a minha filha, e se fosse para ser assim para sempre, então ótimo.
Saí do sofá, fiquei de pé na frente dele, não queria magoa-lo, mas também queria deixar claro que se ele estivesse disposto a tentar, eu também estava.
- Não quero que seja dependente de mim, Harry, que precise escolher entre o trabalho e uma família e ficar irritado por isso. Quero que seja livre, e que sendo livre, me escolha.
Suspirei, aliviada por dizer e sabendo que iria embora, no momento que levantou e pegou o casaco e o vestiu. Me encarou por breves momentos, parecia se decidir, mas virou as costas e saiu da minha casa.
Não o julguei e nem fiquei magoada, era novo para ele também, precisava pensar, e se fosse para me magoar eu preferia mesmo que não voltasse mais. Não chorei também, pensei que ia ficar super magoada, mas me senti aliviada por ambos sermos sinceros um com o outro.
Não existe nada mais forte do que uma mulher destruida e traumatizada que se reconstruiu, só serve para ficar melhor com você mesma, e eu sabia que Deus podia reservar uma coisa ainda melhor para mim, então, só podia ficar tranquila.
*     *     *
Harry tinha razão quando disse que demoraria mais para o próximo sequestro, passei a semana sintonizada nas noticias, e não vou negar, estava esperando uma mensagem ou visita, mas não apareceu, o sábado se foi e o domingo também, a rotina de segunda-feira apareceu e eu já estava saindo do trabalho, duas da tarde, ia buscar a Bella depois do horário porque estava experimentando deixar ela até o fim da tarde para poder ficar mais tempo no trabalho, mas era a fase de adaptação.
Quando ficava em casa sozinha costumava arrumar tudo, geralmente com música, mas estava preferindo o silêncio, não era muita coisa para fazer, só o básico para manter uma casa, e depois de tudo, estava concentrada em fazer uma lista de compras, precisava muito ir ao mercado.
Estava terminando, lembrando de algumas coisas soltas e escrevendo tudo, até que escutei minha campainha. Depois de todos aqueles dias será que o Harry resolveu decidir algo? Qual ia ser a desculpa dele depois daquele tempo? Qual seria o presente da vez?
Fui correndo até a porta, mesmo sem querer, mesmo sabendo que não deveria abrir tão animada, então parei de correr, e abri a porta.
- Apollo? - Franzi o cenho. - Aconteceu alguma coisa? - Ele riu.
- Olha, se eu fosse um ladrão, você teria se dado mal. - Tirou algo do bolso, e reconheci minha carteira. - Deixou isso na sua mesa, passei e vi, pensei em devolver.
- Ah, obrigada. - Peguei a carteira, olhando para a mesma. - Eu não ia mesmo poder ir ao mercado hoje, obrigada...de novo. - Ele riu.
- Sem problemas, sempre que precisar. - Deu de ombros.
Era muito estranho ele estar ali, Apollo não saia do trabalho por nada, mesmo que fosse uma emergência fora da sua função, esperava o horário passar e então resolvia, então, o fato de ter saído às três da tarde só para ir levar a minha carteira estava sendo bem estranho.
- Quer entrar?
Ele ficou tempo demais me encarando, parecia esperar pelo meu convite educado, mesmo que eu soubesse que não se aguentaria e diria que não seria possível, porque precisava voltar para o trabalho.
- Seria ótimo.
Só não fiz uma careta porque soube controlar, dei espaço para ele entrar e enquanto estava de costas, mexi a boca em uma pergunta horrorizada, algo como "Mas que porra está acontecendo?", porém, nenhum som saia da minha boca.
Ofereci café a ele, mas preferiu a água, ficamos sentados em silêncio por segundos que mais pareciam segundos.
- O que aconteceu?
- Como assim? - Ele parecia confuso.
- Você nunca larga o trabalho, o que está acontecendo aqui? - Riu, deixando o copo de água em sua frente.
- Eu parei com isso, aquele lugar não faria nada por mim, na primeira necessidade estou sendo demitido, então, de que adianta? - Sorri para ele, compreendendo.
- Você era meio viciado...
- Tá. - Rolou os olhos. - Eu era, estou tentando mudar.
Ficamos em silêncio por um bom tempo, sem saber o que dizer.
- Mas e então. - Começou, girando o copo vazio na mão. - Fiquei sabendo de umas histórias suas com o delegado...
- Ah, por favor. - Ele riu da minha expressão. - Não tem nada entre nós.
- Mesmo? - Cerrou os olhos.
- Saímos umas vezes, rolou umas coisas. - Dei de ombros. - Mas não ia dar certo.
- Que bom.
- O que? Por que bom?
- Significa que tenho mais chances.
Não era a primeira vez que Apollo dava uma investida daquelas, já flertou comigo várias e várias vezes, uma vez até me convidou para ir à casa dele depois de uma festa, eu quem nunca quis.
- Talvez se você parasse de falar e fizesse algo concreto...
Ele me encarou, surpreso, fazia anos que ele tentava mais do que me beijar, aconteceu uma vez, mas eu tinha bebido demais e ambos preferimos ir para casa, isso logo no começo da minha carreira, ele também não tinha virado chefe do nada, éramos jovens e do mesmo setor, foi logo depois da minha separação e dois meses depois descobri que estava grávida, e então ele nunca mais fez de novo, a não ser jogadar piadinhas e dar algumas investidas quase invisíveis.
Óbvio que não esperava que eu falasse aquilo, mas me arrependi no mesmo momento, mesmo que não quisesse admitir, estava sentindo falta do Harry, e dizer aquilo para ele só me fez perceber que eu queria o Harry e não o Apollo.
Era lerdo demais, Harry não precisou de uma semana para me convencer que eu precisava dele, claro que estava a quase uma semana sem falar comigo, mas mesmo que tenha sido ruim, ninguém nunca foi tão direto quanto ele, e quando insinuou que eu nunca tinha sido tocada por um homem de verdade, estava certo, o maltido delegado foi o primeiro a fazer direito.
- Kay, se você quiser...
Parou de falar, continuava sorrindo, mas soltou uma risada baixa quando a campainha soou de novo e alguém bateu na porta.
Parecia o dia das pessoas resolverem me visitar, fui arrastada até a porta, com tédio, mas ao abrir, meu semblante mudou bruscamente.
- Harry?
- Oi. - Mãos nos bolsos da jaqueta policial, parecia inquieto. - Tudo bem?
- É...tudo. - Não passa para entrar. Não passa para entrar. Não passa para entrar.
- Posso entrar?
Merda.
- Ah, é que...Talvez queira conversar em alg...
- Kay? - Fechei os olhos por momentos. - Ah, olá Harry. - Apollo acenou.
Apollo sorria, o cumprimentando com toda a alegria do mundo, já que pelo visto dei uma chance a ele. Harry arqueou a sobrancelha como se ele não fosse ninguém, sério, apenas acenou com a cabeça.
Ele podia suspirar, me encarar e dizer que voltava outra hora, mas não, Harry não era o tipo de homem que perdia seu posto tão fácil, ia lutar até o final para conseguir ficar e conversar comigo, só sairia se eu dissesse não.
- Podemos conversar? - Me encarou, como se o homem não estivesse ao meu lado. - É urgente.
O simples adicional do "urgente" com a voz firme bastou para eu escutar um suspiro ao meu lado, seguido de um até logo simpático e o semblante dele transmitia o coração partido no peito. E assim, Harry expulsou minha visita surpresa em segundos.
Deixei ele entrar, não podia mentir e dizer que não queria aquilo, porque estava sentindo até saudade das invasões dele na minha casa. Entrelacei os braços e fiquei encarando ele, eu na pia da cozinha e ele na porta, retirando a touca e apertando o tecido, encarando as próprias mãos e o gesto.
- Não posso dar um tempinho e os abutres já voam para conseguir roubar o que é meu, incrível...
- Não sou sua. - Falei rápido, ainda o olhando séria. - E que eu saiba você abandonou a ideia de...
- Não abandonei nada, te dei um tempo, espaço para pensar e para eu pensar também. - A fala séria me fez ficar calada. - É melhor que sair machucando os outros.
- Tanto faz. - Dei de ombros.
- Qual a dele? Fica te visitando agora? Espera, não responde. - Levantou a mão, rindo. - Ele perguntou se estávamos saindo?
Às vezes eu subestimava a esperteza dele, sabia direitinho o que o Apollo queria na minha casa, e não estava errado.
- Sim. - Sorri. - E vamos sair no fim de semana, só para saber.
Sorri mais ainda, mas o sorriso dele desapareceu, me olhando nos olhos, foi a primeira vez que estendi a expressão de raiva dele.
Ficou me encarando durante um tempão, até que jogou a touca na ilha da cozinha e seguiu com passos leves na minha direção.
- Você não fez isso. - Falou sério.
- Fiz. - Menti. - Mas o que veio fazer aqui?
- Dizer que estou disposto a te escolher, sendo livre. - Meu sorriso sumiu, fiquei chateada por breves momentos. - Você e a Bella, nada é mais importante que a família, meu pai disse isso um dia, e eu levei para a vida. Queria te dar espaço sem ficar te sufocando com a minha indecisão, mas parece que já tem uma resposta para mim.
- Ficou indeciso entre mim e o trabalho, então? - Ri baixo, parecia uma piada.
- Entre deixar ou não você entrar na minha vida desastrosa, nem de longe sou bem estruturado como a sua família, mas por um momento pensei que seria bom te ter de verdade, com quem contar, deixar o passado para trás e finalmente seguir com o que eu quero e não o que os outros esperam. - Mais uma vez calada. - Mas não sou um homem que prende as pessoas, você tem direito de escolher o que acha melhor para você e a sua filha, e se quer o Apollo, tudo bem. - Deu de ombros. - Só tenha em consciência que não sou de desistir fácil.
- E o que vai fazer? Macho alfa. - Ele riu, me encarando com certo ânimo.
- Você cancelar com ele. - Foi a minha vez de rir. - Não quer sair com ele, Kayra, tem saudade de mim, igual eu tenho de você, seus olhos dizem e suplicam por uma chance a nós.
- Eles não dizem nada...
- Dizem, estão morrendo de desejo. - Sussurrou a última palavra. - Você me quer, eu sei.
- Não quero.
- Se eu te tocar, vai continuar dizendo o mesmo?
- Não me vendo por sexo.
- Não é sexo. - Levou as mãos a minha cintura. - É tocar. - A mão direita foi parar no meu rosto. - É para te fazer lembrar o quanto gosta do meu carinho. - Piscou um dos olhos.
Aquele maldito sabia o que estava fazendo, avançou lentamente e literalmente cheirou meu pescoço, uma mão firme na minha cintura e outra ainda não meu rosto, e ainda deixou um beijo rápido na curva entre meu ombro e meu pescoço. A encarada dele era surreal, quase como se eu fosse um diamante na frente dele, não era o Harry descuidado e idiota, era só o Harry carinhoso comigo, o homem do sorriso bonito que fazia ter vontade de beijar ele.
- Você é idiota. - Sussurrei. - Eu não ia sair com ele, nem pediu. - Ele sorriu.
- Eu sei.
- Não sabe.
- Claro que sim, nos gostamos, por que aceitaria? - Era tão idiota o jeito que a voz dele me deixava. - Você já decidiu se quer ter insônia comigo?
Eu tentei não sorrir, ele estava sendo palhaço em meio a situação, mas foi impossível, cheguei a negar com a cabeça, me achando fraca perante a ele, que sorriu largo desde o começo da pergunta.
- Duas coisinhas que você precisa saber, querido. - Fiz o número dois com os dedos, depois apoiei meus braços ao redor dos ombros dele. - Primeiro, namoro com você depois que fizer um pedido descente e bem romântico, porque não aceito menos que isso, e segundo, você nem pediu para a Bella e os meus pais ainda. - Riu apoiando a cabeça no meu ombro.
- É muito trabalho para te namorar, não sei se quero mais. - Tentei empurrá-lo para longe. - O voo vale a queda, vou passar esse trabalho por você. - Rimos baixo. - Espera, a Bella? - Me encarou.
- Ela mesma, como posso ficar com um homem que a minha filha não aprova?
- E se eu receber uma resposta negativa de uma criança?
- Então sinto muito, mas é tchau para você. - Acenei com a mão, e ele cerrou os olhos.
- Vou correr esse risco.
- Tá bom. - Ri baixo, e em seguida o abracei.
Tudo bem, não era uma reconciliação depois de uma briga, era só uma decisão, estava disposta a tentar e o mínimo que pude fazer foi dar um tempo para ele, não dava para se desesperar e cobrar algo de um cara que nem sabia como ter um relacionamento.
- Estava trabalhando?
- Desde ontem às cinco. - Abri mais os olhos. - Pois é, resolvi dar uma pausa leve.
- Uma pausa leve? Você é louco?
- Não consegui dormir, acabei indo patrulhar a cidade com alguns colegas, acionei o alerta vermelho para as outras cidades e mandei uma dupla de policiais em cada bairro, fazer rondas, essas coisas. - Deu de ombros.
- Você não cansa de trabalhar?
- Canso, mas se eu não fizer, ninguém faz. - Bati no peitoral dele.
- Que trabalhador. - Rolei os olhos.
- O homem perfeito, eu sei. - Fechou os olhos e assentiu, super orgulhoso de si mesmo. - O que ia fazer antes de eu chegar?
- Beijar o Apollo. - Suspirou e se afastou, me fazendo rir. - É brincadeira, estava esperando ele ir embora para poder ir ao mercado e depois buscar a Bella. - Olhei para o relógio. - Mas agora vou ter que ir buscar ela e ir ao mercado.
- Aonde ela foi?
- Creche, estou tentando fazer ela se adaptar e ficar até mais tarde para eu trabalhar. - Assentiu, compreendendo a situação.
Ele parecia querer dizer mais, porém, não perguntou mais nada, fiquei pensando no silêncio repentino dele enquanto arrumava a minha bolsa, crianças e mercados não combinam, mas não tinha escolha. Voltando ao silêncio dele, não sei dizer se estava sendo ingênua demais ou não, mas interpretei aquilo como uma hesitação dele mesmo, talvez percebendo que me deixou chateada de certa maneira por ter sumido do mapa durante aqueles dias.
- Fui para Boston no final de semana, ou...no fim dele.
O olhei de relance, apenas assenti, não entendi se estava querendo dizer que aquele foi o motivo do sumiço. Não fiquei tão magoada, se apaixonar te magoa por si só, de vez em quando pelo simples motivo de não receber uma mensagem, não estava brava, mas queria muito entender o que tinha guardado naquele coração dele, dava para ver que estava tentando se aproximar sem forçar a barra, ou talvez fosse uma barreira dele.
E juro, queria muito conversar com ele sobre tudo aquilo, o motivo de ter sumido, como estávamos, se dizer que me escolheu significou mesmo algo ou foi da boca para fora, só que ser mãe solo dá trabalho e nunca tive ninguém para fazer compras e buscar minha filha por mim.
- Legal. - Sorri, colocando minha bolsa no ombro. - Foi...a trabalho?
- É, estou tentando resolver as coisas sobre os sequestros.
- Ah. - Murmurei, e olhei para dentro da bolsa só para verificar as chaves. - Vai ter tempo livre amanhã?
- No fim da tarde.
- Ótimo, porque eu preciso mesmo ir, mas quero falar com você. - Sorri para ele, e fez o mesmo. - Só não desaparece de novo...
- Me desculpa por isso. - Falou mais baixo. - E...Kayra? - O observei com atenção. - Não foi da boca para fora, quero mesmo que a gente de certo, que isso... - Apontou para nós dois. - Se torne algo mais sério.
Sorri com os lábios, não um sorriso forçado ou inquieto, ou tímido, mas do tipo apaixonado, parecendo uma idiota adolescente, aquele tipo de sorriso que você tenta esconder tanto que suas bochechas ardem, qualquer um já sentiu essa sensação ao menos uma vez, e senti de novo, pela segunda vez com alguém, nem lembrava o quanto era legal.
Fui até ele e beijei sua bochecha, ele sorriu para mim e me acompanhou até a porta, disse que até iria no mercado comigo, mas estava com medo de eu acabar com todas as caixas de leite de lá e me avisou sobre o risco.
Brincadeiras a parte, entendi a decisão dele, estava dando espaço, do tipo "tudo bem entre nós, e sabemos que é melhor ir devagar". Mesmo que já tivesse saído com ele, o conhecido bem melhor, beijado e ido para a cama com ele, ainda não sei se me sinto pronta para ter ele tão perto da Bella, e ela gosta dele, mas o vê como um amigo e não como parte de um relacionamento amoroso da mãe.
A Bella era doce, entendia tudo, mas sei que ia me encher de perguntas quando visse ele abraçado em mim, ou beijar meu rosto carinhosamente, e não era ruim, sempre respondi as perguntas dela com muita sinceridade, mas o medo sobre ela ficar confusa prevaleceu. É mais fácil ter um pai que namora outra mulher, ela não convive tanto com o Justin, ele busca ela nos fins de semana para ir à casa dele, quando é o dia dele, e a leva sozinho para passear, então, consequentemente não tem tanto contato com a Hanna, apesar se saber quem é e o que ela é do pai dela.
Comigo é diferente, a Bella mora na mesma casa que eu, dorme comigo vez ou outra, e se saísse da cama dela e fosse até a minha e visse um homem dormindo comigo? Ela com certeza ficaria confusa, e não que nunca fosse acontecer, se eu e ele nos tornassem algo, não ia ser impedido de dormir na minha casa quando ela estivesse, mas o processo para ela entender tudo teria que ser lento.
A ida ao mercado começou de um jeito não tão fácil, foi quando soube que ela pediria algo e faria uma carinha de triste quando eu dissesse "não". Passou quase o tempo todo caminhando atrás de mim e carregando uma caixa de serial, não quis deixar no carrinho de jeito nenhum.
- Mãe, olha...e tem uma carinha de dinossauro. - Apontou para o biscoito na prateleira. - E pode esse, mãe?
- Bella... - Sussurrei, encarando o preço de um pote de geleia de morango. - Qual?
- Esse. - Pegou o pacote e o estendeu.
Suspirei, ela nem gostava daquilo, queria só por causa do formato de dinossauro. Esse é o problema de um supermercado e crianças, as indústrias fazem de tudo para chamar atenção delas e você precisar comprar coisas a mais.
- Vamos fazer um combinado? - Sorri para ela, que agarrou a caixa com mais força. - Nossos combinados são sempre justos, você gosta, não gosta?
- Não. - Negou, me fazendo suspirar.
- Bel. - Me abaixei na frente dela. - Você sabe porque a mamãe vem ao mercado?
- Para comprar meu lanche? - Sorriu, travessa, e cerrei os olhos.
- Não, sua danadinha. - Apertei ela de leve. - Venho para comprar o essencial para a nossa casa, assim eu posso fazer o nosso jantar, nosso café, seu lanche...o mamazinho. - Sussurrei, e ela riu. - E a mamãe não tem dinheiro para comprar um montão de coisas dessa vez, entende?
- Mas e o meu pai compra. - Sorriu. - E ele tem dinheiro, mãe, e você não?
Claro, porque o pai dela passava dois fins de semana inteiros com ela por mês, e não moravam junto, automaticamente fazia todas as vontades dela. Aquele era o problema do Justin, não colocava limites nas vontades dela.
- Eu tenho dinheiro, filha, mas a casa precisa ser abastecida antes de tudo, é coisa de adulto. - Rolei os olhos, sorrindo para ela. - Olha, vamos combinar o seguinte: você escolhe três coisas hoje e eu compro, tudo bem? O que você quiser.
- E quatro? - Neguei com a cabeça. - Mas de três eu não quero.
- Então não pode levar nenhum, sem combinado, sem compras. - A encarei, tentando fazer mudar se ideia. - O cereal é um deles, hun? Eu coloco no carrinho para você, compro esse se quiser. - Peguei a caixa, mas ela forçou para pegar de volta.
- É meu!
- Bella. - Falei firme. - O que falamos sobre dividir? Não ia vir me ajudar? Porque está brigando comigo?
- Não, mãe, eu não brigo. - Tentou se explicar, chegando perto de novo.
- Amigas não brigam, não é? - Negou com a cabeça. - Vem, a mamãe guarda para você.
Peguei a caixa da mão dela e a abracei, levantei com ela no colo e a coloquei sentada no carrinho. Mães aproveitam deixas, levantei com ela no colo aproveitando a deixa de concordar em ficar no carrinho, dei conversa para ela e até deixei escolher entre uma marca e outra de comida só porque abriu uma brecha.
Qualquer coisae para manter ela no carrinho até que todas as compras estivessem no carro era válida, e depois de toda a entrevista dela no mercado, e depois de todas as vezes intervindo e falando firme com ela para não ficar correndo pelos corredores do mercado, finalmente estava em casa, e naquele momento o cuidado maior foi guardar as compras com ela pela casa, mexendo em tudo, até que disse estar com fome e quase levantei as mãos para o céu e agradeci.
Crianças tranquilas também dão trabalho, a Bella não era do tipo mal-educada ou agitada, mas ainda era uma criança, e crianças dão trabalho, qualquer uma, e mesmo sendo tranquilas elas ainda tem curiosidade de mexer nas coisas, ir a lugares e perguntar sobre tudo, e você não pode em nenhum momento vacilar, precisa estar de olho em tudo, mesmo cansada.
- É bom?
Perguntei, para bem na frente dela, me debruçando na ilha da cozinha enquanto ela comia o cereal colorido, puro, sem nada, só comia se fosse daquele jeito, e por milagre estava sentada na cadeirinha alta, aquela que odiava e não aceitava de jeito nenhum.
- É. - Sorriu, comendo um círculo colorido de cada vez. - Um pedacinho? - Esticou o braço, com um círculo azul no dedo.
- Não, obrigada. - Sorri para ela.
- É de dividir, tá bom? - A informação pareceu muito importante para ela.
- Tá bom. - Ri baixo, a observando. - Brincou muito hoje?
- Não. - Franzi o cenho. - Eu fui na escola.
- Ah. - Ri de novo. - E como foi?
- Eu...pintei, mãe, uma flor. - Assenti. - E tinha a minha massinha, e eu dormi.
- Dormiu? - Assentiu, animada. Sabia que tinha a hora da soneca na creche. - Você gosta de dormir lá?
- Não. - Riu. - E não tem meu coelho, mãe, e a minha cama fica mais melhor. - Ri alto, achando graça do "mais melhor".
- É, meu amor, eu te entendo, nossa caminha é sempre melhor, não é? - Assentiu. - E...o seu amigo Harry? - Ela sorriu.
- E ele é meu amigo também?
- Você quer que seja? - Assentiu, comendo o cereal. - Ele é legal, não é?
- É.
- O que você acha de ele ser amigo da mamãe?
- É legal. - Sorriu, assentindo, me fazendo achar o jeito dela engraçado. - Ele é legal, mãe?
- É. - Assenti. - E...você sabe o que a Hanna é do seu pai?
- É a namolada. - Sorriu, entendi a palavra apesar de trocar o r pelo l. Fazendo sair um lada e não rada no fim.
- E o que é isso?
- O meu pai, mãe, é uma pessoa que ele achou engraçada. - Ri baixo, encarando ela. - E...ela mora lá na casa, e é igual o pai do Joe e a mãe dele, mas...a Hanna não é a minha mãe.
- O Justin disse isso? - Assentiu. - E como você se sente? É estranho ver seu pai com outra mulher?
- Não, mãe, porque...a minha amiga, ela tem duas mamães. - Abri mais os olhos.
- Ah, é?
- É. - Assentiu, super séria. - E...é a mamãe dela, mas e a outra é de...emprestar. - Assenti, como se estivesse estendendo.
A amiga dela era um ano mais velha, prestes a fazer quatro, os pais se divorciaram assim que nasceu e a irmã da mulher, tia da amiguinha dela, já foi babá da Bella, por isso ela sabia, e um dia me perguntou o motivo de ela ter duas mães, como a garotinha havia explicado.
- E você gosta da Hanna?
- Sim! - Levantou os braços, animada.
- E... - Não quis forçar, se não respondesse e não demonstrasse interesse, a conversa acabaria ali. - E se eu tivesse um namorado?
- Hum... - Murmurou, me encarando seriamente. - E aí dorme lá na cama? - Ri baixo, o rostinho preocupado estava me assustando.
- Às vezes...
- Não, mãe. - Negou rápido.
- Por que? Você acha estranho? - Assentiu.
- E eu durmo lá na cama juntas. - Franziu o cenho, e segurei o riso.
- Mas você pode ir sempre que quiser. - Suspirei. - Foi só uma pergunta, tá bom? A mamãe não tem namorado, só o amigo Harry. - Sorriu, e fiquei mais aliviada.
- E o Harry é meu amigo. - Afirmou, parecia muito orgulhosa daquilo.
- Sim, ele é nosso amigo. - Sorri para ela.
Não perguntei mais nada do gênero, e ela também não, pareceu um assunto solto para ela, e eu não gostava de ficar forçando uma conversa que ela parecia não querer ter, ficou preocupada em dividir o espaço dela com outra pessoa, porém, sorria sempre que eu pronunciava o nome do delegado, então, talvez gostasse da ideia de ele ser meu namorado, porém, fiquei quieta depois que falei sobre ser nosso amigo, ela tinha quase três anos, não era para se preocupar com coisas sem necessidade.
Dormi tão bem durante a noite que até me assustei, e a definição de bem para mim é quando você desperta de madrugada, vai ao banheiro e volta a dormir. Peguei meu celular e verifiquei as horas, três da manhã. Abri minha porta como quem não queria nada, fui dar uma olhada na Bella, se estava com cobertores, se estava bem, só o básico para voltar a dormir.
A porta estava entreaberta como sempre, eu deixava porque ela não gostava que fechasse a porta totalmente, então só apoiei minha mão na porta e a empurrei levemente.
Abri mais os olhos, fiquei em choque, apavorada. A criatura escutou minha respiração alta e suspiro de pavor, me encarou na mesma hora, emvapuzada, não via o rosto pela escuridão, mas estava abaixado na altura da cama dela, se antes estava a encarando, naquele momento ficou mirando o olhar em mim.
Tapei minha boca com as duas mãos e soltei um grito abafado e fechei os olhos fortemente, um grito com um choro junto, estava sonhando, óbvio que estava, levantei pensando estar acordada, mas só o meu corpo estava, meu cérebro não, ainda estava no processo do sonho perturbador, e foi golpe baixo dele, mexer com a minha filha não era justo.
Abri os olhos, a figura já não estava mais, mas a janela estava aberta, franzi o cenho. Olhei para as minhas mãos.
- Um...dois...três... - Abri mais os olhos. - Dez... - Sussurrei o número.
Peguei meu rápido meu celular e o relógio mudou de três e quatro para três e cinco. Não estava delirando, não estava sonhando.
Tinha alguém no quarto com ela.
Corri até a cama e a peguei as pressas, não fiquei para fechar janela ou portas. Corri até meu quarto com ela, com cuidado para não acordar e não apavorar a minha pequena, a deitei na cama, abri a última gaveta do meu banheiro, levantei o fundo falso e peguei a única coisa que jamais desejaria.
Abri o carregador da minha nove milímetros, seis bala novinhas, nunca usadas, voltei até o quarto, tudo que eu menos queria era usar a arma, então peguei o celular e liguei para a única pessoa que eu tinha, a única que podia me ajudar e ainda era da autoridade.
Quando atendeu, chorei, muito, sem parar, acho que o choque subiu pelo meu corpo, talvez meu cérebro tenha chegado a conclusão de "cacete, foi real, alguém estava no quarto com a minha filha", e então desabei, nem falei o que querida.
- Kayra, o que aconteceu?
A voz preocupada e assustada dele estava me deixando mais apavorada ainda.
- Kayra, respira, você está em casa?
- Sim. - Respondi entre o choro.
- Por que está chorando? Alguém fez alguma coisa? - Dava para sentir que estava inquieto, óbvio, o deixei apavorado.
- Harry, eu preciso que venha até aqui, agora. - Suspirei, limpei minhas lágrimas e olhei para a Bella. - Alguém entrou aqui.
- Você viu? - Suspirei. - Tentaram, ou entraram mesmo? Não estou entendendo.
- Ele entrou. - Respirei fundo. - A pessoa que está sequestrando as crianças.
- Estou indo.
Ele desligou depois, acho que entendeu o que eu disse apesar de soluçar no meio das palavras, tenta do chorar baixo por causa da Bel.
A loucura foi tanta que até conferi se ela estava respirando, e por sorte, estava mesmo, abracei ela o tempo todo, até escutar as batidas na porta e o barulho da sirene nas viaturas.
Harry não foi sozinho para a minha casa, tinha mais polociais, investigadores, reconheci os três forenses pelas jaquetas. Fiquei na sala com ela no colo e escondi a arma de novo.
Minha bebê acordou com o barulho alto, na verdade, a vizinhança toda, ficou assustada, pensei que ficaria nervosa e choraria, mas só ficou abraçada comigo.
Fiquei encarando o investigador na minha frente, Harry bem ao lado dele, sentado no sofá na frente do que eu estava. O homem ficou confuso, estava me perguntando coisas e eu não respondi nada, a Bella estava assustada, não ia falar nada com ela ali. A apertei contra meu corpo e me aconcheguei mais no sofá, os dois perceberam o motivo lógico da minha falta se palavras.
Harry levantou do sofá, aquele uniforme assustador dele e o semblante mais ainda, mas eu sabia que gostaria muito de me ajudar e falar. Chegou bem pertinho do rosto dela, piscou um dos olhos e estendeu as mãos, a Bella confiava o bastante nele para aceitar o colo.
- Você viu quem era? O rosto...qualquer coisa.
- Não, estava todo de preto, usando um capuz, não dava para ver o rosto.
- Acha que era homem ou mulher?
- Homem.
- Por que?
- Era grande, alto, mesmo agachado para ver, ombros largos e braços grandes. - Dei de ombros. - Tinha o físico de um homem.
- Disse que estava agachado?
- Ao lado da cama da minha filha. - Assentiu, anotando tudo.
- A janela estava aberta antes de deixar ela dormindo?
- Claro que não. - Ele assentiu, calado, percebendo que me senti ofendida pela pergunta.
- O que ele fez quando te viu? Reagiu, tentou chegar até você, você reagiu...
- Não. - Neguei rápido. - Não vi o que ele fez, presumo que saído pela janela.
- Você não viu? - Franziu o cenho.
- Não.
- Por que não?
- Fechei os olhos e gritei, pensei estar sonhando, tendo mais pesadelo, só percebi que era real depois que foi embora.
- Tem pesadelos frequentes?
- Não. - Menti, ele pensaria que era coisa da minha cabeça. - Mas pensei isso na hora, nunca aconteceu nada assim comigo.
- Entendo.
Ele fez muitas perguntas, mas não prestei atenção nas últimas, fiquei encarando a cozinha, a Bella no colo dele, enquanto estava encostado em um dos balcões, falando algo para ela com a boca quase encostada na testa dela, estava chateada e sem entender nada do que estava acontecendo.
Os forenses não tiveram muito o que fazer, deram uma olhada, tiraram as fotos, o investigador entrou, mas não tinha nada errado além da janela aberta, colheram digitais de onde pensava que tinha e firam embora, menos o Harry, ainda estava na cozinha, com ela dormindo no colo dele.
Eu não queria conversar, ainda estava em choque e com medo da figura encapuzada aparecer de novo. Não queria deixar ela dormindo longe de mim, então a deixei no sofá e segui para a cozinha, pela primeira vez eu queria um café preto.
Já tinha percebido que ele era muito do tipo que pensava antes de dizer qualquer coisa, estava me analisando primeiro, estudando o que deveria falar e o que seria inapropriado.
- Eu sei que está assustada agora, mas prometo que vou fazer de tudo para resolver isso, nós estamos correndo atrás disso dia e noite, e estamos muito...
- E se eu sonhei? - Sussurrei.
- O que disse?
- E se foi um sonho? - Encarei ele. - E se foi o maldito terror noturno? E se ele nem estava lá...
- Você acha que sonhou? - Dei de ombros. - Kayra, você não deixaria a janela do quarto aberta e a não ser que tenha destruído seus arbustos pulando em cima... - O encarei de novo. - Alguém pulou da janela dela.
- Então por que ele não fez nada? Só foi embora, parece até que... - Parei por um momento. - Me conhece. - Sussurrei. - E se ele me conhece? E se é alguém que eu...
- Ei. - Ele riu, tocando meu braço. - Pode ser isso, e também pode ser que queira ser pego. - Franzi o cenho. - Já lidei com maníacos antes, chega uma hora que eles cansam.
- A Bella era a quarta criança que ele ia sequestrar, ele só começou, não quer ser pego agora.
- E como sabe que ele não estava em outro país antes?
- Do que você sabe? - Cerrei os olhos.
- Não posso, é confidencial.
- Harry. - Cheguei perto. - Por favor.
- Não temos certeza, ok? Mas achamos que estava nos Estados Unidos e no México antes, o perfil bate. - Deu de ombros. - E é só isso, chega.
- Você tem mais pistas? - Rolou os olhos. - Por favor.
- Você não é investigadora, que eu saiba. - Tocou meu nariz e deixou um beijo na minha bochecha.
- Mas eu posso te ajudar.
Me encarou sério, parecia pensar em algo, depois encarou a Bella na sala.
- Te deixo me ajudar com uma condição. - Cruzei os braços, o encarando. - Não quero você sozinha com a Bella em casa, vamos para a minha e...
- Não, não quero mais investigar, boa sorte. - Abanei para ele.
- Kayra. - Sussurrou, segurando meu braço. Toda vez que me chamava pelo nome era uma sensação diferente. - Não é seguro aqui, não dá para ficar sozinha de novo, quem garante que não vai voltar?
- Não vou para a sua casa. - Me afastei, enchendo minha xícara de café. - Coloca uns policiais aqui. - Ele soltou uma risada sarcástica.
- A madame quer que eu coloquei policiais vigiando sua casa, em especial?
- É exatamente isso. - Sorri para ele.
- Você... - Suspirou, fechou os olhos e esfregou a mão no rosto. - Por que precisa ser tão difícil? É só comigo ou todo mundo precisa fazer o que você quer, na hora que quer? Hun? Filha única!
- Seu... - Abri a boca, ofendida. - Idiota!
- Para de ser assim. - Segurou minha cintura, golpe bem baixo, até tentei beber meu café, mas ele tirou a xícara da minha mão. - Como vou enfiar um monte de policiais aqui? E quando eu vier te ver?
- Você tem vergonha de mim, por acaso?
- Nenhuma, esse é o problema. - Me puxou para mais perto. - Se isso acontecer, vou querer mostrar para todo mundo a minha mais nova obra de arte...
- E de novo você pensa que sou um objeto para ser sua, muito antiromantico.
- Você é livre para fazer o que quiser, mas eu queria muito que aceitasse ser minha.
- Não aceito. - Suspirou, com os olhos fechados.
- Assim fica difícil, coisinha. - Me abraçou. - Tá bom, você não é minha. - Me encarou. - Mas quando a gente dorme juntos, você é, não é?
Ri alto, tapei os olhos dele com a minha mão e o fiz curvar a cabeça, e ele riu.
- Você é besta.
Não dava para negar que era perigoso ficar ali sozinha, cedi a chance de deixá-lo dormir na minha casa, mas a condição era ir embora antes de eu acordar a Bella.
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amantedosfandons · 2 years ago
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12 • Que comece as investigações
Não sei se foi sorte ou só tranquilidade, ou Deus.
Pensando melhor, acho que Deus me deu uma folga do terror noturno, até o momento que estava acordando, pelo menos não lembrava de nada do dia anterior.
Pensei que estava sonhando, ou algo assim, mas o Harry só passou uma noite comigo, não era possível que eu estivesse sonhando com os braços dele ao meu redor, então abri os olhos, pronta para acordar do sonho.
Só que não era sonho, reconheci o braço tatuado por cima da minha cintura, levei um susto e me afastei rápido, olhando para ele, que despertou no mesmo momento, apavorado.
- O que foi? - Levantou o tronco, olhando para os lados, apavorado.
- O que você está fazendo aqui? Como entrou?
Peguei a coberta e escondi meu busto, a minha camisola antiga deixava um dos meus peitos escapar vez ou outra, e ele só riu, depois fechou os olhos e se virou para o outro lado, como se eu fosse louca.
- Harry! - O empurrei para voltar a acordar.
- Hum? - Fiquei com raiva, ele achava que a cama era dele.
- Como você entrou aqui!?
Ele suspirou, virou para me encarar, abriu os olhos e os esfregou com os dedos.
- Porta dos fundos, você deixou aberta, e eu já tranquei, de nada.
Voltou a deitar, como se ele morasse ali há muitos anos, como se tivesse direito de entrar na minha casa, perambular e ainda ir dormir comigo na cama.
- Acorda! - O empurrei de novo.
Ele estava quase fechando os olhos, e os abriu de novo, com uma das sobrancelhas arqueadas.
- Volte a dormir, sabe que horas cheguei ontem? Pois é, bem tarde, então fica quietinha e feche os olhos. - Meu semblante era de alguém bem irritado, e então ele levou a mão aos meus olhos. - Durma...durma...durma... - Tentou fechar meus olhos, mas não fiz.
- Você não pode entrar assim na minha casa, como se fosse sua. - Bati na mão dele, tirando do meu rosto. - Por que entrou aqui? Não encontrou um lugar para ficar?
Ele ficou me encarando por um tempão, talvez ofendido, talvez pensando que eu fosse ajudar ele com um lugar para ficar.
- Encontrei, consegui entrar no apartamento depois das dez, por sorte o dono morava um andar abaixo e pôde me atender, só que isso fica do outro lado da cidade, meia hora daqui.
- Tá, mas isso ainda não explica o motivo de ter vindo para cá.
Ele respirou fundo, deitou de novo, mas de barriga para cima, e foi quando percebi que estava sem camisa. Esticou os braços, tanto que pude ver os pelos das axilas dele, bem nojento, mas até aquilo o deixava bonito, e então levou as mãos para trás da cabeça, me olhando depois.
- Achei que você ia ter alguma daquelas coisas de terror noturno. - Deu de ombros. - Toda vez que te vejo está com um hematoma novo, e me sinto mal, então pensei que se eu estivesse aqui, poderia te impedir. - Fechou os olhos, virando a cabeça para cima. - Mas, por sorte, você ficou quietinha a noite toda.
Fiquei calada por um bom tempo, pensando sobre aquilo, se estava mentindo ou contando a verdade, mas não tinha nenhuma mala no quarto, então provavelmente havia encontrado algum lugar para ficar.
Era só ele ali, como um intruso que entrou na minha casa no meio da noite só para tentar me proteger, era romântico e um pouco psicopata da parte dele. Deitei de novo, me aconchegando nas cobertas, e ele me encarou com uma das sobrancelhas arqueadas, talvez se perguntando se eu aprovava aquela ideia.
- Da próxima vez que entrar aqui sem me avisar, vou te expulsar e nunca mais vou falar com você. - Falei séria. - Precisa me dar algum sinal disso antes, e não quero você dormindo aqui quando a Bella estiver em casa.
Ele ficou me encarando por um tempão, até que sorriu e levou uma das mãos a testa, como se estivesse na frente do tenente dele e indicasse que estava recebendo a ordem e a cumpriria.
Cerrei os olhos, muito idiota, mas ainda era lindo e não estava acreditando no que eu havia conseguido, pelo visto a sorte finalmente estava ao meu lado.
Me aproximei dele, só para ficar um pouco mais perto, mas não o toquei, e ele riu, percebendo a minha falta de noção sobre o que fazer. Endireitou os braços e me abraçou de lado, puxando uma das minhas pernas para cima da cintura dele, o corpo colado no meu.
Naquele exato momento, sem olhar para ele, sendo abraçada fortemente por um homem que simplesmente entrou na minha casa com a intenção de me "proteger" -ou algo parecido com isso -, foi que comecei a pensar, em silêncio, quando nenhum de nós parecia querer falar, e não era ruim.
O silêncio reconfortante sempre foi superestimado pelas pessoas.
Não dava para negar, não estava tão tranquila com a ideia, a palavra assustada quase fazia sentido, porque não estava acostumada com alguém na minha vida, além da Bella, e então comecei a refletir.
Eu amava a Bel, ela era a minha vida, mas percebi que passei todo aquele tempo pensando que meu único objetivo era cuidar dela, para sempre, como se eu nunca pudesse viver de novo, e por que me enterrei desse jeito sozinha? A resposta é: eu não sei.
Vinte e três anos não eram cinquenta e três, jovem demais para estar pensando como estava pensando até o momento que vi aquele ser humano na minha cama, surpreendentemente ele foi mais invasivo do que pensei que seria, mas casos a parte, percebi que estava na hora de viver de novo, não é porque alguém é uma mãe que cria uma criança sem a presença constante de um pai em casa, que precisa se privar de tudo que a vida tem a oferecer.
E eu com certeza não queria me privar daquele homem, pelo menos se isso significar que ele sempre vai ter o mesmo cheiro, o mesmo toque e os mesmos olhos, o mesmo cabelo...
- Gosta de torrada?
Murmurei, uma pergunta solta, e escutei a risada maravilhosa dele, não como quando alguém ri por educação ou porque te achou ridícula, mas uma risada descontraída.
- Gosto. - Sussurrou.
- E de suco de uva?
- Gosto. - Repetiu, sussurrando.
- E de geleia de morango?
- Gosto.
Ri baixo, e beijei o peitoral dele, e só então percebi que estava com o rosto escondido bem ali. Levantei a cabeça levemente, e arrastou a dele para trás, só para me encarar de volta.
- Gosta de tudo? - Cerrei os olhos.
- Principalmente de você. - Piscou uma das esmeraldas, me fazendo rir de nervoso.
- Desculpe por te acordar desse jeito. - Ele sorriu, parecia super animado para alguém que foi acordado.
- Tudo bem, foi até engraçado. - Deu de ombros, ainda bem perto de mim, me abraçando. - E vou avisar nas próximas vezes, só não queria passar o domingo com meus documentos, vou deixar o trabalho para segunda.
- Mas...as investigações estão em andamento?
Tomei cuidado ao perguntar, estava preocupada com aquilo, claro que ele também precisava de um domingo de folga, como qualquer pessoa que trabalha, mas aquele caso me preocupou de certa maneira, talvez pela cidade sempre ser tão calma e do nada algo daquele tipo estava acontecendo.
- Claro, o subdelegado está cuidando disso, e também tem os investigadores. - Suspirou. - Infelizmente não faço mais parte desse grupo de pessoas tão ansiosas que bebem cinquenta xícaras de café por dia. - Rimos baixo.
- Espera, por isso a mania do café preto sem açúcar?
- É, e eu odiava café, até que me tornei investigador. - Franzi a testa, sem entender a lógica. - Pois é, só vivendo para entender.
- Você sente saudade? De ser investigador?
- Hum...sim e não. Gosto de como estou agora, mas percebi que preciso me conter para não me meter demais no trabalho deles, então...eu não sei bem, ainda.
- Entendo. - Suspirei, e sorri leve. - Se entendeu com a Michelle?
- É... - Fez uma careta. - Mais ou menos, ela me pediu desculpas, mas decidi que era era melhor mesmo ir, fiquei tempo demais na casa do Mitch, provavelmente estavam com saudade da privacidade deles.
Me aconcheguei mais nele quando senti a mão acariciar minha coxa por cima da cintura dele.
- E...ela estava certa? - Ficou me encarando sem responder. - Sobre você esconder algo?
Ficamos calados, ele me encarava de um jeito até intimidador, parecia super concentrado no meu rosto, até que olhou nos meus olhos, e levou a mão que estava na minha coxa até meu rosto, fazendo um carinho leve.
- Não. - Falou firme. - A Michelle nunca conviveu comigo para saber, e ela não me entende, e jamais me entenderia.
Fiquei pensando sobre o que ele disse, sobre ela nunca entender ele, mas sobre o que? Era cedo demais para perguntar?
- Te entender? - O encarei também, olhos nos olhos. - Sobre o que?
- É meio complicado. - Se inclinou, deixando um beijo na minha testa. - Se você aceitar ter insônia comigo, talvez eu te conte...
- Sem essa. - O empurrei, me afastando dele. - Você foi trapaceiro. - Levantei da cama, ajeitando minha camisola antes de virar para ele.
- Ou...que isso? - Se apoiou nos antebraços. - Estava aqui embaixo com isso aí o tempo todo? - Rolei os olhos, sabendo que ia fazer alguma palhaçada. - Pode voltar! Agora!
- Sonha.
- Para que? Se eu posso ter de verdade?
Ele me lançou o mesmo sorriso da outra noite, cafajeste, do tipo que me faria girar os olhos em trezentos e sessenta graus. Só o encarei de volta e entrei no banheiro.
Podia estar brincando, mas duvidava muito dessa hipótese, e para falar bem a verdade, eu parecia mais com uma idosa de setenta anos, como as pessoas veem graça em sexo de manhã? Com toda a vontade enorme de fazer xixi, sem escovar os dentes, sem arrumar o cabelo...foi nojento ficar pensando naquilo. Apesar de ele ter me convencido uma manhã antes que, na verdade, poderia ser bom, naquele momento, longe da cama eu já tinha uma opinião diferente, o que só provava que muito tempo perto dele faria eu me corromper.
- É sério, volta para a cama. - Entrou no banheiro, indignado. - São sete da manhã, Kayra, não acredito que levou um susto às sete da manhã!
- Não são sete... - Ele virou o celular. - Ah, merda...
- Pois é. - Me encarou, estava com a escova de dentes na mão. - Ok, escovamos os dentes, e você volta para mim. - Sorriu, se esticando para pegar a escova rosa.
- Não... - Murmurei, e ele me encarou confuso. - É que quando acordo assim, é impossível voltar a dormir, ou durmo a noite, ou não durmo. - Dei de ombros.
Era uma parte do meu distúrbio do sono, insônia, terror noturno, sonâmbula, tudo que uma pessoa louca tinha direito, que sorte.
- Ah...tudo bem. - Deu de ombros. - Te faço um carinho maravilhoso, duvido que não volte. - Ri baixo.
- Você pode tentar.
Voltei mesmo para a cama, ele estava esperando eu usar o banheiro, ainda bem, porque eu precisava da minha privacidade, e depois ele voltou, parecia muito bem acordado, e eu duvidava que conseguisse me fazer dormir, mas a ideia de ficar debaixo dos cobertores quentinhos me agradava.
Ele forçou meu abdômen para mostrar que preferia que eu virasse de frente para ele, e então fiz, e ele sorria, me abraçando forte em seguida, beijando minha testa, bem em cima do corte, e depois tocou nele, mas não disse nada.
Sabia que estava planejando algo quando subiu a mão pela minha coxa e começou a acariciar minha bunda, como se aquilo fosse super normal entre nós.
- Kayra?
- Hum?
- Você já dormiu? - Ri baixo.
- Não.
- E se eu te cansar, acha que vai sentir sono?
- Não. - Suspirei. - Mas você pode tentar.
Levantei o rosto, e ele sorria doce, um sorriso realmente feliz, e depois me beijou calmamente, sem desespero ou pressão, só um beijo demorado, a mão subindo e descendo pela minha pele nua, apertos generosos, mas nada que fosse grosseiro demais.
Ele se moveu devagar para cima de mim, o barulho do lençol e dos cobertores foram audíveis, e não parou de me beijar, sorrir para mim e deslizar as mãos pela minha pele por baixo do tecido da roupa.
O cobertor ainda estava por cima de nós, como se ele só estivesse deitado por cima de mim, sem alvoroço e movimentos bruscos.
A mão dele desceu até o tecido da minha calcinha, acariciando minha intimidade, e podia parecer loucura, mas ele me deixou molhada rápido demais, e como se a barreira de cuidado e carinho estivesse sendo quebrada, ele me deu um tapa forte bem ali, me fazendo gemer entre o beijo, sentindo a excitação se apossar do meu corpo e me fazendo ficar mais molhada.
- Eu até tento te dar carinho, mas fica toda molhada quando te maltrato, e agora? Como resolvemos isso?
Foi o que ele disse, com a voz rouca no meu ouvido, me dando outro tapa por cima da calcinha, me fazendo tremer em prazer, eu podia gozar só de escutar aquilo.
Ele se afastou só o suficiente para passar o tecido da minha peça íntima pelas minhas pernas, depois voltou para mim, beijando meu pescoço, fazendo uma carícia incrível naquele mesmo lugar, e deixando outro tapa que me fez gemer. De repente, começou a roçar os dedos pelos lábios, levantou o rosto e ficou me encarando enquanto mordia o lábio, e minhas reações eram completamente naturais, inclusive os gemidos baixos toda vez que os dedos dele rossavam meu clitóris ou ameaçavam entrar.
- Seu gemido é gostoso para caralho, me faz querer te comer o dia inteiro. - Gemi um pouco mais alto quando um dos dedos dele entrou. - Presta atenção no que vou dizer, ok? Só vou fazer se você permitir.
Assenti devagar, e ele tirou o dedo, mas o levou até meu clitóris, fazendo movimentos circulares, me fazendo gemer baixinho, pedindo por uma velocidade maior conforme eu mesma impulsionava meu quadril.
- Por favor...
Selou nossos lábios, me pedindo para ficar quieta com um gesto.
- Vou te comer agora, de tarde, e a noite também, entendeu? Uma trepada para cada turno do dia. - Fechei os olhos e mordi meu lábio fortemente. - Se aceitar, te dou o que quer agora.
Senti ele beijar meu pescoço e acelerar levemente o ritmo, mas não exatamente do jeito que eu queria. Não que eu não quisesse, o problema era responder sem gaguejar enquanto ele me masturbava com maestria.
- Responda! - Ele foi parando os movimentos.
- Eu quero, você...você pode. - Sussurrei a última parte, e ele finalmente foi mais rápido.
- Com todas as palavras, me diga o que eu posso fazer, coisinha. - Beijou meu pescoço lentamente, diminuindo um pouco o ritmo.
- Eu...você pode me comer a qualquer hora do dia, eu não ligo.
Rolei os olhos em prazer, ele literalmente enterrou dois dedos em mim e ao mesmo tempo massageou meu ponto sensível, mordi o lábio e o agarrei pelos ombros, movendo meu quadril lentamente, querendo mais e mais daquilo.
- Você é tão boa... - Sussurrou para mim, tirando os dedos de dentro de mim. - E obediente, me deixa com mais vontade ainda de te foder.
Ficou de joelhos na cama, separou minhas pernas o máximo que pode, e ficou encarando minha intimidade, lambeu os lábios e massageou ela com uma das mãos, me fazendo arfar, depois desceu o rosto e beijou o local incontáveis vezes, e chupou meu clitóris uma única vez, cheguei a fazer uma massagem no cabelo dele, o incentivando a ficar ali, mas não durou tanto tempo.
Saiu da cama, pegou a carteira na mesa ao lado e abriu, sabia que estava se protegendo, pelo menos uma vez e não como na noite anterior, e eu continuava encarando ele, hipnotizada e com as pernas abertas, que bela cena.
Ele voltou para a posição, puxou meus braços até eu sentar na cama e tirou a única peça de roupas que me cobria, sem tirar os olhos dos meus, e depois caí na cama de novo, e ele ficou me encarando, parte por parte.
- Você é linda. - Sussurrou, e sorriu para mim.
Ele se inclinou de novo, me encarou por segundos e me beijou mais uma vez, eu não podia perder as oportunidades de tocar os braços dele, os ombros e as costas musculosas, e nem o cabelo cheiroso e bem cortado. Estava louca por ele, muito excitada, ele sabia como fazer uma mulher ficar molhada e pronta para ele.
Se ajoelhou de novo, me pegou pelas coxas e me posicionou perto dele, eu o vi se masturbar algumas vezes e entrar em mim bem devagar, me fazendo gemer baixinho por ele, que me encarava com os olhos praticamente pretos, pouco do verde sobrou.
Pensei que fosse se inclinar, mas ficou fazendo os movimentos ainda de joelhos na cama, me observando de cima, e eu gemia sem nem ligar, e pelo visto era aquilo que estava apreciando, mas ele começou a ir rápido demais e meus peitos começaram a se mover juntos, então os segurei, era meio ruim depois da maternidade.
- Tira a mão. - Os movimentos ficaram lentos de repente. - Quero ver eles.
Era uma ordem, não um pedido, então fiz o que pediu, porque estava tão lento que poderia me fazer perder a vontade. Em segundos encontrou o mesmo ritmo de antes, afastando minhas pernas com as mãos pressionadas nos meus joelhos, me impedindo de fechá-las.
Podia parecer tranquilo, mas ele me encarava com um sorriso porque sabia que estava entrando e saindo forte demais, e provavelmente sabia que era aquilo que me dava prazer, foi quase o ápice para mim. De repente, ele tirou as mãos dos meus joelhos e agarrou meus peitos, fazendo deles o apoio para se manter de joelhos entre minhas pernas e não perder o ritmo.
Eu não sabia se era bom ou ruim mal escutar os gemidos dele e os meus serem audíveis até demais, mas o semblante dele era de puro prazer, na verdade, a cena toda era de deixar qualquer um delirando.
Não conseguia mais aguentar, meu corpo inteiro começou a queimar, inclinei minha cabeça para trás e meus gemidos altos indicavam que eu estava gozando, e então escutei um gemido rouco sair dele também, mas não parou de se mover, só começou a ir bem mais devagar, e tirou as mãos dos meus peitos, deitando por cima do meu corpo.
Depois de alguns minutos, ele saiu de dentro, mas continuou em cima de mim, beijando meu pescoço, minha boca, acariciando um dos meus seios, os beliscando de uma maneira maravilhosa.
- Viu o que você faz? - Sussurrou, me encarando, depois olhando para a mão dele em um dos meus peitos. - Eu disse que é tão boa que não dá vontade de parar. - Três selinhos em seguida. - Sua boceta é maravilhosa, eu podia comer ela o dia inteiro e não me cansaria. - Senti a mão dele descer até minha intimidade.
- Isso é bom... - Sussurrei, sentindo a carícia dele mais uma vez.
- Vou te chupar inteirinha, deixar minha marca no seu corpo todo, para você lembrar a quem pertence.
Mordeu meu pescoço em seguida, me fazendo gemer mais uma vez, de dor e prazer ao mesmo tempo, e depois de tudo aquilo eu ainda tive forças para gozar com os dedos dele e realmente ganhar chupões pelo corpo, não em lugares visíveis, o que foi a melhor parte.
Depois de um banho e uma roupa limpa, senti que meu dia poderia realmente começar, e com um bom café da manhã com direito a ajuda do Harry, porque era o mínimo que ele podia fazer, ainda arrumei um empregado para lavar a minha louça.
Ótimo, se um namorado significava ter um faz tudo, então eu queria muito um.
- Se você estiver escondendo uma família nos Estados Unidos, te mato e ainda mando suas cinzas para eles. - Virou o rosto, confuso, com a torneira ainda ligada. - Não estou brincando, sou perigosa. - Levantei minha xícara, como se quisesse provar algo, mas era só um costume.
Ele desligou a torneira, secou as mãos com o pano e o apoiou no ombro, depois se virou, se encostou na pia e cruzou os braços, com o semblante mais confuso que já vi.
- Do que está falando? - Negou com a cabeça, me analisando como se fosse louca.
- Sua cunhada disse que você esconde algo, se for isso, é melhor dizer, eu vou descobrir.
- Não, Kayra, não tenho uma família nos Estados Unidos, nunca nem namorei por mais de sete meses, se quer saber.
Eu estava satisfeita, tudo bem que a informação sobre os namoros foram chocantes e preocupantes, mas eu dava conta de sete meses para cima.
- Tá... - Mordi o lábio, e depois assoprei o café. - Então...do que ela estava falando? - Ele continuava me encarando. - Sei que essa coisa é recente. - Apontei para mim e para ele. - Mas seja lá o que for, é melhor me contar antes de seguirmos.
Ele suspirou, me encarando, estava sério, talvez pensando se era o momento de contar, ou inventando uma mentira.
Torci muito para não ser a segunda opção.
- A primeira coisa que precisa saber, é que odeio meu pai biológico, meu pai durante toda a vida foi o Robin, meu padrasto.
Meu mundo parou ali, não de maneira ruim, mas era como se as informações se completassem.
- Por isso você é tão compreensível comigo e com a Bel. - Constatei, a alegria na minha voz era nítida, tanto que ele até sorriu.
- É, sei que nessa fase é bem importante que alguém bom entre na vida dela, alguns não tem tanta sorte, e eu tive, conheci meu padrasto com três anos, um pouquinho mais velho que a Bella, então quero que ela aprenda comigo o que aprendi com ele.
- Mas...e o seu pai? - Respirou fundo, nitidamente irritado.
- Inglês, por isso odeio a Inglaterra e tudo que tem a ver com o país, ele...bom, ele largou minha mãe comigo e com meu irmão, eu tinha só um ano e meio e o Mitch três, é advogado, meu sonho é que ele fique na cadeia para sempre, mas não está nas minhas mãos, infelizmente. - Suspirou, dando um tempo para as informações. - Ele é todo poderoso, nada abala ele, pode ser o maior traficante do mundo e nunca vai ser preso, faz parte de uma família muito importante em Londres, nunca nos procurou, filhos são maldições para ele, então...meio que odeio ele por isso.
- E...bom, tem certeza que ele pensa assim?
- Absoluta, procurei ele na adolescência e meio que me disse isso com todas as letras. - Meu semblante dizia muito. - Pois é, a vida nos prega milhões de peças.
- Sinto muito...
- Não sinta, não vale o esforço, isso tem a ver com as escolhas dele, não com as minhas.
- Tá, estou pronta para a próxima parte. - Ele riu baixo.
- Eu era um delinquente, quase fui preso uma vez, viciado em maconha, cigarro, e quase virei acoolatra, e já assaltei cinco lojas e roubei três carros. - Abri mais os olhos, apavorada. - Pois é, se tem alguém que sabe entrar em lugares sem ser visto ou escutado, sou eu.
- Meu Deus... - Estava em choque, enquanto ele ria. - Como...como você é policial?
- Essa é a parte complicada. - Largou o pano, por pura ansiedade e voltou a cruzar os braços. - Nunca fui pego, o que me ajudou a estar no cargo, mas sempre tive um problema emocional com o assunto do meu pai, ser rejeitado dói, e eu senti na pele, então o jeito que encontrei de me livrar do sentimento foi me juntar com más influências e me manter chapado e bêbado o máximo de tempo que podia, quase me suicidei um dia, mas um cara me impediu, e é esse cara que tem um peso gigante na história...
Eu estava em choque, em total choque, estava quase chorando por ele, me arrependi profundamente de ter perguntado.
- E esse cara era do exército, estava na hora de me alistar e eu só fui, era obrigatório mesmo, e ele me ajudou lá dentro, sofri uma puta abstinência, mas fiquei bem, o problema foi que o exército se tornou outro modo de escapar dos pensamentos, e eu fiquei mais um ano, e mais um ano, e mais um ano... - Fechou os olhos. - Até que meu padrasto adoeceu e me vi obrigado a sair do exército, depois de quatro anos servindo, eu já tinha subido vários cargos, era fuzileiro. - O sorriso dele era de puro orgulho. - Ele morreu, uma metástase. - Deu de ombros. - Comecei a faculdade e foquei tanto nos estudos que cheguei a fazer cinco cadeiras ao mesmo tempo, me formei mais cedo, com muito ódio e rancor porque a advocacia lembra meu pai, mas tinha conseguido a bolsa então não dava para desperdiçar. Resumindo? Reencontrei o cara do exército e ele me ajudou a entrar na polícia, e um ano atrás me tornei delegado, e agora me mudei. - Levantou os braços, sorrindo. - E essa é a minha história, meio triste, mas sou um homem hoje em dia por causa dela, então... - Deu de ombros, como se tudo aquilo fosse nada.
- Me desculpe por ter perguntado...
- Não. - Negou com a cabeça, chegando perto de mim. - Não se desculpe, você não sabia, e tem razão em perguntar, precisa me conhecer se quiser ter insônia comigo. - Riu, mas eu estava quase chorando. - Não, linda, não chore por minha causa.
- É horrível...
- Eu sei. - Sorriu, beijando minha testa. - Mas o meu padrasto foi uma pessoa incrível, antes eu tinha problemas em falar sobre isso, mas hoje em dia agradeço por tudo ter acontecido, Deus me deu um pai incrível.
Sorri para ele, porque falou de Deus, e eu gostava de falar de Deus, porque acreditava, e era incrível ter alguém que me entendesse.
- Ele sempre me xingava quando fazia alguma besteira, mas sempre da maneira certa, foi ele quem me incentivou a entrar para o exército, e...o Mitch e nem a Michelle sabem como eu me sentia na época, simplesmente não falo do meu passado, meu irmão sempre achou que eu era um caso perdido, já que não reagiu da mesma forma que eu, por isso ela pensa que escondo algo, mas o Mitch já imagina, por isso me defendeu.
- Isso não é justo com você. - Limpou minhas lágrimas.
- Injustiças acontecem sempre. - Sorriu com os lábios, beijando minha bochecha.
O abracei depois, senti que ele precisava, e no final das contas ele sabia como era ser rejeitado, a diferença era que comigo não tinha nada a ver com a família.
- Me sinto uma idiota. - Murmurei.
- Por que?
- Porque não tenho esses problemas malucos, e nunca tive problemas familiares, só tenho a agradecer, pareço uma ingrata e...
- Ei! - Se afastou, me olhando confuso. - Os seus problemas não se anulam só porque os meus foram maiores. - Se afastou, se encostando na pia de novo. - Claro que é sempre importante agradecer, mas cada um tem sua bagagem, certo?
Na verdade, estava mais que correto, e se eu estivesse mesmo disposta a sair com ele, aquilo significaria recaídas sobre aquele assunto, momentos sombrios, e ele sempre estava feliz, em algum momento ficaria triste, e era a bagagem dele, e a minha...bom, a minha era o medo de ser rejeitada de novo e ele ir embora, e o terror noturno, então ele provavelmente precisava estar ciente sobre a minha bagagem também.
- Sabe aquela história do Harlo? - Assentiu levemente. - É por isso que tenho o terror noturno.
- Como assim?
Ele estava confuso, sem entender nada, o que era bem compreensível, não detalhei nem metade.
- Foi a primeira vez que alguém fez um chamado de emergência para mim, pensei que eu dava conta de pegar uma arma, ameaçar o cara e entregar ele para a polícia, só que ele também tinha uma arma...e... - Suspirei, era a primeira vez que eu contava para alguém. - Eu fiquei com medo de morrer, de ele atirar em mim, e fiquei com medo de atirar nele, por sorte deu tudo certo, mas depois daquele dia o meu sonambulismo piorou, e então comecei a sonhar com a mesma coisa sempre... - Parei de novo, tomando fôlego, porque só de pensar era horrível. - Os sonhos são sempre iguais, eu mato a Bella, fico assustada e tenho crises de pânico, e desde então tenho medo de armas, me esquivo de qualquer coisa que tenha a ver com isso.
Não conseguia nem pegar uma arma na mão, e não era só um pesadelo, era real, como se acontecesse de verdade, a Bella chorava desesperada, imagine uma criança chorando, pedindo para a própria mãe não machucar ela, e a mãe era eu, ela tinha medo de mim e eu matava ela, sempre via o sangue escorrendo, nunca ela com a cabeça estourada, mas o sangue sim, então acordava chorando, estapeando alguma parte da casa.
- É tipo um estresse pós traumático?
- É isso, na verdade. - Dei de ombros. - Ela chora nos sonhos, me pedindo para parar, mas eu não paro, disparo e a bala atravessa a cabeça dela. - O encarei, o olhar dele era de espanto. - Eu sei, bem perturbador. - Sussurrei.
- Muito. - Ele com certeza estava apavorado. - Sinto muito por isso, deve ser horrível.
- Só você sabe, nunca contei para ninguém.
- E o Justin? - Neguei com a cabeça. - Por que ele não sabe?
- Por causa da Bella, e se ele me achar louca e quiser tirar ela de mim? O meu maior medo é que algo aconteça com ela, ou que tirem ela de mim.
- Ele não faria...
- Faria. - Falei firme. - Você nunca me viu em uma crise, se visse e fosse o pai dela, aposto que tentaria.
- Está falando como se fosse uma louca...
- Talvez eu seja...
- Claro que não. - A fala óbvia dele até me surpreendeu. - Isso tem cura, é tratável, você é uma mãe de ouro para a garota, não é um risco para a vida dela.
- Mas eu tenho medo. - Ele parou de falar depois que usei a palavra certa. - Se soubesse...é medo de verdade, como quando alguém te dá um susto, mas o medo permanece, não vai embora.
Ele cerrou os olhos, chegou perto e se inclinou, para ficar com os olhos da altura dos meus.
- Acho que você deveria parar de ter medo, e...me dar um beijinho. - Ri alto.
- Vai se ferrar. - Saí de perto dele.
- Ora, como assim? Te contei minha vida e fico sem um beijo?
- É, para você aprender a não ser idiota. - Chegou perto, me puxando para ele.
- Foi para te fazer rir.
- Eu sei.
Dei o beijinho que ele tanto queria, na verdade, mais de um, até ele sorrir e me beliscar nas costelas, me fazendo bater nele, não me machucou, foi por pura implicância.
Me convenceu de que seria legal sair no domingo para fazer algo, aceitei, mas disse que era melhor almoçar em casa, não queria admitir que meu paladar era infantil e pedir por um hambúrguer com refrigerante.
Deu tempo de lavar a roupa, e...bom, gostaria muito de descrever o que mais deu tempo de fazer na lavanderia, mas iria parecer que somos super viciados, mas na verdade, só estava aniquilando meu jejum de quase três anos, não que ele precisasse saber.
Já que estava com sapatos adequados para dirigir, fui a motorista da vez. Ele me chamou de linda depois que apareci vestida no quarto, e eu ri, era só uma calça jeans, um tênis, e um casaco preto de frio, estava arrumada para ir ao shopping, mas não era algo muito planejado.
Percebi que ele tinha uma necessidade extrema de me tocar, nem que fosse só o dedo indicador na minha bochecha, provavelmente era o modo de mostrar que gostava de mim de verdade.
- Uma academia! - Disse quando paramos no sinal vermelho, já perto do shopping. - Vou me matricular amanhã, ainda bem...
- Ainda bem o que? - Ele riu, apertando de leve minha coxa.
- Que vou voltar a treinar, em casa é ruim, prefiro os equipamentos da academia. - Olhou de novo pela janela. - Você podia vir comigo.
- Por que? - Arqueei a sobrancelha, estava jogando na minha cara que estava acima do peso?
- Deve ser incrível ver sua bunda subindo e descendo nos agachamentos.
- Nojento. - Ele riu alto, e deu um tapa implicante na minha coxa. - Para! - Afastei a mão dele, mas apertou de novo. - Idiota. - Afastei a mão dele.
- Gostosa. - Praticamente gritou, me dando outro tapa.
- Para! Deixa eu dirigir. - Empurrei a mão dele, o sinal abriu.
- Chata. - Murmurou, beliscando meu braço.
- Cara, eu vou te matar, para de me bater.
- Ah, estou te batendo, meu Deus. - Debochou. - Engraçado que você gosta disso quando fica pelada para mim.
- Harry! - O encarei, parando no segundo sinal. - Para de ser nojento!
- O que? Vai falar como se eu não estivesse te comendo de tod...
- Harry! - Ele parou, me encarando. - Odeio quando você é grosseiro assim, parece até que sou um objeto.
- Mas você me deixa falar quando...
- Para tudo existe o momento certo. - Falei rápido. - Que saco...
- Ah, desculpa, coisinha, fazemos amor, então. - Fingiu vomitar. - Credo, que horror, bem mais fácil falar trepada. - Lancei um olhar para ele, que riu. - É meu jeito, tá legal? Não quer dizer que eu te acho um objeto, mas se não gosta, ok, respeito isso, não vou mais falar.
- Obrigada. - Agradeci, plena e satisfeita por estar sendo do meu jeito.
- Adoro fazer amor com você, só para constar...
- Já entendi, chega...
- Tá...
Escutei ele rir baixinho, enquanto eu suspirava em silêncio, sabia que ia precisar de paciência já que ele não tinha o mínimo de vergonha na cara e nem ligava em falar aquelas coisas em voz alta.
Chegamos ao shopping, finalmente, e ele correu para abrir a porta para mim, cerrando os olhos porque eu estava quase abrindo. Fomos direto para as lojas de roupas, ele disse que precisava de algumas blusas novas, já que tudo que ele tinha era de verão por conta da Califórnia.
- Olha que lindo.
Simplesmente abriu a cortina do provador, deu uma voltinha com o casaco, levou as mãos até a cintura e fez uma pose de modelo, me fazendo rir dele.
- Lindo mesmo. - Falei entre risos. - Vamos fechar para ver. - Fechei o zíper da jaqueta preta. - Hum...você já não tem várias dessa cor?
- É tipo um uniforme dos policiais, meu bem, é mais fácil ter tudo da mesma cor, menos complicado de encontrar uma roupa antes de sair.
- E você gosta? - Assentiu, e sorri para ele. - Ficou bonito, eu gostei. - Dei de ombros, me afastando para ver ele de corpo inteiro.
Ele fechou a cortina depois, experimentou mais três casacos, um verde escuro, outro azul escuro e um amarelo com preto, sinceramente achei que ficou bom em todos, e fez uma escolha típica comprando o preto, mas o amarelo foi inusitado.
Segurava minha mão sem medo, como se já estivesse esclarecido tudo sobre o nosso relacionamento, quando, na verdade, ainda não, mas era legal sentir aquela sensação de novo.
- Segura aqui. - Entreguei minha bolsa para ele.
Nem olhei para ver se fez careta ou não, mas fiquei enlouquecida por uma jaqueta de couro preta, serviu direitinho em mim, mas quando vi a etiqueta, coloquei de volta no cabide e dei meia volta, mas ele me segurou.
- Qual o problema? Ficou lindo em você.
- O preço é ridículo. - Ri baixo. - Vamos... - O puxei pela mão.
- Espera aí. - Pegou a jaqueta e a tirou do cabide. - Te dou de presente.
- Negativo, vamos embora.
- Para de ser fresca, aceite o presente. - Olhou a etiqueta. - Não vou oferecer de novo.
- Ok, não quero, vamos. - O puxei, mas ele ficou.
- Mulher...você é difícil, não é? - Cerrou os olhos. - Vamos, vou comprar para você.
Foi a minha vez de ficar encarando ele, negando sutilmente com a cabeça, mas se ele queria ficar pobre só para me impressionar, o azar era o dele.
- Quer saber? Eu quero então. - Peguei a jaqueta. - E vou ver outra coisa que quero também.
- Pode ver o que quiser.
Rolei os olhos sem que ele visse, e escolhi um conjunto de lingerie, não daquelas provocantes, só o básico de um conjunto, que vinha com outro de graça no mesmo cabide, e ele pareceu satisfeito em pagar por aquilo.
- Para... - O empurrei de leve, sussurrando.
- Não ligo para a renda, coisinha, gostei do branco e do preto...
- A renda pinica, irrita a minha pele. - Falei rápido.
- Oh. - Assentiu, entendendo a minha posição. - Mas é bonito sem ela também, sabe? Gosto do simples.
- Pode me levar para comer bolo agora?
Mudei de assunto, tinha muitas sacolas nas mãos e eu precisava mesmo sentar para descansar, caminhamos muito pelo shopping e ele estava em choque em como lá era quente e tinha até um parquinho com areia para as crianças, e era como eu dizia, pessoas com dinheiro sempre dão um jeito de inovar e ganhar muito mais.
Paramos em um lugar aberto, as pessoas passavam pelas mesas, fez questão de me ajudar com as sacolas e depois nos sentsmos, pegamos os cardápios, encarei ele, sorrindo, mas estava encarando algo atrás de mim e depois apontou.
- Aquela lá não é a Bella?
Olhei para trás, uma garotinha correndo pelos brinquedos de uma praça montada, mas sem areia, bem perto da praça de alimentação, o cabelo loiro voava junto, solto, porque o pai dela nunca soube amarrar.
- É ela mesma. - Sorri ao ver, depois encarei ele.
- Quer ir lá?
- Quero. - Sorri para ele.
Eu reconheceria a Bel em qualquer lugar, só fiquei preocupada por não ver o Jus e nem a namorada dele por perto.
Caminhamos até lá, Harry enfiou uma sacola dentro da outra e no fim terminou com uma só, que ele carregou, inclusive, minha bolsa permaneceu no ombro dele.
Chegamos bem perto, mas a Bel virou antes, me viu e sorriu grande, saiu correndo pelos brinquedos, dando passinhos apressados, mas era pequena demais, mesmo correndo ainda demorava um pouco.
- Mãe!
- Oi, linda! - Abracei ela, um pouco forte pelo impacto, mas levantei assim que a peguei.
- Oi, princesa. - Harry chegou perto dela.
- Oi, Harry. - Acenou para ele, e depois me encarou. - Veio me visitar, mamãe? - Ri baixo, era ótimo visitar ela no shopping.
- Viemos passear, igual você.
- E comprar presente para mim? - Ri de novo, Harry me encarou, rindo.
- Vou pensar no seu caso...
Ela me abraçou forte, pedindo por favor em um sussurro, e Harry ria, massageando as costas dela, uma miniatura, já que era pequena, mas o que não tinha de tamanho, tinha de esperteza.
- Kay. - Escutei a voz do Justin atrás de mim. - E aí? - Apertou a mão do Harry, depois me cumprimentou. - Hanna, essa é a Kayra, e esse é o Harry, pessoal, essa é a Hanna. - Sorriu, apontando para a mulher.
Muito bonita, não, na verdade, era linda, parecia uma modelo, bem vestida, cabelos crespos brilhosos e a pele negra, na verdade, me lembrava muito uma italiana que conhecia da Internet, até mesmo o sorriso brilhante.
As unhas dela eram bem feitas, longas na medida certa e bem pintadas, fiquei me perguntando se ela mesma as fazia, já que trabalhava com aquilo, parecia simpática também, e estilosa.
- É um prazer. - Ela disse, sorrindo, apertando minha mão e depois a do Harry.
- Vejo que encontraram a Bella.
- O Harry viu ela correndo. - Ri baixo.
- Ah, é, reconheci o cabelo dela voando para todos os lados. - Rimos.
- Harry, o meu cabelo não voa. - Ela parecia indignada, nos fazendo rir de novo.
- Desculpa, princesa, foi modo de falar. - Ela riu, encostando a cabeça no meu ombro de novo.
- Estávamos indo comer algo, querem ir?
Não dava tempo de pensar, respondi por nós dois, e já estava com a Bella no colo, não dava para simplesmente entregar ela e recusar. Acabamos em uma mesa grande da praça de alimentação, e o Justin recomendou um hambúrguer, quase levantei, o abracei e o agradeci, mas não fiz.
Pelo menos o Harry não ia ficar dizendo que meu paladar era infantil, já que comeria o mesmo que eu.
- Suas unhas são lindas. - Apontei para a mão da Hanna.
- Obrigada. - Sorriu grande, olhando para as próprias unhas. - Faço unhas de fibra, se quiser fazer um dia desses, faço promoção para você. - Piscou um dos olhos.
- Ah, eu não sei se me adaptaria...
- Que isso? Claro que se adaptaria. - Pegou minha mão, e analisou. - Posso fazer uma bem curtinha para começar, vai ver como é bom, um mês com a unha bem feitinha, a manutenção é só detalhe.
Sorri para ela, era aquele o efeito das pessoas simpáticas sem esforço algum.
- Mãe, olha a minha. - Bella esticou os braços.
- Que lindas. - Toquei no esmalte rosa, e ela sorriu. - A Hanna fez para você? - Assentiu animada.
- Eu pedi rosa. - Me informou, super séria, e eu assenti. - É lindo. - Completou, bem orgulhosa das unhas.
- É sim, ficou linda. - Beijei a mão dela, e riu.
- Então, Kay, como foi seu fim de semana? - Justin perguntou, bem idiota.
- Foi ótimo. - Harry sorriu de lado. - E o seu?
- Ótimo também. - Garantiu, piscando para a Hanna e depois sorrindo para a Bella. - Super produtivo, até fizemos uma casinha de papelão, não é, filha?
- É a minha casinha, lá no meu quarto. - Informou, super ocupada com as unhas. - O J que fez.
- Oh, e será que cabe eu na sua casinha? - Harry perguntou, sorrindo para ela.
- Hum...não, Harry, você é grande. - Riu dele, um risinho sem vergonha e debochado.
- Oh, que pena...
Passamos um tempão conversando, ajudando a Bella a comer as batatas fritas dela também, mas xingava o Harry com um olhar toda vez que ele pegava uma sem pedir, e então, depois que ele fingiu ficar triste, ofereceu mais a ele, nos fazendo rir.
Não aguentei ver ela tirando a franja dos olhos o tempo todo e amarrei o cabelo dela, e bem no fim, eu, ela e a Hanna acabamos no banheiro, rindo dela porque queria muito tirar fotos, do nada.
A namorada do Jus era muito legal, simpática sem esforço, pela beleza até parecia escolhida a dedo, mas ele era muito tapado, no mínimo ela quem pegou o número dele primeiro, não julguei, do jeito que era desligado, se ela não fizesse nunca falaria com ele mesmo.
A Bella nos fez entrar em uma loja de brinquedos, no final das contas ganhou um pote novo de massinhas e uma boneca Polly da promoção, e depois fomos para casa.
Quis nos acompanhar, perguntou o motivo de não poder ir para casa, mas perguntei para ela se não queria passar só mais um diazinho com o papai e ela disse que sim, mas que sentia saudade, e eu também sentia, e muita, mas não podia tirar o último dia do Justin, seria errado e ele sempre ficava chateado quando se despedia mais cedo.
Fomos para a minha casa, mas não passamos tanto tempo lá, finalmente fui conhecer o apartamento que ele alugou, sempre debochando de mim porque segundo ele, naquele momento poderia temporariamente chamar o lugar de "minha casa", e eu não poderia mais usar o argumento sobre morar de favor.
Para alguém que precisava de um lugar as pressas, foi uma ótima escolha, tudo bem arrumado, um espaço grande, um bom quarto, todo mobiliado, gostei bastante do espaço.
* * *
Infelizmente o fim de semana não durava para sempre, a segunda-feira precisava aparecer, e junto dela, o cheiro dele pelo colchão inteiro, impregnado em mim, minhas costas nuas coladas no peitoral dele, o braço me segurando com força para não sair de perto, e um beijinho de bom dia no pescoço assim que o despertador tocou.
Murmurei em resposta, puxando mais ainda os cobertores e me dando conta de que a Bella era igualzinha a mim no quesito acordar cedo. Virei de barriga para cima, mas ainda de olhos fechados.
Senti os lábios dele contra o meu pescoço, minha bochecha, o busto e depois os selinhos espalhados pelos meus seios sem nenhuma proteção. Abri os olhos.
Sorri para ele, que sorriu de volta e finalmente deixou três selinhos longos nos meus lábios, depois baixou a cabeça e grudou a boca na minha orelha.
- Acordar com você assim só vai me deixar mal acostumado. - Mordeu levemente minha orelha.
- A intenção é fazer você se apaixonar a ponto de fazer tudo por mim. - Sussurrei, sorrindo.
- Está conseguindo. - Falou firme, e alto.
Era típico, todo começo de relacionamento começa com um homem super amoroso, que te acorda com beijos no rosto e te chama de linda, não existem brigas, isso tudo vem depois de uns cinco meses.
Não há magia mais bonita que a de se apaixonar e saber que é correspondido, por isso não importa se você for um adolescente ou um adulto, as reações sempre vão ser as mesmas para ambos, fingindo que os próximos meses jamais vão existir.
Eu estava fazendo exatamente isso, fingindo que ia ser daquele jeito para sempre, ignorando o fato de precisar passar a semana sem dormir com ele, sem a companhia dele na maior parte do tempo, fingindo que não precisava ter responsabilidades além de ir trabalhar e esperar por uma mensagem dele, quando, na verdade, eu ainda tinha a minha casa, a minha filha e toda a minha vida para conciliar.
- Eu já disse para ir devagar com isso.
- Ir te ver na sua casa não é forçar a barra. - Se defendeu, vestindo o uniforme policial. - A Bella vai se acostumar mais se eu for.
- Você não consegue ficar vinte e quatro horas longe? - Fiz piada, sabendo que nem eu conseguiria.
- Não. - Chegou perto, segurando meu rosto. - Eu te avisei, agora já era, quando fico obcecado por uma coisa, não é brincadeira.
- Você está me assustando.
- Conviva com isso. - Soltou meu rosto. - Te avisei que não sabia com quem estava mexendo.
- Você parece um psicopata falando.
Ele me olhou sério, e aí lembrei que ele não gostava que chamasse ele daquele jeito, então levantei as mãos em rendição, um pedido de desculpas silencioso.
- A decisão é agora, Kayra, ou vai embora e para de me ver, ou conviva com o fato de que sou surtado.
- Surtado?
- É. - Vestiu a camiseta. - E muito, o que é meu, é meu, e pronto. - Ri baixo.
- Não sou sua, mulheres não são objetos para pertencerem a homens. - Foi a vez de ele rir.
- Só não vou te provar que é minha agora, porque vou me atrasar, mas se falar isso de novo, não vai ser bom.
- E você continua me assustando.
Ele se aproximou, vestindo a jaqueta, segurou meu rosto com delicadeza e me encheu de beijos rápidos, por todo o rosto.
- Não precisa disso, está segura se estiver comigo. - Piscou um dos olhos, me beijando de novo. - Deixa a chave debaixo do tapete, te vejo mais tarde.
Ele pegou uma bolsa toda preta e saiu do quarto.
Vamos as considerações finais sobre a nossa conversa matinal super saudável. Ou ele era um cara extremamente violento com mulheres, ou alguém violento com qualquer pessoa que se intrometesse no caminho dele e com as coisas dele. Obviamente a segunda opção era melhor, mas ainda me deixava com medo.
Ele saiu meia hora mais cedo que eu, mas pareceu mais com dez minutos, o tempo passou rápido enquanto me arrumava, vesti o casaco e pelo espelho da parede do quatro, vi de relance uma mala entreaberta, pensei em abrir só para bisbilhotar um pouco, mas não fiz, confiou em mim para ficar na casa dele, então não ia ficar mexendo nas coisas dele.
Assim que estacionei o carro, percebi um movimento estranho, primeiro porque faltavam carros no estacionamento, geralmente ficava quase lotado, e segundo pelo entra e sai de dentro do prédio.
- O que aconteceu? - A Diana era sempre a primeira pessoa que eu via.
- Outro desaparecido.
- O que?
- Pois é. - Rolou os olhos. - Sim, senhor...
Deixei ela falando no telefone, parecia uma chamada importante, fui até a minha sala, olhei para os lados e tinha pessoas faltando, como se fossem chamadas para uma emergência, e o resto estava todo trabalhando.
Nem sentei na cadeira, saí de novo, o motor do carro nem teve tempo de esfriar. Cidades que não são tão grandes tem uma vantagem, você não precisa perguntar nada para obter certas informações, é só escutar um burburinho e enxergar um amontoado de pessoas, e pode ter certeza que é lá que está acontecendo tudo.
O dia de trabalho do Harry começou com tudo, viaturas, forenses, fitas marcando o local, jornalistas, pessoas intrometidas querendo saber o que aconteceu, e por aí vai. Dei uma de detetive do lugar e passei pela fita sem mais nem menos, mas nunca durava muito, o grupinho de preto estava sempre atento.
- Fora! - Um deles segurou meu braço com certa força.
- Ei! Sou oficial! Sou do...
- Claro, todo mundo é. - Riu, desdenhando da minha palavra.
- Solta ela. - Escutei a voz do meu mais novo fã e defensor. - Não é assim que tratamos a chefe dos conselheiros, Jones. - Ele sorriu, e o militar só suspirou.
- Desculpe, senhor, só estava tentando fazer meu trabalho.
- Eu sei, fez bem, pode deixar que eu termino. - Tocou o ombro do rapaz e piscou um dos olhos.
- Nossa, como você é gentil. - Cerrei os olhos.
- Nossa, como você é intrometida. - Suspirei, com certa raiva da fala dele. - Não sei se percebeu, mas é uma cena de crime, civis não ficam desse lado da fita.
- Eu queria ajudar.
- Como?
Pensei rápido, por segundos, até me surpreendi com meu raciocínio, mas talvez fosse porque eu já conhecesse o bairro.
- O perímetro é o mesmo. - Franziu o cenho. - As casas são todas do mesmo bairro, pode ser uma pista. - Cruzei os braços, orgulhosa de mim.
Ele me analisou por segundos, depois olhou para a casa, ao redor dele, e então me encarou de novo.
- Vem. - Maneou a cabeça, queria que eu o seguisse.
Fui atrás dele, pelo menos nenhum policial estava me seguindo já que o próprio chefe deles pediu para eu o acompanhar, o que era ponto para mim contra aqueles idiotas de farda. O Harry era exceção.
Ele abriu a porta da última viatura, provavelmente a que ele usava, depois tirou um papel pequeno do porta-luvas, mas começou a desdobrar e então o papel virou um mapa, que ele esticou no capô, abriu o casaco e tirou uma caneta de dentro.
- Esses pontos vermelhos são as casas onde as crianças que desapareceram moram. - Eram próximos um do outros. - Essa faixa entre eles são as ruas, e se você observar, as casas são só uma rua de distância da outra, só ficam em extremidades diferentes.
- Que idade tinha a criança?
- Sete, uma garotinha. - Me olhou sério, apenas assenti.
- Ok, então...crianças na faixa etária de cinco e dez anos estão desaparecendo. - Peguei a caneta da mão dele e escrevi "5/10" no canto do papel. - É como se estivesse só... - Dei de ombros, encarando os pontos vermelhos.
- É como se estivesse indo de rua em rua, pegando crianças para colecionar. - Completou meu pensamento. - Três em menos de uma semana, se eu estiver certo, ele vai esperar mais até a próxima.
- Por que acha isso?
- Porque é fácil supervisionar três crianças ao mesmo tempo, morando só a uma rua de distância, ele sabe que estamos de olho nesse lado agora, não vai se mover enquanto estivermos investigando. - Dobrou o mapa de novo. - Se bem que deve estar rindo da nossa cara, nos observando de longe. - Olhou ao redor. - Desgraçado.
- Pode ser uma mulher.
- Não é.
- Como sabe? - Fiquei confusa.
- Só intuição de investigador. - Deu de ombros.
- E...quem são aqueles? - Apontei para um homem e uma mulher ao longe, chorando.
- São os pais. - Fiquei mais confusa ainda, e o segui até a porta da viatura.
- Mas...ele não costuma matar os responsáveis?
- Eu também achava que sim, mas não é do perfil dele.
- E como sabe? - Voltei a perguntar, e ele fechou a porta.
- No primeiro caso, a mãe e o avô da criança estavam na sala assistindo televisão, tanto que quando chegamos, o aparelho ainda estava ligado, o que significa que eles viram a pessoa, e ela foi obrigada a matar, no segundo caso encontramos os corpos na cozinha, mas esse foi diferente. - Cruzou os braços. - Ele entrou mais tarde, no depoimento dos dois diz que foram dormir depois das onze, o sequestrador não gosta de matar, só foi necessário, ele mudou a rotina, esperou as luzes apagarem para começar a trabalhar.
- Faz sentido. - Encarei ele. - Você é inteligente.
Ele sorriu com o elogio, tocou meu nariz com a ponta do dedo e deu de ombros, se fazendo se difícil.
- Mas...os pais não escutaram nada?
- Não. - Sorriu, abrindo de novo o carro, retirando uma caixa de luvas do banco. - Aí é que está a parte interessante, vou entrar no quarto da criança e ver se acho alguma coisa. Por hora, investigadora Chambers, está liberada. - Piscou um dos olhos.
- Me deixa ir com você. - Ele riu.
- Negativo, pode ir trabalhar. - Foi como uma ordem, sem nenhum resquício de risada no final.
- Por favor.
- Não.
- Por que não?
- Além do óbvio? - Me olhou de cima a baixo, eu nem era uma forense e também nunca exerci o cargo. - Você...não vai ser bom para você.
- Por que?
- Por causa da sua coisa com terror noturno, não quero que sonhe com essas coisas a noite, não tenho permissão para cuidar de você essa semana, por causa da Bella, como você mesma disse. - Quando percebi, já havia devolvido a caixa e tinha um par de luvas nas mãos.
- Mas não tem corpos lá.
- Mesmo assim, vai que você cria um gatilho, sei lá. - Deu de ombros. - Não quero te ver com outro machucado. - Encarou minha testa, mesmo que o cabelo escondesse o que restou do corte.
- Por favor. - Sussurrei, e ele rolou os olhos.
- Você é muito chata, por Deus. - Falou entre dentes. - Se acontecer alguma coisa com você a noite, eu vou...
- Você dorme comigo.
- Mas você disse que...
- Sai antes da hora de acordar, e entra depois que ela dormir. - Dei de ombros, e ele suspirou, negando com a cabeça.
- Você é idiota. - Abriu a porta e pegou a caixa de luvas. - Muito idiota, você não presta. - Me entregou um par de luvas. - Vem logo.
Não ia contar sobre a parte de usar aquilo contra ele só para me deixar entrar, mas provavelmente percebeu.
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amantedosfandons · 2 years ago
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11 • Homens que guardam segredos não são confiáveis
Fomos dormir um pouco tarde, por motivos óbvios, e já estava me perguntando o que os meus vizinhos estavam pensando enquanto dormiam, porque pelos barulhos, parecia que o mundo inteiro podia nos escutar.
Abri os olhos bem devagar, e sorrindo ao mesmo tempo, desejando que não fosse um sonho, e então senti um peso na minha cintura, e tinha um braço tatuado jogado por cima dela, o que me fez sorrir mais ainda.
Virei devagar, observando ele dormindo, tranquilo, o peito se movendo pela respiração leve, lindo até dormindo, como pode existir um ser humano assim? Deus tem seus preferidos, tenho certeza.
Me senti tão bem, segura com ele, e o melhor de tudo, desejada. Se um homem daqueles dizia que eu era linda, então acreditava de verdade, porque pessoas como ele podem escolher com quem ficam, e ele não ia ser maluco de mentir, não depois da noite que tivemos.
- Você costuma encarar as pessoas dormindo?
Sorri com os lábios, envergonhada, estava de olhos fechados, mas sabia o que eu estava fazendo.
- Só quando elas são perfeitas. - Abriu os olhos.
- Então não deveria estar me encarando.
A voz grave de alguém que havia acordado recentemente era nítida.
- Você é modesto demais.
- Você é linda demais. - Cerrou os olhos. - E sou um homem de muita sorte, se quer saber.
- Ah, é? E por que?
- Porque tem uma gostosa pelada bem ao meu lado, e eu fiz coisas com ela que...bom, vão me fazer sonhar por dias, então acho que tive sorte. Na verdade, se ela me quis com toda essa arrogância, sarcasmo e atrevimento, então tenho mais do que sorte.
- Acho que ganhei na loteria da vida. - Sussurrei, e ele sorriu. - Você é o cara mais lindo e gente boa com quem eu já dormi, de longe o melhor, é sério. - Ele riu. - Não vai embora, vai? - Sussurrei de novo.
- Tipo, agora, ou para sempre? - Não respondi, ele sabia o que eu queria dizer. - Já te disse que não é minha intenção, coisinha. - Tocou meu nariz, me fazendo sorrir. - Por acaso tem uma escova de dentes sobrando?
- Ela pode ser rosa?
- Não, sou extremamente machista, rosa é coisa de mulherzinha. - Falou sério, e eu fiquei encarando, então ele rolou os olhos. - Tanto faz a cor, Kayra, serve para escovar os dentes. - Sorri de novo. - O que foi?
- Você é uma das únicas pessoas que me chama pelo nome.
- Não gosta?
- Sei lá. - Dei de ombros. - Acho meu nome muito estranho, não gosto muito... - Pressionou o dedo indicador nos meus lábios.
- Deveria gostar dele. - Chegou mais perto. - Estou apaixonado por uma mulher com esse mesmo nome, é uma honra ter ele, se quer saber...
- Oh meu Deus. - Tirei o dedo dele da minha boca. - Existe outra Kayra no Canadá? - Rolou os olhos, entre risos. - Não, espera, você precisa me apresentar. - Me apoiei nos antebraços, o olhando séria. - É o nome mais estranho do mundo, se tiver outra você precisa me dizer onde está, eu quero conhecer...
Me puxou para perto, fazendo meus peitos colarem nos dele, beijando minha boca em seguida.
- Engraçadinha, sabe que estou falando de você.
- Eu quero diga, com todas as letras. - Olhei para a boca dele.
- Estou apaixonado por você, Kayra Chambers, e não é pouco.
Sorri largo, e o beijei de novo, mas conhecendo ele, mesmo que em pouco tempo, já deveria saber que em um minuto estaria me beijando, e em outro já estaria por cima de mim, me fazendo gemer mais uma vez por ele.
E aquilo era sensacional.
Levantamos depois, fomos ao banheiro e eu entreguei a escova rosa para ele, depois tomei banho, vesti uma roupa linda e emprestei uma toalha minha para ele poder tomar banho também.
Depois desci, peguei tudo que precisava para um café, mesmo não sabendo se deveria escolher entre aquilo ou um almoço já que era tarde, mas preferi um meio termo, poderia de chamar de alcaf? Não sei, o nome surgiu na hora.
Ele desceu dez minutos depois, com a mesma calça preta, mas sem toda aquela roupa, só com a blusa de manga longa, dobrada até os cotovelos.
Sorriu para mim, depois me deu um beijo no rosto enquanto eu me concentrava em não queimar o Bacon, e então o vi pegar os pratos da bancada e levar até a mesa, depois abrir o pacote de pães e colocar dois na torradeira.
E daquela maneira nos ajudamos, até tudo estar na mesa e finalmente sentarmos um ao lado do outro, e enquanto ele preferia aquele café preto sem açúcar horrível, eu estava bem feliz com meu suco de caixinha sabor uva.
- Então... - Mastigou um pedaço do pão. - Não é estranho a Bella não estar aqui? Parece que falta algo na sua casa. - Eu ri em seguida.
- É, também sinto falta dela. - Suspirei. - Mas ainda bem que não estava em casa, sairia traumatizada.
Ele me lançou um olhar sério, nos encaramos, ambos escondendo o riso, e depois explodimos em gargalhadas.
- Ninguém mandou gemer tão alto, sua escandalosa. - Fiquei boquiaberta, ofendida.
- Você é um idiota. - Bati no braço dele. - Tem culpa em tudo isso, e eu te escutei também.
- Ah, por favor, eu sou bem mais cauteloso. - Se defendeu. - Aposto que os vizinhos estão nos esperando sair para saber quem foi o motivo de tanto alvoroço... - Bati mais uma vez nele. - Aí! - Passou a mão no braço. - Mas foi gostoso, não foi? - Perguntou, sussurrando.
- Não, foi horrível. - Ele riu alto.
- Vou fingir que isso é verdade. - Riu, mordendo mais uma vez a torrada. - Você...Kayra...Kayra, não diga essas coisas, depois eu te faço pagar pelas suas palavras e não sabe o motivo.
- Você leva muito para o pessoal. - Dei de ombros. - Eu sabia que você ia fazer jus ao uniforme. - Ri baixo.
- O quê? - Franziu o cenho. - Não fale o que não sabe, não é sempre assim.
- Bruto? - Fechou os olhos fortemente, depois me encarou.
- Você acha que fui grosseiro? - Ri baixo, ele parecia preocupado.
- Não, eu gostei. - Dei de ombros. - Foi bom para mim.
- Eu também sei fazer com carinho. - Ri alto, desistindo de comer o omelete. - Na verdade, sei fazer de muitos jeitos...
- Ainda estamos tomando café?
Ele parou, depois encarou a mesa.
- É, deixa esse assunto para depois.
Rimos alto, tudo parecia engraçado vindo dele.
Na verdade, ele não se continha, precisa falar uma besteira a cada minuto que passava, mas foi divertido, não era mais tão constrangedor.
Ele realmente levou a minha louça, e depois disse que ia para casa pegar uma roupa, mas prometeu que voltaria.
Aproveitei o momento, fui até o sofá, me sentindo tranquila, e então liguei o celular e abri as mensagens do Justin.
Sorri grande no mesmo momento, a foto da Bella com um hambúrguer enorme na mão, sorrindo grande, e naquele momento percebi que a maioria das fotos dela era com comidas, pelo menos sabemos que fome não passa.
Depois resolvi ligar por vídeo, e ele atendeu com um sorrisinho idiota, me perguntando como foi a noite, mas eu estava mais interessada em falar com a minha filha.
Ela sorriu grande, mas não dava para ver muita coisa, porque aproximava demais a câmera, e toda vez que falava aproximava mais ainda, pensava que eu a escutaria melhor.
- E como foi sua noite do hambúrguer?
- Eu comi um burguer grande. - Ri baixo. - Bem grande, o J fez para mim.
- Eu vi, ele me enviou uma foto. - Ela riu.
- E a surpresa?
- O quê?
- A surpresa do amigo, mãe. - Abri mais os olhos. - Ele levou lá na pizza?
E ela lembrou que eu ia sair, pensei que aquilo fosse sumir da mente dela, mas não, estava bem fresco na memória dela.
- Ah...sim, ele me levou na pizzaria. - Ri baixo.
- Mãe, e eu posso ir junto da outra vez? - O ânimo na voz dela era bem perceptível.
- Claro, vou dizer para ele fazer uma surpresa para nós duas, tudo bem?
- Sim! - Vi ela levantar.
Fiquei conversando com ela um tempão sobre a noite dela, e sobre o novo bichinho dela, que ia ficar na casa do pai, uma girafa de plástico, que ela amou, porque foi um presente, então automaticamente era algo muito especial.
E depois o Justin pegou o celular, e claro que diria alguma coisa.
- Hum...você foi na pizza com seu amigo, Kay? - Imitou a Bella. - Sua mentirosa! - Sussurrou.
- Ei! - Cliquei forte na tela o fazendo rir, queria ter batido nele de verdade. - Vai se ferrar. - Sussurrei.
- Foi bom? - Ele estava sorrindo igual um idiota para a tela.
- Não. - Escondi o sorriso.
- Ah, foi bom! - Riu alto, depois olhou para o lado, para a Bel provavelmente. - Podemos sair juntos um dia desses, não é? Eu, você e...
- Justin. - Ele parou e me encarou. - Cedo demais, não se emocione.
- Quanta demora para namorar alguém, credo. - Parecia indignado. - Trate de namorar logo, é sério!
- Para que isso?
- Ora, para que. - Me imitou com sarcasmo. - Para eu ter um parceiro, cara, preciso de alguém que me entenda.
- Que te entenda?
- Qual é? Todo mundo sabe que você é um ser humano super difícil e...
- Justin, se você me ofender, vou desligar na sua cara!
- Viu? Não sabe nem ouvir a verdade.
- Idiota. - Murmurei.
- E ainda chama o pai da sua filha de idiota, olha...isso não é certo. - Riu, e eu cerrei os olhos.
- Preciso ir, meu amigo está voltando.
Antes que ele dissesse qualquer coisa, desliguei, fui até a porta porque escutei alguém abrir, e lá estava ele, com uma calça de moletom, retirando o casaco grosso e revelando a camiseta preta.
- Sabia que é um absurdo precisar vestir um casaco desses só para ir até lá?
- Você se acostuma. - Olhei para a porta, lembrando de algo. - A Michelle te viu?
- Não estão em casa, por que?
- Porque não contei para ela. - Continuou me encarando, sem dizer nada. - E acho que preciso...
- Por que? - Passou por mim, indo até à sala.
- Porque ela é minha melhor amiga, e estou domingo com o cunhado dela, então acho que merece saber.
- E por que não contou antes? Podia ter contado no dia que combinamos de sair. - Se jogou no sofá, me encarando.
- Eu estava esperando.
- Esperando o que?
Estava confuso, dava para ver pelo semblante, e eu só sentei ao lado dele.
- Bom, eu não sabia se ia acontecer mesmo. - Franziu o cenho.
- Acontecer o que? A trepada? - Sei que fiquei vermelha.
- É. - Foi só o que falei.
- Você não é nem um pouquinho confiante, não é? - Me analisou, sorrindo levemente. - Por que achou que não ia acontecer?
- Não sei, eu só pensei.
Ele ficou me encarando, sério, e foi por tanto tempo que parei de olhar para ele, me estiquei e peguei o controle da televisão, e até liguei ela, e ele continuava lá, me encarando.
- Com quantos caras você já dormiu?
- O que? - Soltei uma risada nervosa. - Por que isso importa?
- Porque sim. Com quantos?
- Isso não tem nada a ver...
- Então responde a pergunta.
- Para que?
- Eu quero saber.
- Por que?
- Com quantos você já dormiu? - Repetiu a pergunta.
Suspirei, e encarei ele com o melhor semblante tedioso que eu tinha, mas o Harry continuava sério, e eu já estava constrangida antes de responder.
- Com você são três. - Falei bem baixo.
- São quantos? - Franziu o cenho, chegando mais perto.
Ele não estava debochando, falei o número em tom de voz extremamente baixo.
- Três.
- Três!? - Praticamente gritou. - Três caras!? Meu Deus!
- O que? - O olhei de cima a baixo. - Acha que sou tão ruim que não consigo nem...
- O pessoal dessa cidade só pode ser idiota. - Parei de falar, o encarando. - Meu Deus, como te deixaram escapar? Que...que cidade de amadores! - Ele estava indignado. - Obrigado Deus, por não deixar mais ninguém tocar no que é meu. - Ele literalmente levantou as mãos para cima.
- Vai se ferrar! - Mandei, fechando a cara.
- Por que? O que eu fiz errado? Não posso agradecer?
- Está debochando.
- Não! - O tom realmente não era de alguém que estava debochando. - Ninguém nunca te disse que é linda? Tipo, extremamente? Olha para você, nem parece que tem espelho em casa. - O encarei, estava realmente falando sério. - Acha que a beleza da sua filha vem de onde? alguém ela precisa ter puxado...
- Ela é a cara do Justin...
- Só os olhos são dele, e automaticamente faz parecer que a beleza veio dele, mas isso é mentira. Você é a mamãe mais linda que eu já conheci, e sabe que não sou mentiroso.
- Obrigada. - Murmurei, suspirando.
- Kayra. - O encarei de novo. - Qual foi a última vez que te elogiaram, sem contar as vezes que eu disse?
- Não sei. - Ri baixo. - Não consigo lembrar.
- Então vou te dizer todos os dias, só para você lembrar que é maravilhosa. - Tentei não sorrir, mas era impossível. - Essa cidade é de perdedores, se quer saber, e eu cheguei para ganhar. - Piscou um dos olhos, me fazendo rir. - E acho que já ganhei, não ganhei? - Se aproximou.
- Falta muito para ganhar. - Sussurrei, enquanto ele cerrou os olhos.
- Tudo bem, sei que a trajetória é difícil. - Se endireitou, e depois se jogou para o lado, deitando no sofá. - Vem cá. - Esticou o braço, me chamando com a mão.
Sorri quando senti ele beijar minha testa, depois minha bochecha, e então ficamos um bom tempo trocando selinhos e sussurrando provocações implicantes um com o outro, mas sempre rindo.
Depois ele precisou levantar, recebeu uma ligação e foi para a cozinha atender, o vi andar de um lado para o outro com o celular na orelha, mas não escutei direito o que dizia.
Fiquei um tempão no celular, e depois percebi que já fazia quase uma hora que estava naquilo, e ele permanecia na cozinha, mas não dava para ver ele direito no ângulo que estava no sofá, então levantei.
Harry estava de costas para mim, parado na frente da janela, com os mãos entrelaçadas atrás da cabeça, como quando alguém perde a cabeça, então comecei a chegar perto bem devagar, e percebi que estava mordendo o lábios inferior fortemente, e com os olhos fechados.
- Harry?
Ele abriu os olhos, me encarou e sorrou fraco, mas não durou tanto tempo, então apoiou as mãos na pia.
- Tudo bem?
- Tudo, só... - Respirou fundo, negando com a cabeça.
- Aconteceu alguma coisa?
Fiquei preocupada com as reações dele, parecia furioso, mas triste as mesmo tempo.
- Outra criança desapareceu. - A fala foi baixa, mas deu para escutar. - A segunda em três dias, tem algo errado. - Se afastou da pia, parecia estar pensando.
- Foi...foi igual da última vez? - Fiquei com receio de perguntar, mas precisava saber.
- Igual.
Significava que alguém estava morto, e talvez do mesmo jeito que mataram as primeiras duas pessoas da casa.
- Você acha que...é algum maníaco ou... - Ele riu nasalmente.
- Eu não acho, sei que é. - Tinha certa raiva na voz dele.
- Como?
- Só intuição de investigador. - Sorriu, suspirando depois. - Droga... - Sussurrou. - Não queria estragar nosso momento, foi inesperado.
- Tudo bem.
Ele só assentiu, mas não conseguia me encarar, talvez estivesse chateado por ter me deixado esperando, mas eu entendi de verdade, era um trabalho complicado, sabia do cargo dele antes de me envolver.
- Você precisa ir?
- É.
Vi ele coçar o nariz com o dedo indicador, depois juntar as mãos e deixá-las pousadas na ilha da cozinha.
- Então vai, não tem problema.
Ele negou levemente com a cabeça, depois riu nasalmente, e não entendi se estava bravo comigo ou com o que aconteceu.
- É sempre assim...
- O que é sempre assim? - Não estava entendendo.
- O meu trabalho é sempre assim. - Me encarou. - É uma coisa complicada, uma hora vou estar com você e na outra alguém vai estar me ligando para dizer que tem um corpo em algum lugar, e sempre acaba do mesmo jeito.
- Que jeito?
- Gritos e a frase típica: o seu trabalho é mais importante que a gente? - Riu baixo, negando com a cabeça.
- E você acha que vai acontecer o mesmo agora?
Ele não respondeu, ficou encarando o nada, até que deu de ombros.
- Eu não sei. - Pareceu ter sido sincero. - Talvez sim, talvez não, sei lá, mas sei que é chato. - Levantou. - Não quero te deixar sozinha, mas sou responsável por uma coisa importante, e preciso atender isso.
- Tudo bem. - Assenti. - Pode ir.
Ficou me encarando por um tempo, até que deu um passo a frente.
- Sei que tem medo de eu te deixar sozinha, você ainda acha que vou virar as costas e nunca mais voltar só porque já fiz o que desejava com você, e não adianta dizer que não, sei que vai estar mentindo. - Mais um passo. - Mas eu volto, vou te provar que está errada, e que apesar do meu trabalho exaustivo, ainda quero estar com você.
- Você não precisa provar...
- Preciso. - Falou firme. - Preciso porque nas outras vezes não provei, agora é diferente, quero estar certo nisso, se eu quero alguma coisa, preciso me esforçar para ter ela.
- Você fez isso com alguém que...
- E quero que me diga e que me faça ver toda vez que eu fizer uma borrada e te deixar sozinha sem necessidade, não quero que me perdoe, vou ir hoje porque não estamos fazendo nada realmente importante e estamos começando com isso, mas da próxima vez, se eu estiver ocupado, se eu estiver com você ou com a Bella, o subdelegado resolve, entendeu?
Aquilo parecia muito importante para ele, mesmo que eu realmente não ligasse se ele fosse naquele momento, ele ainda queria escutar eu concordar com o que estava dizendo.
Pelo visto o passado dele era cheio de coisas não tão agradáveis com outras pessoas.
- Entendi. - Sorri leve. - Não tem problema, você pode ir, é seu trabalho, eu sabia das suas responsabilidades antes de aceitar sair com você.
Ele pareceu surpreso com as palavras, porque sorriu leve e assentiu. Avançou mais alguns passos e deixou um beijo sutil nos meus lábios.
- Harry. - O chamei antes de sair. - Será que quando voltar, você pode estar com a farda? - Ele riu alto.
- Tá bom. - Disse entre risos.
Fiquei triste quando bateu a porta, não vou mentir, mas não dava para ser egoísta, era o trabalho dele, alguém foi morto e se o delegado simplesmente passasse o bastão, seria algo bem ruim, ainda mais para um recém chegado, por isso me coloquei no lugar dele, se fosse eu naquele momento, recebendo uma denúncia grave, com certeza iria, iríamos ter muitos momentos juntos, e as pessoas te pedem ajuda em uma única chance.
Deitei no sofá, queria assistir algo, mas estava com sono, dormimos pouco, e assim que deitei senti uma necessidade enorme de fechar os olhos.
Era diferente não estar com a Bella em casa, porque se ela estivesse eu não poderia estar dormindo daquele jeito, teria que estar de olhos nela, não costumava dormir durante a tarde, então estava sempre inventando algo para entreter ela.
Meu sofá sempre foi confortável, não era duro como o meu antigo, era até bom para dormir, perdia para uma cama, mas ainda era bom tirar um cochilo lá.
Me ajeitei no sofá, não sei o motivo de estar sorrindo de olhos fechados, mas estava, provavelmente pelo toque de alguém no meu cabelo, mas já que parecia que fazia só uns quinze minutos que peguei no sono, Harry havia voltado cedo demais, talvez a cena não tivesse sido tão horrível assim.
E então abri os olhos.
Meu semblante de pavor apareceu, e eu abri a boca e soltei um grito muito alto. Uma figura na minha frente, nitidamente masculina, não tinha os olhos e estava todo ensanguentado, não dava nem para ver a cor da roupa, da pele, dos tênis e muito menos dos olhos.
Continuei gritando porque ele estava com a mão cheia de sangue no meu cabelo, então levantei e pulei para trás do sofá, na verdade, mais caí do que pulei, estava estatelada no chão.
E então acordei de verdade, sentindo a dor nos meus antebraços e na minha cabeça.
Levantei rápido, olhei ao redor, mas a sala estava vazia, podia ver que já era noite do lado de fora, mas meu corpo suava frio, eu respirava rápido, e estava sentindo o pior sentimento de todo, o medo.
Andei rápido até a cozinha, abri a gaveta e peguei uma faca grande, de corte, a mais afiada que eu tinha. Não dava para saber se era real ou não, e eu mal enxergava porque meus olhos estavam marejados ao extremo, como quando as lágrimas caem sem você nem piscar para isso.
Se alguém da rua me visse, diria que eu era uma maluca, porque estava entrando em todos os cômodos da casa com uma faca na mão, verifiquei até os guarda-roupas, embaixo das camas, os banheiros, a sala inteira, armários minúsculos, lavanderia, olhei até mesmo dentro da máquina de lavar, e por último, fui andando de costas até me encostar na porta da frente, daquele ângulo dava para ver a casa inteira.
E então eu comecei a chorar, porque fiquei muito nervosa, e ainda sentia muito medo, era como se aquele figura ainda estivesse me observando, e então levei a minha mão a testa, e quando olhei para ela, tinha sangue, não muito a ponto de ser um corte enorme, mas o suficiente para eu ver.
E então eu era uma louca, chorando na porta de  casa com uma faca na mão, e com medo de algo que nem existia. Por isso eu não queria o Harry em casa, se ele visse aquilo provavelmente me acharia maluca.
Me assustei de novo, tinha alguém batendo na porta da frente, e me assustei mais ainda, escutei a batida forte muito de perto. Suspirei, limpei as lágrimas e abri a porta levemente, só uma fresta para ver quem era.
Harry, sorrindo, mas parou quando me viu, franziu o cenho, estava com uma caixa de pizza na mão e o uniforme policial, como prometeu, mas não todo ele, até porque o cabelo estava livre de qualquer coisa.
Ele já tinha me visto, não dava para fechar a porta na cara dele, seria inútil, ele tentaria entrar de qualquer jeito, então abri e o deixei passar.
Os momentos constrangedores começaram bem ali, não sei se ele já estava constatando que eu era louca, ou esquizofrênica, uma das duas coisas.
- Kayra, por que tem uma faca na sua mão?
Ele estava parado, ereto, como quando os policiais ficam quando estão em alerta, super sério, só faltou mesmo apoiar a mão na arma que estava no coldre.
- Eu...foi só... - Olhei para o objeto na minha mão. - Pensei que tinha alguém aqui, foi só...uma loucura da minha mente.
- E o seu machucado? - Olhou para a minha testa. - Como fez isso?
- Caí do sofá.
- Caiu do sofá? - Arqueou uma das sobrancelhas. - Uma queda dessa altura não ia te deixar com um corte na testa.
- Eu meio que pulei dele...
- Pulou do sofá? - Virou para trás, analisando o sofá. - Pulou atrás dele?
- É.
- Por que? - Suspirei.
- Por nada.
Ficamos nos encarando, eu não sabia se era pior dizer ou não dizer, segui para a cozinha, abri a gaveta, hesitei duas vezes em soltar a faca, porque ainda parecia que tinha alguém ali, mas soltei já terceira vez, não dava para ficar com uma faca na mão para sempre.
Ele deixou a caixa de pizza na mesa, foi até a cozinha e ficou me encarando, como se tentasse entender o que aconteceu ali, mas eu não conseguia parar de olhar para a sala, até que ele olhou também, tentando ver o que eu estava vendo, que na verdade não estava vendo nada.
- Você ainda acha que tem alguém aqui?
- Não. - Menti, sem nem conseguir olhar para ele.
- Mas vai te deixar mais tranquila se eu verificar?
O encarei, ele sabia que eu estava mentindo, só não queria jogar na minha cara que eu pensava sim que tinha alguém, ou alguma coisa na casa.
- Vai, na verdade, vai mesmo. - Entrelacei os braços.
Ele era policial, então se tinha alguém que sabia vasculhar uma casa, esse alguem era ele, que só assentiu para mim, tirou a arma do coldre e começou a andar pela minha casa.
Não fiquei encarando muito porque ia começar a ficar nervosa, com pânico, era sempre o que acontecia depois de um pesadelo horrível, e o mais engraçado é que daquela vez não foi repetido, foi diferente, mas eu nunca vi aquela figura na minha vida, nem em filmes, nem em livros, nem em desenhos, na verdade, era estranho até para mim mesma.
Escutei os passos leves dele descendo as escadas, guardando a arma, e me analisando, parecia escolher as palavras.
- Não tem ninguém, está limpo. - Assenti leve. - Você...teve um sonho ruim?
Ele sabia, era inteligente, deduziu tudo e ainda supôs certo, mas ele nunca tinha me visto daquele jeito realmente.
- Foi bem ruim. - Ainda não conseguia olhar para ele direito.
- E aí você pulou do sofá, dormindo? - Assenti levemente. - E ficou muito assustada, por isso achou que tinha alguém aqui? - Assenti de novo. - Tudo bem, não tem, foi só um sonho.
- Tem certeza? - Foi a vez de ele assentir.
Respirei fundo, um pouco aliviada, depois que ele disse, parece que a sensação de sentir alguém ali passou, talvez porque ele fosse policial e eu curiosamente confiasse mais na palavra dele.
Pensei que os próximos momentos fossem ser os piores, super constrangedor, mas ele só avançou devagar, e me deu um abraço.
Fechei os olhos, fiquei com medo, mas quando ele me abraçou, me senti mais tranquila, segura, não sei se por ele ou pela farda policial, segurei o choro o máximo que pude, mas não consegui, fiquei chorando em silêncio o tempo todo.
- Tudo bem, não precisa ficar nervosa. - Sorri leve.
- Não é de nervosismo, é de alívio. - Me afastei dele, limpando os olhos.
- Oh. - Ele deixou escapar, bem baixinho. - Acho que deveríamos limpar esse corte. - Tocou levemente na minha testa.
Eu sabia que sim, então só fui em direção a escada, tinha algumas coisas no meu banheiro que serviriam para limpar um corte, e ele me seguiu em silêncio.
Peguei as coisas para limpar, mas ele tirou tudo da minha mão e começou a fazer sozinho, parecia bem concentrado no meu corte, mas pelo pouco que olhei no espelho, não era muito grande, foi mais o susto, muito sangue para um corte tão pequeno.
- Tem algum tipo de tratamento para isso?
Ele estava se deferindo ao terror noturno, mas fiquei calada por um tempo, fingindo que não queria responder, mas não dava para ficar quieta por tanto tempo.
- Tem.
- E você faz?
- Faço. - Olhei para ele. - E já melhorei muito, isso aqui não é nada.
Apontei para o corte, e ele me encarou, provavelmente pensando no que seria pior que aquilo.
- Acontece muitas vezes?
- Antes todos os dias, agora três ou duas vezes por semana. - Assentiu levemente, pressionando um algodão sobre o meu corte.
- E o que causa isso? - Ri baixo.
- Não tem causas conhecidas, mas alguns estudos dizem que pode ser relacionado com distúrbios no desenvolvimento do sistema nervoso, e também pode ser genético, mas ninguém dá minha família tem isso, então... - Dei de ombros. - Você me acha louca, não é?
- Não. - Sorriu, me olhando nos olhos depois. - Acho que você é uma pessoa que está no processo de resolver um problema, isso não é ser louco. - Suspirou, jogando o algodão na pia. - E a pizza vai esfriar.
Descemos depois, pizza de calabresa com muito queijo era sempre uma maravilha, e então lembrei da Bella no mesmo momento.
- Veio mesmo de uniforme. - O analisei.
- Você pediu. - Deu de ombros. - Qual é a sua com uniformes policiais?
- Já se olhou no espelho?
- Já, me achei gostoso, mas isso é só detalhe.
Pensei mesmo que ele fosse falar sério, não sei o motivo de ainda acreditar naquilo. Ele parecia saber sobre a beleza dele, ou só afirmava para não parecer tão modesto.
- Como foi lá?
Perguntei depois um tempo, comemos e arrumamos tudo, e ele parecia pensativo quando ficávamos calados.
- Ruim, o pai e a mãe mortos, e a criança desapareceu. - Falava sem me encarar. - O mesmo cenário da primeira vez. - Cerrou os olhos e me encarou. - E você dizendo que aqui é a nada acontecelândia.
- Olha, em minha defesa, essa é a coisa mais assustadora que já aconteceu aqui, o pessoal da cidade está em choque.
- Realmente, tinha muita gente ao redor da casa. - Negou rápido com a cabeça. - Não vamos falar de tragédias, vamos falar de...ir lá em casa, agora.
- Você nem tem casa. - Rolou os olhos.
- A casa do meu irmão. - Tocou meu nariz com o indicador. - Vamos lá, preciso trocar de roupa.
- E chegar com você?
- Aproveita e me assume para eles. - Jogou o pano na pia. - Vem. - Puxou minha mão.
Tentei resistir, mas ele estava determinado, me levando com ele, decidido que eu entraria lá com ele. Obviamente pulou a cerca atrás da casa, e me ajudou a fazer o mesmo depois.
Entramos pelos fundos, parecia ter alguém em casa, mas não estavam na cozinha, nem na sala, então só subi atrás dele.
Era o último quarto do corredor, eu sabia que era o de hóspedes porque já havia ido lá antes. Fechei a porta quando entramos e abriu uma mala cheia de roupas.
- Pode ficar a vontade, não vou demorar.
Não estava olhando para ele, estava mais interessada em olhar para as coisas no quarto, ele até era organizado, não deixava nada jogado  tudo dentro algumas malas, para ser mais exata, cinco delas.
Escutei uma porta bater, mas não era a do quarto, então presumi que estivesse no banheiro. Não tinha muito para fazer, os únicos objetos pessoais a vista eram o celular e os fones de ouvido.
Tomei liberdade de deitar na cama dele, era de casal, mas bem menor que a minha, tive a impressão de mal caber duas pessoas ali.
Tentei me entreter com meu celular, mas não tinha nada interessante, o Justin e a Bella estavam na mãe dele, então estavam ocupados, não dava para ligar, e eu também não me interessava muito por redes sociais.
Só fiquei deitada, olhando para a porta, escutando sons na cozinha vez ou outra, indicando que tinha alguém na casa, provavelmente estavam do lado de fora quando entramos, ou até mesmo no banheiro.
Ele realmente não demorou, saiu pouco mais de cinco minutos depois, cabelo molhado, calça de moletom mostrando a marca típica da boxer por baixo, e meia, adorável, ele era lindo e sexy em tudo que fazia, mas fofo ao mesmo tempo.
- Não me diga que veio para dormir. - Riu da minha posição.
Não respondi, fiquei observando ele arrumar o uniforme junto do coturno preto que estava usando antes, e nem percebi onde estava o coldre e muito menos a arma, provavelmente colocava em um lugar seguro já que tinha o sobrinho pequeno em casa, e o resto do armamento ficava na delegacia.
Ele chegou perto depois, se inclinou para me observar, mas eu não estava olhando para o rosto dele, na verdade, estava prestando atenção em outra coisa.
Levantei e fiquei sentada na cama, cheguei perto do abdômen dele, e os homens são todos iguais, só muda o nome, segurou meu cabelo, achando que eu ia fazer alguma coisa.
- Isso são mamilos? - Ele riu, me empurrando levemente.
- São. - Se jogou na cama, virando de barriga para cima. - São os bebês mamilos, esses são a mamãe, e o papai. - Tocou nos mamilos normais. - Esse são o Harry, e o Styles. - Fechei os olhos e ri da piada dele.
- Você é idiota. - Deitei de barriga para baixo, tocando os mamilos ao redor da tatuagem de borboleta.
- Ei! Tira a mão do meu peito!
- Isso não é seu peito, é sua barriga.
- Tem mamilos aí, por tanto é uma parte íntima. Vamos, tire a mão! - Me afastou rápido.
- Como você tem dois a mais? - Franzi o cenho.
- Não sei, mas então aí desde sempre. - Me olhou apavorado. - Estou sem camisa na sua frente!
Escondeu dois mamilos, depois arrastou as mãos para baixo e escondeu os outros dois, e ficou fazendo aquilo, como se estivesse desesperado por não saber como escondê-los.
- Que azar, em menos de vinte e quatro horas eu te vi muito mais sem roupas que com roupas. - Apoiei minha cabeça entre o ombro e o travesseiro.
- Kayra? - Murmurei em resposta. - Me dá um beijinho? - Ri baixo.
Ele estava sempre pedindo aquilo, a começar pela noite anterior, estávamos deitamos, mesmo no escuro, decidimos a dormir, e ele ficava o tempo inteiro pedindo para eu beijar ele.
Levantei o rosto, ainda com ele apoiado no travesseiro, ele estava sorrindo igualzinho um idiota, mas eu não julgava, provavelmente estava fazendo o mesmo. Pousei minha mão no rosto dele e selei nossos lábios devagar, depois me afastei.
Vi ele franzir levemente a testa, depois olhar nos meus olhos.
- Kayra? - Levantei uma das sobrancelhas. - Será que você pode me dar mais um beijinho? - Ri baixo.
- Você acabou de pedir isso. - Falei entre risos.
- É que a minha boca é muito dependente quando se trata da sua. - Deu de ombros, como se fosse nada.
Foi uma péssima ideia atender o pedido dele, não que fosse ruim, mas era meio estranho beijar ele na casa da Michelle, tudo bem que era o quarto onde ele estava dormindo, mas mesmo assim pareceu muito estranho para mim.
Senti a mão traiçoeira dele por dentro da minha blusa, então parei.
- Chega, já está bom. - Tentei afastar ele.
- Não está bom nada! - Sussurrou, me xingando.
Ele baixou rápido a cabeça, beijando a pele pouco acima do neu umbigo, levantando a blusa conforme os beijos iam subindo, até meu sutiã aparecer por completo, e ele beijou a pele exposta, as partes que não estavam escondidas por ele.
Era bem difícil resistir, mas pressionei minhas mãos no rosto dele e o levantei, deixando um rápido nos lábios dele.
- Para com isso...
- Deixa eu te comer, por favor? - Fez uma carinha triste, piscando os olhos rapidamente.
- Não! - Bati no ombro dele. - Aqui não é um bom lugar.
- É o meu quarto.
- Tem pessoas na casa.
- Não vamos fazer barulho. - Rolei os olhos, e ele se aproximou. - É o melhor tipo de trepada, sabia? Quando não pode fazer barulho, mas você ainda pode gemer bem baixinho no meu ouvido...
- Para de sussurrar...
- Por que? - Sorriu, pervertido maldito. - Te deixa sem respostas, não é? Você gosta do meu lado sedutor, porque te deixa sem forças para resistir. - Beijou meu pescoço.
- Isso não é justo. - Sussurrei de volta, sentindo os beijos dele no meu pescoço. - Eu q...
- Harry, você já chegou? - Escutei a voz do Mitch do outro lado, e ele bateu na porta.
Olhei para ele, apavorada, sem saber o que fazer, mas ele só riu como um idiota, e saiu rápido de cima de mim.
- Mitch, estou meio ocupado aqui dentro. - Pegou a camisa de cima da cômoda.
- Reconheço seu tom de voz quando mente, otário. Estou entrando, é melhor não estar sem roupas.
Ele abriu a porta, mas Harry a segurou bem na hora, ainda arrastando o tecido da camiseta para baixo.
- Mitch!
- O que? Por que não quer me deixar entrar?
Harry suspirou, super dramático, e eu sabia que ia dizer qualquer absurdo que passasse pela mente dele.
- Tá, é que...tem uma mulher aqui comigo, e ela está pelada na cama, sei que eu deveria procurar um motel, mas ela não quis, sabe como é...aquela coisa de proibido ser mais gosto.
Abri a boca em um perfeito "O", horrorizada.
- Seu filho da puta! É a minha casa!
Pulei da cama, ajeitei minha camiseta e abri a porta o mais rápido que consegui, assustando os dois.
- É mentira! - Falei assim que abri a porta.
- Kayra? - Mitch franziu o cenho, e depois arregalou os olhos e tapou a boca. - Você é a mulher que estava pelada na cama!?
- O que!? Não!
- Mas ela estava quase ficando. - Lancei um olhar mortal para o homem ao meu lado.
- Não, eu não estava! - Falei firme. - Mitch, ele é idiota, está mentindo.
- Tá, não estava quase ficando, mas estava quase concordando em ficar. - Dei um tapa nas costelas dele. - Aí! Essa merda dói!
- Mitch, isso tudo é mentira, ele está fazendo para me irritar. - Saí do quarto. - Vou procurar a Michelle, foi bom te ver.
- Você é idiota, Mitch, as coisas estavam indo para um caminho do paraíso...
- Não! - Virei para trás, encarando os dois. - Mitch, eu não transaria com o seu irmão na sua casa, com uma criança aqui, sou uma mulher de respeito!
Na verdade, o Mitch parecia uma estátua, ainda estava com o semblante apavorado, e Harry só sorria, acenando com a mão, super debochado, parecia querer me ver brava e desesperada.
Desci as escadas, e vi a Michelle na cozinha.
- Kay? O que faz aqui? - Sorriu ao me ver.
- Oi. - Meu sorriso amarelo, tentando disfarçar o que havia acontecido. - Eu...
- Só vim tomar banho. - Harry passou por trás do meu corpo, indo até à pia. - Já estamos saindo.
- Estamos? - Ela franziu a testa, depois encarou a Mitch. - Querido, por que parece que você viu um fantasma.
Ele continuou encarando ela, e depois apontou na minha direção.
- A sua amiga estava pelada na cama do meu irmão.
Todos ficamos em silêncio, como eu fui me meter naquela situação.
- Você o que!?
- Não! Isso é mentira! - Me defendi, encarando a Michelle. - O Harry só fala coisas absurdas, você sabe, ele...ele... - O encarei, desistindo de ofendê-lo. - Ele é um mentiroso. Diz para eles, agora!
- É mentira, ela não estava pelada na minha cama, eu juro. - Chelle levou a mão ao peito, aliviada, e Mitch arqueou a sobrancelha. - Mas ontem ela estava, só que na cama dela.
Fechei os olhos fortemente, com muita raiva.
- Se você abrir a boca de novo, vou embora e nunca mais falo com você.
Ele ficou sério, virou as costas e bebeu a água dele em silêncio, como se nunca tivesse dito nada.
- Kayra. - Encarei a Michelle. - Me diz que vocês não estão juntos agora, por favor. - Dei um sorrisinho amarelo. - Não! Não acredito! Eu vivo torcendo para você achar uma coisa boa e você vai lá e fica com o Harry!?
- Ei! - Ele voltou para a conversa. - Mitch, sua mulher está me ofendendo!
- Kay, me escuta. - Ela se aproximou, segurando meus braços. - Ele é nojento, usa o vaso sanitário e deixa a tampa aberta!
- Isso é mentira, eu sempre limpo a minha bagunça.
- Não é mentira, e ele vai acabar com a sua comida, ele não sabe dar privacidade para os outros e é um intrometido. - Sussurrou a última parte. - Não fica com ele, não fica!
- Tá bom, Michelle, acho que já chega. - Mitch disse de repente, calmo. - O Harry é um bom homem, sempre foi.
- Ah, tá. - Debochou. - Bons homens não escondem coisas.
- O que eu Escondi?
- Muita coisa, não sabemos nada da sua vida, só que se mudou para cá do nada e virou delegado.
- Eu não moro aqui, Michelle, morava literalmente em outro país, sempre fui policial, você sabe.
- Ainda não me desce.
- Tudo bem, estou indo embora. - Largou o copo na pia. - É bom saber que não sou bem-vindo na casa do meu próprio irmão.
Saiu da cozinha, subindo as escadas, Mitch até tentou falar com ele, chegou a subir as escadas, mas escutamos o barulho da porta no andar de cima.
- Desde quando estão saindo?
- Desde ontem, Michelle, credo.
- Ele é um bom homem, mas guarda segredos, e homens que guardam segredos não são confiáveis.
- Acho que sou grandinha o suficiente para decidir com quem sair ou não.
- Tem razão, é mesmo, mas amigas são para isso, avisar.
Eu poderia ter ficado muito brava com ela, mas não faria sentido, a Michelle sempre me apoiou em tudo, então, a não ser que ela estivesse com ciúmes e se negasse a aceitar a ideia de que talvez eu estivesse saindo com o cunhado dela, então não estava mentindo, ou ela estava muito errada, ou totalmente certa.
Em certas questões é preferível ficar ao lado das mulheres, mas eu tinha um casinho novinho em folha, queria saber até onde tudo aquilo iria, e o mais louco de tudo, estava gostando das possibilidades.
Pode ter sido a pior decisão de todas, mas decidi ignorar ela, o máximo que aquele homem poderia estar escondendo era uma família nos Estados Unidos, então, eu ia ser bem clara com ele.
Subi as escadas, eu indo e o Mitch voltando, pensei que tivesse conseguido falar com o Harry, mas a porta estava trancada, e quando passei pelo quarto do Joe, o vi dormindo, então não bati na porta, mas sussurrei para que abrisse ela, torcendo para fazer aquilo, pelo menos para mim.
Ele abriu, e assim que entrei vi ele organizando uma das malas em cima da cama.
- Você não está tomando uma decisão meio exagerada?
- Não vou ficar onde não sou bem-vindo.
A voz séria, sem olhar para mim.
- Ela não falou por mal.
- É sempre assim, há uns seis anos, ela nunca fala por mal. - Riu baixo. - Foda-se.
Sentei na cama, ao lado da mala, observando tudo aquilo. Não disse nada, não ia tentar com que mudasse de ideia, não estávamos em um relacionamento rotulado ainda, eu nem sabia direito o que estava acontecendo, então, enquanto minha opinião não fosse pedida, eu não falaria nada.
- Você é um agente super secreto? - Ele me lançou um olhar apavorado. - É isso, senhor Styles? Você não quer me contar que trabalha para a CIA e veio aqui me investigar. - Ele riu.
Ficou dobrando as roupas, sorrindo, e me lançando um olhar engraçado vez ou outra.
- Você não pode contar isso para ninguém. - Sussurrou. - Se a CIA souber que você descobriu, estou morto, literalmente. - Chegou perto. - E eu ainda nem terminei minha análise.
- Que análise?
- Corporal. - Sussurrou, piscando um dos olhos.
- Sai daqui. - O empurrei. - Você não cansa de ser pervertido?
- Não, e é mais legal ainda quando é com você, se quer saber.
Ele não parecia querer mudar de ideia, não deu nem sinal daquilo. Por um momento pensei que pediria para ficar na minha casa, e por sorte não pediu, porque eu não saberia o que responder.
Primeiro, eu queria mesmo que ele ficasse mais tempo comigo, mas comecei a perceber que talvez estivesse me emocionando demais, e geralmente terminava chateada quando aquilo acontecia, e segundo que seria bem ruim fazer uma careta de dúvida para ele, talvez tenha sido aquele o motivo de não ter pedido.
A minha amizade com a Michelle não estava por um fio, mas sabia que ela ainda não estava gostando da ideia, falei com ela antes de sair e pareceu normal. Deixei o Harry lá, sabia que eles provavelmente entrariam em uma discussão feia de família, e eu preferia não participar daquele momento.
Precisava aceitar que por enquanto precisava ficar sozinha, ele não era meu namorado, alguém precisava me dar satisfações ou estar sempre na minha casa, então naquela noite, com todo desgosto, eu dormiria sozinha.
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amantedosfandons · 2 years ago
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10 • melhor noite da minha vida
- Mãe, e esse?
Suspirei pela milésima vez no dia. Bella estava me seguindo pela casa toda, me perguntando se os bichinhos de pelúcia dela eram lindos, se fosse só um, dois, ou até três, tudo bem, mas era pelo menos a décima vez que ela me perguntava.
- É lindo também. - Sorri, e ela olhou para o leão.
- Não, mamãe, ele é feio. - Deu de ombros, me encarando como se eu fosse uma mentirosa.
Olhei para o bichinho, eu não o achava feio, era até simpático, e ela estava confusa, provavelmente a minha opinião era muito importante.
- Bel, eu acho ele lindo, e tudo bem você não achar, as pessoas pensam diferente, tudo bem?
- Mas...mas e ele é feio? - Levantou o bicho, e eu já estava desistindo.
- Você acha ele feio? - Assentiu. - Então ele é feio. - Fiz um carinho sutil no cabelo dela.
Segui para o meu guarda-roupas, nenhuma roupa parecia boa, e ao mesmo tempo que estava empolgada por sair com alguém, estava nervosa e arrependida de ter inventado tudo aquilo.
Ser uma mãe solteira era bem difícil, na verdade, eu precisava verificar ela o tempo todo, ir ao banheiro com a porta aberta, estar atenta a qualquer barulho, arrumar as coisas dela para sair, dar banho nela e tomar meu próprio banho, além de conciliar conversas com roupas.
- Mãe, mas e você acha lindo?
Suspirei, encarando meu guarda-roupas, me sentindo a pior mãe do mundo por só querer que ela ficasse quietinha e me deixasse escolher algo descente, me achando ridícula por estar preocupada com um encontro e não com a minha filha.
Não, aquilo era normal, mães saem para encontros, mães também cansam, elas também só querem ficar quietinhas de vez em quando, sozinhas, e não é errado, na verdade, é bem humano, todo mundo precisa de tempo, e eu precisava muito do meu. Ainda não significava que eu não faria tudo por ela.
Virei o corpo rápido, cerrei os olhos para ela, cheguei bem perto e me abaixei, ficando de joelhos, na altura dela.
- Me deixe analisar, senhorita. - Fiz uma voz engraçada, a fazendo rir. - Hum...
Murmurei alto, a fazendo rir de novo. Naquele momento eu sabia que provavelmente deveria explicar que pessoas tem pensamentos diferentes, ensinar ela sobre aquilo, mas a Bel era compreensiva e educada o suficiente para todos perceberem que a educação e ensinamentos que eu dava era com muito esforço para ser impecável.
- Filha. - Sussurrei, chegando perto dela. - Você tem razão, ele é feioso! - Ela riu alto. - Agora, preciso de uma ajuda sua...
- Ajuda? - Assenti, animada.
- Quer me ajudar a escolher uma roupa bem bonita? - Sorriu grande.
- Sim!
- Eba! - Bati palmas. - Sente aqui...
Levantei ela e a coloquei sentada na cama, e estava me olhando com esperança nos olhos, então me virei para as roupas. Peguei um vestido preto e um azul escuro, ia usar a minha meia calça térmica típica. O segredo divino para quem mora em um lugar que neva, especialmente se não vai ficar tanto tempo exposta ao frio.
- Filha, você acha que o azul ou o preto fica mais bonito na mamãe?
Sim, eu estava contando com a opinião de uma criança de dois anos e sete meses. Eu usava muito o preto, ela já havia me visto com ele antes, muitas vezes, o azul era quase novo, usei em um final de ano com a minha família, e eles até eram parecidos, justos no corpo, a única diferença era que o preto tinha a gola mais alta e a manga era curta.
- O azul. - Sorriu grande, apontando para o vestido.
Fiquei bem surpresa com a escolha dela, pensei que escolheria o que estava acostumada a ver, ou talvez só tenha lembrado do ano novo, ou - e aquela era a opção que eu me recusava a acreditar porque estava me sentindo humilhada por uma criança - ela só tinha mais credibilidade que eu e não aguentava mais me ver com a mesma roupa.
A idade era pouca, mas desconfiei bastante da segunda opção.
- E o que acha desses casacos? - Levantei as peças.
Um sobretudo branco e um sobretudo preto, eu não ia usar por tanto tempo, era só para me proteger do frio maior quando saísse do carro, ele não ficaria muito no meu corpo. O azul do vestido era bem escuro, quase preto, mas ainda dava para ver a diferença se colocados um ao lado do outro.
Ela apontou para o casaco preto, mas eu estava com a ideia de experimentar os dois, então, talvez eu fosse escolher o outro, mesmo assim, sorri grande para ela, soltei as roupas e fui até a cama.
Riu alto quando percebeu que eu estava a apertando e beijando o rosto dela repetidas vezes.
- A mamãe vai ficar linda com a sua ajuda! - Ela riu, deixando um beijinho maravilhoso no meu rosto.
- Com que roupa eu vou? - Franzi o cenho.
- Vai aonde?
- É uma festa lá no meu pai? - Sorri por ela ter usado a palavra "pai" novamente, mas ainda sem entender.
- Festa? Não, meu amor, não tem festa no seu pai. - Beijei o rosto dela de novo, porque era difícil não fazer aquilo.
- Mas porque vai se arrumar? - Pareceu confusa. - É a festa da empresa?
Ri alto, ela sabia o que era uma "festa da empresa" porque o Justin já havia dito aquilo na frente dela, e no começo do ano deixei ela uma noite na casa do pai, também para ir à uma "festa da empresa", mas o fato de ela lembrar daquilo foi realmente muito engraçado.
- Não...
Não queria mentir para ela, era muito esperta, sabia que eu estava pronta para me arrumar, escolhendo uma roupa igual fazia com ela quando estava prestes a arrumar tudo para sair.
- Vou sair com um amigo.
Fiquei esperando a reação dela, e então sorriu, curiosa, com as mãos no meu rosto, era uma mania que ela tinha, desde muito pequena.
- E vai na pizza?
Uma pizzaria, ela quis dizer, e eu ri, já levei ela para sair com amigos e fomos na pizzaria, e também já fomos em família, então estava provavelmente assimilando tudo.
- Bom, eu não sei, ele não me contou. - Dei de ombros.
Sorri em desespero, na verdade, nenhum de nós disse em algum momento aonde seria o encontro, eu estava esperando que ele desse um jeito, então lembrei que não conhecia a cidade, aquela missão havia caído no meu colo, o problema foi que não fiz reserva em lugar nenhum.
Seria ruim ou bom ficarmos em casa no fim das contas?
- É surpresa? - Sorriu.
- Eu acho que é. - Ri baixo.
- Mãe. - Fiquei encarando ela, esperando que falasse. - Me leva? - Sussurrou, sorrindo com os lábios.
Oh. Meu. Deus.
Não. Não. Não.
Era aquele olhar de súplica que eu estava evitando, não queria que ela soubesse, que me perguntasse aquilo, era nova demais.
Como mãe, me desesperei, ela não entendia o que era um encontro e não achei que estava na hora de explicar, queria que fosse aos poucos, não do nada.
- Lindinha, eu prometo que outro dia te levo, tá bom? - Sorri para ela. - É que hoje seu pai disse que iria fazer uma coisa...
Não era mentira, ele ia mesmo, era noite de hambúrguer caseiro na casa dele, ele, a namorada, a Bel e um casal de amigos, que também tinham um filho pequeno.
- É de surpresa? - Sorriu grande.
- Não sei. - Cheguei mais perto. - Você quer que eu te conte esse segredo? - Assentiu leve. - Mas não pode contar que te contei. - Cerrei os olhos.
- Eu não conto, mãe, é de melhor amiga. - Me explicou, falando como se fosse a coisa mais importante do mundo.
E era, toda vez que ela dizia que era segredo de melhor amiga, eu quase chorava, porque para alguém que tem um cargo como o meu, sabe bem que muitas famílias não são como a nossa, e tudo bem, estava separada do pai dela, mas ainda mantinha uma ótima relação, ela era muito amada, sem dúvida alguma.
No fim das contas esqueci que precisava me arrumar para um encontro, fiquei conversando com ela, explicando que naquele dia ia sozinha, mas que a qualquer momento, na hora que ela quisesse eu a levaria para comer pizza.
Eu tinha um jeito de ensinar as coisas para ela, e até aquele momento deu certo, só respondia o que perguntava, nunca ficava insistindo em um assunto, ela perguntava "por que?", eu explicava, e pronto, só voltava a explicar algo se me perguntasse de novo, não ficava insistindo em nada, até ela pedir ajuda para entender.
Claro que em momentos certos eu interferia em pensamentos um pouco errados que ela criava, mas nunca de maneira agressiva ou intrusa, e parecia ser bom para ela, pelo menos no nosso ponto de vista.
Ela não quis mais saber sobre eu sair, estava animada com a ideia de ir para o pai, e durante a tarde me perguntou uma vez se eu ia passar maquiagem para sair, não entendi o motivo da pergunta, mas respondi que sim, e então perguntou se ela também podia ter uma maquiagem de criança, e eu disse que podia comprar, e então ela perguntou qual era a diferença de maquiagem de "pequenos" e "grandes", e tudo aquilo se tornou em um combo de perguntas curiosas, até chegarmos em um patamar totalmente nada a ver com a conversa principal.
Dei banho nela, deixei ela cheirosa porque, bom, nas próximas horas da tarde dormiríamos juntas e eu tinha uma necessidade extrema de cheirar ela, ainda tinha cheiro de bebê, com aquela pulseira delicada que ganhou da avó paterna dela, só fui aumentando conforme ia crescendo, ficava lindo nela, e o cabelo molhado penteado, e o cheirinho...
Talvez eu fosse maluca pelo cheiro de bebês, mesmo que ela não fosse mais recém-nascida.
Acordei antes dela, mas sempre ficava uns minutos deitada, a admirando, ou só mexendo no celular, em silêncio, e foi quando recebi uma mensagem.
Eu não conversava com ninguém no Instagram, então quando recebi a mensagem, sabia de quem era.
Harry: Sei que pode parecer estranho, nos conhecemos faz um tempo e eu ainda não perguntei...
Harry: Mas preciso perguntar agora!
Franzi o cenho, fiquei sem entender, o ser humano não mandava nem um "Oii" com a letra i a mais, do tipo empolgado e nem um "Olá, como vai?", já vinha com mensagens questionadoras que me faziam repensar se deveria responder na hora ou não.
Eu: Pergunte.
Com medo, mas respondi na hora, fosse o que fosse, não seria algo tão ridículo a ponto de cancelarmos tudo, ele não seria louco para me dar um fora naquela altura do campeonato.
Ou seria?
Eu estava colapsando, pensando em mil absurdos diferentes, montando minhas armas mentais para aceitar que talvez ele fosse me dizer que não podia ir, se poderíamos remarcar, algo assim.
Até que mandou outra mensagem, e precisei segurar o riso.
Harry: Poderia me passar seu número?
Harry: Gosto da ideia do Instagram, mas preciso sentir o gostinho do que é conseguir o número de uma gata igual você ;)
Para ser bem sincera, esqueci que casais passavam pela etapa de troca de números, mas ele nunca pediu, então nunca passei. Digitei meu número em seguida, pensei em responder a última mensagem, mas enviar meu número respondia por si só, além de estar aceitando o elogio, mandei o número sem nem questionar.
Não se passou nem um minuto e recebi uma ligação, um número desconhecido, e só podia ser dele. Beijei rápido o rosto da Bella e saí da cama, caminhando devagar para fora do quarto, indo até o dela.
- Oi?
- Oi. - Reconheci a voz dele. - Então, é um boa tarde, ou não?
- É uma boa tarde. - Ri baixo.
- Olha, preciso te fazer uma pergunta, e também preciso que seja sincera, nada de modéstia.
- Hum...tá.
Fiquei nervosa de repente.
- Como pretende se vestir hoje?
- Como assim?
- Você vai se vestir como uma gostosa que sabe que é gostosa, que gosta de ser gostosa e que vai sair com um cara para mostrar para todo mundo que é gostosa e que saí com quem quiser, e que no fim da noite vai fazer todos perceberem que...sim, vocês vão trepar a noite toda e você nem precisa se preocupar com nada, porque...bom, você é gostosa. Ou vai mais simples?
- O quê? - Perguntei entre risos.
Na verdade, nós dois estávamos rindo, não esperava aquela pergunta, e ele falou tão rápido que o sotaque americano dele me fez embaralhar algumas palavras.
- Quero saber se vai estar linda, maravilhosa e deslumbrante, ou só linda. - Riu. - É impossível você não ficar linda, então...não sei bem como descrever.
- Eu...obrigada. - Corei, mesmo sem ver ele. - Eu...
- Na verdade, esquece tudo. - Pediu, e escutei um barulho de porta atrás dele. - Acho que sou idiota, você ficaria maravilhosa de qualquer jeito, meu Deus! Pode me bater quando eu chegar, mereço, deixo você fazer isso...
Desconfiei que ele só estivesse me ligado para me fazer rir dele.
- Por que você ligou? - Perguntei entre risos.
- Para te chamar de linda.
Suspirei, odiando o que as palavras bobas causaram em mim, eu era uma adulta e não uma adolescente cheia de hormônios.
- Obrigada...
- Mas agora, falando sério. - Outra porta batendo. - Você prefere o simples, ou o bem sofisticado?
- Hum...o que tiver a comida melhor. - Ele riu.
- Acho que o bem sofisticado, então. - Pareceu pensar. - Mas o simples é sempre melhor...tá, escolha entre o Tandoori e o Aliena, te levo em qualquer um deles, por mim podemos...
- Aí meu Deus! - Praticamente gritei. - Você ficou louco!?
- Louco por que? O que eu fiz?
- Você disse simples ou bem sofisticado...
- Sim, escolha, Tandoori ou Aliena?
- Harry! - Sentei na cama da Bella. - Esses restaurantes não tem nada de simples! - Ele riu. - Você enlouqueceu? Um jantar em qualquer um deles deve custar uns quatrocentos dólares.
- Você acha isso caro?
Abri a boca em um perfeito "O", tirei o celular da orelha e o encarei, depois voltei a apoiá-lo na orelha, chocada com a indiferença dele.
- Você. É. Maluco. - Falei pausadamente. - Definitivamente, você tem um parafuso a menos, não, não...um não, uns dez!
- Você quem faz tempestade em copo d'água, só disse para escolher entre os dois...
- Você não...tá, eu...quero o Tandoori. - Falei rápido.
- Perfeito, reservei para às oito, não tinha nada para sete, tudo bem por você? - Fiquei chocada de novo.
- Como assim você já reservou? Como sabia qual eu escolheria?
- Não sabia, reservei nos dois.
- Mas...mas precisa pagar a reserva antes... - Minha voz foi abaixando de leve.
- É, eu soube.
Ele disse, simples, com o tom de voz mais calmo que já escutei, simplesmente pagou duas reservas. Fiquei em estado de choque por alguns minutos, o máximo que já fiz foi ir à restaurantes baratos, nada como aqueles lugares, inclusive, ficavam quase em outra cidade, perto da divisa, de tão grande que eram, precisavam de espaço para tudo, incluindo o estacionamento gigante.
- Mas e o seu dinheiro?
- Eles te reembolsam se cancelar uma hora antes. - Fiquei mais aliviada. - Não se preocupe com dinheiro essa noite, não precisava ficar apavorada...
- Eu não fiquei apavorada. - Protestei, e ele riu alto.
- Ficou, sim, deu para perceber pelo tom de voz.
- Você é rico? - Ele riu mais alto ainda. - Sério, se você for milionário, casamos amanhã!
- Nossa, deu para perceber o que você mais valoriza em um homem.
- E para o que mais serve um? - Ri baixo, obviamente brincando.
- Se quiser, te mostro hoje.
Fiquei em silêncio, sorrindo secretamente, ele não estava vendo mesmo, então eu podia fazer aquilo. Ele provavelmente sabia que eu estava com vergonha das palavras dele, por mais que não estivesse cara a cara.
Seria precipitado demais dizer que estava ansiosa para o fim da noite?
- Então...
- Acho que...
Falamos no mesmo momento, e rimos depois. O silêncio foi tão repentino que nenhum de nós sabia como reverter a situação.
- Te vejo às oito. - Falei rápido, antes que se tornasse constrangedor demais.
- Mal posso esperar. - Ele disse devagar, como se degustasse as palavras. - E não estou falando do jantar.
E depois ele desligou, e eu fiquei vermelha de novo, e me joguei na cama, e só então me dei conta de que era pequena para o meu corpo, então sentei no colchão de novo.
Estava sorrindo demais para o nada, o que era bem preocupante, porque eu estava tendo todos os sintomas de uma pessoa...
Bom, cedo demais para admitir.
Peguei a mochila da Bella e comecei a arrumar as coisas dela, só para adiantar tudo, ou só porque estava ansiosa. No fim das contas, terminei de arrumar as coisas dela cedo demais, e fui verificar para ver se ainda dormia.
* * *
Despertada do sono da beleza, banho tomado, mamadeira vazia, mochila no sofá, roupa confortável para ficar na casa do pai, tinha os brinquedos na casa dele, então não levava muita coisa.
- Tchau, eu te amo. - Beijei o rosto dela. - Cuide dela, e ela fala, não esquece. - Cerrou os olhos, e beijei o rosto dele também.
- Não quer jantar lá hoje? - Sorriu. - Aproveita e conhece a Hanna.
- Ah, não. - Sorri, e me encostei na porta. - Não vou atrapalhar vocês.
- Não atrapalha, vamos. - Eu já não sabia mais qual desculpa usar.
- Ah, é que... - Dei de ombros. - Já tenho um compromisso.
Ele arqueou uma das sobrancelhas, depois sorriu, olhou para a Bella segurando a mão dele, e então me encarou de novo.
- Com quem?
- Uma amiga, é...é do trabalho.
- Por que está gaguejando?
- Não estou.
- Você estava.
- Não.
- Tá legal. - Sorriu de lado, me analisando. - Vou fingir que não escutou meu conselho e que não vai sair com o... - Apontou com a cabeça para algo atrás de mim, indicando meu vizinho.
- Não seja metido, eu não me meto com seus encontros. - Ele riu.
- Ela fala, Justin, não esquece que ela fala, aí, se a Hanna fizer algo... - Fez uma voz extremamente fina.
- Eu não falo assim.
- Minha imitação ficou quase igual. - Entrelacei os braços e olhei para a rua. - Ok, vou te deixar se arrumar para sair com a sua amiga alta de olhos verdes, que por acaso trabalha na polícia.
- Vai logo! - Sussurrei.
- Credo, quanta pressa para se livrar. - Pegou a Bella no colo. - Tchau, mamãe. - Acenou, fazendo ela fazer o mesmo.
- Tchau, se cuidem. - Acenei de volta.
Fiquei olhando ele encaixar ela na cadeirinha, e depois que partiram fechei a porta, fiquei com as costas encostadas nela, fechei os olhos e suspirei. Encarei a escada e corri para cima.
Passei pelo menos uma hora e meia no banheiro, hidratação no cabelo, banho, depilação com direitos extremos, esfoliação, hidratação de pele, tudo, exatamente tudo.
Vamos ser realistas, citarei meu exemplo como mulher, porque, bom...mães solteiras não se depilam, qualquer uma que disser o contrário vai estar mentindo, não saímos com ninguém, por que se dar o trabalho? Ninguém vai nos ver mesmo.
Calcinhas enormes, sutiãs nada combinando com a peça de baixo, usando as camisetas mais velhas que temos para dormir, e dizer que usamos lingerie é mentira. Mentira!
Agora, vejamos bem a situação, eu tinha um homem novinho em folha na minha vida, ele não precisava saber a verdade sobre aquilo, era um detalhe que eu esconderia, o que me fez lembrar que preciso de conjuntos novos de sutiãs e calcinhas, algo que já fazia tempo que não comprava.
Escolhi o mais novo que eu tinha, e foi constrangedor vestir, porque significava que eu estava pensando em sexo com o cara, e eu nem conhecia ele direito, o que significava que eu estava sim planejando, e por mais que eu odiasse admitir, só o fato de estar vestido o conjunto já me entregava.
E ele ia ver aquilo e saber que me planejei para ele, não sei se o momento era propício para morrer de vergonha, felicidade, ou raiva daquele sorrisinho de lado que ele ia dar, mostrando que conseguiu o que queria desde o começo.
Para de pensar, caramba! É só uma noite de jantar e talvez vocês façam algo, por que sofrer por antecedência?
É normal pensar em ter uma relação sexual e se preparar para isso, você é adulta, Kayra, não tem mais dezessete anos.
Me convenci de que seria só um jantar, não queria criar uma expectativa boa, e nem uma ruim, para não sofrer depois, talvez ele só fosse bonito e péssimo debaixo das cobertas, ou iria embora antes, ou...depois.
Vesti o vestido azul, e o casaco branco ficou definitivamente melhor, já que era para ir em algum lugar caro - porque ele era extremamente louco de pagar tudo aquilo -, que fosse para ir bem vestida. Só fiz uma escova no cabelo, chapinha, mas algo sempre precisava dar errado.
Eu tinha vinte minutos para fazer uma maquiagem descente, passei tanto tempo me depilado e fazendo outras mil coisas, que nem vi o tempo passar.
Por sorte ele só apertou a campainha quando eu já estava acabando de passar o rimel. Não era uma maquiagem elaborada, não fiz nada muito pesado, só o suficiente.
Desci correndo, mas parei no caminho, não queria que pensasse no meu desespero. Abri a porta dos fundos, mas não tinha ninguém, então lembrei que havia tocado a campainha, então só podia estar na porta da frente.
Caminhei um pouco rápido até lá, e abri. Ele estava encostado no batente, analisando as flores na mão dele. Um total de três, duas rosas vermelhas e uma branca.
- Sabe, acho que você deveria ter me avisado que pararia a cidade inteira hoje. - Fez um semblante de deboche, e se endiretou. - Uma porque você é linda. - Me entregou uma rosa vermelha. - Outra para o nosso o primeiro encontro. - Mais uma rosa vermelha. - E essa... - Me encarou, sorrindo. - É para o final da noite. - Não me entregou. - Te entrego se minhas expectativas forem atendidas.
- Olá. - Comecei, e ele riu, rolando os olhos. - Você é muito romântico para um policial. - Dei espaço para que entrasse.
- E por acaso policiais precisam ser grosseiros?
- Bom, é o que a imagem transmite. - Dei de ombros. - Obrigada, eu gosto dessas. - Toquei nas pétalas. - Posso deixar elas juntas? - Apontei para a rosa branca na mão dele.
Pensou por segundos, e depois me entregou a flor. Sorri para ele, que sorriu de volta, ou não, porque ele era tão simpático e estava sempre sorrindo, que provavelmente já estava fazendo aquilo antes.
- Você quer dirigir? - Franziu o cenho.
- Por que? Tem medo de dirigir a noite?
- É que é ruim com saltos... - Olhou para os meus pés, depois sorriu.
Ele aceitou dirigir para mim, e já conhecia meu carro porque dirigiu uma vez, então não era nada novo.
Não tinha nem cinco minutos que estávamos na estrada, e eu fiquei nervosa, não falei nada porque não sabia o que dizer, e então ele apertou o botão para ligar o rádio e o Alex Turner estava naquela parte do "i just wanna be yours", e meus olhos cresceram quando ele sorriu para o rádio.
- A música está para repetir? - Franziu levemente a testa, sem me olhar.
- Não. - Menti, claro que estava, eu escutava o tempo todo, até a Bella sabia cantar.
- Está sim. - Fechei os olhos por segundos. - Esse sinal significa que está para repetir. - Apontou para o visor, com o nome da música passando.
- É que...
- É a sua música favorita?
Fiquei com medo de ele me julgar, não entendi o motivo, o gosto era meu e não dele, mas estava sorrindo, intercalando o olhar, esperando a resposta.
- É. - Sorri. - Eu gosto dela.
- É uma boa música. - Aumentou um pouco o volume. - Mas por que gosta tanto dela? Lembro que te deixou calma naquele dia.
- Não é só uma música, é um sentimento. - Expliquei da melhor maneira possível. - Se você escutar ela no fone de ouvido, a todo volume, de olhos fechados, consegue entender. - Suspirei. - É paz, amor...eu gosto dela. - Repeti, e ele assentiu, ainda sorrindo.
- Nunca é só escutar a música, sempre é sentir ela e o sentimento que transmite. - Fiquei em choque com as palavras, mas de uma maneira boa, ele me entendia.
- É exatamente isso. - Assentiu, me lançando um olhar bonito. - Qual sua música favorita?
- Não tenho uma. - Deu de ombros. - Sempre sinto a música, gosto muito de escutar, mas nenhuma é como a sua, que me faz querer escutar sempre. Talvez um dia aconteça.
Passamos o caminho inteiro conversando sobre ser absurdo ele não ter uma música favorita, e que nosso trabalho naquele momento seria encontrar uma música favorita para ele, qualquer dia, e eu ia ajudar.
Depois de rir bastante, porque ele continuava palhaço, finalmente chegamos no restaurante com o estacionamento gigante. Vi ele sair do meu carro, então abri a porta e saí também, mas quando fiz isso ele me lançou um olhar feio, caminhando em minha direção.
- O quê?
- Eu ia abrir a porta. - Mas ele fechou, porque estava aberta e eu já estava do lado de fora. - Você nunca conviveu com um cavalheiro?
- Pensei que essas coisas não existissem hoje em dia.
- Não, você nunca conviveu com um, já deu para ver. - Trancou o carro e guardou as chaves no bolso do casaco preto.
Na verdade, estava todo de preto, uma roupa bonita, casual, blusa de gola alta, e aquilo foi o ápice, parecia melhor que o uniforme de policial, não tinha reparado nele todo monocromático, e nem no anel que usava no último dedo da mão direita, com a tatuagem de cruz.
Pegou minha mão, super confiante, e simplesmente entrelaçou nossos dedos, sem vergonha nenhuma, nem parecia nervoso, o toque dele não era como o de um garoto no primeiro encontro, já o meu, não poderia ser comparado da mesma maneira.
Quando chegamos fomos recebidos por um homem, recepcionista, bem na porta, e ele nos levou até a mesa, onde assim que fiz menção de tirar meu casaco, ele me ajudou, o apoiou na cadeira e ainda me ajudou a sentar nela.
Aquilo era de outro nível, agradeci a Deus por estar ao menos bem vestida, todas as pessoas lá pareciam ter saído de um programa de televisão, vários casais como nós, e ele sabia direitinho como se portar.
O restaurante parecia normal por fora, apenas entramos nele, só tinha um andar - ou pensei que tinha -, mas quando olhei para o lado, fiquei encarando a grade, e então olhei para baixo, simplesmente pessoas dançado com a música agradável que ecoava pelo restaurante, e tinha um bar também, na parte de cima era somente para quem ia jantar.
- Sabe, fiquei feliz de saber que tem um restaurante desses por aqui, a comida é realmente boa. - Sorri para ele, sem saber o que fazer. - Você está linda. - Sorriu grande, e me fez sorrir mais ainda. - É sempre linda, mas achei bom ressaltar isso agora.
- Você está tentando me conquistar com a sua lábia? - Ele riu.
- Não. - Negou sutilmente, tranquilo. - Eu já conquistei.
- E como sabe?
- Consigo sentir sua tensão de longe, pensando que provavelmente vou te julgar a qualquer passo errado, mas deixa eu te contar uma coisa. - Se inclinou levemente. - Não vou fazer isso, não precisa ficar nervosa, é só um jantar.
- Não estou nervosa. - Menti, não ia admitir aquilo.
- Vamos fingir que não, então. - Falou com indiferença. - Te deixo cem por cento a vontade até o fim da noite, temos tempo.
O modo como ele falava com convicção me deixava até assustada, mas era bom ter alguém confiante, porque mesmo que você esteja nervosa, a pessoa te deixa mais calma sem nem fazer nada.
A cada coisa que eu falava ele só sorria e perguntava algo, com interesse, em momento nenhum disse algo para me deixar desconfortável, ele parecia saber diferenciar momentos descontraídos e momentos mais sérios, do tipo quando as pessoas estão contando sobre elas para se conhecerem melhor.
Descobri que ele foi do exército e saiu de casa muito jovem para completar o ensino médio em uma escola militar, e conseguiu o cargo de investigador porque o pai dele também era militar e foi mais fácil para ele, sempre tem política envolvida, em tudo.
Também descobri que ele não falava só dois idiomas, o inglês e o francês predominantes no Canadá, mas falava cinco idiomas, incluindo italiano, espanhol e romeno.
Quem fala romeno?
Ele parecia ser muito inteligente, e no meio do jantar já tinha enxergado muitas características sobre ele.
》Inteligente
》Confiante
》Divertido
Mais três características riscadas da minha listinha mental sobre um homem perfeito para mim.
Depois de todas as informações em formas de conversas agradáveis, óbvio que ele ia querer saber um pouco de mim, e foi respondendo algumas perguntas soltas que acabei contando sobre onde eu morava antes, algo sobre eu não ter tido certeza sobre uma faculdade e carreira quando jovem, e então me descobri naquele cargo público, que eu realmente amava.
E ele disse que achava legal o fato de eu ter sentimentos sobre o meu trabalho, e disse que era muito importante, incluindo a informação que me passou sobre os elogios aos nossos serviços, o que me deixou bem contente.
Não queria perguntar sobre o caso do garotinho, mesmo que estivesse muito curiosa, porque ele mesmo me disse que a mente de um investigador nunca para, mas naquele momento ele pareceu tão tranquilo que decidi não estragar o momento.
- Ele me deu dez a mais. - Franziu o cenho, estávamos a caminho do estacionamento.
- O troco? - Assentiu.
- É. - Contou as notas de novo. - Pegue a chave e entre, vou lá devolver.
- É, vou querer mesmo entrar no meu carro. - Cerrou os olhos.
- Que engraçadinha.
Entrei mesmo no carro, estava frio do lado de fora, e fiquei sorrindo sozinha, igual uma idiota, porque estava sendo a melhor noite da minha vida, nós até descemos para dançar, e foi muito divertido, ele era uma pessoa legal, uma boa companhia, e pela primeira vez eu realmente gostei de sair com alguém.
Vi ele voltar, caminhando um pouco rápido, e quando percebeu que eu estava olhando, abraçou os próprios braços e esfregou as mãos neles, indicando que estava com frio, e eu ri.
Entrou no carro e puxou um pacote dourado do bolso, e me entregou, uma barra de chocolate lindt, vinte por cento cacau.
- Obrigada. - Sempre amei chocolate.
- Eles me deram, por ter devolvido os dez. - Entreguei as chaves para ele.
- Sério?
- Aham. - Ligou o carro. - Kayra. - O encarei. - Onde está meu beijinho pelo chocolate? - Franziu o cenho, fazendo um semblante bravo e me fazendo rir.
Ri baixo, me esticando e beijando o rosto dele, que sorriu depois, soltando o ar pela boca, super satisfeito, e então ligou o rádio de novo, e já não estava mais na música repetida.
Eu abri a barra de chocolate no caminho porque fiquei com muita vontade dela, um pacote tão diferente, dourado, e fiquei curiosa para experimentar. Ofereci a ele e só olhou para o pedaço, depois me encarou, com as mãos no volante, e então entendi que eu precisava levar até a boca dele, o que foi bem estranho, mas não me senti desconfortável.
Na verdade, não falamos muito na volta, mas não foi um silêncio constrangedor, acho que nós dois só queríamos chegar em casa, tirar um pouco daquela roupa e ir para o sofá.
Sair era ótimo, mas estar em casa sempre foi e sempre será melhor.
Girei as chaves, liguei as luzes e deixei minha bolsa em cima do sofá.
- Você pode ficar a vontade, só vou subir e guardar meu casaco. - Ele assentiu.
Subi rápido, na verdade, não era só o casaco, tirei a meia calça, porque estava me apertando horrores e os saltos também. Tirei a maquiagem, não era muita, então mal dava para ver a diferença, e eu queria mesmo fazer um coque de qualquer jeito no meu cabelo, mas não fiz. Liguei os aquecedores do quarto, só para ele não ficar tão frio quando fossemos...
Desci as escadas de pés descalços mesmo, o encontrando na cozinha, de costas para mim, havia tirado o casaco, estava só com a blusa preta de manga longa, mas assim que cheguei mais perto, virou o rosto.
- Você tinha suco. - Levantou o copo. - E eu tive vontade dele. - Deu de ombros.
- Tudo bem. - Parei ao lado dele, sem saber o que fazer. - Vou começar a comprar vinho. - Refleti.
- Por que?
- Para quando você vier, aí não precisa beber suco. - Na minha mente fez sentido.
- Não ligo para isso, Kayra. - Toda vez que ele falava meu nome, me deixava nervosa por algum motivo.
Ele olhou ao redor, então apoiou uma das mãos na minha cintura e me moveu até a ilha da cozinha, soltou o copo e se esticou para pegar a rosa branca, então me entregou.
Fiquei analisando a flor na minha mão, disse que me entregaria se as expectativas fossem atendidas, e eu pensei que as expectativas fossem outras, mas já estava me entregando, então errei feio em pensar que estava pensando em outras coisas.
- E quais eram as suas expectativas?
- Um jantar agradável, com você a vontade, risadas, e uma boa companhia. - Sorriu doce, depois levou meu cabelo para trás da orelha. - Só que eu deveria ter comprado um balde delas, foi muito melhor do que pensei que seria. - Eu ainda não sabia reagir. - Foi bom para você?
- Foi muito bom. - Falei com certa euforia.
- Que bom. Gosto da sua energia.
Sorri largo, aquele elogio era o melhor de todos para mim.
- Também gosto da sua. - Dei de ombros. - Pode ser um pouco atrevido às vezes, mas é legal, eu gosto. - Ele riu.
- Não sou atrevido.
- É, sim. - Cerrei os olhos. - Não sei como não falou nem uma besteira até agora.
Ele suspirou, olhando para os lados, escondendo um sorriso, e eu soube que estava prestes a dizer uma.
- Tá, e...agora é a hora que nos beijamos, ou quer esperar mais? - Ri alto.
- Viu? Eu disse! - Rolou os olhos, sabendo que perdeu. - Para a sua sorte, quero te beijar agorinha.
- Agorinha? - Assenti, mesmo sabendo que estava repetindo a palavra por puro deboche.
Pegou a flor da minha mão e voltou a se esticar para deixar no vaso junto das outras, depois agarrou minha cintura e me puxou para ele, sem preliminares, sem toques confusos, ele sabia como me beijar, o modo como era confiante me fazia sentir confiança também. A língua passando pela minha, os selinhos delicados no meio do beijo, o modo como mordeu meu lábio inferior e voltou a me beijar de verdade. Senti ele descer a mão até minha bunda, deixou um aperto generoso nela, e depois deu um tapa.
Não qualquer tapa, um tapa de verdade, com força, que me fez escutar o barulho, abrir os olhos e me afastar levemente, apavorada com o acontecimento, mas ele só sorria como um cafajeste.
- Você me deu um tapa? - Ele riu leve.
- Vai ficar escondendo essa bunda gostosa de mim até quando? Hun? - Avançou, me beijando novo.
Senti o aperto no mesmo lugar, depois do outro lado, e outro tapa estalado, queria me sentir ofendida, mas a verdade é que gostei muito, e era bem estranho sentir aquilo, pelo menos para o tipo de pessoa que eu era.
- Isso podia ser considerado maus tratos. - Falei entre o beijo, e rimos baixinho, voltando a nos beijar. - Vou chamar a polícia. - Sussurrei, o fazendo sorrir de novo.
- Vai precisar mesmo, porque não vou ser bonzinho com essa bunda linda hoje. - Desceu os beijos para o meu pescoço. - A não ser que você peça para eu tratar ela com carinho, aí é outro assunto.
Sorri ao sentir a sensação dele segurando levemente o cabelo da minha nuca, beijar meu pescoço e me apalpar de leve, ok, era novo para mim, já fazia um tempo, então a coisa toda foi bem emocionante, para mim e para outras partes do corpo também.
- Quer ir lá para cima? - Perguntei sem olhar, mas ele levantou o rosto para me observar.
- Você quer ir? Porque se for para te comer, até a bancada da cozinha serve.
Eu fiquei em choque, e acho que percebeu porque riu depois. Neguei com a cabeça, meio acostumada e nada surpreendida, e meio apavorada, só peguei a mão dele e o puxei escada a cima, sentindo ele segurar minha cintura, praticamente colado em mim.
Abri a porta e ele não esperou muito tempo para me beijar de novo, mal consegui fechar a porta, e meu Deus, como era bom estar sozinha em casa com um cara.
O Harry não era qualquer um, tinha o toque firme em mim, quase como se já me conhecesse e soubesse como me tocar de todas as formas. As mãos subiram pela minha coxa, levantando o vestido de leve, ainda me beijando, sem parar, e quando percebi já estava abrindo o zíper atrás do meu vestido, que eu nem sabia que ele havia visto.
Depois escutei o barulho do sinto dele, e até aquilo me excitou, e ao mesmo tempo me deixou um pouco nervosa, significava que ia tirar a roupa bem ali e fazer sabe-se lá o que comigo.
Me virei rápido e tirei o vestido, arrumei meu cabelo, e me virei volta, ele estava parado, sorrindo para mim, e só com uma cueca.
Abri mais os olhos, e levei uma das mãos a boca, o fazendo franzir o cenho.
- O quê? - Virou para trás, verificando se eu estava vendo algo. - O que foi?
Ele era mais que lindo, o cara era maravilhoso, um Deus, todo tatuado, a cruz era só um detalhe perto de tudo que eu estava vendo, os músculos dos braços muito definidos, não era só uma definiçãozinha, era um braço gigante que por baixo das roupas ninguém imaginava, aquele peitoral, o abdômen, as coxas dele tinham mais definição que as minhas.
- Você é lindo. - Abri a boca. - Meu Deus. - Olhei para a cama. - E você ainda quer... - Apontei para a cama.
- Óbvio. - Falou sério. - Você ainda quer?
Cheguei perto, perdendo qualquer vergonha na cara que eu tinha, tocando a tatuagem de borboleta. Se aquele homem me queria, por que eu diria não?
- Por favor, a noite inteira. - Ele riu.
- Aceito sua proposta.
Sorri com a sensação de ter o cabelo puxado por ele de novo, o beijo perfeito, e minha felicidade subiu em um nível muito maior quando toquei os ombros dele, os braços dele.
Eu estava no céu, nada podia ser ruim, ele queria, então que fizesse direito, e eu ia dar com todo o prazer, porque não é todo dia que se encontra um semideus a sua disposição.
Ele não errava nos toques, sabia exatamente o que estava fazendo, e ficou melhor quando tirou meu sutiã, usando a língua ao redor dos peitos que a maternidade me deu, me fazendo gemer baixinho, e antes de deitar naquela cama eu juro que pensei em pedir para ele apagar a luz, mas naquele momento eu precisava ver aquele homem por cima de mim.
Desceu os beijos até minha barriga, me fazendo morder o lábio com a sensação, e sem nem um pedido ou preliminar, tirou minha calcinha, ficou entre minhas pernas, mas parou.
Me apoiei nos antebraços e olhei para ele, que simplesmente sorriu, e literalmente, eu gostaria de estar sonhando porque aquilo pareceu surreal, ele usou o dedo indicador e o polegar, e os passou pelo bigode ralo, mas visível, o maldito sabia para o que usar aquilo, e eu só abri a boca, surpresa, mas excitada, e ele sorriu, mordendo levemente os lábios, puxando minhas pernas para os ombros dele, e aquilo fez eu me molhar mais, e então desceu a boca para a minha vagina totalmente lubrificada.
Gemi alto no mesmo momento, não sei se estava se esforçando ou se ele era daquele jeito sempre, mas se era, eu estava realizada. Meus braços não aguentaram, amoleceram assim que o senti chupar meu clitóris, me fazendo gemer mais alto, e agarrei os cabelos dele quando o senti meter dois dedos dentro de mim, o excitação me fazia mexer o quadril em direção a ele, porque eu desejava aquela boca em mim para sempre.
Ele era tão bom que me fez gemer o tempo inteiro, sem vergonha de me satisfazer com ele, a cada chupada, a cada entrada dos dedos dele, meu corpo desejava mais e mais daquilo, até que o senti curvar os dedos em mim e tocar em um ponto muito melhor, segurei a lateral da cabeça dele e me arqueei, gemendo muito mais alto, e então ele não parou, nem sei como estava respirando, mas me sentiu contrair, com certeza, e então gozei, sem nem avisar.
Ele foi tão bom que sabia que eu tinha gozado, e parou, tirou os dedos, e minhas pernas abriram porque tremiam demais, mas ele as segurou e começou a dar selinhos absurdamente bons pela minha intimidade inteira.
- Por que você é tão bom nisso? - Sussurrei.
O escutei rir, e subir a trilha de beijos pela minha barriga, até chegar no meu pescoço, me fazendo sentir a ereção dele por baixo da cueca.
- Sua boceta foi feita para mim, é por isso. - Mordeu levemente meu pescoço, me dando um selinho longo depois. - Foi feita para eu te comer em todas as posições possíveis, e te fazer gozar todas as vezes, não concorda?
- Claro que eu concordo. - Ele riu baixo. - Se você ficar se achando, vai acabar aqui.
- Não faz isso, vou explodir se não meter em você agora.
Qualquer coisa obscena que ele dissesse naquele momento, era super válida, qualquer coisa me faria querer ele de novo, e a ideia de ter ele dentro de mim pareceu muito boa.
Senti ele roçar o quadril em mim, tentando se aliviar, então sugou meu mamilo direito enquanto fazia aquilo, me fazendo morder o lábio, querer mais dele, na verdade, queria que fizesse o que fosse da vontade dele naquele momento.
Puxei o rosto dele e o beijei  intensamente, apertei os bíceps dele, estava pronta para qualquer coisa, então desci minhas mãos até a barra da cueca boxer dele, que sorriu e levantou o tronco, olhando para mim, que olhava para a cueca dele, e eu juro que abri mais os olhos assim que a abaixei.
- O que achou? - Subi meu olhar bem devagar.
- Que você é realmente maravilhoso. - Ele sorriu, sabendo que era perfeito. Me beijou de novo, e ele mesmo abaixou mais o tecido.
- Abre mais as pernas, linda. - Fiz o que ele pediu, sentindo meu corpo surtar por dentro. - Eu tiro antes.
Foi o que ele disse, provavelmente pensando que eu estava nesse mundo e preocupada com um preservativo, mas eu usava um chip que havia sido recém trocado, então não me preocupava nem um pouco.
Senti ele entrando devagar, gemendo baixo, não de dor, de prazer, porque me deixou tão excitada e tão a vontade, que naquele momento não senti desconforto.
- Gostosa, sabe a quanto tempo quero te comer desse jeito? - Mordeu levemente meu pescoço, me fazendo arfar e gemer pelo movimento. - Desde que te vi pela primeira vez. Ver essa sua bunda linda desfilando por aí e não poder tocar...você foi má, e vai pagar hoje.
Ele estava mais rápido, puxando meu cabelo com força.
- Vai pagar por ter me maltratado na primeira semana. - Fechou a mão ao redor do meu pescoço, metendo com mais força, me fazendo gemer alto. - Por ter fechado a porta na minha cara quando quis te beijar, por ter me chamado de cretino, e os outros absurdos que fez.
Abri a boca em um perfeito "O", ele estava me corrompendo, eu queria gozar só de escutar ele falando aquilo, queria que fizesse aquilo comigo a noite toda, e um spoiler sobre mim? Nunca tinha feito sexo daquele jeito, era sempre calmo demais, mas ele empurrava tudo para dentro sem dó, sem nem perguntar se estava bem, e aquilo era...muito bom, ótimo, extremamente maravilhoso.
- Quer gozar, linda? Hun? - Gemi alto, assentindo.
Eu ia mesmo, estava quase, cheguei a arquear minhas costas e segurar o pulso dele, que permanecia me enforcando.
E então ele parou, e saiu de dentro de mim, fiquei extremamente brava, o olhando sem entender, e então ele tirou a cueca por inteiro, e sorriu para mim.
- Mas o que você...
Parei de falar, ele segurou meus tornozelos e me puxou rápido para a beirada da cama, de pé entre minhas pernas enquanto eu ficava sentada, e então ele me puxou, ainda me beijando, para ficar de pé, mas parou de novo, e me virou de costas, me empurrou de leve para a cama, me fazendo encostar levemente a barriga nela.
Pensei que fosse fazer algo brusco, mas ele só pousou as mãos na minha cintura e começou a subir bem devagar, tocando meus seios, me fazendo suspirar, um toque leve, beijando meu pescoço repetidas vezes, segurando meu cabelo, mas não com força, em forma de carinho.
- Eu gosto muito de você, Kayra, do seu corpo inteiro, ele é lindo. - Deixou um beijo abaixo da minha orelha. - Mas não sei se posso responder por mim quando estiver me afundando em você nessa posição.
O sussurro dele me arrepiou por inteiro.
- Eu não tenho problemas com isso. - Não sabia o motivo de estarmos falando baixo, mas estávamos fazendo aquilo.
- Você não deveria dizer isso. - Riu, mordendo meu ombro dele leve, enquanto eu fazia um carinho no cabelo dele. - Fazer as minhas vontades só vai me deixar mal acostumado.
- Você quem está me deixando mal acostumada, desde agora. - Rimos baixo.
Beijou meu ombro repetidas vezes, mesmo que eu soubesse que os próximos capítulos não iriam ser de duas pessoas carinhosas.
Quando segurou minha cintura e me inclinou levemente para trás, senti ele entrar devagar, e se mover também, me segurando e me dando um último beijo no ombro.
A mão dele pressionou minhas costas e fez meu corpo se inclinar para frente, depois adentrou os dedos pelos cabelos da minha nuca e segurou com força, assim como os movimentos também começaram a ser, forte e rápido, e eu parava de gemer de vez em quando, só para escutar o barulho do quadril dele se chocando com a minha bunda.
Mas não durava muito, ele murmurava coisas, a invenção do tapa na bunda me pareceu gloriosa naquele momento, cada vez que me chamava de gostosa e batia, me fazia sentir muito prazer, segurando meu cabelo, minhas mãos seguravam os lençóis com força e meus olhos reviravam de prazer, chamando por ele a todo momento, talvez fosse a melhor pessoa que já esteve na cama comigo, não...não, a melhor, o talvez não cabia naquele espetáculo.
Eu não queria gozar, não por não ter vontade, mas por querer sentir aquilo para sempre, mas obviamente precisava acabar um dia, e é como dizem, tudo que é bom dura pouco. Eu gozei, mas ele não, então praticamente gritei nas últimas investidas, e então ele também gozou, sem sair antes como disse que faria.
Deitamos na cama com as respirações descontroladas, eu não sabia se estava no céu ou não, então olhei para ele, que sorria de olhos fechados, com uma mão bem acima da tatuagem de borboleta.
- Isso foi perfeito. - Murmurei, fechando meus olhos em seguida.
- Você está bem? - Perguntou de repente.
- Mais que bem. - Sorri, nem ligando se ele iria debochar depois.
- Que bom. - Escutei o corpo dele se movendo, e depois ganhei um beijo no rosto. - Porque ainda não acabamos. - Abri os olhos, e sorri para ele.
Acho que já posso cortar mais uma coisa da minha lista.
》Bom de cama
A melhor noite da minha vida.
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amantedosfandons · 2 years ago
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9 • Nada romântico, mas memorável
Por sorte a Bella estava melhor, mas mandei uma mensagem para a escola e disse que não iria porque estava doente, achei melhor não mandar ela, não estava totalmente bem.
Ao invés disso, deixei ela com a minha vizinha, não a enxerida, a outra, tinha dezessete anos e estava estudando de casa, e às vezes eu pagava ela para ficar com a Bel, não aconteceram muitas vezes, mas ela aceitava meu dinheiro sempre que eu perguntava se podia cuidar dela.
Alguns adolescentes fazem qualquer trabalho para juntar alguns dólares, e a mãe dela já havia comentado que estava juntando dinheiro para viajar, então eu pagava muito bem para ficar com ela até às três.
Eu só não sabia que aquela manhã teria tantos acontecimentos na nada acontecelândia. Tivemos uma denúncia durante a noite, o plantão da madrugada acionou a polícia, então, em teoria, tudo bem.
Não.
As coisas saíram do controle, ninguém me disse direito o que aconteceu, ninguém queria me dizer direito e alguns nem sabiam, então eu mesma fui até a casa, querendo ajudar.
Se fosse noite, aquele lugar brilharia com as luzes da polícia, eu reconhecia os policiais pegando depoimentos dos vizinhos, mas quando vi os caras com as roupas brancas e luvas azuis, soube que a coisa toda era pior que eu imaginava.
Aonde tinha forenses, tinha sangue. Claro que não sempre, mas muitos deles era estranho.
Caminhei calmamente, sabia que o pai da criança tinha tentado entrar na casa e agredir a mãe, mas tinha passado dos limites.
Eu ia entrar na casa, não sei o motivo, mas queria ver com meus próprios olhos. Mas alguém segurou meu braço e me puxou para trás.
- Civis ficam atrás da fita amarela. - O policial disse.
Como todos os outros, mal encarado com aquela boina que quase cobria um dos olhos, querendo me intimidar.
- Eu sou oficial...
- Cadê o distintivo? - Procurou uma identificação pelo meu corpo. - Atrás da fita, por gentileza.
- Sou do conselho tutelar. - Ele riu.
- Então é de menos serventia ainda. Atrás da fita...
- Pode deixar.
Suspirei de raiva, reconheci a voz atrás de mim, e pela obediência do policial, só podia mesmo ser uma pessoa.
- Estou começando a achar que se eu disser seu nome três vezes na frente do espelho, você aparece. - Virei para ele.
- Que engraçada. - Fingiu uma risada. - O que quer aqui?
- O que aconteceu?
- Você não sabe? - Franziu o cenho, mas debochando. - Pensei que fosse a chefe do departamento.
- Pensei que fosse o delegado, pelo visto as coisas saíram do controle.
Ele não parou de sorrir, mas dava para ver que o semblante estava frio.
- Kayra, não sei o que você quer na cena do crime, mas vou pedir para você sair, sabe mais do que ninguém que os outros policiais não são gentis.
- O que aconteceu?
- Estão mortos, agora vai. - Apontou para a fita.
- E você estava dormindo? - Falei com raiva. - Foi me infernizar a noite, e o seu trabalho? Seu cretino! Tinha uma criança na casa!
- Se veio aqui para falar do meu trabalho, é melhor ir embora agora. - Falou firme. - Não sabe o que aconteceu, e não vou ficar escutando suas reclamações sobre como eu deveria fazer meu trabalho.
- Você é um...
- Agora. - Falou mais alto, firme, me dando espaço para passar pela fita.
Olhei ao redor, e depois para ele, em choque.
- Por que o Apollo está aqui? - Apontei para ele ao longe. - Ele pode ficar e eu não?
- Talvez se você fosse menos arrogante, a polícia pediria sua ajuda também.
Fiquei chocada com a escolha de palavras dele, e ainda estava me olhando sério, com aquele olhar psico dos policiais, então eu saí. Não valia a pena, comecei a caminhar para longe, e foi quando vi ele falando com o Apollo, apertando a mão dele, e depois deixaram meu colega de trabalho entrar na casa.
Dirigi com raiva de volta, talvez o departamento estivesse precisando de uma reunião, não dava para entender, o único trabalho deles era acionar a polícia quando algo daquele tipo acontecia.
- O que aconteceu?
Parei na frente da Diana, várias pessoas estavam indo de um lado para o outro naquele lugar.
Era tudo tão nada acontecelândia, que quando algo acontecia, todos corriam para tentar resolver o problema.
- Não sei, não trabalho aqui a noite. - Juntou os papéis da mesa.
- Como não sabe? - A segui pelo corredor. - Como ninguém sabe?
- Tudo que eu sei é que receberam uma denúncia a noite, foram até o local com os policiais, ficou tudo bem, e momentos depois receberam outra denúncia. - Eu continuava seguindo ela. - Daqui a pouco alguém te conta.
Parei de seguir ela e segui caminho até o outro lado do prédio, até a parte que o Apollo comandava, porque se ele estava lá, alguém precisava saber. Abri a porta, ninguém olhou para mim, estavam muito ocupados. Alguns estavam uniformizados e saindo, passando por mim.
- Simon! - Ele olhou para mim, depois rolou os olhos. - O que aconteceu?
- Sei lá. - Deu de ombros.
Já deu para perceber o desprezo dele por mim. Nunca nos demos muito bem, mas se tinha alguém que obtinha informações, era ele.
- Por favor. - Pedi. - Com detalhes.
- Estamos meio ocupados. - Levantou. - Dessa vez o desaparecido é da cidade, e não dos arredores. - O segui.
- Como assim? Quem desapareceu?
- Uma criança. Uau, trabalhamos com menores, sabia? - Suspirei, procurando por paciência. - Fizeram uma denúncia, bonitinha. Fomos atrás e tudo bem, a polícia fez o trabalho, o problema foi depois. - Percebeu que eu não ia parar, por isso me contou, incluindo o apelido sarcástico.
- O que aconteceu depois?
- Não sei bem, o Apollo não voltou ainda, só emitiu a notícia e disse para ajudarmos a família com os anúncios sobre a criança, estamos passando para os outros departamentos, mas não fiquei sabendo sobre as mortes. - Virou para mim. - Agora, com licença.
Ele passou por mim, e não fiquei muito para ver o que ia acontecer, saí de lá, e ao mesmo tempo que as coisas estavam claras para mim, também não estavam.
Fiquei no meu escritório por um bom tempo, não gostava de sangue, e nem de armas, e então fiquei pensando no que aquele homem fez e quando. Pensei em ir falar com o Harry, já que ele era o delegado e provavelmente sabia mais que qualquer um, mas não fui, ele não estaria na delegacia, estava provavelmente tentando fazer o trabalho dele.
Apollo não havia voltado, ninguém sabia direito o que estava acontecendo e eu não ia bater na porta do pessoal que trabalhava no turno da noite.
Infelizmente, o que me restava era esperar, me corroendo em pensamentos absurdos, e bebendo todo o café da minha máquina. Eu almocei no escritório, não saí por um minuto, tive a impressão de não ter feito nada a manhã inteira, mesmo que tenha tentado ocupar minha mente com algumas coisas.
Uma da tarde, Apollo passou rápido pela minha sala, horas e horas depois do que aconteceu, o jornal local estava provavelmente trabalhando mais na notícia já que tudo que publicaram tinha a ver com a criança, mas aquilo eu já sabia, queria mesmo o desenrolar de tudo.
Dei um tempo para ele, tentei esperar os dez minutos, mas quando fechou sete, fui até lá. Julguem a minha ansiedade.
Talvez eu tenha me arrependido de ter chamado o Harry de cretino e insinuado que ele não sabia fazer o trabalho dele direito.
Fiquei com raiva quando disse que eu era arrogante, mesmo que fosse verdade de vez em quando.
A questão foi que ele realmente fez o trabalho dele. O marido não agrediu realmente a ex mulher, os vizinhos só escutaram a briga e denunciaram, os policiais não queriam prender, mas quando ele foi chamado, achou melhor deixar o homem pelo menos uma noite longe, para pensar melhor. Duas horas depois a polícia foi acionada de novo, mas dessa vez o ex marido não tinha nada a ver, estava dormindo na cela da delegacia.
A mãe e o avô da criança foram mortos, e o garoto desapareceu, não tinham nem o rastro. Richard, seis anos, o pai jurou que não sabia de nada, que não tinha ideia de quem havia feito aquilo, e graças a prisão tinha um álibi, mas não descartaram a hipótese de estar envolvido. Continuava preso e sendo interrogado.
O resto eram detalhes, conversas com vizinhos, quem viu, quem escutou, a resposta dos forenses também seria bem importante, mas conhecendo bem aquele ramo de trabalho, sabia que transmitiriam o laudo completo quase vinte e quatro horas depois.
Fui até a delegacia, fiquei quase duas horas esperando na frente, disseram que o delegado não estava, mas se estivesse, duvido que me deixariam entrar. Voltei para a casa aonde tudo aconteceu, e também não estava lá, só alguns policiais de plantão ao redor do terreno.
Também não estava em casa, sei porque a Michelle reclamou que provavelmente acordaria com o Harry chegando tarde em casa de novo. Inclusive, ela perguntou o que eu estava achando do trabalho dele, claro que pensou que eu sabia de tudo por causa do dia do jantar, então só disse que era bom, apesar de pouco tempo atuando ali.
Era horrível não contar a ela que nos víamos mais vezes fora do trabalho, mas nada era concreto ainda, então, na minha linha de raciocínio, era melhor esperar.
Paguei a minha vizinha gentil por ter ficado com a Bella até às cinco, aumentei as horas e o pagamento também, e ela estava bem melhor, não entendia o motivo de não ter ido para a escola, então nós tivemos uma conversa bem longa sobre eu querer proteger ela de um resfriado pior, e a importância de tomar a última dose do xarope, porque ainda não estava realmente bem.
A Bella era muito esperta, começou a falar antes de caminhar, falava até bem demais para uma criança de quase três anos, inteligente, eu costumava pensar que ia ser uma gêniazinha, ou toda mãe pensa isso, vai saber.
O meu passatempo favorito era ler um dos livros de histórias infantis para ela, enquanto bebia o leite na mamadeira, prestava atenção em mim e na comida ao mesmo tempo. Depois que ela terminava, ainda ficávamos conversando sobre coisas aleatórias, como quando ela perguntou se um dia ia conhecer a praia, a ideia brotou na cabeça dela como uma sementinha de flor plantada na terra molhada.
Talvez um dia eu levasse ela, pareceu um bom interesse.
Acho que não seria novidade se eu dissesse que não consegui dormir. Primeiro por causa do garotinho desaparecido, se alguém o sequestrou, significava que algum maníaco estava a solta pela cidade, e eu era uma mulher sozinha com uma criança, e então as minhas paranoias começavam a aparecer.
Quando as minhas paranoias apareciam, as chances de um episódio de terror noturno aumentavam, o que causava o meu medo de dormir, então, eu provavelmente passaria a noite em claro, ficaria preocupada a manhã inteira com ela na escola e teria um péssimo desempenho no trabalho.
Sempre é horrível admitir o que vai acontecer se não tiver uma boa noite de descanso, acontece com quem sofre de insônia.
Passei a noite inteira tentando ligar um caso de desaparecimento com o outro, tentar perceber quem era o verdadeiro vilão da história, mas não consegui nada. As informações da Internet não pareciam fazer sentido algum.
Estava bebendo chocolate quente, sim, de madrugada, sentada no banco estofado na frente da janela, encostada na parede e com meu notebook no colo, nada me dava sono e me senti no dormitório de uma faculdade.
Até que alguma coisa chamou atenção dos meus olhos, na lateral. Virei o rosto e vi uma única luz acesa na casa da Michelle, dava para ver um pouco do quarto, mas não tinha ninguém passando pela janela.
Se eu estivesse certa, era o Harry chegando em casa, e não que eu quisesse obrigar ele a ter insônia também, mas precisava pedir desculpas para ficar em paz. Não que eu fosse dormir, mas poderia servir para eu dormir melhor depois.
Tirei o notebook e a caneca de perto, abri a primeira gaveta da minha cômoda e peguei minha lanterna, só ia funcionar se a luz se apagasse, então estava torcendo para ele não estar perturbado com o caso a ponto de não dormir.
Fiquei quase dez minutos sentada no banco, esperando, prestes a desistir, até que a luz finalmente se apagou, então abri a minha janela e comecei a ligar e desligar a lanterna várias vezes em direção a janela, obviamente torcendo para ser ele lá dentro, ou eu precisaria me explicar com o Mitch e a Michelle.
A luz do quarto acendeu de novo, então parei com a minha tática da lanterna, por sorte, era ele mesmo, e abriu a janela, confuso, olhando em direção a minha janela. Apenas liguei a lanterna de novo e apontei para baixo, em direção a cerca que dividia os fundos das casas, esperando que entendesse meu recado.
Assim que ele saiu, saí também. Desci, peguei meu casaco no gancho da porta e o vesti, sempre em silêncio para não acordar a Bel, inclusive na hora de fechar a porta dos fundos. Vi ele saindo também, levamos quase o mesmo tempo para chegar lá.
- Desculpa, amor, sei que cheguei tarde, não vai se repetir. - Foi a primeira coisa que ele disse, sorrindo, me fazendo cerrar os olhos.
- Os homens sempre dizem isso, e sempre fazem o mesmo.
- Depende, cavalheiros são sempre cavalheiros. - Deu de ombros. - Se não respeitam a mulher deles, vão respeitar quem?
- Talvez seja por isso que você é tão mal-educado. - Suspirou em desgosto, foi a vez de ele cerrar os olhos. - Não vim aqui para te ofender...
- Oh, meu Deus! - Tapou a boca com as mãos, fingindo pavor. - Vamos para dentro agora! Vai chover! - Fez menção de sair, mas segurei o braço dele, entre risos.
- Ok, senhor engraçadinho. Desculpe por ter te chamado de cretino, e... - Lembrei que o ofendi menos de dez segundos antes. - De mal-educado?
- É um bom começo.
- Não vai me perdoar?
- Vai tentando, talvez um dia eu perdoe. - Deu de ombros, me fazendo rir de novo pelo jeito de falar. - O que você faz acordada a essa hora?
- Espera, me perdoou?
- Não sou de guardar rancor. - Suspirou, ajeitando a postura. - E também preciso pedir desculpas...
- É, também acho, não sou arrogante...
- O quê? Não, é claro que é, não vou pedir desculpas por isso. - Franziu o cenho, e eu estava completamente confusa. - Acho que fui muito duro com você, porém, é o meu trabalho, se ninguém pode ficar além da fita amarelo, isso é...ninguém, não importa se te conheço, ou não.
Me senti super ofendida, mas ele estava tranquilo, o que significava que não era brincadeira.
- Você me acha arrogante?
- Às vezes acho. - Assentiu, me olhando sério. - Mas você até é legal, sabe, no geral. - Deu de ombros.
Analisando naquele momento, não sabia dizer se ele ser tão sincero era algo bom ou ruim.
- Ok... - Eu estava processando a informação.
- Então, vai me dizer o que faz acordada?
- Ah, eu tenho insônia, além de tudo. - Rolei os olhos.
- Era de se esperar. - Riu baixo, olhando ao redor, depois me encarando. - Na verdade, duvido que eu vá conseguir dormir depois de hoje.
- Foi bizarro? - Cheguei mais perto dele. - A cena lá dentro?
- Já vi coisas piores, mas não é por isso a falta de sono. - Se debruçou na cerca. - O cérebro de um investigador não para nem dormindo, tenho uma angústia em resolver coisas, é complicado.
- Não é só você que é complicado. - Ri baixo. - Eu garanto.
Fiquei de braços cruzados, chutei de leve um montinho de neve perto da cerca, depois olhei para ele e retribui o sorriso com os lábios, não sabia direito o que dizer, só elaborei as desculpas.
Ele começou a bater o dedo na madeira sem parar, fiquei olhando para gesto.
- Sabe, podíamos ser complicados juntos. - Escondi meu sorriso. - E ter insônia juntos também. - Sorriu grande. - Você quer ter insônia comigo, Kayra? Hun? Podemos fazer assim? Substituir o pedido de namoro por isso?
Eu ri, e muito, o jeito que ele falou foi engraçado por si só, e ele parecia ter facilidade em me fazer rir ou sorrir, o que não era bom, eu já disse, homens engraçados são perigosos.
Hora de riscar o "engraçado" da lista.
》Engraçado
- Acho que é meio cedo para querer ter insônia comigo.
- Tem razão, me precipitei. - Levou a mão ao peito. - Mas do beijo já passou da hora, não concorda? - Ri de novo.
- Você não cansa de dizer isso?
- Claro que não, só um burro desistiria. - Falou como se fosse óbvio. - Querida, vai saber quando uma mulher igual você vai me dar mole de novo, não é para jogar uma oportunidade dessas fora.
- Dar mole? - Ri um pouco alto. - Eu não dei mole...
- Ah, claro que deu. - Se apoiou mais na cerca, ficando mais perto. - Me deixou entrar na sua casa, cozinhar para você, conquistar sua filha, disse que me beijaria na hora certa e até insinuou que mostraria seu quarto. Você quer Kayra, quer me beijar, quer experimentar ir para a cama comigo, mas está fazendo esse seu joguinho de mulher gostosa para cima de mim, mas você não sabe com quem mexeu...
- Com quem eu mexi? - Cheguei perto, o encarando profundamente.
- Com o cara que vai te fazer desejar o toque, querida, depois que me beijar, depois que me deixar te foder do jeito certo, não vai querer mais ninguém, porque eu me garanto, Kayra, não vai demorar muito. - Sorriu, bem perto do meu rosto. - Mas é um jogo perigoso, porque depois que isso acontecer, não vai ser de mais ninguém...
- Não sou um objeto para ser sua...
- Você vai querer ser minha, eu garanto. - Piscou um dos olhos, ainda perto demais. - Aposto que ninguém nunca te tocou como eu tocaria...
- Você não sabe disso...
- Eu sei, sim. - Assentiu, mais para ele mesmo que para a fala. - Você não tem experiências, nem soube reagir a um homem, mas eu garanto que o tratamento de um garoto e de um homem bem treinado são coisas bem diferentes.
- Fala como se o sexo fosse a base de tudo.
- Isso não incluíria só uma trepada. - Não sei o motivo de ainda ficar chocada com as palavras dele. - Um homem cavalheiro é um combo perfeito, caso não saiba. - Deu de ombros.
- Você não parece cavalheiro.
- Você não me conhece. - Se afastou da cerca, de repente. - Mas eu esqueci que você prefere a solidão. - Bateu de leve na madeira. - Uma pena...
- Você ainda quer o beijo?
Oh meu Deus. Ok, vamos as revelações constrangedoras? Sim, eu nunca fui tocada por um homem de verdade, namorei na adolescência e só, os garotos da época não valiam, muito menos os meus encontros anteriores.
E todas aquelas falas dele, de alguma maneira muito perigosa, me deixavam estranha, do tipo lá embaixo, tipo...excitada?
Que coisa horrível, mas eu queria muito, muito mesmo ficar com ele naquela noite, mas ele iria embora de manhã e não faríamos barulho, regras pela Bella, certo?
- Hum...não. - Só não abri a boca para não me humilhar mais. - Deixa para outra hora, me deu sono. - Se afastou mais.
- Ok.
Respondi aquilo com um peso enorme na garganta, querendo gritar e perguntar qual o problema dele.
- Durma bem, não tenha medo, tem um delegado morando atrás de você. - Sorriu doce, quase me fazendo desistir de odiá-lo naquele momento. - Manda um beijo para a Bella.
- Harry. - Ele me encarou, e eu sorri. - Vai se foder, por gentileza. - Pisquei um dos olhos.
- É sempre um prazer falar com você. - Sorriu igualmente, e virou as costas, andando em direção a casa.
A culpa era mim, estava mais do que ciente, eu criei a porra do jogo, ele estava se vingando de mim por todas as vezes que neguei qualquer proposta.
Uma coisa era certa, ele não era do tipo que gostava de perder, e muito menos eu, porém, o jogo só ia acabar quando um de nós desse um basta em tudo.
* * *
Eu ia dar um basta em tudo, mesmo!
Ele foi duas vezes no prédio onde eu trabalhava e nem me deu "oi", só um sorrisinho idiota, e nem me procurou como nos outros dias, óbvio que eu não queria atenção, mas conhecendo ele, estava fazendo para me provocar.
Foi o ápice durante a tarde, esbarrou em mim de propósito e ainda disse "desculpe, querida".
Desgraçado.
- Diga que preciso dele aqui agora, é sobre o último caso. - E desliguei, sem nem dizer tchau.
Parece que ligar para a polícia era o único jeito de levar ele até a minha sala e parar com aquela palhaçada, era um encontro, será que além de levar foras de todo mundo, eu ainda ia precisar esperar por um encontro com um cara que finalmente parecia querer algo? Não, era demais para mim, ele era maluco, mas eu não precisava seguir o mesmo caminho.
Fechei todas as persianas, e ele entrou, sem nem bater, com um sorrisinho no rosto, parecia satisfeito com o resultado de tudo, e mal o deixei sentar direito na cadeira.
- Você vai parar com essa merda, agora! - Bati a mão na mesa. - Chega!
- O que? Eu nem fiz nada. - Deu de ombros, com aquele sorrisinho idiota.
- Fez, sim! Está me torturando, não aceitou meu beijo ontem, será que você é doente? Eu aceito sair com você e você diz para esperar um pouco, quero te beijar e você não quer mais, já chega disso! - Falei com certa raiva e amargura na voz.
- Hum, que brava. - Sorriu de lado. - Eu gosto. - Sussurrou, se inclinando para frente e piscando um dos olhos.
- Para de me irritar. - Falei entre dentes. - Nós vamos na porra do encontro, na sexta, me busque às sete, depois nós vamos nos beijar e transar, porque eu não aguento mais não ser uma adulta normal que...
Parei de falar, cruzei os braços e me joguei na cadeira, com raiva, e mal acreditando no que eu disse.
- Que não dá para ninguém? - O olhei com raiva extrema, ia pular no pescoço dele. - O que? Não era isso que ia dizer?
- Harry, cala a boca, pelo amor de Deus. - Ele riu, e eu estava prestes a explodir.
- Tá legal, eu aceito a sua programação. - Braços cruzados, me analisando. - Parece um bom final de sexta, mas vai precisar ser no seu carro, as minhas coisas só chegam na semana que vem, burocracia, você sabe. - Rolou os olhos. - Vou comprar uns preservativos...Oh, espera, eu compro com sabor? Está pretendendo fazer um boquete ou...?
Suspirei, escutando a risada alta dele, o odiando, e me arrependendo bem aos poucos de ter chamado ele. O encarei, ainda com uma das mãos no rosto.
- Por que você diz essas coisas?
- Porque suas reações são engraçadas. - Sorriu. - Ok, então...na sexta? - Assenti, com os olhos cerrados.
- Na sexta. - Me ajeitei, e joguei meu cabelo para trás. - E pare de ser nojento. - Sussurrei.
- Não. - Sussurrou de volta.
- Sim. - Mais um sussurro.
Ele murmurou em negação, balançando a cabeça negativamente, depois rimos, e ele me encarou sério, e fez aquele maldito olhar para a minha boca de novo, e levantou, apoiando as mãos na mesa e se inclinando para frente.
- Agora...para selar nosso acordo. - Fez um gesto com a cabeça, indicando para que me levantasse, e eu fiz. - Um beijinho, rapidinho, vamos. - Eu ri.
- Você não para, não é?
- Claro que não, já te disse, não posso perder tempo. - Indicou meu rosto com a cabeça de novo. - Só um selinho, vem. - Me chamou com a mão, e eu ri.
Fiquei encarando ele, era fofo e sério ao mesmo tempo, e então me inclinei, mas beijei a bochecha dele, e o vi sorrir de lado, negando devagar com a cabeça e morder o lábio levemente.
- Depois sou eu quem provoca, não é? - Cerrou os olhos. - Mais embaixo, minha linda. - Expremeu levemente os lábios, e os tocou com o dedo indicador, me mostrando onde beijar.
Não dava para fugir daquela vez, e pela primeira vez, eu queria de verdade, nem ligaria se ele me puxasse para um beijo mais elaborado.
Me inclinei de novo, o vi fechar os olhos segundos antes de mim, e selei nossos lábios, era muito bobo fazer aquilo, mas me afastei, ele não fez nada além de sorrir.
- Não deveria ter feito isso. - Negou com a cabeça.
- Por que não?
- Me deixou com vontade de te beijar de verdade. - Deu de ombros, se afastando da mesa.
- E por que não fez? - Riu nasalmente.
- Porque não foi isso que te pedi, seria falta de respeito com você. - A fala óbvia me fez ficar em choque, afinal ele não era tão mal-educado.
- Tá. - Sorri com os lábios. - E se eu disser que quero que me beije?
- Então eu beijo.
- Só se eu pedir?
- É.
- E se eu quiser, mas não pedir? - Cerrou os olhos.
- Kayra, pelo amor de Deus, quer me beijar? É isso? - Rolei os olhos, dando a volta na mesa.
- O que você acha, gênio?
Cerrou os olhos de novo, mas logo sorriu, apoiou as duas mãos no meu rosto, me fazendo ficar quente de vergonha, então selou nossos lábios novamente.
Pode parecer besteira, mas eu esqueci completamente que estava no trabalho, quando ele tirou as mãos do meu rosto e as levou para a minha cintura, me segurando firme, iniciando um beijo lento, e talvez o melhor que eu já tinha provado, realmente esqueci de tudo ao meu redor.
Ele tinha razão, eu desejava beijar ele, queria que desse certo, naquele momento, enquanto o beijo rolava, tão bom, tive a fantasia de que daríamos certo, mesmo que nem nos conhecêssemos direito ainda.
Apoiei meus braços nos ombros dele, já estava ali mesmo, não queria que acabasse, tudo bem que não era nada romântico ter um primeiro beijo no trabalho, depois de ter ficado irritada com ele, deixar ele ser maluco comigo e ainda assim seder um beijo para ele, mas era ótimo, então não dava para escapar, e, na verdade, eu não queria escapar.
Ele puxou meu lábio inferior, e finalizou o beijo com três selinhos, e posso afirmar que aquilo foi o meu fim.
Eu não sabia o que fazer depois, ficamos nos encarando com sorrisos, e riu nasalmente, deixando mais três selinhos nos meus lábios, o que me deixou um pouco mais desconfigurada.
- Pois é, que droga. - Se afastou. - Você beija melhor do que eu calculei, pode parar com isso! - Fingiu estar bravo, me fazendo rir.
- Você nunca vai parar de ser palhaço, não é?
- Hum...não. - Sorriu. - Se ninguém nunca te falou, então eu falo. - Chegou perto. - Seu beijo é maravilhoso, Kayra Chambers, e vai ser um prazer sair para jantar com você. - Piscou um dos olhos, se afastando. - Preciso ir agora, então...te vejo depois?
- É, você é meu vizinho. - Dei de ombros, e ele riu. - Obrigada...foi...muito bom. - Sei que fiquei vermelha, mas ele me lançou um sorriso gentil.
- Não foi nem um esforço. - Abriu a porta. - Tenha uma boa tarde.
- Você também. - Acenei.
Tudo bem, foi bem constrangedor ficar lá sozinha, assimilando o que aconteceu.
Uma adulta de vinte e três anos parecendo uma adolescente de quinze, e de repente fiquei nervosa, ele tinha razão, eu não sabia reagir a um homem, me arrependi de ter dito tudo aquilo para ele, mas não podia voltar atrás.
Eu enlouqueceria até sexta a noite.
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amantedosfandons · 2 years ago
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8 • Ilustre
Não foi exatamente ruim.
Ok, não foi nem um pouco ruim, foi ótimo, na verdade.
Ele fez mesmo a mamadeira dela, avisei que colocava uma colher de achocolatado, ele disse que uma colher era pouco e que eu era uma mãe muito má, mas me obedeceu.
A Bella ficou bebendo o leite e rindo, balançando as pernas vez ou outra, isso porque ou ele fazia cócegas nela, ou ameaçava fazer, a fazendo rir, depois que terminou, insistiu em ficar ao lado dele, conversando sobre nada mais nada menos que o sol, na verdade, ela queria dizer verão, mas usava a palavra sol, e estava curiosa demais para saber como era a cidade que ele morava antes, e os olhos dela brilhavam enquanto explicava tudo, e brilharam mais ainda quando contou que ficaria no Canadá para sempre.
Depois ele ficou me provocando, sussurrando coisas, implicando comigo, dizendo que a Bella estava começando a preferir ele. Depois ela começou a fuçar em tudo na sala, tirou fotos do lugar, até que encontrou um baralho velho, fazia tempo que não jogava cartas, e pela insistência dela, quase achei que fosse a filha perdida do Harry.
Ficamos sentados no chão jogando pife, passávamos cartas para ela como se estivesse jogando também, mas sabíamos que o jogo de verdade estava apenas entre nós, tanto de cartas quanto a parte do relacionamento, mas não veio ao caso.
Toda vez que ela jogava uma carta do nada ele dizia "Ah, não, a Bella vai ganhar", e ela soltava uma risadinha convencida, acreditando mesmo que estava fazendo parte do jogo, e quando ganhávamos, ao invés de esfregar na cara do outro que batemos, apenas sussurramos um "bati", e depois olhávamos para a Bel e avisamos que, infelizmente, a rodada tinha passado, e quando ela jogava as cartas também, fazíamos um semblante surpreso e fingimos surpresa por ela ter "ganhado" a partida.
Depois ela dormiu, do nada, olhei para o outro sofá e estava deitada, encolhida, e foi quando me dei conta que já se passava das nove, então levei ela para cima e fiquei um tempinho no quarto até ter certeza que estava mesmo dormindo.
Pensei mesmo que ele fosse insistir para conhecer meu quarto, me pedir um beijo, falar de novo sobre coisas inapropriadas em voz alta.
Mas naquele dia foi diferente.
- Te vejo amanhã. - Sorriu, já na porta.
- Amanhã? - Franzi o cenho.
- É, no seu trabalho.
- Por que?
Fiquei preocupada, não lembrava de termos falado sobre mais uma visita, e nem se tinha algo pendente.
- Para te ver.
Ele sorria com os lábios, tinha uma touca preta na cabeça, que curiosamente o deixava bem bonito, um casaco também preto, com as mãos enfiadas nos bolsos.
- Só por isso? - Tentei conter ao máximo meu sorriso super adolescente.
- Claro.
Ele não parava de sorrir, era até curiosa a forma como fazia aquilo o tempo todo. Ficou uns segundos me analisando e logo virou as costas. Mordi meu lábio, sabendo que precisava dizer algo para ele saber que eu queria que voltasse.
Pela primeira vez desejei que voltasse, de verdade.
- Harry. - Ele se virou, não totalmente, mas estava olhando para mim. - Foi ótimo hoje, me diverti muito com você.
- E eu com você. - Deu de ombros, parecia envergonhado, por mais incrível que pareça. - E com a Bella também, por mais que tenhamos perdido todas as partidas para ela.
Rolou os olhos, brincando, e eu ri depois, achei legal ele incluir aquela parte.
No final das contas, fiquei tão feliz pela reação do Justin que não lembrei que estava brava com ele por ter ensinado ela a bater nas pessoas, então, como uma boa mãe, passei o caminho da escola dizendo para ela que não era certo agredir os outros, mas ela disse que não batia nos amigos, só quando eles batiam nela, e aí entendi que nada que eu dissesse faria diferença, para ela já era como fazer justiça.
Mais tarde eu com certeza falaria com ele, isso se não esquecesse.
Nem fiquei muito no meu escritório quando cheguei, tinha um caso complicado, quando os pais não queriam falar com nenhum dos outros responsáveis que eu mandava, então era melhor que a representante geral fosse, e naquele momento eu até gostaria de um policial ao meu lado, mas não tinha nem um, e ser mulher era a parte mais difícil.
- Rick, você não pode acabar com seu casamento assim.
Foi o que eu disse, mas ele só ficou de braços cruzados. Estávamos sentados no banco bem na frente da casa dele, em uma área onde as pessoas iam para relaxar, um campo bem extenso.
- Você não sabe o quanto é difícil estar indo até à polícia o tempo todo.
- A sua filha menor relatou as brigas entre vocês. - Melany, cinco anos, crianças não mentem se você perguntar do jeito certo. - Vou te dizer uma coisa, não como conselheira, mas como uma amiga antiga. - Valia, não valia? Fomos colegas na escola. - A Lia tem dois filhos, você só tem uma, ficar falando mal do mais velho não vai adiantar em nada, daqui a alguns dias ele vai embora, fazer a vida dele, e vocês não vão precisar se preocupar com essas coisas, em menos de um ano ele vai começar a responder pelos próprios atos...
Rick e Lia tinham uma filha pequena juntos, mas quando ele a conheceu, já tinha um garoto mais velho, ela foi mãe bem cedo, mas ainda assim era dois anos mais velha que ele, o que não valia muito contando com a parte de ele já ter quase trinta anos.
Repetiu muitos anos na escola e nos tempos atuais comandava uma oficina de carros, e não era nenhum pobretão, o que era bem curioso. Bem no fim as pessoas são inteligentes para algumas coisas.
O filho mais velho dela, Lucian, era um garoto bom, sabia que ele trabalhava em vários lugares para conseguir dinheiro, mas vez ou outra se metia com as pessoas erradas, o que lhe custou cinco ocorrências na polícia por furto, tudo em menos de um ano, fora a parte do vandalismo.
- Está pedindo para eu fingir que não vejo nada disso por seis meses?
- Estou pedindo para não brigar com ela na frente da sua filha mais nova, o que quer que tenha para dizer, sua filha de cinco anos não precisa saber, e muito menos o filho dela, escutar as brigas e perceber que a mãe o defende só leva pontos de vantagem para ele.
Eu tentava entender o lado dela, queria proteger o garoto, conhecia ela, e já escutei mais de uma vez dizendo a ele para que parasse, que não saísse mais com as pessoas erradas, e se tinha uma coisa que ela cumpria era a palavra, nunca ia buscar ele na delegacia, ele sempre pedia para um padrinho ou um tio, porque Rick me contou que ela ficou com raiva um dia, e disse a ele que nunca mais o buscaria.
Porém, ela também não gostava que o marido falasse mal do filho dela, óbvio, nenhuma mãe gostaria, isso porque ela sabia que estava errado, e talvez só quisesse que o Rick a apoiasse e desse força a ela, e não que brigasse e chamasse o garoto de todas as coisas ruins possíveis.
Estava acabando com o casamento dele, os vizinhos escutaram e denunciaram, pensaram que ele estava fazendo alguma coisa com ela e a filha, e desde então, a exatamente quatro meses, fomos acionados para cuidar dos dois, porém, nunca vi Lucian em casa, parece que foge quando sabe que estou indo, mas a menor é simpática, me conta tudo que preciso, e nem preciso de muito, da para ver que ama os pais, mas está confusa sobre eles e o irmão.
- Acho que você tem razão. - Fiquei encarando ele. - Tá, você tem razão. - Soltou o ar pela boca, frustrado. - Vou tentar.
- Ótimo. - Levantei, levando a prancheta junto. - E não me faça vir de novo, receba as pessoas que eu mando.
- Por que? É ilustre agora?
- É tipo isso, na verdade. - Dei de ombros. - Tenha uma boa semana, espero não precisar vir de novo.
- Vou ver o que faço. - Abriu os braços e os apoiou no banco. - Pode ser que eu siga seu conselho.
Esperava mesmo que seguisse, porque era um desperdício ter um caso dele no conselho tutelar, não se passava de uma briga de família, claro que gerou uma confusão enorme, mas eles estavam longe de se divorciarem, então, por hora, não teríamos um caso de verdade na família dele.
Não fui de carro, era perto, uns quinze minutos de caminhada, fazia dias que eu não saia para correr por causa da Bella em casa, costumava fazer nos fins de semana livres, então, aproveitei.
Vamos ser realistas, todo mundo mata tempo no trabalho, às vezes não tem nada para fazer mesmo, e já que eu estava perto do centro, porque não aproveitar e ir até o banco? Eu estaria no trabalho duas quadras depois, e tudo bem.
Fiquei com a pasta debaixo do braço, só tinha meu celular e meu cartão do banco por dentro da capinha, então eu podia tirar algum dinheiro para pagar minha diarista, e colocaria na carteira quando chegasse no meu carro. Fui pensando naquilo tudo, fazendo planos para o meu dinheiro, pensando em tirar algo a mais.
Vi de longe o movimento, o carro forte estacionado na frente do banco e alguns policiais, era normal, toda vez que chegava dinheiro ao banco, os policiais iam lá para proteger tudo, naquele carro forte, e tudo bem.
A única diferença era o novo membro da equipe deles, e eu queria não ter reconhecido de longe, mas sabia que era ele, e até me surpreendi por reconhecê-lo tão rápido, era como se meus olhos procurassem por ele. E o que eu podia fazer se estava parado bem ao lado da porta do banco?
Todo de preto, com toda aquela farda policial, um colete e uma arma enorme na mão, e por mais estranho que fosse, por mais medo que eu tivesse de armas e por mais que elas me lembrassem muitas coisas, inclusive o meu terror noturno, naquele momento, achei aquilo estranhamente atraente.
Quem não soubesse que ele era o delegado, simplesmente pensaria que era um policial qualquer na porta do banco, protegendo o dinheiro, e não entendi o motivo de estar ali com os outros, ele com certeza não precisava fazer aquele trabalho.
Pensei que fosse fingir que não me conhecia, assim como eu estava fazendo. Uma senhora entrou na minha frente, e eu precisava dar uma olhadinha nele, porque...não vou mentir, ele já era bonito naturalmente, com uma farda ficava melhor ainda.
Assim que levantei o olhar, piscou um dos olhos e sorriu sutilmente, mas foi por segundos, só passei por ele, foi tempo suficiente para eu perceber.
Tudo bem, ele sabia que eu estava fazendo outras coisas no horário de expediente, o que me preocupou um pouco, não por ele contar, mas porque usaria contra mim em algum momento. Fiz tudo muito rápido, ansiosa, sinceramente? Queria passar por ele de novo, ter mais alguns segundos da imagem dele de uniforme na minha mente. Ele saiu antes, na verdade, todos eles, foram embora no carro forte, e lá se foi minha fantasia do dia.
Estava me sentindo estranha por pensar daquele jeito, geralmente eu não ligava para homens, mas era um policial, bonito, não, não, bonito não, lindo. Bonito seria uma ofensa para um homem daqueles, e ele era natural, o jeito de falar era simpático e até atraente, os olhos verdes, o cabelo que estava sempre jogando para trás, apesar de eles nem chegarem aos olhos, parecia uma mania.
Quando cheguei ao meu escritório, peguei meu copo térmico sem nem sentar na cadeira primeiro, abri o armário e apertei o botão da cafeteira, trocando os cartuchos de café, depois peguei o copo já cheio e voltei ao meu lugar.
Tranquilidade, óculos e meu café era o que eu precisava. Meu e-mail parecia cheio, e a vontade de passar as anotações do caso do Rick eram mínimas, na minha opinião, não precisava de um arquivo, mas já que ele fez o favor de gerar uma denúncia anônima, lá estava eu, digitalizando.
Olhei de relance para o meu celular, sabia que minha mãe tinha mandado mensagens, mas outra apareceu na tela, a minha dm instagram, que me fez ficar um pouco nervosa.
Harry: Poderia atender o telefone da sua sala?
Fiquei confusa, então olhei para a mesa, o aparelho estava fora da posição para receber a chamada, o encaixei de novo e ele finalmente chamou, então atendi, e sabia que era a Diana por simplesmente aparecer o nome "Recepção" no visor pequeno, porque apesar de ela não fazer aquele trabalho, estava sempre por lá porque o computador era melhor, e sempre me ligava.
- Fala.
- Na verdade, você deveria dizer "Kayra Chambers, conselheira chefe, posso ajudar?".
- Hum, é, mas eu não disse, sei que é você.
- Que maldição. - Sussurrou, rindo depois. - É que o seu...como é? - Escutei ela diminuir a voz, depois alguém falar por cima, mas não entendi. - Ah, o seu treinando está aqui.
- O meu quem?
- O seu treinando. - Disse sem ânimo. - Olha, não entendi qual sua relação com o novo delegado, mas ele pediu para dizer isso. - Levei uma das mãos ao rosto, morrendo de raiva dele.
- Manda ele entrar. Agora. - Bati o telefone no suporte com certa força.
A Diana com certeza me perguntaria depois, e se ela sabia, então significava que o lugar inteiro sabia, e pelo resto da semana seria o motivo da fofoca.
Dava para ver ele chegando pelo vidro, ainda com a roupa preta, mas sem o colete e todas aquelas coisas, só uma jaqueta grande e fechada, com o distintivo, diferente dos outros, dava para saber quem ele era.
Tinha um sorriso travesso no rosto, me observando como se estivéssemos guardando algum segredo, então sentou na cadeira a minha frente.
- Precisa de algo?
- Não. - Encostou totalmente as costas na cadeira. - Mas como é isso? Ir ao banco faz parte do seu trabalho ou...você estava agindo contra a lei? - Cerrou os olhos.
Sabia que ele ia dar um jeito de usar aquilo contra mim, estava dizendo aquilo só para confirmar que me viu também.
- Só fui tirar dinheiro. - Simplesmente a verdade.
- Hum. - Murmurou, me encarando. - Eu não conto se você aceitar sair comigo.
Precisei rir, por que ele ainda pensa que não quero sair com ele? Quer dizer, depois de ter visto ele de farda, seria difícil alguém que negasse.
- Tá.
Foi só o que eu disse, segurando o riso, porque o semblante dele era engraçado, estava confuso.
- Não. - Protestou, ficando com a postura ereta. - Não é legal quando aceita de primeira, precisa dizer não primeiro!
- Não, chega disso. - Me endireitei na cadeira. - Eu estou atrás da mesa, por tanto, sou eu quem manda agora. - Sorri com os lábios. - E eu digo que: podemos sair.
- E eu digo que: você ficaria melhor em cima da mesa, e não atrás dela. - Ele mostrou um sorriso satisfeito, e eu só sabia ficar boquiaberta.
- Estamos em um ambiente de trabalho, não é para falar essas coisas.
Minha voz saiu firme, e um tanto constrangida, não estava acostumada a ter alguém dizendo aquele tipo de coisa para mim.
- Ok. - Deu de ombros. - Aonde quer ir no fim de semana? Ah, lembrando que a noite vai terminar na sua casa, porque...
- Você ainda mora de favor. - Deixou o ar sair pelo nariz pacientemente.
- É isso, não por muito tempo, caso queira saber.
- Bom, eu não sei, aonde você quer ir? - Voltei para o assunto principal.
- Do que você gosta?
Foi uma atitude legal da parte dele, perguntar do que eu gostava, talvez chegássemos a um consentimento, eu não gostava muito de lugares lotados, onde eu não podia me mexer direito, mas não significava que não o acompanharia se gostasse.
- Bom, podia ser um lugar tranquilo? Para...um. - Limpei a garganta. - Um primeiro encontro. - Ele sorriu.
- Pensei que já fosse o segundo. - Não consegui segurar o sorriso.
- O primeiro só eu e você, então.
- Kayra, o que é isso? Por que está sendo gentil? - Franziu o cenho. - Não estou preparado para o momento em que você aceita, porque ainda não elaborei um lugar perfeito, inclusive, ainda não conheço a cidade direito.
Fiquei confusa, não entendi se estava sendo palhaço de novo, ou se estava falando sério, porque ele não estava sorrindo como se estivesse brincando.
- Quer que eu diga não? - Ri baixo, o encarando.
- É, até eu achar um lugar legal. - Arqueei as sobrancelhas.
- Harry, você está tentando sair comigo já faz umas duas semanas, e quer que eu diga não?
Só podia estar brincando comigo, fiquei um tempão querendo que ele fosse embora, e quando resolvo dar uma chance, ele simplesmente não quer?
- Não é exatamente isso. - Riu, chegando mais perto da mesa. - Tá, vou falar a verdade, promete que não vai me achar nojento?
Pensei por segundos, ele provavelmente ia falar sobre alguma coisa que fosse me deixar com um rubor enorme nas bochechas, dizer alguma besteira do tipo que colocaria a prova o nosso "relacionamento", algo que me fizesse desistir de vez ou me jogar com tudo na ideia de tê-lo por perto.
- Fala.
Respirei fundo, esperando por uma bomba enorme.
- É que não gosto de sair no frio, mesmo que tenha aquecedores, sabe? Não quer dizer que eu não vá te levar a algum lugar, mas tenho muitos motivos para preferir sua casa. - Deu de ombros. - Vai que você se anima e resolve me deixar ver seu quarto?
A primeira parte foi boa demais para ser verdade, sabia que ele ia insinuar alguma coisa, afinal, se não o fizesse, não seria o Harry que conheci.
- Sabia que quando fala essas coisas tenho a impressão que seu único objetivo é me levar para a cama e sumir?
Não era exatamente um medo, mas uma impressão que me passava, por mais que eu quisesse também.
- A primeira parte está certa, a segunda não. - Ok, ele conseguiu me deixar ofendida. - Entenda, não quero sumir, mas se eu posso ter isso muito mais de uma vez, por que desperdiçar a chance?
- Você é muito nojento. - Constatei.
- Aposto que não vai achar isso daqui alguns meses.
Ele estava tranquilo, provavelmente se garantindo, mas tinha alguma coisa errada, precisava ter, não era possível ser bonito e ter um charme daqueles, então, provavelmente poderia me desapontar assim que eu mostrasse meu quarto.
- Já disse que vai conhecer meu quarto quando eu decidir que é a hora, coisa que não vai acontecer nesse fim de semana. - A minha fala parecia óbvia demais. - Inclusive, você não ia sair comigo e com a Bella na quarta?
- Eu ia, mas acho que não vou poder. - De repente ele parecia chateado. - Volto durante a noite no meio da semana, tem umas coisas que preciso fazer.
Eu nem imaginava, na verdade, nunca conheci um delegado de perto, muito menos me relacionei com um, e na teoria eu sabia o que eles faziam, respondiam pelas burocracias, montavam equipes, estavam na linha de frente dos problemas, mas nenhum nunca se manifestou como ele, nunca trabalharam de verdade, porque não precisavam daquilo.
- Por que você foi fazer aquele trabalho hoje? Não precisa disso, até onde eu sei.
- Não gosto muito de ficar parado. - Deu de ombros. - E é bom para conhecer o pessoal.
Talvez ele fosse mesmo diferente, ninguém via os caras do poder colocando a mão na massa, mal víamos o prefeito, e ele morava a literalmente quinze minutos de onde eu trabalhava, na verdade, muita gente nem lembrava do rosto dele.
Por um momento, pensei que a cidade fosse mudar a partir daquele mês, ter alguém competente era realmente bom, uma pessoa que quisesse de verdade fazer algo pela sociedade, alguém que quisesse ver com os próprios olhos como as coisas funcionavam. Ele não disse, e eu ainda não havia perguntado, mas pelo visto gostava muito do que fazia, e dava certo valor.
Em uma semana, vi ele com o uniforme policial muito mais vezes que com as roupas casuais, claro que poderia não significar nada, mas e se as coisas na cidade realmente tomassem um rumo diferente?
Não entendi o motivo, meu coração estava me sacaneando, fiquei um pouco chateada por ele não poder nos acompanhar na quarta, estava pensando em levar ela ao shopping para comer babatas fritas, já que era o único interesse dela, e estava precisando de um casaco novo, não que fosse parar para experimentar.
Percebi os olhares dos outros quando ele saiu da minha sala, um tanto sorridente pelo nosso combinado de sexta a noite. Pensei que fossem me perguntar muitas coisas, o que ele queria, e principalmente pensei que a Diana fosse me dizer algo sobre ele, mas não.
E aquilo não era bom, significava fofoca, e muita, provavelmente o prédio inteiro ia saber que ele estava indo me ver sem um motivo de verdade, sabia que dali a alguns dias enfrentaria muitos olhares e perguntas curiosas, não que já não acontecesse.
*     *     *
A coisa toda com a Bel deu errado, na verdade, deu muito errado.
A começar pela tristeza dela de manhã, não falou nada, achei estranho, perguntei se estava bem, mas ela só assentiu, então, perto das onze da manhã a escola me ligou, dizendo que ela tinha febre e estava muito nervosa.
Estava chorando quando cheguei, desesperada, pedi para ela ficar calma e me dizer o que sentia, e parou de chorar por segundos, soluçando e tremendo, dizendo que tinha dor na cabeça e na barriga. Não fui para casa, fomos direto ao hospital, medicar ela sem a liberação de um médico podia ser perigoso.
- Meu amor, não precisa chorar desse jeito.
Já fazia uma hora que estávamos em casa, ela já tinha tomado o remédio, mas não parava de chorar, dizia que a cabeça doía muito, e claro que a maneira de expressar seria chorando, ela tinha só dois anos, quase três, não sabia aguentar uma dor de cabeça igual um adulto.
Ela não ligou para o que eu disse, só ficou chorando, abraçada em mim, e não me sentei nem um minuto, fiquei andando com ela de um lado para o outro. O choro dela me agoniava porque significava que ainda estava assustada com a dor.
Pelo menos já não tinha mais febre e só a cabeça doía, nem quis a mamadeira dela, e também decidi que não ia ligar para o Justin, não queria preocupar ele, eu podia resolver, queria que ela ficasse melhor rápido, para poder aproveitar com o pai no fim de semana.
Foi uma hora e meia até ela abaixar o tom, soluçar, me deixar sentar com ela no sofá e dormir, soluçando enquanto fechava os olhos aos poucos.
Deixei ela no sofá, era cedo demais e certamente acordaria, e aproveitei o meio tempo para trabalhar de casa e organizar algumas coisas, claro que sempre de olho nela, mas nem se mexia, dava para ver que estava com a respiração pesada, aspirando o ar pela boca porque o nariz estava congestionado, então aproveitei para colocar soro no nariz dela, e até adiantou um pouco, mas não totalmente.
Estava na cozinha, pensando nos ingredientes certos para preparar uma sopa para ela, até escutar alguém bater na porta.
Achei estranho a princípio, abri a porta da frente e não tinha ninguém, mas então alguém bateu de novo, e era a porta dos fundos, então só podia ser uma pessoa.
Corri até lá, não por pressa de atendê-lo, mas para não fazer mais barulho enquanto a Bella dormia. Abri a porta e o encarei, todo de preto, inclusive a touca que estava usando, e a noite ainda estava caindo, o que me fez pensar que era estranho, porque disse que trabalharia até tarde.
- Oi. - Tentei sorrir, mesmo que minha mente estivesse na bebê doente. - Precisa de alguma coisa?
- Não, na verdade. - Deu de ombros. - Queria entrar na sua casa, se for possível.
- Por quê?
- Porque é frio para caramba aqui fora, e aí é bem mais quente. - Suspirou. - Por favor, me convide.
- Tá. - Ri baixo, dando espaço para ele entrar.
Ele entrou rápido, tirando a touca e suspirando em alívio, e naquele dia estava fazendo bem mais frio, como se a estação estivesse se despedindo junto da neve.
- Pensei que fosse trabalhar até mais tarde.
- É, trabalhei até as nove ontem, então hoje consegui terminar tudo mais cedo. - Deixou a touca no gancho, junto de um dos meus casacos. - Você já foi passear com ela? Cheguei muito atrasado?
- Não. - Sorri, sem nem querer, a preocupação dele era até bonitinha. - Nós não vamos.
- Por que? - Sorriu leve. - Não me diga que em poucos dias a minha presença já tem feito total diferença na sua vida.
- Deixa de ser ridículo. - Comecei a caminhar em direção a cozinha. - A Bel ficou doente, só parou de chorar agora, e dormiu.
- Sério? - Assenti, o olhando por cima do ombro. - Chorou muito?
- Por uma hora e meia.
Ele ficou parado, com um semblante triste, olhou para a sala, onde ela estava deitada, e depois para a pia.
- Ia cozinhar?
- Sim, sopa. - Dei de ombros.
- Tem peito de frango aí? - Assenti. - Batatas, cenouras, tempero, macarrão e alguma coisa para dar cor? - Franzi o cenho.
- É...eu acho.
- Ok.
Ele tirou o casaco, o apoiou na cadeira e abriu a gaveta, pegou uma faca e começou a cortar o tempero que eu havia arrumado na pia. Então abri a geladeira, peguei os legumes e deixei na bancada para ele, nem disse nada, parecia disposto a cozinhar.
A Bella estava dormindo, então fiquei ali, olhando para ele e toda aquela habilidade na cozinha, fiquei pensando em quando, como e porque ele decidiu que cozinhar seria um bom passatempo.
- Eu gosto de homens que cozinham.
Sim, sim, sim senhoras e senhores, eu me arrependi assim que falei, queria ser verdadeira com ele, tentar flertar, sei lá.
Mas aí me lembrei que ele era um homem lindo, e policial, o que o deixava mais bonito ainda, e então ele me encarou com aqueles olhos e sorriso lindos, e então fiquei com muita vergonha, não era qualquer coisa, era dar em cima de um homem...naquele nível de vida.
- Está flertando, Kayra Chambers? - Sorriu de lado, falando ironicamente. - Me conte sobre o que seria um homem perfeito para você.
- Por que?
- Para saber se me encaixo. - Deu de ombros, abrindo o plástico do peito de frango. - Já sabe que não sou mentiroso.
Pensei por momentos, eu tinha a minha listinha mental, um homem dos sonhos, alguém perfeito para mim, com as seguintes características: Confiante, engraçado, charmoso, maduro, simpático, trabalhador, inteligente, honesto, generoso, compreensivo, carinhoso, companheiro, divertido, fiel, romântico, paciente, educado, um bom cozinheiro e bom de cama. A última não era pedir muito, era? Ele precisava ter pelo menos aquilo.
- Não posso dizer. - Ele suspirou, cerrando os olhos na minha direção. - Você vai saber, se passar no teste.
- Ok, você é difícil. - Riu. - Mas eu espero, se tem uma coisa que tenho, é paciência.
Das dezenove características que citei, ele parecia mesmo ter bastante paciência, já que demorou um tempão para eu aceitar ele na minha casa, e mesmo assim não desistiu.
Paciente
Ele ficou cantarolando algo enquanto cortava o peito de frango em cubinhos.
- Você está gostando daqui? - Interrompi a cantoria dele, que apenas sorriu.
- Com você morando aqui? Estou amando.
Ok, sei que já posso cortar o simpático e charmoso da lista.
Simpático
Charmoso
Três em menos de cinco minutos? Ele ia se superar.
- Você pensa em um futuro aqui? No Canadá?
- Depende, isso incluíria você e a Bel?
Me encarou, sorrindo, prestando atenção na minha reação, e tentei esconder ao máximo o quanto aquele comentário me deixou inteiramente idiota por ele. Então apenas cerrei os olhos.
- É sério, chega disso. - Ri baixo. - Tem um futuro, ou não?
- Depende. - Deu de ombros, colocando os pedacinhos de frango na panela. - Policiais se mudam o tempo inteiro, somos chamados para diferentes lugares o tempo todo, recebendo propostas, então...não dá para saber mesmo. - E ele continuava colocando os pedaços de legumes lá dentro.
Fiquei observando ele cozinhar, parecia fácil para ele, e longe de ser um incômodo. Ficamos falando sobre como os policiais recebiam propostas frequentemente, desde que se destacassem a ponto de chamarem atenção de outros lugares.
E ele falava com um brilho nos olhos, queria fazer a diferença ali, e me explicou que muitas vezes era aquilo que faltava em alguns lugares, pessoas querendo fazer a diferença, e ele tinha total razão, tem pessoas que só trabalhavam por trabalhar, e não por amor.
- Qual prato você costuma oferecer para ela?
Virei para o armário de vidro, abri e peguei o pratinho rosa dela, o preferido.
Ele sorriu quando viu o prato, pegou um pouco de sopa com uma concha e despejou no pratinho, depois começou a amassar os legumes no prato, até entendi quando desfiou os pedaços de frango, mas então pegou uma colher e começou a fazer círculos no prato.
- Vai esfriar mais rápido assim. - Provavelmente percebeu meu olhar de questionamento. - Pode acordar ela se quiser, eu levo.
Apenas assenti e saí da sala. Levantei ela primeiro, pegando ela no colo, mas permaneci sentada.
- Bel. - Sussurrei. - Acorde, a mamãe tem uma surpresa para você, aposto que vai gostar. - Balancei de leve o corpo dela.
Ela era muito preguiçosa, e ficava um pouco pior quando ficava doente, choramingava, se abraçava em mim e nunca mais queria parar de chorar baixinho.
- Bella, eu sei que está com dor, mas o Harry veio te ver, e fez uma sopa muito boa para você, não quer tentar comer um pouquinho?
- Não. - Choramingou, e eu só suspirei.
Tentei virar o rosto dela na minha direção, mas o virou bruscamente, grudada no meu peito. Entendia ela, não queria ser perturbada naquele momento, eu tinha despertado ela do sono e estava se sentindo mal.
Sabia que ia demorar, Harry já estava indo em direção à sala com o prato e uma colher na mão. Apoiou tudo na mesa de centro e me encarou, depois a Bella.
- Oi, princesa. - Chegou perto, tentando falar com ela. - Vim te visitar de novo, mas você ficou doente. - Ela ainda não estava olhando para ele. - Fiz uma sopa para você ficar melhor, não quer experimentar?
- Não. - Murmurou.
- E se você ficar comigo enquanto sua mãe te dá a sopa, hun?
- Não! - Falou mais alto, como se estivesse xingando ele.
- Bella...
- Tudo bem. - Sussurrou, ainda sorrindo para mim. - E se você ficar com a sua mamãe, e eu só te der a sopa, hun? Não é melhor? Pode ficar no colo dela enquanto você come.
Ela não respondeu, mas virou o rosto para ele, me deixou ajeitar ela no meu colo de uma maneira bem confortável, tentou ajeitar o cabelo sozinha, mas ajudei ela a fazer aquilo, o que foi bem melhor.
Ele presumiu que tivesse aceitado, então pegou o prato de novo, a para quem não tinha um filho, ele sabia muito bem como fazer aquilo. Não enchia a colher totalmente, uma quantidade suficiente, soprou um pouco e depois levou até ela, que decidiu colaborar.
Provavelmente percebeu que eu estava encarando a cena toda.
- O que? Só você pode saber dar comida para uma criança? - Fez piada, rindo em seguida. - Tenho um sobrinho, caso não lembre.
- A Michelle te manda fazer um monte de coisas, pelo jeito.
- Você nem faz ideia. - Riu baixo, se concentrado na Bella. - Ela reclama todos os dias da minha invasão, mas aproveita muito para me fazer de empregado.
Falar da Michelle me fez lembrar que não contei a ela que estava simplesmente a beira de ter um caso com o cunhado dela. Não me interpretem mal, pensei mesmo em contar, mas o que eu diria? Nem saímos de verdade, muito menos nos beijamos.
Decidi que enquanto não fosse nada concreto, não contaria, aquilo poderia acabar em alguns dias, ainda não estava entendendo qual a dele.
A Bel comeu quase toda a sopa, disse que não queria mais depois de comer pouco mais da metade do prato, e eu não ia obrigar ela, disse que tudo bem, e depois me disse que estava com dor de cabeça, ou "dor na cabeça".
- Antes de dormir vou te dar outro remédio, e vai acordar sarada amanhã, tudo bem? - Ela assentiu.
- Mãe, pode dormir na cama juntas?
Suspirei, aquilo significava que ela queria dormir comigo. A abracei forte, pensando no que responder, e com a mente já no meu terror noturno, só tive um naquela semana, era estranho, eram pelo menos três vezes.
- Claro. - Minha fala saiu um pouco nervosa. - Você quer ir lá? - Assentiu. - Vou levar ela, eu já volto. - Falei para ele, que só sorriu com os lábios em resposta.
- Boa noite, Bella. - Ele disse, e ela só acenou com a mão para ele.
Subi com ela, deixei na minha cama e coloquei o cobertor que ela gostava, expliquei que eu já voltava, só ia dar tchau para o Harry e ia dormir, mas ela só assentiu e fechou os olhos.
Desci de novo, ele já havia levado o prato e fechado a panela, eu não ia mesmo beber a sopa, e pelo visto ele também não.
- Obrigada por ter cozinhado de novo. - Sorri, sem graça.
- É sempre um prazer. - Sorriu de volta, jogando o pano no ombro e cruzando os braços.
- Sinto muito, vou precisar cuidar dela então...pode ser que você não tenha tanta atenção. - Ele riu, jogando o pano na pia de novo.
- Não tem problema, só vim para ver se estava tudo bem, e se ainda iam sair, mas vou para casa, adiantar umas coisas. - Deu de ombros.
- Coisas de trabalho?
- É, só para passar o tempo.
- Desculpa, parece que estou te expulsando.
- Não, de jeito nenhum. - Pegou o casaco na cadeira. - Precisa cuidar dela, é pequena demais para fazer isso sozinha.
Compreensivo
Fiquei feliz por ele entender, na verdade, não mandei ele ir embora, mas pareceu conveniente para ele, apenas ir, talvez aparecer outra hora, quando já estivesse melhor.
Levei ele até a porta, claro que não a da frente, ele vestiu a touca de novo, e saiu, mas ficou parado, o que me fez rir.
- Vai ficar parado aí de novo? - Perguntei, rindo. - Por que sempre fica parado na minha porta depois de dizer que vai embora?
- É que... - Suspirou. - Me dá um beijo?
- O quê?
Eu entendi o que ele disse, só fiquei atormentada com o pedido.
- Eu quero tanto beijar essa boca, Kayra, você nem faz ideia.
Ele não olhava nos meus olhos, olhava para a minha boca, descaradamente, nem ligando, acompanhando cada movimento, toda vez que eu falava.
- É o desejo de muitos, sabia?
Ri quando falei, não da frase, mas dele, porque encarava meus lábios enquanto eu falava, e só depois subiu o olhar até meus olhos.
-Não faz isso. Essa sua versão de mulher que sabe que pode ter qualquer homem na mão se quiser... - Chegou perto. - Me deixa com calor. - Sussurrou.
- E pelo visto você está incluso nesse grupo de homens. - Ele sorriu, assentindo.
- Garanto que sou o primeiro da fila. - Se apoiou no batente da porta. - Um selinho rápido?
Fiquei analisando ele, e sorri, provavelmente pensou que eu fosse fazer o que pediu, mas não.
Fechei a porta.
- Boa noite, Harry, foi ótimo te ter em casa hoje.
- Kayra... - Suspirou, e deu uma batida na porta. - Eu juro que quando me beijar, nunca mais vai querer parar, você me escutou? É uma promessa.
- Ah, você nem deve beijar tão bem assim.
- Experimenta, coisinha. - Ri do apelido que usou. - Saiba que vai me fazer dormir mal essa noite! - Escutei os passos dele. - Ou muito bem, na verdade. - A voz distante, significava que estava indo embora.
Subi de volta para o quarto, estava cedo para dormir, então liguei a luz da minha penteadeira e peguei um livro para ler.
Mas não consegui me concentrar direito, primeiro pela Bel estar doente e depois porque me arrependi de não ter beijado ele.
Aquele homem era uma maldição, como conseguia me deixar pensativa daquele jeito sem nem ao menos ter me tocado?
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amantedosfandons · 2 years ago
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7 • Pai...soou tão natural
Passamos quase quinze minutos procurando o que poderia ter causado a minha ferida, já estava quase desistindo, até que ele simplesmente entrou na lavanderia, sem nem pedir permissão, só abriu a porta e observou, não passou nem um minuto quando viu o prego na janela.
Bem abaixo do vidro, aparecia parte da ponta do prego, por algum motivo desconhecido estava lá, ou eu só ignorei a existência dele, mas tinha uma quantidade considerável de sangue para saber que foi aquilo que me machucou.
- Você precisa deixar isso desse jeito. - Explicou, batendo com o martelo na madeira.
Insistiu que eu deveria pegar alguma ferramenta da casa para ele poder consertar, ou quase consertar a janela.
- Eu não vi isso aí. - Falei um pouco baixo.
- Podia ter sido bem mais grave. - Pegou a esponja, passando na janela para limpar. - A Bella podia ter se machucado aqui.
- Mas não se machucou. - Retruquei, e ele virou o rosto devagar, me encarando.
- Mas poderia. - Disse firme, depois voltou a encarar o que estava fazendo. - A partir de hoje, querida. - Se virou de novo, sério. - Sou o único homem que fará as manutenções da sua casa, obrigado, e de nada. - Passou por mim.
- Ah, não? - Fui atrás dele. - Você não vai fazer nada.
- Hum. - Murmurou, guardando o martelo na caixa de ferramentas. - Vamos ver.
- Não sabe o que está dizendo. - Falei rápido, o encarando.
- Eu queria saber qual é o seu problema, de verdade, porque não é possível...
- O que não é possível?
- Que você não me deixe chegar perto, é como se tivesse alergia a homens...
- Você acabou de chegar...
- E o que isso tem a ver? - A fala era paciente, como se quisesse mesmo me entender.
- Que você chegou do nada e fica vindo na minha casa, me convidando para jantar, para sair com você...já pensou que tem um monte de gente nessa cidade? Isso é no mínimo precipitado.
Ele me encarou, sério, me analisando, o semblante tinha um certo deboche, como se eu fosse a pessoa mais esquisita do mundo.
- Talvez eu seja um homem de vinte e sete anos que já conheceu muitas pessoas na vida, e alguém, por algum motivo, me chamou atenção e eu queira tentar, porque...sei lá, parece bem interessante, só que essa pessoa fica insinuando que eu preciso sair com um monte de gente antes, só para ter certeza. - Ele estava falando de mim, só um burro não saberia.
- Você não me conhece...
- Mas eu quero. - Riu, falando como se fosse óbvio. - Quero te conhecer, qual é a dificuldade de...
- Por quê? - O interrompi, e ele suspirou.
- Porque mulheres bonitas chamam atenção dos homens, mas não é só isso, claro que como parte da espécie nojenta dos humanos eu prestei atenção nisso primeiro, mas...tem a parte da personalidade. - Sorriu. - E eu gosto de desafios, mais precisamente quando ganho.
- Eu sou um desafio para você? - Ri nasalmente.
- É tipo isso. - Deu de ombros. - A não ser que você finalmente abra essa sua mente e resolva aceitar sair comigo. - Sorriu, abrindo os braços como se quisesse me abraçar.
- Não. - Suspirou, abaixando os braços.
- Me diz o que eu tenho que fazer para te mostrar que não ligo se tem uma filha, se tem muitas pessoas na cidade...o que você precisa para se convencer que sou uma boa escolha. - Sorriu com os lábios.
Suspirei, pensando no que seria melhor, só aceitar que finalmente um homem legal estava aparecendo na minha vida, sem ligar para o terror noturno, para o meu estresse pós-traumático, para o medo de ele ir embora em dois meses assim que percebesse que eu era louca.
Ou eu só podia fazer uma coisa bem estúpida.
A voz da minha terapeuta ecoou na minha mente, era como se ela estivesse bem ao meu lado, me dizendo para dar uma chance para aquele homem que estava se humilhando fazia dias.
É fácil sair com alguém, certo? Não é um bicho de sete cabeças, é...no mínimo normal.
Suspirei, um pouquinho nervosa, era a última chance, se eu desistisse bem ali, ele também desistiria, já estava cansado, provavelmente.
- Você pode sair comigo e com a Bel na quarta, quero levar ela a um lugar, e...só vai conhecer meu quarto quando eu decidir que está na hora...e... - Pensei mais um pouco. - Não quero você aqui em casa até tarde, e nem dormir aqui por enquanto, quero que ela entenda as coisas primeiro, vai ficar confusa se ver um homem na minha cama. - Pensei mais um pouco. - Ah, e nada de dizer a ela que estamos nos relacionando, quero que se acostume com você primeiro.
- Essas são suas condições?
- Por hora, sim, pode ser que tenha mais, em breve.
- Ok, agora as minhas. - Estava prestando atenção, e ele parecia pensar. - Bom, não tem. - Sorriu grande, estava sendo palhaço. - Estou com fome.
- Ah, você está com fome?
Cruzei os braços, achando mal-educado, porque quando eu era pequena minha mãe me instruia a não pedir nada na casa dos outros.
- Sim, tem café? - Foi em direção a cozinha.
- Você sempre mexe nas coisas dos outros assim?
- É, acontece bastante. - Encarou a cafeteira. - E tem algo de comer? - Riu, depois me encarou. - Quer dizer, além de você.
Fiquei em choque, e ele riu, como se realmente fosse engraçado dizer aquilo em voz alta, mas parou de rir quando percebeu que não tinha visto graça nenhuma.
- Não fale isso perto da Bel...
- Claro, porque eu falaria isso perto de uma criança. - Riu com sarcasmo.
Ficamos em silêncio, era estranho para mim, não usei aquelas palavras, mas praticante disse que aceitava sair com ele, o que significava que qualquer desculpa que envolvesse ele e a minha casa, seria usada.
- É verdade que está construindo uma casa?
- Não, por enquanto. - Inclinou o corpo, se apoiando no balcão. - Tenho um projeto e um terreno prontos, mas vou para um apartamento primeiro, minhas coisas ainda não chegaram de Los Angeles.
- Morava sozinho lá?
- Não exatamente, minha mãe morava ao lado, então eu meio que não entendia se a casa era só minha ou dela também. - Riu, me observando preparar o café.
- Não sei o que te deu para trocar Los Angeles por isso aqui.
- Gosto de desafios, mudanças bruscas. - Tentou explicar, e só fingi que entendia.
Ficamos em silêncio depois, do tipo constrangedor, como quando recebe alguém novo em casa e não sabe o que fazer, se vai para outro cômodo, se puxa um assunto ou se continua quieto.
Só o barulho da cafeteira era audível, e ele estava encostado no balcão a minha frente, mexendo no celular, e eu podia aproveitar para prestar atenção dele.
Não podia negar que era bonito, o jeito dele não era só simpático, era atraente, e só estava parado, sem fazer nada.
De repente, parou de rolar o dedo pela tela, parecia concentrado em algo, então vi ele sorrir, e do nada, bem rápido, olhou para frente, me encarando, mas desviei o olhar e escutei ele rir, era como se soubesse que estava sendo observado.
- Te peguei me admirando. - Riu, me fazendo rir também.
- Não estava.
- Hum...eu acho que estava, sim. - Mexeu no cabelo, o jogando para trás. - Mas não te julgo, sou mesmo um homem muito bonito...
- Meu Deus! Com quem aprendeu a ser tão narcisista?
- Não, baby, isso não é ser narcisistas, é ser realista. - Me corrigiu, mas só prestei atenção no apelido.
Por sorte, a cafeteira já tinha feito o trabalho dela, peguei uma xícara para ele e não coloquei nem um grama de açúcar ali, só deixei de lado, despejando café na minha, e depois coloquei um pouco de leite e adoçante.
- Acabou com o seu café. - Me julgou, seguindo até a sala.
- Eu tenho outra condição para isso dar certo. - Sentei no sofá, depois olhei séria para ele. - Não julgue o meu café.
- Matadora de café. - Sentou ao meu lado. - Deveria ser crime.
- Como você é chato. - Peguei o controle.
- Você é complicada e nem por isso estou jogando na sua cara.
- Teoricamente você já jogou.
- Se me beijasse logo não perderia tanto tempo falando, e isso não aconteceria.
Me encostei no sofá, bem confortável, assimilando que ele tinha simplesmente jogado aquela ideia no ar.
- Quando for a hora, te beijo.
- E quando vai ser a hora?
- Você vai saber.
- Como?
Encarei ele, quase rindo.
- Vou estar com a boca na sua, vai ser fácil perceber. - Ele riu, depois encaramos a televisão.
Não me encarou por muito tempo, e pelo jeito que era espaçoso, não me surpreendi nem um pouquinho quando apoiou os pés na mesa de centro, pensei em xingar ele, mas ia ser hipócrita porque fiz a mesma coisa em seguida.
Ninguém poderia me julgar por achar aquilo mega estranho, estávamos simplesmente sentados no sofá, com os pés para cima, bebendo café. Quanto romantismo.
Não era um filme de ação com porno leve, igual ele descreveu, mas parecia estar prestando total atenção na comédia, já eu, estava concentrada na foto da Bella, me perguntando se seria demais colocar aquela foto tão fofa como capa de fundo do meu celular.
Não era por ser minha filha, mas ela era realmente uma criança muito bonita, tipo acima da média, daquelas que na escola com certeza chamaria mais atenção que o desejado, claro que na última parte eu evitava pensar, significava meninos, ou pior, meninas, porque uma menina já era difícil, então duas?
Não, pare de pensar nisso, ela só tem dois anos!
- Você costuma encarar as fotos dela sempre?
Olhei surpresa para ele, estava prestando atenção no que eu estava fazendo, exatamente como eu vinha pensando, ele era bisbilhoteiro.
- Só quando elas são lindas.
- E essa é mesmo. - Sorriu, encarando a foto. - Olha, não é porque é sua filha e eu quero muito causar uma boa impressão, mas ela é realmente uma criança linda.
- Você quer me causar uma boa impressão? - Sorri, o encarando.
- Claro, você precisa se apaixonar primeiro, mostro os defeitos depois. - Riu, me fazendo rir também.
- Ainda bem que você é super sincero.
Passamos a maior parte do tempo falando sobre ele ser sincero desde sempre, e sobre o Mitch brigar muito com ele por não saber esconder reações e sentimentos, e também debatemos sobre a opinião de ser bom ou ruim ser sincero, e depois passamos para uma fofoca super saudável sobre ele achar que um dos policiais que ele tinha conhecido era super falso com ele e que não gostou do fato de um jovem ser o delegado.
Tentei dizer para ele que era realmente uma coisa nova ter um delegado jovem na cidade, e que com certeza ele seria a estrela do momento, mas ele disse que não ligava se era estrela ou não, e que ninguém deveria ficar impressionado.
No fim das contas ele bebeu três xícaras de café preto, e sem açúcar, fiquei questionando a mim mesma se ele era viciado ou algo assim, mas não perguntei, só bebi uma xícara de café com leite - e com açúcar -, e já era muito para mim.
Estava falando sobre meu tempo na cidade, que mesmo em quase três anos muitas coisas eram novas para mim, e ele escutava com atenção, até que parei de falar, fiquei estática, imóvel.
O som da campainha ecoou pela sala, e fiquei apavorada, Justin tinha chegado, eu sabia, já se passavam das cinco e eu não estava esperando ninguém a não ser ele.
Não estava na hora, ele não podia ver o Harry, mas eu também não podia mandar ele embora.
- Você não vai atender? - Franziu o cenho, me encarando como se eu fosse uma estranha.
- Ah...é o Jus, você se importa?
- Depende, vai ficar me chamando pelo nome e ele tem um apelido? - Rolei os olhos.
- Não está na hora de um apelido, você não tem esse direito ainda. - Dei de ombros, e ele sorriu pequenininho, sentindo o meu tom de desafio.
A campainha tocou de novo.
- Vai logo, antes que ele pense que não tem ninguém. - Bateu de leve na minha perna, um gesto para me mandar ir logo.
Levantei e fui até a porta, não tinha escolha, não podia mandar o Jus embora com a Bella e também não podia expulsar meu querido vizinho temporário - que já não era mais temporário -, seria falta de educação dos dois lados.
Parecia que o universo estava conspirando para que Harry conhecesse toda a minha família antes do tempo esperado, como se o mundo me falasse: Viu? Quis afastar o cara, agora ele vai estar na sua vida para sempre, além de trabalhar com você ainda vai conhecer melhor sua filha e o pai dela.
Abri a porta com um sorriso enorme, Bella sempre sorria para mim, se jogando para frente só para eu pegar ela.
- Você se divertiu? - Assentiu, animada. - Mesmo, mesmo?
- Muito. - Olhou para o Jus. - E...tem um presente, eu comprei.
- Ah, você comprou? - Significava que o pai dela tinha comprado.
- É. - Sorriu grande. - Com o dinheiro do J.
- Ela é muito espertinha. - Cerrou os olhos, e me entregou a caixa depois. - Ela disse que é seu sabor favorito.
- Obrigada. - Peguei a caixa.
Fiquei parada na frente dele por segundos, querendo que entendesse que talvez não fosse o melhor momento para entrar, mas...
- Harry!
Assim que a Bella o viu, não pode deixar de falar, Jus olhou para o sofá no mesmo momento, e ele acenou para ela, levantando em seguida.
- Oi, princesa. - Ela ria toda vez que ele a chamada daquele jeito. - Tudo bem?
- Tudo. - Deitou no meu ombro, mas ficou olhando para ele. - Você veio aqui na minha casa?
- Vim te visitar, mas você não estava, então te esperei. - Sorriu grande para ela, estendendo os braços.
Era óbvio que ela ia se jogar para ele, era muito atirada, para qualquer um que a agradasse, e era óbvio também que ele usaria a favor dele, já tinha percebido que pensava que meu ex era um rival, e com certeza estava tentando marcar território, fazendo parecer que estava frequentando a minha casa há meses.
- Harry, é um prazer. - Ele foi simpático, até demais, e estendeu a mão para o Justin, mesmo com a Bel no colo.
- Justin. - Sorriu de volta.
Ele levou as mãos ao bolso, analisando a Bella no colo dele, durou segundos, então se voltou para mim, sorrindo, e senti a pergunta no semblante dele, era algo tipo: por que não me contou sobre isso?
Mas não de um jeito ruim, de um jeito super fofoqueiro e animado, tanto que riu baixo depois de me encarar, e eu não sabia o que seria pior, Justin surtar porque tinha um homem em casa, ou ele amar.
- Ok, acho que você perdeu as boas maneiras, Kay. - Franziu o cenho. - Não vai me convidar para entrar?
Filho da mãe. Ele queria entrar, queria saber quem era o Harry e porque ele tinha tanta intimidade com a filha dele - não tinha, ainda-.
O convidei para entrar, ele estava sorridente, bem mais que o normal, e Harry mantinha a postura séria dele. Por que homens são tão ridículos?
Bella se contorceu para sair do colo dele, nunca durava muito mesmo, depois ficou me encarando, e eu estava com a caixa na mão, queria que eu abrisse, estava descaradamente esperando pela minha reação.
Sorri para ela, e apoiei a caixa na pia, depois abri e Fingi surpresa ao ver quatro capcakes lá dentro, com ganache de chocolate por cima, dos meus favoritos, eu a Bel tínhamos um costume de falar sobre nossas coisas favoritas, por isso ela sabia.
- Uau, Bel, é o meu favorito! - Ela sorriu grande, chegando perto.
- É lindo, mãe? - Ri baixo, assentindo.
- É lindo, obrigada florzinha. - Me abaixei e beijei a bochecha dela.
A palavra "lindo", significava tudo para ela, quando queria perguntar se algo era realmente lindo, se queria saber se algo era bom, se alguém tinha gostado de um presente. Ela usava para tudo.
Pensei que ela se desse por satisfeita, mas não, ficou parada, chegou mais perto ainda e apoiou a mãozinha na minha perna, olhando para cima, Justin e Harry riram. Ela queria que todos nós comessemos o bolinho também.
- Você quer dividir?
- Sim. - Sorriu mais ainda.
Me abaixei e peguei ela, tinha a cadeira especial na mesa, mas ela odiava, queria ficar na mesma que os adultos, e eu não estava com vontade de discutir com ela na frente dos dois, então deixei ela na normal, e ela mal alcançava a mesa quando sentava, por isso sempre deixava uma almofada para ela.
Peguei um prato para ela e deixei um bolinho bem no centro, colocando na frente dela, depois deixei a caixa bem no centro, estava prestes a pegar um para mim, e foi quando ela me lançou um sorrisinho e afastou os cabelos de forma desajeitada que percebi um arranhão entre a bochecha e o pescoço dela, não tão aparente, mas o suficiente para eu ver.
- O que é isso no seu rosto? - Afastei o cabelo de novo e apoiei minha mão no rosto dela, inclinando na minha direção. - Por que tem um arranhão desse tamanho no rosto dela? - Olhei para o Justin no mesmo momento.
- Eu briguei. - Ela disse, com um sorriso no rosto, como se fosse lindo brigar.
- Brigou com quem?
- Levamos ela e a Ruby no shopping, aquele com o parque, foi só um desentendimento. - Olhei séria para ele, o olhar da morte.
- Com quem você brigou? - Perguntei para ela. Crianças não mentem.
- Com um menino. - Sorriu com os lábios. - E eu bati nele!
Ela estava orgulhosa, como se alguém - o querido pai dela - tivesse incentivado a fazer aquilo. Olhei para ele de novo, séria, e sabia que Harry estava me encarando.
- Ela deu um soco nele. - Rolou os olhos.
- Um soco? - Olhei para ela. - Quem te disse que era para fazer isso?
- O J. - Ela disse, calma, apontando para ele.
- Ensinou ela a bater nos outros?
- O garoto bateu nela primeiro.
- Ah, tá, e a sua solução foi dizer para ela que precisava retribuir da mesma maneira? - Perguntei com sarcasmo carregado na voz.
- Ela estava apanhando, não podia deixar barato. - Ri baixo.
- Acontece que não se acaba com a violência, ensinando mais violência para ela. - Sorri, depois pisquei um dos olhos para ela, morrendo de raiva, mas não podia alterar a voz ali.
- E queria que ela apanhasse?
Deixei a postura ereta, encarando ele até o fundo da alma, não me importava o Harry e nem a Bella, a única pessoa no meu campo de visão era ele, e pelo encolher de ombros soube que estava com medo do que eu ia fazer.
Não era aquele o nosso combinado, ensinar ela a bater em outras pessoas, não era daquele jeito que eu explicava as coisas para ela, e o Justin sabia muito bem, porque conversamos muito sobre aquilo, sobre não interferir no jeito do outro ensinar.
- Então quer dizer que foi ao parque hoje, Bella?
De repente, escutei a voz do Harry, e ele sorria para ela de um jeito até engraçado, como se fosse uma melhor amiga, e ela já gostava dele, imagine quando perguntava sobre algo que gostava.
- Eu fui. - Confirmou. - E a minha prima Ruby também.
- Ah, é? E foi legal?
- Foi, tinha um escorrega lá. - De repente parou, e o analisou. - Harry, você gosta de parquinhos?
- Eu adoro. - Sorriu grande. - Levo o Joe sempre, é muito legal. - Ela riu.
- E você me leva? - Eu ia morrer, não de raiva, mas porque ela era muito bonitinha.
- Claro, princesa, quando você quiser é só me dizer. - Piscou para ela, que riu, e depois voltou a se concentrar no bolinho.
- Você faz o que, Harry? - Jus perguntou de repente, o encarando.
Ele o encarou, sorriu com os lábios, como se fosse a pessoa mais importante do mundo, deu de ombros, como se fosse nada, e depois disse:
- Sou o novo delegado da polícia civil da cidade.
Claro, óbvio que ele ia falar com todas as letras, queria impressionar meu ex e ao mesmo tempo colocar medo nele, tão típico, homens.
Justin me observou, fez um semblante surpreso, com sobrancelhas arqueadas.
- Uau. - Murmurou, ainda me encarando, só depois virou para ele. - Delegado, hun? Aposto que vamos nos dar bem, trabalho no jornal da cidade.
- Ah, você é o cara que está sempre por dentro. - Justin sorriu, assentindo.
- Mas estou parado agora.
- Por que? - Harry me encarou. - Aqui é tão nada acontecelândia assim? - Justin riu alto, depois negou com a cabeça.
- Meu pai faleceu recentemente e deixou um negócio no meu nome, estou em um dilema, então...acho que está me tomando tempo.
- Sinto muito...
- Tudo bem, faz uns meses. - Jus deu de ombros.
Não perguntou nada depois, só ficou calado, assistindo a nossa conversa sobre o Justin estar em um dilema sobre tentar ou não seguir com a loja de informática, mas sempre olhava para o Harry, tentando incluir ele no assunto, mas parecia mais preocupado em nos analisar.
O pai do Justin tinha morrido cinco meses antes, foi um choque para ele, ficou mal por um tempo, ia mais para a minha casa e ficava mais tempo com a Bel, um dia confessou que não ficou tão triste pela morte do pai, porque já sabia, ele tinha câncer, os médicos avisaram os familiares, mas ficou triste porque pensou por dias que poderia ter sido ele e a Bella podia ter ficado sem pai.
Eu entendi ele, era meu medo também, as coisas mudam depois de uma criança, principalmente o pensando sobre sua saúde, porque se você não estiver bem, quem cuida do seu filho? Pois é, tínhamos a mesma preocupação.
A Bella sabia quem era o pai dela, se qualquer um perguntasse diria o nome do Justin, gostava muito dele, amava quando ele ligava e dizia que estava indo, era como se fossem melhores amigos, eu gostava da relação que estavam tendo, ela só não tinha o hábito de dizer "pai", mas isso era um detalhe.
- E a Hanna?
Não vou mentir, estava curiosa para conhecer a nova namorada dele, nunca tinha visto, a Bel viu uma vez, mas ela não ficou, Justin disse que estava esperando um pouco para explicar a ela o motivo de ter uma mulher na casa dele, mais uma coisa que pensávamos parecido.
- Trabalhando. - Sorriu ao falar. - Ela só tinha uma cliente hoje...
- É domingo. - Franzi o cenho.
- É uma formatura no meio da semana, atendimento de emergência.
A única coisa que eu sabia era que ela fazia unhas, daquelas acrílicas, ou algo do tipo, pesquisei a página do Instagram dela e pelo o que vi, tinha muitas clientes, e o trabalho dela parecia impecável.
- Então, Harry. - Justin sorriu, e eu estava prestes a gritar, sabia bem o que ele queria. - Como conheceu a Kay?
- No mercado. - Sorriu com o canto da boca.
- Que romântico. - Fez piada, virou o rosto para mim depois. - Você não me disse que estava saindo com alguém, não sabia que também tinha um namorado...
- Não tenho. - Falei rápido, encarando ele para entender que precisava calar a boca.
- Ainda. - Harry se intrometeu.
- Ele disse que ainda. - Sorriu, apontando para o Harry.
- Ele diz um monte de coisas sem cabimento. - Cerrei os olhos para ele.
Justin me analisou por segundos, sorrindo com os lábios, depois encarou o Harry na ponta da mesa, e eles trocaram olhares.
- A quanto tempo estão saindo?
Idiota. Passei a mão nos cabelos da Bella para me acalmar, ela olhou para mim e sorriu, com o bolinho na mão, comendo aos pouquinhos.
- Mamãe, um pedacinho? - Levantou o bolinho.
- Faz pouco tempo.
Escutei a resposta dele e neguei com a cabeça, mais para a fala do que para ela.
- Ele disse que faz pouco tempo.
Encarei ele, estava sendo pior que uma criança, falando aquilo como se eu não estivesse escutando.
- Justin, já chega. - Falei firme.
- Tá. - Levantou as mãos em rendição, encolhendo os ombros. Harry riu, e ele o encarou. - Continua rindo, quando for sua vez vai ver.
E eles riram mais ainda, depois a Bella riu, porque estava achando engraçado o modo como os dois riram.
Justin levantou depois, ficou indignado porque não tinha chá, e Harry disse que era mesmo um absurdo, e ainda contou que ofereci outro dia e depois disse que não tinha, os dois ficaram super indignados e em segundos estavam falando sobre a minha irresponsabilidade com visitas, como se eu nem estivesse ali.
Nem precisei de muito para presumir que iriam se dar bem, apesar da implicância do meu vizinho temporário, dava para ver que não conseguia ser antipático por tanto tempo, não com o Jus contando sobre como sou um desastre e ele precisou contar sobre a caixa de leite no mercado.
Homens. Que ódio.
Justin não se aguentava muito, em segundos já estava atrás da Bella, fazendo ela rir e ameaçando pegar o bolinho dela, mas ela era tão simpática e fofinha que simplesmente olhou para cima, com um sorriso bonito.
- Um pedacinho?
Ela estava oferecendo, e ele riu, negou com a cabeça e beijou o cabelo dela quando olhou de novo para o cupcake que estava tentando comer sozinha.
- Filha, você não prefere que eu corte? - Ele perguntou, franzindo o cenho para o que ela estava fazendo.
- Não, quero sozinha.
Ele fez um semblante surpreso e riu em seguida, ela estava mordendo aos pouquinhos, não queria ajuda, mas se mudasse de ideia, qualquer um de nós poderia ajudar, incluindo o Harry, por enquanto.
- Acho que já vou indo. - Falou, olhando na minha direção. - Mas eu volto, é meio complicado se livrar, você sabe...
- Você não sabe o quanto é horrível. - Fiz piada, fazendo ele cerrar os olhos.
- Tchau, Bel. - Beijou o topo da cabeça dela de novo. - Vou para casa agora.
Ela largou o bolinho, olhou rápido para ele.
- Não, J. - Negou com a cabeça. - E o filme da água? - Levantou as mãos, um gesto para perguntar se ele não ia assistir, e precisei rir.
- Papai precisa ir para casa agora, mas na sexta eu volto de novo, e aí a gente assiste o filme da sereia, eu, você, e a mamãe, pode ser?
Ela pensou um pouco, abaixando as mãos, me encarou e assenti, depois olhou para para Jus, que sorria para ela.
- E o Harry? - Apontou para ele, que deu uma risada baixa.
- Claro, o Harry também, ele está convidado para a nossa programação de sexta. - Sorriu para ela, deixando um beijinho no rosto.
- E...e quantos dias é sexta, pai?
Ele parou, levantou rápido, encarou ela por segundos, e depois me encarou, sorri para ele no mesmo momento, e ele sorriu também, e grande, daqueles sorrisos de quando as pessoas realizam algum sonho, ou algo do tipo.
- Eu...são...são cinco dias, filha. - Chegou mais perto. - O papai volta, tá bom?
- Tá bom.
A resposta foi meio triste, mas ela abraçou ele e deixou um beijo no rosto.
- Foi um prazer, Harry.
Ele estendeu a mão, Harry cumprimentou formalmente e também disse que foi um prazer.
Levei o Justin até a porta, saí com ele, ficamos nos encarando por momento, e do nada, do nada mesmo, ele começou a socar o ar e dizer "isso!", e eu só ria da reação dele.
- Foi natural, não foi? Ela disse "pai".
- Claro, eu vi tudo. - Ainda estava sorrindo pela reação dele. - Você é muito importante para ela...
- E ela para mim. - Deu de ombros, sorrindo para o nada, talvez quase chorando. - Isso é...nem sei explicar, fiquei muito feliz.
- Eu sei. - Ri de novo.
Fiquei encarando ele, emocionado, depois o abracei, e ele abraçou de volta, entre risos, deixando um beijo no meu cabelo, depois nos afastamos, mas ainda perto.
- Kayra. - Falou mais sério. - Não maltrate o Harry, dê uma chance para o cara.
- Que saco. - Rolei os olhos. - Para que isso? Nem sei se vai rolar mesmo.
- Claro que vai, ele parece ser legal, gosta da Bella, gosta de você, qual o problema?
- É que...não sei, sabe? Você sabe.
Ele levou as mãos ao bolso.
- Não é porque os caras anteriores foram babacas, que todos são. - Sorriu com os lábios, tentando me confortar. - Talvez seja a pessoa certa.
Não sei se achei bom ou estranho ele ter usado o mesmo argumento da minha terapeuta.
- Talvez não seja...
- Talvez seja.
- E se não for?
- Tá, mas e se for? - Ficamos nos encarando, ele riu depois. - Vai viver, Kay, não tem nada errado em se relacionar de novo, isso é normal. - Não respondi, e ele estava percebendo a minha defensiva. - Prometa que vai tentar.
- Por que?
- Qual é? Ele é legal, e ainda é policial, trabalha nas mesmas coisas que você, aposto que podem se entender bem. - Continuei o encarando, sem responder. - Só pensa nisso. - Beijou meu rosto. - Te vejo na sexta.
- Tchau. - Acenei sutilmente, e ele fez o mesmo.
Não fiquei muito tempo na rua, apesar da neve estar desaparecendo, continuava frio, abri a porta e escutei murmúrios de conversas, então caminhei bem devagar só para saber do que estavam falando.
- Mas a neve é bonita, não é? Eu gosto de neve. - Foi o que ele disse, próximo a ela, na cadeira ao lado.
- É, mas...mas Harry, lá na minha escola, a gente brinca de água no sol. - Ele riu, encarando ela com um sorriso pequeno.
- Vocês brincam com água no verão? - Ela assentiu, feliz por ele ter entendido. - Por isso você gosta mais do verão?
- É. - Ela sorriu, depois mostrou a mão para ele. - Eu sujei.
Ele pegou a mão dela com cuidado, encarou por momentos e depois levantou rápido, levando ela até a pia, segurando ela com os braços e ligou a torneira, só para ela poder limpar a mão, e riu enquanto fazia, não tinha graça, mas para ela provavelmente tinha, porque não estava acostumada com outras pessoas fazendo aquilo para ela.
Entrei, não ia ficar por muito tempo, ele ajudou ela a secar a mão também, e só me viram quando se viraram de volta, me lançando sorrisos pequenos, só para dizer que me perceberam ali.
Eu conhecia a Bella, assim que levou uma das mãos a boca e esticou a outra, soube que queria colo, mas porque estava com vergonha de pedir uma coisa.
- O que? - Perguntei para ela, querendo que me dissesse algo, eu provavelmente estava imaginando o que queria.
Ficou mais fácil de saber quando escondeu o rosto no meu pescoço e jogou as mãos nos meus ombros, estava com vergonha do Harry, e sorri para ele, que sorria para mim.
- Eu quero mamadeira. - Ri baixo, escutando o sussurro dela.
- A sua mamadeira? Tá bom.
Ela levantou o olhar, depois se escondeu de novo.
- Ah, era segredo. - Pisquei para ele. - Era um segredo? - Ela só assentiu. - Mas o Harry não liga se você ainda pede isso.
- Claro que não, o Joe também gosta. - Ela riu, olhando para ele, mas ainda deitada por cima de mim. - E sou eu quem faz para ele, sabia?
- Faz? - Ela perguntou, vendo ele assentir. - Mãe, o Harry sabe fazer um mamazinho? - Eu ri.
- Se ele está dizendo. - Dei de ombros. - Vamos deixar ele fazer o seu dessa vez.
- O quê? - Perguntou sem entender.
- É, faz parte do seu treinamento. - Comecei a me afastar, até a sala.
- Treinamento de que? - Levantou de repente.
Não respondi, só olhei para ele e dei um leve sorrisinho, nem eu sabia direito o que quis dizer com aquilo.
Sentei com ela no sofá, quando o fim da tarde chegava, ficava mais preguiçosa, me pedia colo e a mamadeira, e depois assistia algo, não queria brincar, só ficar quietinha até dormir.
Fiquei pensando por momentos. Será que seria idiota pensar na palavra "treinamento"? Em teoria, sim, porque eu só disse aquilo porque estava com preguiça de fazer, queria descansar, na verdade.
Veremos se ele passa no teste.
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amantedosfandons · 2 years ago
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6 • Dando o braço a torcer
Fiquei nervosa, arrumei a casa toda durante a semana, contei para a Bel que o amigo dela iria jantar lá e ela ficou mais animada que o normal.
- Filha, lembra que te falei sobre o Harry vir jantar aqui?
- Sim! - Respondeu animada, apoiando os braços nas minhas pernas. - É hoje, mamãe? Hoje é fim de semana? - Ri baixo.
- Sim, filha, hoje é sábado. - Levantei e peguei ela no colo. - Por que não tomamos um banho e ficamos bem cheirosas para mais tarde?
- Mãe, eu posso usar meu perfume do morango?
- Claro, você gosta dele, não é?
- Eu gosto. - Riu, me abraçando enquanto eu subia a escada com ela no colo.
- Quem te deu mesmo?
- Foi a minha vovó Grace. - Sorri e assenti.
Um fato sobre ela, era que sempre foi uma criança bem amorosa, por qualquer coisa ela abraçava, gostava que mexesse no cabelo dela, que beijasse, que pegasse no colo, fizesse carinho.
Gostava de atenção, se sentia especial quando conversava com ela e mesmo que fingindo interesse nas conversas soltas, ainda abria um sorriso e levava a sério, porque não entendia que os adultos não se interessavam por estrelinhas rosas, então, dava valor a quem conversava com ela.
Qualquer um percebia o quanto era apegada em mim e no Justin, ele era um pai bem presente, não aparecia só no fim de semana, saíamos juntos com ela durante a semana, ele ia jantar, tomar café, às vezes buscava ela na escola quando eu permitia, e dava para ver que amava muito ela, e a Bel tinha um sentimento bem forte em relação a ele.
Pagava mais do que a pensão, na verdade, pelo nosso acordo nem precisaria, mas fazia questão, pagava boa parte da escola também, do alimento e ainda mandava dinheiro para ela, enfim, era mesmo um bom homem.
E ele ia surtar quando soubesse que estava saindo com alguém, e não do modo ruim, mas no modo até bom demais, ia se empolgar, querer sair com o Harry, pedir para jantarmos em família, porque o Justin sempre foi ridiculamente exagerado, então, eu ia esperar para contar, só para não assustar tanto o Harry.
Naquele frio horrível não dava para usar nada curto, então peguei minha melhor calça jeans, não skinny, do tipo que ficava um pouco larga, o tecido escondia parte do coturno e pelo menos em casa eu poderia usar um casaco menos pesado, verde musgo, o melhor que eu poderia fazer no meu conforto.
Soltei meu cabelo também, o que era bem ousado já que vivia com ele preso, e fiz uma maquiagem leve, só com gloss para não dar na cara que me arrumei para ele, e também porque ia ficar em casa.
A Bella insistiu na calça preta dela e no moletom rosa de unicórnio, não consegui convencê-la a querer outra roupa, mas o cabelo fininho dela estava solto também, passei o perfume que tanto quis e deixei ela só de meias, das bem grossas para não correr risco de um resfriado depois.
Desci as escadas, liguei a televisão em algum desenho para ela e foi só soltar o controle que escutei a campainha. Verifiquei o olho mágico só por costume.
Abri a porta, e lá estava ele, sorridente, com sacolas na mão, porque insistiu em comprar ingredientes, e na outra...flores?
- Pela porta da frente, dessa vez? - Fiz piada, dando espaço para ele entrar.
- Bom, dessa vez não invadi nada, você me convidou. - Se inclinou, e foi quando percebi que queria me beijar no rosto. - São para você.
Peguei o buquê médio de rosas brancas, eram muito bonitas, me fizeram sorrir involuntariamente, nunca tinha ganhado flores, Justin era do tipo cuidadoso e companheiro, romântico em ocasiões específicas, como em encontros, mas nunca me deu flores.
- Obrigada, são lindas.
- Harry! - Olhamos para trás, Bella de pé no sofá, olhando para nós.
- Oi, princesa. - Ele disse animado, indo até lá. - Tudo bem?
- Você veio jantar aqui na minha casa? - Perguntou, mesmo que já soubesse a resposta.
- Sim, e você, o que está fazendo?
- É o desenho da Little Pony. - Sorriu. - Você quer assistir a Little Pony? - Ri baixo, encarando os dois.
- Na verdade, eu ia cozinhar. - Ela o encarou, confusa.
- Na panela da minha mãe?
Nenhum de nós conteve o riso, e ela nos encarou confusa, sem achar graça nenhuma, queria respostas.
- Bom, sim. - Respondeu entre risos. - Eu posso?
- Não. - Ela riu, respostinha atrevida e implicante.
- Oh. - Ele fingiu tristeza. - E se você me ajudar? Eu posso?
Ela pensou por segundos, o encarando, com as mãos no encosto do sofá, depois me lançou um olhar e um sorrisinho.
- Eu posso, mãe?
Os olhos cheios de esperança me encarando, ele também me encarou, esperando pela minha resposta, e então pensei por segundos.
- Se tomarem cuidado, podem.
Ela comemorou, só faltou o gritinho, e depois esticou os braços para ele, queria que a pegasse no colo, e fiquei nervosa no primeiro momento, não sabia bem o motivo, mas ele se prontificou a pegá-la ali mesmo.
Resumindo, ele tomou conta da minha cozinha, queria ver o que estava aprontando, tinha molho, macarrão, carnes cortadas devidamente, mas pediu para ligar o forno, então, não entendi nada.
E ele não mentiu, realmente deixou a Bella ajudar, ela jogava sal nas coisas, até colocou óleo em uma panela, depois entregou todos os tabletes de macarrão para ele, e estava realizada, depois cansou, voltou a assistir o desenho, depois brincava um pouco, ia mostrar os brinquedos para ele que pareceu muito interessado, e depois ela queria ajudar de novo, assistir ao desenho, brincar, e foi aquilo durante um longo tempo.
Prestei atenção nele pela primeira vez naquele dia, e muita atenção, era alto, bem mais que eu, estava usando uma calça jeans simples, tênis e um casaco preto que tirou quando chegou, depois ficou com uma camiseta de manga longa, preta, e percebi a tatuagem de uma cruz e uma ancora na mão dele, me perguntei se tinha mais.
Depois o rosto, simétrico de frente e de lado, os olhos concentrado enquanto cortava o tomate, e tinha um bigode, não do tipo grande e exagerado, mas eu podia ver os pelinhos crescendo visivelmente, e o cabelo bem cortado também, mas o bigode, aquele bigode me levaria a sérios problemas e...
- Quanto de altura você tem? - Ele sorriu de lado, me encarou por segundos e voltou a salada. Era o meu jeito de interromper pensamentos, conversar.
- Um e noventa. - Credo, o cara um gigante, certo. - Gosta de homens altos ou baixos? - Engoli em seco.
- Altos. - Pensei melhor. - Bom, mais altos que eu...
- O Justin é alto? - Franzi o cenho.
- É, mas ainda é mais baixo que você.
- Ótimo, ganhei dele, já pode descartar esse aí. - Ri baixo.
- Já disse que ele não é concorrência.
- Eu sei, só estou brincando com você. - Tocou minha bochecha rapidamente e foi até o forno. - Agora falando sério. - Tocou o vidro, sentiu o calor e saiu, voltando a panela. - Tem concorrência, ou não?
Eu não queria parecer careta, não saia com ninguém, óbvio que ele sabia, mas também não queria parecer idiota, então pensei em alguém.
- Tem. - Ele me olhou surpreso.
- Quem vou ter que derrotar?
- Apollo. - Ele riu.
- Pode descartar só pelo nome. Ok, próximo?
- O quê? Não! O nome Apollo é lindo. - De verdade, eu gostava do nome, não gostava do meu colega de trabalho, mas achava o nome bonito.
- Vou fingir que não está elogiando o nome de outro homem. - Rolei os olhos. - Você acha ele bonito?
- Acho. - Falei a verdade, ele me encarou.
- Olha, garotinha má, vamos brigar.
- Você está me perguntando! - Falei entre risos.
- É para mentir, Kayra, por Deus. - Riu. - Agora é sério, está fazendo para implicar ou acha ele bonito mesmo?
- Eu acho ele bonito mesmo. - Falei sério, sem rir. - Mas não daria certo, não vejo ele assim.
- Por quê?
- Ele até é legal, mas só fala de trabalho, é meio obcecado com o departamento dele.
- Não falar de trabalho, anotado. - Ri de novo, rolando os olhos.
- Não, você pode falar, só...não o tempo todo, sabe? Existe a hora certa para tudo. - Assentiu. - E você? Saí com muitas mulheres?
- Não. - Ele estava sério. - Eu realmente não saio, queria que fosse mentira, mas não é.
- Está brincando, não é?
- Por que eu estaria?
Porque ele era lindo, de verdade, carismático, simpático, tratava as pessoas bem ao que parecia, o sorriso era lindo, os olhos eram lindos, o cabelo era lindo, o jeito dele era atraente, e o bogodinho dele era...bom, era uma coisa de nada, só um detalhe que passava batido, não me importo com isso.
- Sei lá, parece do tipo que sai bastante.
- Não são todas que chamam atenção. - Fiquei tensa, eu chamei atenção dele? - Você beija bem?
- O quê? - Acordei do devaneio, verifiquei a Bella na sala, e depois o encarei.
- Perguntei se beija bem.
- Como vou saber?
- Ué, como não sabe?
- Eu nunca me beijei!
- Ninguém nunca te disse?
- Não!
- Que idiotas. - Rolou os olhos. - Eu te falo depois se beija bem ou não, pode deixar, não se preocupe. - Negou com a cabeça, fazendo uma careta, como se fosse me fazer um grande favor.
- Você...o quê?
- Eu te beijo e depois te falo, sem problemas. - Deu de ombros.
- Não vou te beijar. - Falei baixo.
- Vai sim, é a regra do primeiro encontro, não pode me deixar sem um beijo. - Falou baixo também.
- Eu não quero!
- Eu te algemo!
Paramos de falar, tudo ficou em silêncio, ele arregalou os olhos, percebendo o que disse, depois me encarou, segurando o riso.
- Eu juro que não pensei. - Se defendeu rápido. - Dessa vez não foi intencional, eu juro!
- Seu...pervertido. - Bati no ombro dele. - Não vai me algemar nunca. - Fiquei um pouco irritada.
- Não mesmo, não é o meu tipo de sexo. - Deu de ombros, abri a boca em um perfeito "O". - Mas se pedisse, eu faria. - Sorriu de lado.
- A minha filha está bem ali. - Bati nele.
- Aí, porra! - Sussurrou entre dentes. - Não bate!
- Cozinhe!
- Oh, coitada, ela pensa que manda. - Disse enquanto eu saia da cozinha. - Kayra, volte aqui!
Não voltei, o encarava disfarçadamente, percebia ele me encarando sempre que podia, mas não era por raiva, fiquei com vergonha de verdade, era como se ele me deixasse sem saber o que fazer, tipo, o tempo todo.
Nosso jantar até que foi bem divertido, pegou uma travessa, despejou uma camada de molho branco, macarrão, a carne cortada em cuninhos, depois queijo e levou ao forno, disse que era como uma lasanha, só que de macarrão.
Não era ruim, era muito bom, na verdade, se saiu bem cozinhando, não foi atoa que se garantiu tanto.
Ficou surpreso quando a própria Bella pediu pela salada, e ela gostava daquilo de verdade, e de frutas, nunca obriguei ela a comer nada, mas desde bem pequena me via comendo, e queria fazer igual. A diferença do prato dela para o meu, era que eu precisava cortar as coisas em pedacinhos pequenos, mas ela insistia em fazer sozinha.
As pessoas poderiam achar muito estranho, mas ela não se sujava muito, não era uma criança que gostava de se sujar enteira enquanto comia um sorvete, por exemplo, então não tinha muito problema, ela já era bem independente para a idade que tinha.
Depois fomos até a sala, pediu desculpas por ter esquecido a sobremesa, e eu ri, porque ele ia tinha feito o jantar inteiro, e estava chateado por não ter uma sobremesa?
Ainda tinha um pouco de brownie e cookies.
Não era exatamente eu quem exigia um horário para ela dormir, a questão mesmo era que ela não aguentava muito tempo, dormia às nove, o máximo dela era nove e meia, já se passava daquilo e já tinha ficado constrangedor nossa programação de sábado ser um jantar e filme de pôneis, mas ele não parecia se importar.
Olhei para ele de canto de olho, e encarei o gesto, um carinho delicado na panturilha dela, que encostava nele pela proximidade, concentrado na televisão, e depois olhei para ela no meu colo. Não queria fazer nenhum movimento brusco, então fui levantando devagar, com ela no colo.
Bella tinha uma boneca na mão, mas não soltou, o que significava que o sono não estava tão pesado, e como eu sabia? Sempre foi um truque certeiro. Enquanto estivesse com o objeto na mão, mesmo dormindo, significava que o sono não estava tão pesado, mas quando soltava, significava que era seguro deitar ela na cama e sair.
Comecei a caminhar bem devagar, mas não em direção a escada, mas em círculos, somente passos leves pela sala.
- O que está fazendo? - Sussurrou.
- Fazendo com que durma.
- Mas não dormiu? - Ri nasalmente.
- Ainda não.
Ele ficou obsevando, de pé, bem pertinho de mim, olhava mais para ela que para mim, podia jurar que estava sorrindo, mas era minimamente, estava concentrado de verdade.
Não durou tanto tempo, logo escutamos o baque da boneca caindo no chão.
- Agora sim. - Sussurrei, sorrindo para ele.
Não era a minha intenção que me seguisse até o andar de cima, mas não dava tempo de xingar ele. Abri a porta com uma das mãos, mesmo segurando ela, porque mães tinham sim o poder de fazer várias coisas ao mesmo tempo, nunca foi um erro afirmar.
Deixei ela na cama com cuidado, com o coelho de pelúcia logo ao lado porque eu sabia que sentiria falta durante a noite, cobertor, luz noturna e um aquecedor bem leve, depois a porta não totalmente fechada, só encostada caso precisasse de algo.
- Foi você quem montou a decoração do quarto dela?
- Foi. - Sorriu largo.
- É bonito. - Olhou para o outro lado do corredor. - E o seu quarto?
- Ainda não chegou nesse nível, sinto muito. - Bati levemente no ombro dele. - Por enquanto é só cozinha, sala e banheiro para você. - Me seguiu pelo corredor.
- Eu só queria ver...
- Precisa merecer para ver. - Escutei ele rindo.
- Quer vinho?
- Não tem vinho. - Falei como se fosse óbvio.
- Tem, eu trouxe.
Fiquei em choque por um momento, mas não recusei, avisei que as taças estavam na cristaleira e fui para a sala, sentando no canto do sofá, no lado mais confortável.
Apareceu com as taças, foi rápido, a rolha do vinho já não existia mais, e depois que preencheu as duas, me entregou uma delas.
- Então... - Comecei, se era para conhecê-lo, eu tinha direito a perguntas. - Você sempre quis ser delegado? Como é isso? Parece ser tão jovem.
Sorriu de lado, não do modo sem jeito, do modo galanteador sem esforço, natural, só ele, passando um braço pelo sofá e o apoiando no alto, de frente para mim.
- Comecei a cursar direito só porque consegui uma bolsa, totalmente sem querer, nem estudei de verdade. - Deu de ombros. - Sempre tive um pé na polícia, meu pai conhece muita gente do exército, e um dia, abriram um edital de prova para investigadores. - Ocorreu uma pausa por ele estar bebendo vinho. - Eu fiz, passei e virei investigador, depois disso só subi.
- Que idade tem mesmo?
- Vinte e sete.
Assenti, o aprovando, não por não ser tão mais velho, mas por parecer jovem mesmo com quase trinta. E era o delegado mais jovem que eu já tinha conhecido em toda a minha vida.
Estava a julgar nossa situação, ainda não sabia se ia ser bom ou ruim trabalhar com ele.
- E por que o Canadá?
- Uma coisa chama a outra, meu irmão mora aqui, surgiu a oportunidade e tentei, não sabia se ia mesmo aceitar, teria que ir embora de casa, mas nunca fui muito apegado, gosto de coisas diferentes.
- Legal. - Sorri leve, depois bebi um pouco. - E vai ficar na casa dele para sempre? - Ele riu do meu deboche.
- Não, estou pensando em ir para um apartamento temporário, até minha casa ficar pronta.
Uau, ele era jovem, bonito, trabalhador, pelo visto bem inteligente e pelo o que entendi no momento, mandou fazer uma casa.
- Gosta de ser policial, então?
- Gosto. - Sorriu. - E você? gosta do que faz?
- Muito, gosto de ajudar as crianças...
- E sobre o seu terror noturno? - Parei de falar, fiquei com...medo? Odiava falar sobre o terror noturno. - Tem conseguido dormir?
- Mais ou menos. - Corei, e dei de ombros.
Tudo bem, eu podia parecer a pessoa mais segura de todas, mandando ele ir se foder e mostrando para o mundo que não ligava para nada além da minha filha, nada me abalava, certo?
Errado.
O terror noturno me abalava, eu tinha medo de machucar as pessoas, de me machucar muito qualquer dia, eu tinha vergonha de ter aquela condição, de contar para os outros, nem sabia explicar o motivo de ter contado para ele.
- Tudo bem, e sobre o beijo?
- O quê?
- An? - Franziu o cenho.
- Você disse...
- Quem disse o que?
- Sobre um beijo...
- Beijo? - Levou a não ao peito, dramaticamente. - Quem disse isso? - Olhou ao redor.
- Para de ser palhaço. - Evitei rir, mas não tive sucesso.
- É bom te escutar rir, não parece mais aquela mulher tão séria. - Rolou os olhos. - Como conheceu a Michelle?
Ele simplesmente fingiu que nunca tinha mencionado a palavra "beijo", então fiquei pensando se disse aquilo e me fez rir depois só para esquecer meu constrangimento sobre terror noturno. Não seria possível, seria?
Não, ele só tentou algo, não conseguiu, e simplesmente parou, era enxerido e atrevido, perguntaria a qualquer hora do terror noturno.
- Me mudei quando estava grávida, ela percebeu que eu morava sozinha, então me convidou para um café um dia, e viramos amigas. - Dei de ombros. - O Joe já tinha quase dois anos, então foi bom conhecer alguém que também tinha acabado de descobrir como era ser mãe pela primeira vez...
- E é bom? - Sorriu com os lábios, esperando pela minha resposta óbvia.
- A verdade? É trabalhoso, mas vale a pena. - Percebi que estava sorrindo, era o efeito de falar da Bella. - Tudo muda depois um filho.
- Tipo o que?
Comecei a pensar. Não o julguei, não tinha filhos, não tinha como saber, a sensação de ser capaz de fazer qualquer coisa por eles existia de verdade, não era brincadeira, só senti aquilo depois que tive minha bebê.
- O medo de morrer. - Ele estava me observando atento, talvez tentando entender. - Pelo menos para mim, tipo, antes, quando eu era mais nova, antes de ter ela, eu pensava que a vida iria acabar um dia, sinceramente? Não tinha medo que acontecesse algo comigo, ia para todos os lugares sem receio, fazia coisas que podia me matar, tipo um coma alcoólico. - Ri baixo, adolescentes tem uma mente absurda. - Mas depois que tive ela, comecei a pensar melhor. E se alguma coisa acontecer comigo? Quem cuida dela? Vai ficar uma mãe, não posso ir embora, preciso estar inteira por ela. - Suspirei, e me apoiei totalmente no sofá. - Talvez você não entenda a diferença, também não sei explicar muito bem...
- Eu entendi. - Assentiu devagar. - E tem razão, não tenho medo de morrer, por isso decidi que ser policial era uma boa, mas nunca tive ninguém dependendo de mim, então...há uma diferença.
O silêncio tomou conta depois daquilo, não era exatamente constrangedor, era até tranquilo, ótimo não precisar falar o tempo todo e ainda assim o clima não ficar ruim, deixei a cabeça cair e ela bateu de leve no encosto do sofá, estava cansada da minha semana, talvez só o sábado não compensasse.
Vi quando ele apoiou a taça na mesa de centro, e também percebi quando levantou, então o encarei, tentando entender qual ia ser a tentativa da vez.
- Já é tarde, você parece cansada. - Sorri minimamente, constrangida por ter expulsado ele em silêncio.
- Pode ficar, não tem problema.
- É melhor não. - Falou rápido, mas nunca deixando de me encarar. - Conforme os encontros forem acontecendo, podemos adquirir um hábito de ficar até mais tarde, o que acha? - Sorriu grande, me fazendo rolar os olhos, mas sorrir.
- Pode ser. - Levantei depois, e apoiei a taça na mesa de centro. - Porta da frente?
- Não seria tão prático quanto sair pelos fundos.
- Imaginei que essa fosse ser sua escolha.
Rimos por um momento, depois esperei até ele pegar o casaco de volta e se vestir com ele, e então o levei até a porta dos fundos.
Abri a porta, e ele saiu, mas se virou de novo, ficou me encarando, mas não de um jeito ridículo que as pessoas faziam quando ficavam querendo competir com o outro, mas era como se ele estivesse olhando para mim de verdade, e aquilo me deixava até intimidada, ter ele me analisando de perto era um pouco assustador para mim.
- Podem ser duas opções. - Sussurrou.
Franzi o cenho, não pareceu falar comigo, foi como se o pensamento estivesse saindo pela boca.
- O quê? - Ele abriu um pouco mais os olhos, como se tivesse saído do transe. - O que são duas opções?
- Ou você é submissa, ou medrosa.
- O quê?
- Da para ver o medo no seu olhar, está insegura, estranha desde que te conheci, e pelo o que andei observando de longe...
- Espera, uma pausa. - Estiquei minha mão como um gesto que pedia para parar. - Andou me espionando?
- Não, eu só te vejo pela janela.
- O que você vê?
- Você sorrindo o tempo todo, você saindo do banho às vezes, brincando com a Bella, nunca parece séria, então deve estar acontecendo alguma coisa para...
- Espera. - Suspirou porque o interrompi novamente. - Me viu saindo do banho!?
- Sim. - Sorriu grande. - E quase te vi pelada uma vez, mas você fechou a janela. - Rolou os olhos.
- Aí meu Deus! - Eu estava em choque.
- O que? Eu estava em casa, você saiu de toalha e...
- Seu psicopata!
- Não. - Disse sério. - Não isso, não diga essa palavra.
Todo o humor sumiu dele, pareceu realmente ofendido por ter sido chamado daquilo, era quase como se estivesse triste também.
- Desculpa. - Deu de ombros.
- Era brincadeira, só te vi de toalha uma vez, mas tive que sair, foi de relance.
- Desculpa...
- Não pede desculpas.
- Mas eu fiz uma coisa que não gostou.
- E você entendeu, não precisa ficar pedindo, não tem culpa nisso.
- Você é do tipo sensível?
- Você é do tipo metida? - Rebateu.
- Você é do tipo chato?
- Você é do tipo gostosa?
Abri a boca em um perfeito "O", o jeito dele de ganhar não era justo, era constrangendo as pessoas. Trapaceiro.
- Sim, na verdade. - Dei de ombros, mentindo, é claro. - Mas você nunca vai ver nada, porque é um cretino. - Pisquei um dos olhos.
- Pode ser que eu seja mesmo. - Fiquei impressionada com a revelação. Então ele chegou perto. - Em um lugarzinho bem específico. - Piscou um dos olhos.
- Você não tem nem um pinguinho de vergonha? Mal me conhece e está falando sobre sexo!
- Ah, meu Deus, sexo virou uma revelação imapctante. - Levou as mãos ao rosto, dramaticamente. - Todo mundo já fez. - Deu de ombros.
- Você é sempre assim? Fala o que aparece na sua mente?
- É curioso, mas não. - Pareceu pensar. - Sou bem sério no trabalho.
- Ok, e você vai para casa, ou não? Está frio, te disse que podia ficar.
- Ah, não, vou para casa. - Sorriu. - Até amanhã.
- Amanhã? - Estava caminhando em direção a escada.
- É, passo aqui umas três.
- Eu não te convidei...
- Sim, pode ser café. - Sorriu. - Obrigado pelo convite, eu adorei.
Ele iria, sim, aquele mal educado, aquele...vizinho bonito? Não, quer dizer, sim, até tinha uma beleza ali, mas não significava que queria ele o tempo todo na minha casa.
*     *     *
Pensei que estava tendo um sonho ruim, o plano era gravar o diário ma noite anterior, mas não fiz, só fui dormir depois de arrumar a cozinha e a sala, aparentemente tinha perdido o sonho.
Estava deitada na cama, olhei para as cortinas e já era dia, podia ver a claridade, pensei que não tivesse saído da cama a noite toda, mas a porta estava aberta, então comecei a verificar meu corpo, sabia que teria um machucado, e o encontrei.
Um corte no antebraço, não fundo e também não muito grande, eu deixava o aquecedor do quarto ligado o suficiente para usar so uma camiseta quando dormisse, e o frio que eu estava sentindo se explicava pela porta aberta, e o sangue ter secado tão rápido também.
Cravei meu rosto no travesseiro e abafei meu grito de ódio, lembrando na noite anterior, quebrei o vaso perto da porta dos fundos, tudo veio a toda naquele momento.
Não se passaram nem cinco minutos e escutei passos rápidos no outros quarto, fechei os olhos para fingir que estava dormindo e tentar ser uma mãe normal, e então vi os cabelos bagunçadas pouco acima do colchão, e depois ela subindo na cama com certa dificuldade, mais dormindo que acordada, e então passou o corpo por baixo do cobertor e virou as costas para mim, abraçando o coelho.
Não era uma novidade, às vezes ela despertava cedo demais e ia para a minha cama, tentar dormir novamente, mas eu estava sempre de olho.
Suspirei, fechei os olhos para tentar dormir de novo, mas meu celular vibrou debaixo do travesseiro. Peguei o aparelho com certa dificuldade, e com os olhos cerrados, observei o nome do Justin.
- Oi. - Falei e bocejei depois.
- Oi, estava dormindo?
- Hum, sim? É cedo.
- Já são dez. - Riu.
- Cedo para um domingo. - Rebati, era mesmo.
- E a Bella?
- Bem ao meu lado.
- Alguma chance de ela acordar se você contar que o papai quer levar ela para passear hoje? - Sorri, olhando para ela.
- Ela vai adorar. - Informei, verificando se estava mesmo dormindo. - Aonde?
- Pensei em levar ela para almoçar e depois passar a tarde com a minha mãe, minha sobrinha vai estar lá.
E como a Bella gostava da Ruby, meu Deus, o irmão do Justin era legal, mas esnobe demais, gostava de coisas bregas e as roupas dele gritavam um "sou rico e exagerado", era agrônomo, nunca entendi muito bem, mas sabia que vendia coisas para outros países, Jeff sempre gostou de falar sobre o que fazia, já a esposa dele, Glenne, nunca foi de falar muito.
- Tudo bem, ela vai.
Era certeiro que aceitaria, acordaria animada, gostava de sair com o pai dela.
A abracei bem forte, sentindo o cheirinho de bebê que ainda tinha, e ela riu.
- Danadinha, estava me enganando! - Riu mais ainda quando comecei a fazer cócegas.
- Vou passear com o J?
Era muito esperta, me surpreendia às vezes, me sentia a pessoa mais ultrapassada do mundo quando ela mesma dizia que uma cor não combinava com a outra, surpreendentemente ser mãe de uma menina vaidosa dava trabalho.
- O seu pai disse que vocês vão ir almoçar, e depois... - Sorri largo, observando a reação dela. - Voc�� pode ir brincar com a Ruby.
- A minha prima? - Assenti. - Eu quero, mãe. - Ri, porque já sabia a resposta.
- Então vamos preparar as suas coisas.
- Na minha mochila rosa.
Não foi um pedido, e sim uma exigência. Sempre separava roupas extras para ela, a mamadeira e algum brinquedo que escolhesse.
- Mãe, quando eu for grande posso ser bailarina?
Encarei ela por segundos, enquanto arrumava a mochila do jeito que pediu, e ela ainda me ajudava, dizendo que eu precisava de ajuda, me fazendo rir.
- Por que você quer isso?
- Porque a Ruby é. - Claro, a prima dois anos mais velha era bailarina.
- Mas você pode ser também. - Sorri para ela. - Se quiser mesmo. Você é um bebê, mas...
- Não, mãe, bebê não. - Me interrompeu, totalmente séria.
- Mas você não pode ser uma coisa só porque outra pessoa é, filha, precisa querer mesmo. - Queria explicar para ela da melhor maneira possível. - Do que você mais gosta?
- Hum... - Escondi o riso quando levou o dedo indicador ao queixo, pensando. - De água!
- Água?
- Sim, sou uma sereia, igual a Beth!
- Mas...quem é Beth? - Tentei lembrar de alguma amiga dela, mas não consegui.
- A minha boneca.
Então lembrei, Harry deu nome a todas as bonecas dela, e ela gostou da ideia, não esqueceu aquilo, na verdade, ela sabia o nome de todas, graças aquele...aquele...homem!
O Justin apareceu uma hora depois, não ficou muito, pegou as coisas dela e os dois saíram com os maiores sorrisos que já tinha visto. Às vezes eu ficava parada na porta, olhando até o carro desaparecer, era tão bom ter ele por perto, era um bom pai, um bom amigo, e eu o amava, mesmo que não românticamente, na verdade, sempre amei ele.
Eu podia fazer qualquer coisa, assistir uma série, ler um dos meus livros, mas decidi prender meu cabelo e começar a arrumar a casa, não porque eu gostava, mas porque arrumar a casa me acalmava, e eu ficava conversando sozinha, mas meio que com Deus.
Eu sabia que era com Deus, mas de vez em quando parecia que estava falando sozinha e esquecia que estava falando com ele. Tá bom, era idiota falar com um cara invisível, né?
Não era tão ridículo para mim, me fazia bem, e desde que comecei a conversar com ele, e bom, eu o chamava de ele como se o visse, mas sentir já era o suficiente, a questão era que desde que comecei a conversar, minha ansiedade sobre dormir tem diminuído.
Comecei com o hábito junto da terapia, e antes eu tinha os episódios de terror noturno todos os dias, de segunda à segunda, e então diminuíram para seis, para cinco, quatro, e por último, três vezes na semana, a terapia ajudou, mas acreditava mesmo que Deus também.
Nunca fui religiosa ou algo do tipo, nem frequentava uma igreja, mas também acreditava que se as pessoas tivessem algo para crer, fosse Deus ou qualquer coisa, desde que sentissem de verdade uma energia e um sentimento bom, então aquela coisa faria diferença sim.
Depois de algumas horas, recebi a foto mais adorável de todas, uma das que eu com certeza mandaria revelar. Bella com um cupcake razoavelmente grande na mão, com um sorriso enorme.
O Jus respeitava bem a minha regra sobre nada de doces antes do almoço, fiquei feliz por receber a foto durante a tarde e reconhecer a casa da mãe dele.
Guardei o celular no bolso da calça, estava com duas caixas de sapatos na mão, pronta para jogar fora, mas alguém bateu na porta.
Paralisei, não era a porta da frente, porque eu estava bem na frente dela. Era a dos fundos, e só tinha uma pessoa que costumava gostar mais de entrar por lá.
Meu Deus. Pensei. Puta que pariu, a casa está péssima, nem para o meu quarto eu poderia levá-lo, a quantidade de roupas sujas...
Espera. Por que eu pensei no meu quarto?
Fiquei desesperada, por sorte comecei pelo banheiro, a sala razoável e tinha louça na pia da cozinha. Droga. Ok, fiquei nervosa? Sim.
Abri o armário ao meu lado e joguei as duas caixas ali, corri para a  cozinha e escutei a batida dele de novo, lavei o copo e o deixei escorrendo, tinha mais um prato, mas ele bateu de novo.
- Já vou!
Gritei, só para ele escutar, não foi um grito de raiva nem nada do tipo, pareceu pareceu desesperado, na verdade. Lavei o prato com toda a rapidez, o deixei com o copo e enxuguei minha mão no pano de prato.
Vamos a verdade? Eu esqueci do que ele tinha dito, não lembrei que tinha simplesmente se convidado e também não pensei que fosse sério, mas vindo dele eu já deveria saber.
Estava péssima, uma calça de moletom velha, minhas pantufas azuis, uma camiseta branca com um cardigan branco por cima e meu cabelo amarrado, eles já eram esquisitos ao natural, mas se eu soltasse, ficaria pior.
Corri para abrir a porta, era a única opção.
- Oi. - Ele sorriu. - Estou atrapalhando?
Ótimo, ele analisou a minha situação, então, ele provavelmente percebeu que eu estava limpando a casa. Uma ótima impressão para um homem que nitidamente quer fazer sexo com você.
- Sim, na verdade. - Sorri, ele riu.
- Tá. - Entrou em seguida.
Eu não o convidei, nem abri a porta para ele entrar, ele simplesmente foi entrando, fazendo eu me  afastar por necessidade.
Ele era um intruso, não se importava nem um pouco se uma pessoa estava o mandando ir embora, só entrava, com um sorriso, e ria quando percebia que eu estava realmente irritada.
- E a Bella?
Foi a primeira coisa que perguntou, sobre a minha filha, não sabia exatamente se estava tentando me conquistar, ou se importava mesmo.
- Saiu com o Jus.
- Ah. - Disse, entrando na cozinha. - Está sozinha?
- Até as cinco, sim.
Passei por ele, peguei o pano, mas não tinha exatamente um motivo, só estava nervosa, sempre ficava nervosa quando a questão era outro homem, até na adolescência, com o Justin, e depois também.
- O fim de semana dele não era o próximo? - O encarei, parecia curioso.
- Ele não aparece só nos fins de semana dele, gosta de levar a Bel para passear sempre que pode.
- Que bom pai, ele é. - Pareceu debochar.
- Ele é, sim. - Falei séria, o defendendo, porque era mesmo um bom pai. - Sinto que nunca vou encontrar um melhor. - Rebati, ele sorriu.
- Talvez não mesmo. - Olhou pela janela. - Agora me fala, que lugarzinho frio esse que vocês moram. - Se encolheu no casaco.
Baixei a guarda, porque ri, ele era engraçado com os gestos e caretas dele.
- Você se acostuma. - Me encostei no balcão. - Muitos casos na nada acontecelandia?
- Nada quem?
- Nada acontecelandia, é como chamo a nossa cidade. - Dei de ombros. - É muito difícil algo acontecer aqui, a ponto de virar notícia. - Dei de ombros.
- Até que é uma cidade bem tranquila. - Concordou, olhando ao redor, depois me encarou, eu estava com os braços cruzados. - Meu Deus. - Sussurrou, e franzi o cenho.
Demorei parra entender, até que olhei para a manga do cardigã, que escorregou para cima e deixou meu braço cortado amostra.
Baixei a manga no mesmo momento, e descruzei os braços.
- Quem fez isso com você? - Se aproximou, tentando pegar meu braço, mas afastei.
- Eu mesma. - Ele me encarou.
- Fez isso dormindo? - Assenti. - Kayra, é um corte imenso...
- Para, não é tão grande assim.
- Como fez isso? Em que móvel? - Olhou ao redor.
- Eu não sei, também achei estranho, não tinha nada quebrado quando acordei.
- Tá. - Suspirou, parecia apavorado. - Vamos procurar.
- Como assim procurar?
- É, procurar, e então eliminamos a coisa, podia ter sido seu rosto, poderia ter sido mais grave ou...sei lá.
Ele só me encarou, por segundos, e começou a perambular pela casa, procurando por qualquer coisa que parecesse no mínimo perigosa.
Mas a minha mente só pairava no Justin conhecendo o Harry.
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amantedosfandons · 2 years ago
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Masterlist • Por Todo O Meu Amor
Capítulo 1 Capítulo 6 Capítulo 11 Capítulo 16
Capítulo 2 Capítulo 7 Capítulo 12 Capítulo 17
Capítulo 3 Capítulo 8 Capítulo 13 Capítulo 18
Capítulo 4 Capítulo 9 Capítulo 14 Capítulo 19
Capítulo 5 Capítulo 10 Capítulo 15
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amantedosfandons · 2 years ago
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5 • McDonald's
Ir ao McDonald's não era exatamente uma programação muito adulta, mas eu conhecia um lugar que não estaria lotado naquela hora, e estava a dias com vontade de comer hambúrguer.
Não pensei que ele fosse realmente aceitar um convite tão ridículo, mas lá estava ele, o vi descer do carro e abrir a carteira para pagar o motorista, depois fechou a porta e levou as mãos ao bolso, escondendo elas do frio, e continuou caminhando em direção ao restaurante, com o semblante sério.
Fiquei observando ele, atentamente, pela primeira vez. Era sempre sério, postura ereta, olhava atentamente para tudo e tinha algo no olhar dele que não me enganava, algo familiar. Mas familiar de onde?
Me fiz aquela pergunta até ele entrar, tirando a touca preta da cabeça, pelo visto, tinha uma coleção delas, aposto que uma de cada cor. Sorriu leve quando me viu, apenas para me dizer que me percebeu ali e que estava indo.
Só sentou no banco a minha frente, olhou ao redor, e depois apoiou as costas no banco, como se tivesse chegado a conclusão de que ali era um lugar seguro. Esquisito.
- Então quer dizer que prefere o McDonald's ao invés de uma festa? - Foi a primeira coisa que disse.
- Bom, é mais calmo. - Dei de ombros.
- Bom, na festa a comida é de graça, aqui vai precisar pagar. - Riu baixo, depois me encarou, parando de rir, percebendo que não achei graça. - Não gosta muito de pessoas?
- Eu gosto, só que...sei lá, muitas delas no mesmo lugar, não. - Dei de ombros. - E você?
- Não ligo para isso, muita gente, pouca gente, ninguém. - Deu de ombros. - Qualquer coisa é ótima desde que tenha um lugar para dormir e comida. - Ri nasalmente.
- Você é do tipo que não se estressa com nada?
- Meu trabalho já é estressante por si só, não preciso fazer isso com a minha vida também.
- E no que você trabalha para ser tão...
- Vocês vão querer pedir? - Olhei para cima, uma garota jovem, mascando chiclete com toda a força de vontade que tinha. - Só atendemos no balcão, mas só tem duas mesas cheias, então aproveitem. - Disse enquanto anotava algo no bloco.
Realmente, eram apenas eu, ele, e uma família bem ao longe. Ela me encarou depois, como se fosse a coisa mais cansativa do mundo precisar esperar pelo meu pedido.
- Pode ser um hambúrguer simples, e milkshake de chocolate, no copo médio. - Sorri, mas ela não fez o mesmo.
- Pode ser o mesmo para mim. - Ele disse depois.
Ela anotou tudo com o semblante mais infeliz do mundo, e saiu andando. Era de duas a uma, ou ela precisava muito do dinheiro, ou alguém a obrigava a fazer algo da vida e não ficar parada. Desconfiei muito da primeira hipótese.
- Acha que ela gosta de trabalhar aqui? - Perguntei, só para ter uma segunda opinião e não parecer tão louca.
- Com certeza não. - O encarei, estava sorrindo de novo. - Então, sobre o nosso encontro. - Franzi o cenho, e ele juntou as mãos. - Não pensei que o primeiro fosse partir de você, e...é muito antirromântico, para ser sincero. Eu te levaria a um lugar melhor que o McDonald's, mas estou feliz que finalmente deu o braço a torcer. - Sorriu, por fim, um sorriso grande e vitorioso.
- Não, não, não. - Ri baixo, balançando a cabeça. - Você entendeu errado, isso aqui não é um encontro.
- Ah, não é? - Neguei com um gesto. - Então o que é? Para que me chamar aqui?
Certo, ele estava me colocando contra a parede, e não de um jeito bom, como nos filmes de romance, não que eu quisesse algo do tipo.
Eu o chamei, sabia que aceitaria, na verdade, ele era o único que aceitaria e o único que chegou mais perto de me impressionar no quesito saber que tenho uma criança e ainda insistir.
A verdade? Eu mesma não sabia o motivo de ter chamado ele.
- É uma reunião entre mãe e babá. - Franziu o cenho. - Como a Bel se comportou?
- Muito bem, ela é uma boa menina. - Suspirou, cruzando os braços. - Muito educada e boazinha, o que me faz constatar que não puxou a mãe, então, o pai só pode ser muito gente boa.
- Ah, meu Deus. - Soltei uma risada sarcástica. - Ele é mais sociável, na verdade. - Pensei alto. - Mas é igualzinha a mim quando era pequena.
- Kayra. - O encarei, ele estava sério. - A garota tem os olhos azuis, não tem nada a ver com você!
Precisei rir, genuinamente, e ele sorriu, percebendo o que fez. Realmente, a Bella era igual ao pai, tudo nela, até o cabelo claro de quando ele era pequeno, não aquele loiro típico, mas um pouco mais claro que o meu, que nunca foi muito escuro, mas também não tão claro como o dela, e meus olhos vinham de um castanho intenso, quase preto, realmente nada a ver.
- É isso que as mães passam. - Me joguei na cadeira. - Todo o sofrimento para sair uma fotocópia do pai, é sempre assim. - Rolei os olhos.
- O que tem na sua mão? - Franziu o cenho, tentando pegar, mas eu afastei antes.
- Bati sem querer.
Ele ficou me encarando por um bom tempo, bater as costas da mão tão forte a ponto de ficar um leve roxo amarelado sem querer, não era tão fácil. Obviamente é normal machucar partes do corpo sem intenção, ficando um leve roxo, mas algumas partes são mais difíceis que outras.
O cara já sabia da minha crise de pânico, se soubesse do terror noturno, eu estaria perdida.
- Uau, que batida. - Riu baixo. - Bateu onde?
- Na maçaneta da porta, no meu quarto. - Dei de ombros.
- E como bateu tão forte? - Olhou de novo, mas abaixei a mão. - É difícil bater tão forte assim na maçaneta do banheiro.
- Mas eu bati.
- Na maçaneta do banheiro?
- É.
- Mas você disse que foi na do quarto.
Paralisei enquanto ele sorria com os lábios, sabendo que me encurralou, que era mentira, me pegou totalmente desprevenida. Ele era a porra de um psiquiatra para saber fazer essas coisas?
Quem é esse cara? Como ele soube fazer isso? E por que estava sorrindo como se aquele fosse o meu fim?
É, talvez fosse.
Ficamos em silêncio profundo, a moça voltou com o nosso pedido, a vi nos encarar, porque estávamos com os olhos presos um no outro, e ela só saiu devagar, olhando para nós.
- Você não tem nada a ver com a minha vida.
- Alguém fez isso com você?
- Não!
- E por que está nervosa desse jeito? - Arqueou a sobrancelha, e percebi minha respiração.
- Porque...quer saber? Vai para casa, foi um erro ter te chamado.
Ele só me encarou, pensei que fosse levantar e ir embora, mas não. Olhou para o hambúrguer na frente dele, e o pegou com as duas mãos, dando a maior mordida que já vi, me encarando enquanto mastigava, limpando a boca com o guardanapo e voltando a comer em seguida.
Molhou a batata frita do cheddar que tinha no hambúrguer e comeu também, bebeu o milkshake, como se fosse o ser humano mais tranquilo do mundo.
- Não vai comer? - Apontou, limpando a boca, já havia terminado o hambúrguer dele. - Se não quer, me deixe fazer isso por você...
- Eu vou comer! - Voltou a afastar o corpo, assustado com a minha reação. - O que está fazendo?
- Comendo.
- A outra coisa.
- Bebendo o milkshake? - Rolei os olhos, querendo que ele parasse de ser palhaço. - Você não quer falar e eu não quero te forçar, só quero que se sinta bem para comer o seu hambúrguer, beber seu milkshake e depois te fazer admitir que tem sim um paladar infantil.
Encarei ele, e sorri, rolando os olhos, depois encarei o hambúrguer. Tá legal, ele era bem agradável para ser verdade, eu podia admitir.
Ele ia embora, iria voltar para Los Angeles, talvez meu segredo fosse para casa com ele para sempre, e eu não correria o risco de parecer uma louca.
- Terror noturno. - Dei de ombros, pegando uma batatinha. - É tipo um distúrbio de sono, sonambulismo. - Suspirei, pensando se deveria continuar. - É realmente terror, eu sinto muito medo, levanto da cama durante um sonho e...tento reagir. - Mostrei a mão. - Às vezes eu grito, choro, quebro alguma coisa. - Tentei lembrar das coisas mais absurdas. - Minhas crises de pânico aparecem às vezes, depois de um episódio, e não consigo dormir, é isso.
Fiquei encarando ele, não tinha uma cara de pena, e me senti melhor por aquilo. Tudo que as pessoas sabiam dizer era "sinto muito", ou "Ah, nossa, que situação". Mas eu não as culpava, ninguém sabia reagir com aquilo, e o que eu deveria esperar?
- Você se machuca sem perceber, então?
- Eu geralmente acordo uns segundos depois de machucar. - Ri baixo, envergonhada.
- Quando começou?
- Não sei. - Sabia sim, e ele também sabia que era mentira, já que era ótimo em perceber detalhes.
- Já tentou trancar a porta do quarto para não sair e não correr o risco de se machucar?
- É uma das dicas, mas não posso, se a Bella acordar e eu não escutar...ela sempre me chama, não posso deixar trancada. - Ele parecia pensar sobre a resposta. - E não é todo dia, às vezes umas três vezes por semana.
- Sabe, se serve de consolo, também sofro de sonambulismo, não é como o seu, mas eu falo dormindo, tipo, frequentemente. - Riu baixo. - São conversas, como se alguém estivesse comigo. Enfim, já assustei muitas pessoas. - Deu se ombros.
- Acho que me assustaria também. - Ri baixo.
- É, com certeza. - Sorriu. - Podia só ter me contado antes, isso não precisa ser um rótulo, ter vergonha disso, sei lá. - Me encarou depois, intensamente. - Como eu costumo dizer, para tudo tem um jeito, basta esperar o tempo certo.
- E você usa essa frase para o que mesmo?
- Por enquanto, para te levar para a minha casa. - Piscou um dos olhos.
- Quis dizer a casa do seu irmão, certo?
- Esqueci dessa parte. - Ele tapou o rosto, me fazendo rir. - Mas sobre o seu trabalho, como vai?
- Quer saber sobre o meu trabalho?
- É, parece legal.
Foi quando lembrei de toda a burocracia que começaria na segunda-feira, policiais se metendo no nosso trabalho eram um inferno na terra, pensavam que eram os donos de tudo e eles podiam decidir o que bem entendiam.
- Na segunda vai começar o inferno, infelizmente. - Rolei os olhos.
- Por que inferno? - Sorriu, como se sentisse ofendido, não feliz.
- Tem um delegado novo chegando, provavelmente se achando o dono do universo, vai chegar mandando em tudo. - O encarei, séria. - E ninguém gosta deles, dos policiais, quero dizer. Todo mundo odeia.
- Uau, que horrível. - Ficou sério. - Não dá para dar uma chance para o cara? Talvez ele seja legal...
- Duvido. - O interrompi, rindo nasalmente. - Todos são iguais, velhos barrigudos com uma careca e cabelos brancos, rabugentos, cansados de trabalhar, mas precisam estar ali pelos últimos anos de aposentadoria.
- Velhos barrigudos? - Riu. - E se ele estiver com a academia em dia?
- Vai continuar sendo um policial enxerido. - Rolei os olhos, o encarando depois. - Não me entenda mal, ter policiais pela cidade é importante, trabalhar com eles é normal, fazem parte de tudo isso, mas eles literalmente pensam que são os donos, chegam lá mandando em tudo e monitoram nosso trabalho como se estivéssemos sendo pagos por eles, e ainda perguntam: você não precisa fazer isso? Não vai fazer aquilo? - Expliquei. - É horrível e ridículo.
- E por que não pede para ele controlar os outros? Talvez queira te ajudar, para você ajudar ele. - Precisei rir de novo.
- E acha mesmo que ele vai me dar ouvidos?
- Se você tentar, talvez. - Deu de ombros.
Me senti a vontade pela primeira vez, ele não me julgou, não demonstrou pena e ainda riu comigo, perguntou sobre o trabalho, o que era muito bom, pela primeira vez.
Passei boa parte do tempo comendo meu hambúrguer, o silêncio era ótimo entre nós, a única parte ruim foi dividir as batatas fritas com ele.
Perguntou se eu queria fazer algo, fiz uma careta e neguei, daquela vez não era por implicância, estava mesmo cansada e já eram quase dez, precisava estar em casa, dormindo com a minha bebê.
Estacionei bem na frente da casa do irmão dele, entre risos, ele estava falando algo sobre a Michelle odiar a estadia dele ali.
- Então, fui aprovado?
- Aprovado?
- Para sair com você. - Tirou o cinto. - Agora que já sabe que não sou um monstro.
- Olha, você é legal, mas já falamos sobre isso, sobre ser temporário e...
- Tudo bem. - O encarei sem entender. - Supõe demais as coisas, mas o destino vai te dar um belo tapa no rosto. - Bateu na própria mão, fazendo o barulho do tapa ecoar no carro. - E vou estar na sua frente, rindo. - Abriu a porta. - Vamos nos conhecer melhor, você querendo ou não, estamos mais próximos do que imagina.
Fiquei encarando ele com o mais puro tédio, ele e a conversinha de destino.
- Traz a minha filha. - Pedi, sem ligar para ele.
Fechou a porta, voltando para dentro, a Bella estava provavelmente dormindo, e acertei as minhas conclusões quando o vi sair com ela nos braços, abrir a porta e só apoiar ela na cadeirinha, sem cinto, a casa era literalmente atrás da nossa.
- Durma bem, Kayra. - Sorriu, acenando para mim. - Espero que tenha uma boa noite de sono, e não se preocupe com seu chefe policial, aposto que ele é um bom homem. - Sorriu. - Até mais.
Fechou a porta e seguiu caminho, sem nem me deixar dizer tchau. Aquela baboseira de destino, como se a frase fosse me fazer ir correndo atrás dele como se o amanhã não existisse. Não sei em qual filme de romance ele pensava fazer parte, mas eu com certeza não estava a fim de ser a protagonista.
Fiquei com pena de deixar ela sozinha no quarto, estava na casa do amiguinho, se acordasse e percebesse que estava sozinha, provavelmente choraria, acontecia sempre.
Obviamente estava com medo de sair andando durante a noite, gritar e me machucar de novo, mas resolvi correr o risco. Tranquei a porta depois, por segurança, e escovei os dentes, coloquei minha camisola confortável e deitei ao lado dela.
A Bella tinha um sono bem profundo, não era de se acordar por qualquer coisa, e convenci ela a sair das fraldas, com muito custo e uma duração do processo por quase quatro meses, mas deu certo. Ela tinha uma rotina, não ia ao banheiro durante a noite.
O cabelinho fininho solto, uma das mãos por cima da barriga e a outra solta para o lado, parecia até um adulto dormindo. O dia podia ser o pior de todos, ver ela ainda ia me fazer imensamente feliz.
*     *     *
Naquele dia, por sorte, ela resolveu parar, ficou bebendo o leite da manhã enquanto eu vestia uma meia no pé, ocasionalmente ria e ficava balançando a perna no ar e eu precisava pedir para parar e eu conseguir deixar a meia presa no pé dela, mas estava tranquila.
- Mãe, que dia é hoje? - Me entregou a mamadeira.
- Segunda-feira.
- Não, mãe, de número. - Ri baixo.
- Quatorze, filha. - Peguei os tênis dela.
- E amanhã é meu aniversário? - Olhei para ela, que sorria.
- Não, seu aniversário é em setembro, dia vinte e um. - Expliquei.
- E vai demorar?
- Não, quando você menos perceber, já vai ser o dia.
Realmente, setembro parecia distante, mas em um piscar de olhos, já estaríamos nos perguntando como o mês chegou tão rápido, sempre a mesma coisa. Ela estava ansiosa pelo aniversário, queria uma festa e eu sabia bem, vivia me contando sobre quem queria convidar.
Naquela segunda-feira ela estava decidindo se ficava agitada ou se continuava calma. No carro, estava cantando uma música de um dos desenhos que assistia.
O fim de semana foi agitado, Justin me pediu o domingo para levar ela ao parque, que era dentro do novo shopping e nenhum de nós havia ido, então, todos nós fomos, eu, o Justin e Bella, sem a namorada dele, que eu não conhecia ainda.
Deixar ela na escola era sempre a mesma coisa, eu fazia ela repetir a regra sempre, claro que era um lugar seguro, mas sempre era bom ter um pé atrás, ainda mais quando se tem um trabalho público. E se algum louco quisesse pegar a minha filha só porque dei uma ordem de afastamento da filha dele? Ou dela.
Nunca se sabe.
Quando estacionei o carro, pensei por dois minutos se entrava ou não, se seria uma boa ideia voltar para casa, ligar e dizer que estava doente. Não, precisava encarar aquilo, o que acontecesse naquela segunda-feira não ia tirar a minha paz e nem a minha vontade de ajudar famílias.
Tudo bem, eu nem sabia se a visita dos policiais seria naquele dia, obviamente chegavam sempre de surpresa, quando queriam, faziam o que bem entendiam e ainda ficavam surpresos quando se deparavam com uma mulher responsável por um departamento.
Tudo que vi foram as pessoas e seus olhos vidrados na tela, algumas delas, as outras chegavam e iam beber café primeiro, jogar conversa fora, trocar de roupa, jogar mais conversa fora, e só depois trabalhar.
Fui direto para a minha sala, tinha uma cafeteira escondida e ligada dentro de um armário que teoricamente era para ser de materiais, mas eu fazia ela de uso próprio. Fazia meu café delicioso de cápsulas e ficava lá, sozinha, ligando o notebook, o aquecedor, deixando a sala ambientar para finalmente tirar o casaco grosso e ficar só com o fino.
Meus planos eram dar uma olhada nas fichas, ler alguns relatórios sobre casos, fazer duas ligações e três visitas, tinha as que eu passava para o pessoal responsável, mas preferia fazer as primeiras sozinha, para ver com meus próprios olhos o que estava acontecendo.
Felizmente, a nossa cidade era calma, nunca tivermos casos extremos, a notícia mais impactante em quase dois anos foi a do garoto Harlo, claro, alguns pedidos para se manter longe e brigas na justiça acontecia muito, mas não eram violentos, pelo menos na maioria das vezes.
Meu notebook finalmente ligou, digitei a senha, mas não deu tempo de apertar o enter, vi o movimento pela minha faixada de vidro, a frente do meu escritório era toda transparente, feita por vidros, e consegui ver as pessoas literalmente correr para seus devidos lugares, e foi quando pensei "eles chegaram", depois vi Diana correndo na direção do meu escritório, e foi quando tive certeza.
Abriu a porta sem nem bater, recuperando fôlego pela corrida, com a velocidade e o estado da respiração, soube que talvez tivesse espantado o frio do corpo, mesmo com a temperatura super baixa e a provavel chuva de neve.
- O delegado...ele...ele chegou...
Franzi o cenho, ela já estava daquele jeito só de ver ele, o cara deveria ser o maior idiota de todos, exatamente como prevíamos.
- Ok, pode mandar ele e os chefinhos entrarem. - Ri baixo.
Usávamos o termo "chefinhos" para os policiais, os que eram comandados, geralmente se achavam o dono de tudo, e todos ali gostavam de usar o sarcasmo.
- Não...ele. - Respirou fundo. - Está sozinho, pediu para entrar.
- Manda entrar.
- Não, você não entendeu, ele é...
- Tá bom, eu já sei, estou preparada, manda ele entrar, tenho que sair hoje, ver uns casos...por favor, quanto mais rápido, melhor.
- Você que sabe.
Ela me encarou uma última vez, como se dissesse: você não está preparada.
Nada poderia me assustar mais. Já tinha visto de tudo, homens de meia idade bem arrogantes, os mais calmos que até eram simpáticos, mas não sabiam colocar ordem em nada, os que praticamente diziam para fazermos o que quiséssemos porque só precisava de dois anos para se aposentar, e por aí ia, nenhum durava muito mais de um ano.
Finalmente apertei o enter do notebook, ele não era mais rápido que os aparelhos recentes, mas também não era tão lento quanto os mais antigos, alguns programas funcionavam como bem entendiam, como se tivessem vida própria, outros eram melhores.
Escutei a batida na porta e disse: entre.
Foi suficiente, escutei o barulho da porta, abri meu programa, nunca olhava de primeira, não queria que aqueles metidos pensassem que eram importantes e que me intimidavam.
Naquele dia eu deveria ter olhado imediatamente.
Levantei a cabeça e me deparei com a coisa mais improvável do mundo, e nunca soube conter minhas reações, meu semblante me entregava, e pelo sorrisinho dele, não foi diferente.
Não era um velho, mas jovem, cabelos castanhos mais puxados para o claro, olhos verdes, sorriso amostra, a roupa toda preta com o casaco típico de frio, dos que os policiais usavam, e o distintivo pendurado, indicando quem era.
Harry, aquele...homem? Não, aquele cretino que omitiu fatos, sim.
Ninguém podia me julgar pela minha reação, fiquei em choque, sem saber o que dizer, com a minha boca provavelmente aberta.
O destino vai te dar um belo tapa no rosto, e vou estar na sua frente, rindo.
Era o que ele estava fazendo, sentado na cadeira a frente, sorrindo e rindo ao mesmo tempo.
- O que...
- Precisa ver a sua cara. - Não conteve o riso. - É muito engraçado, desculpe...
Continuou rindo, virando a cabeça para trás e apoiando uma das mãos na barriga, debochando de mim, que só sabia ficar parada, o encarando, boquiaberta.
Respirei fundo e levantei, prestes a fazer algo que nunca fazia, fechar as persianas. Vi o semblante de todos quando me viram começar a fechar a cortina, bocas abertas, alguns arquearam as sobrancelhas, outros taparam a boca com a mão e alguns começaram a cochichar para outros.
Voltei ao meu lugar, o encarando, e ele sorria, ainda tentando conter o riso.
- Eu...você não me disse nada!
- Ei, não, não, não. - Balançou o dedo indicador de um lado para o outro. - Tentei te dizer, mas tivemos um grande histórico de interrupções, sua filha, a garçonete, o garoto no hotel de gelo...lembra?
- E não podia ter só continuado o assunto, como qualquer pessoa normal? - Percebi que falei alto e me recompus.
- Por último eu não quis mesmo que soubesse.
- E por que não? Seu psicopata! - Riu alto.
- Primeiro, não use o termos "psicopata", por gentileza. - Pediu, sério, mas depois sorriu. - Segundo, te dei todas as dicas possíveis, estava na cara, e se não estivesse tão fora da órbita no dia do jantar na casa do Mitch e da Michelle, teria escutado as indiretas dela sobre minha ralação com a polícia.
Realmente não escutei nem uma parte se quer daquela conversa, então comecei a mapear mentalmente todos os dias da semana anterior. A primeira coisa que reparei foi a postura, o jeito sério, o modo como não se assustou quando escutamos o barulho no hotel de gelo, quando o acusei sarcasticamente de ser um bandido e ele disse que era o contrário, o tapa no rosto que eu ia levar do destino. Absolutamente tudo, e pensei que eu reconheceria qualquer policial quando visse um, mas pelo visto não.
Michelle, ela me deveria boas explicações para ter escondido aquilo, sabendo que eu odiava trabalhar com policiais diretamente.
- A Michelle me paga!
- Ela não sabia.
- Como assim? - Esse louco escondeu da família toda?
- Eles sabiam que eu tinha uma chance, mas não disse que ia aceitar, na verdade, até ontem eles pensavam que eu ia realmente voltar para Los Angeles. - Deu de ombros. - Esperei dar certo primeiro, para contar depois, e ela provavelmente pensa que escutou tudo no dia do jantar. - Se encostou totalmente na cadeira. - Só que não. - Riu.
- É, não escutei. - Olhei para a janela com a cortina fechada e lembrei de algo. - E os outros da sua equipe?
- Não tem ninguém, apenas eu.
- Como assim? E os outros policiais?
- Disse que não se sentem a vontade com muitos policiais, pensei que fosse melhor vir sozinho.
Meu Deus. De onde aquele homem tinha surgido?
Tudo bem, me precipitei um pouquinho com as primeiras impressões, talvez ele não fosse um velho barrigudo que quisesse mandar em tudo.
- E o que você está pretendendo?
- Bom, gosto de saber o que está acontecendo, e pelo visto, seu departamento tem sempre as primeiras informações, pelo o que me disseram. - Era verdade, era um trabalho direto. - Pensei que poderíamos trabalhar juntos.
- Juntos?
- Você me ajuda, e eu te ajudo. - Deu de ombros. - Só quero ajudar a proteger a cidade, e se me ajudar, prometo que nenhum policial vai entrar aqui se achando o dono, como disse que eles sempre fazem.
- E isso incluíria...
- Ir jantar comigo? Claro, faz parte do acordo. - Sorriu, como se eu fosse perguntar aquilo.
- Eu não ia dizer isso.
- Achei bom deixar claro.
- Não vou sair com você.
- Vai.
- Não.
- Sim.
- Por que?
- Porque eu quero. - Deu de ombros, ainda sorrindo.
Eu ri alto, como se fosse a piada mais engraçada do mundo, e me inclinei na mesa.
- Não me importa o que você quer, eu decido quando sair com alguém.
- Vai perceber que quer sair comigo. - Se inclinou também, me encarou sério, depois sorriu e voltou a postura normal. - Mas não foi para isso que vim.
- E o que exatamente quer fazer agora?
- Seria proibido dizer em voz alta. - Rolei os olhos. Nojento. - Por hora, conhecer esse lugar, depois quero ir em uma das suas visitas.
- Por que?
- Porque sinto que preciso presenciar uma, saber como é, depois, vamos falar sobre novos projetos, não quero te apavorar agora.
Eu já estava apavorada, em um verdadeiro choque, primeiro pela pessoa responsável a partir daquele dia ser ele, segundo sobre os planos. Mas que planos? Tudo bem, ele disse que não ia meter o pessoal dele no meio de tudo, mas ele estar envolvido já era motivo para todos ali ficarem em alerta.
Apenas levantei, ele fez o mesmo em seguida, me encarando sem um sorriso, e mesmo daquele jeito o semblante ainda era simpático.
- Esse lado do departamento é responsável por todas as denúncias, reclamações, o que for...tudo é digitado e mandado para os conselheiros, que fazem as visitas, anotam tudo, ligam a justiça quando é necessário e também tem o contato com a polícia. - Apenas assentiu, olhando ao redor. - Essa sala é onde eles digitam os documentos, aquela é onde o pessoal confere tudo, mandam para mim e depois eu distribuo para a equipe, tem umas reuniões e toda a logística por trás de cada casa. Depois elas passam para aquela última sala, que é onde acontece a burocracia toda, guarda compartilhada, pedido de afastamento, briga pela guarda da criança, e por aí vai.
Cada vez que eu apontava para uma sala, as pessoas dentro dela nos encaravam, com medo e curiosidade, querendo saber o que eu estava dizendo.
A verdade era que nenhum policial se interessava realmente em conhecer aquele lugar.
Entramos em um corredor depois, apenas nós, o único lugar que não era circundado por vidros.
- Essa é a sala de reuniões, aquela é a nossa cozinha, e aqui é onde o pessoal atende as ligações, é tipo quando as pessoas ligam para a polícia, mas ligam para nós, por causa de alguma violência, ou algo assim, geralmente as emergências saem daqui...
- Onde você começou? - O encarei, sem entender. - Antes de virar a chefe.
- Bom, eu fazia trabalho comunitário para conseguir ganhar horas o suficiente e alguma faculdade me aceitar, eles faziam doações, roupas, comida, tinha de tudo, e eu ia entregar. - Dei de ombros. - Fiz amizade com as pessoas, depois passei a atender as ligações, um dia fui junto em uma das visitas, o antigo conselheiro gostava muito de mim, ele não pode ir em uma delas e me mandou no lugar, e foi quando subi de cargo. - Sorri ao lembrar. - Parece que foi rápido mas demorou anos, consegui minha promoção para chefe do departamento no ano passado.
- Justo, nunca começamos no topo, certo?
- Certo.
Levei ele até a cozinha, estava precisando de um café, até ofereci um, mas ele negou com um gesto, me analisando, como se decidisse qual seria a nota do meu ato de ir buscar café no meio da apresentação.
Voltamos para a minha sala, perguntei se queria conhecer o pessoal, e ele disse que sim, foi exatamente a palavra "sim", com um sorriso no rosto, demonstrando que a equipe era importante.
Era um policial bem diferente.
Liguei para os responsáveis de cada sala e pedi para irem até o local das reuniões, a voz deles apenas confirmando já me dizia muito sobre a curiosidade que estavam sentindo.
Esperei pelo menos uns dez minutos, para ter certeza de que todos estariam lá, e obviamente estariam, além de medrosos eram fofoqueiros, impossível alguém faltar.
Apenas levantei, indicando a porta para ele, e como um policial típico, manter a pose ereta e braços atrás do corpo, mal encarado, mas muito simpático.
- Pessoal, esse é o novo delegado. - Tentei sorrir, não sabia exatamente como apresentá-lo. - É a primeira vez dele na cidade e...conversamos sobre alguns projetos. - Encarei eles, todos com os olhos em mim. - Você quer se apresentar?
Ele sorriu, assentindo.
- Bom dia, como a Senhorita Chambers disse...
Eu queria morrer, "Senhorita Chambers", que coisa mais constrangedora, claro que nenhum deles ali entenderia meu desespero.
Se qualquer um pensasse bem, poderia pelo menos tentar entender, o cara era supostamente meu vizinho temporário, que já não era mais temporário, os foras que dei nele foram gratuitos e provavelmente iria ver ele mais do que desejava.
Resumindo? Meu constrangimento era dos grandes.
Nem escutei a explicação dele, só percebi quando as pessoas começaram a sair, acenando para ele com a cabeça, um gesto respeitoso e simpático, todos costumavam tratar policiais daquele jeito.
- Tudo bem, Kayra, então...
- Se quiser fazer isso dar certo, não me chame assim. - Franziu o cenho. - O meu nome.
- E por que? Não é seu nome?
- Não gosto do meu nome. - Dei de ombros. - Acho estranho, é isso.
- Eu acho lindo. - Sorriu gentilmente. - Deveria gostar, não é estranho.
- Tanto faz. - Virei para a porta. - A minha primeira visita começa agora.
Ele só me seguia, me vendo provavelmente na defensiva, mas não disse nada, eu precisava de tempo para aceitar que ele seria meu novo parceiro de trabalho.
As visitas eram sempre um processo, carro estacionado, uma olhada no lado de fora da casa, e a prancheta na mão, batida na porta e a recepção nada calorosa da mãe.
Receber os conselheiros não era uma coisa boa, a vizinhança falava horrores, mas depois das ameaças do pai do garotinho sobre sequestrar ele, não teve outra alternativa.
As informações era que ele pagava a pensão e estava mantendo a distância, e alegou que estava se mudando para o oeste do país, se é que era mesmo verdade, em todo caso, era sempre bom estar atento.
Eu gostava de ter uma conversa a sós com a criança, elas nunca mentiam, era só brincar com elas e fazer perguntas que tudo ficava bem, mas geralmente as mães falavam a verdade, e depois de um relatório detalhado de todas as três casas, eu podia verificar anotações.
- O que você faz agora?
Estávamos no carro, e ele observava enquanto eu folheava as fichas, a uns trinta minutos de onde eu trabalhava, quase em outra cidade.
- Verifico, faço uma ficha nova e limpa, sem rascunhos, e envio para alguém arquivar e mandar para o sistema. - Fechei a pasta e joguei no banco de trás. - Simples. - Sorri, e peguei o cinto de segurança.
- E a Bella, como vai?
- Bem, está na escola.
- Claro. - Sorriu doce. - Ela gostou de mim, não é? Fala a verdade! - Franziu o cenho e fez um biquínho, fingindo estar bravo, mas me fez rir.
Eu podia ser a maior babaca, fazer igual com os outros, espantar, fazer se cansar até desistir, mas já não valia mais a pena, de todos, ele era com certeza o mais instante, e também tinha o detalhe de ser meu vizinho, não me livraria tão cedo.
- Gostou. - Assenti, sorrindo ao lembrar do rostinho dela. - Ela ama quando brincam com ela, e você parece ter jeito com crianças, não foi tão difícil.
- Eu gosto de mini humanos. - Rimos baixo. - Você fez no capricho. - Franzi o cenho e o encarei. - Deve ter sido uma foda muito boa para aquela garota ter saído tão linda. - Aí meu Deus! Ele era nojento e engraçado ao mesmo tempo. - Meus parabéns, você é uma máquina de fazer crianças bonitas e fofas.
- Ok, não sei se devo agradecer ou...
- É, mais ou menos. - Encarou a estrada. - Pensar em você transando com seu ex é estranho porque ele é concorrência, mas por outro lado você tem uma filha adorável. - Deu de ombros. - É, não sei dizer se deve agradecer.
- Você é louco!
- Você se acostuma. - Piscou um dos olhos.
- O Justin não é concorrência, ele...
- Ele é casado e está perdidamente apaixonado por outra?
- Não exatamente, mas...
- Então é concorrência. - Constatou, sem me deixar falar. - Ele pode te querer de volta. - Cerrou os olhos, me encarando. - Pode avisar que sou competitivo e nunca perco, obrigado. - Bateu de leve no meu ombro.
- Você é louco. - Repeti, entre risos.
- Não tenho filtro.
- Deu para perceber.
- E você é linda. - Tapou a boca e arregalou os olhos. - Foi mal, eu deveria ter deixado para o primeiro encontro, merda!
Ele estava fingindo ter falado sem querer, me fazendo rir do jeito dele, e ele sorria depois, me fazendo rir.
Ok, Kayra, decida, deixar rolar ou mandar logo embora?
Valia a pena? Ele valia a pena? Não que já tivéssemos algo, mas ele queria nitidamente tentar algo. Um homem sem filtro, gentil, simpático, a máscara cairia?
Só vai saber se tentar.
Eu só ia saber se tentasse. Fato.
- Olha, Harry, não sou do tipo casual, entende? Nem poderia, tenho uma criança de dois anos em casa, ela não é acostumada com nenhum homem na vida dela a não ser o pai, e eu não gostaria de deixar ela confusa. - Expliquei, da melhor forma possível. - Você acabou de chegar na cidade, tem muitas mulheres por aí procurando o mesmo, talvez precise de tempo, não posso ficar com alguém incerto, deixar alguém entrar na minha casa com uma criança pequena e depois simplesmente explicar que você não vai mais voltar, é complicado para mim, então, se está pensando em uma única coisa, é melhor desistir agora.
Aquela era a verdade, eu não era do tipo de mulher que enfiava um homem dentro de casa a cada semana, a cabeça de uma criança fica confusa, e entre uma pessoa totalmente desconhecida cujo pensamento era só transar comigo e a mente da minha filha de dois anos, eu escolheria minha filha sem pensar.
Não vou mentir, queria muito que ele quisesse tentar, mas já sabia sobre o pior, ele ia abrir aquele sorriso simpático dele e dizer que eu estava certa, que repensaria.
Sempre foi daquele jeito, nunca encontrei ninguém que realmente se importasse, e ainda bem que percebi tudo antes de levar qualquer um deles para casa.
Aqueles olhos verdes me encararam, depois ele assentiu e sorriu com os lábios.
- Você está certa, sua filha é a sua prioridade, não é errado, ela é pequena, e qualquer pessoa entrando na vida dela faz total diferença.
Sorri com os lábios, tentando não chorar de raiva de mim mesma, por ter criado expectativas, desejando que ele aceitasse seguir em frente, mas no que eu estava pensando? Nem o conheço.
Eu sabia, viu? Por que disse essas coisas a ele? Sua burra! Ele é igualzinho a todos os outros, queria te comer e ir embora, vê se cresce, Kayra!
Estava surtando internamente, me mostrando forte, mas abalada por dentro, rejeitada de novo, e por um homem lindo, aquilo era o pior.
- Então... - Ele disse, me encarando com um sorrisinho. - Sábado às sete?
Aí. Meu. Deus.
O quê? Como assim sábado às sete, vizinho temporário?
Espera.
Espera.
Um minutinho para eu me recompor.
Não era para ele desistir? Para ele dizer que eu estava certa e deveria parar? Ele queria realmente a porra do encontro?
Não me julguem, nunca tinha chegado nessa fase!
- Ah...não, eu não posso no sábado. - Tentei me recompor, falar sem gaguejar, mas falhei pela surpresa.
- Oh, ok, outro dia então? - Ele ainda tinha o sorriso doce no rosto, do tipo fofo.
- É que o fim de semana do Justin é só o próximo, fora esse. - Expliquei. - A não ser que eu pessa para ele trocar os dias e...
- Espera. - Ele riu, franzindo o cenho. - O problema é esse, então?
- Bom, não pensei que fosse querer jantar com a Bella também. - Ri baixo, imaginando que um encontro era a dois, ou será que perdi alguma coisa?
- Ela não é problema. - Riu baixo. - Posso cozinhar para você, como eu disse outro dia, mas teria que ser na sua casa, porque...bom, ainda não tenho uma casa de verdade.
- Então, eu, você, e a Bel? - Franzi o cenho, parecia estranho.
- E por que não? Ela pode me ajudar. - Parecia animado com a ideia. - Podemos sair no outro fim de semana também, então...faço o jantar, saímos, é para ser muitos encontros, não só um.
- Muitos?
- Claro, oras, sou um homem que curte encontros. - Deu de ombros.
- Hum...tá bom. - Franzi o cenho e liguei o que.
- O que foi esse "hum"? - Perguntou entre risos.
- É que é meio estranho você gostar de encontros, isso é para pessoas românticas, e você é tipo, bem ogro e fica falando de foder o tempo todo.
Ele inclinou a cabeça para trás e riu, também ri enquanto dirigia, não porque foi engraçado, mas porque foi constrangedor falar em voz alta.
- Não acredito que me ofereci para cozinhar e me chamou de ogro! Isso não é ser ogro, Kayra! - Disse entre risos.
- Desculpa. - Respondi entre risos.
Fomos o caminho inteiro literalmente rindo, ele pareceu sismar com a ideia de me fazer rir o tempo inteiro, era um homem engraçado.
E homens engraçados são do tipo perigosos.
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amantedosfandons · 2 years ago
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4 • A bateria social acabou!
Tirei o carro da garagem o mais rápido possível, indo para bem longe da minha casa bagunçada, que por sorte a diarista apareceria pela tarde e antes das quatro tudo estaria no lugar de novo.
Ficamos em silêncio, eu queria conseguir dizer algo a ele, uma abertura para tentar ser legal e começar com o pé direito pelo menos uma vez.
Ele não vai ficar por muito tempo, Kayra, só quer conhecer alguns lugares para não ficar sozinho durante o tempo limitado de talvez quinze dias. Seja legal com o seu vizinho temporário.
- O hotel de gelo é realmente um hotel. - Olhei para ele de relance, e percebi me encarar. - Tem móveis de gelo, tem até uma cama, é bem legal, me sinto no filme Frozen.
Ele riu, provavelmente por eu ter citado o filme infantil.
- O quê? A minha filha gosta desse filme.
Ri baixo, mas parei, percebi que citei de novo a Bella, mas não foi por mal e nem para tentar fazer ele se afastar. Quando se gosta muito de alguém, a tendência é falar dessa pessoa o tempo todo.
- E você parece gostar também.
- O primeiro é melhor que o segundo. - Dei de ombros. - Espera, já assistiu Frozen?
- Não.
- Meu Deus. - Fiquei incrédula, e o encarei de volta por segundos. - Isso é crime com a Disney!
- Eu não tenho hábitos de assistir desenho.
- E o que você assiste geralmente?
- Algum filme de ação com um pornô leve no meio, talvez comédia. - Deu de ombros.
- Tá, você é nojento. - Constatei. Que tipo de cara declara em voz alta que gosta de filme com cenas eróticas? - Você podia ter guardado a parte de que gosta de pornografia...
- Não, eu não gosto de pornografia.
- Mas você disse que...
- Eu disse que gosto de filmes de ação com pornô leve, não quer dizer que gosto de pornografia. - O olhei com o cenho franzido. - Filmes sem cenas eróticas não são realistas, tá legal? É isso.
- Ah...tá. - Ri, ainda sem entender.
- Você já assistiu algum romance onde o casal não vai para a cama? Mesmo que por cinco segundos na tela, o público precisa saber que aconteceu, isso é realidade, brigas, sei lá, qualquer coisa. - Deu de ombros. - Mas não assisto pornografia, só para constar.
- Duvido, todo homem assiste, ou tem fotos em alguma pasta segura no celular.
- Te deixo revirar meu celular, não vai encontrar nada. - Segurei meu semblante desafiador. - Assistir pornô é para garotos de quinze anos e para homens que não se garantem.
- É isso que você acha, macho alfa?
- Você está fazendo parecer que foi sobre mim...
- E não foi?
- Não.
- Tá bom. - Soltei uma risada baixa.
Por mais que a conversa tenha sido um pouco constrangedora, talvez tenha sido a troca de palavras mais agradável que já tivemos um com o outro, tirando o dia do mercado.
Ficamos em silêncio, pensei em colocar uma música, mas lembrei que estava conectado no meu pen drive e não estava pronta para passar a informação do motivo de estar sintonizado automaticamente na faixa vinte e oito, ainda não era hora de declarar algo sobre minha música favorita.
Os turistas visitavam muito o hotel de gelo, mas principalmente por junho, até o mês de setembro, claro que naquela altura ainda tinha bastante gente, mas nada comparado aos picos de clientes que o lugar recebia.
Deixei meu carro estacionado de ré em uma vaga, primeiro porque era mais fácil e segundo porque eu era uma ótima motorista, sem querer tirar vantagem.
Tinha uma fila, não muito grande, pelo menos dez pessoas, e aquilo se dava porque eles costumavam mandar as pessoas em grupos para dentro do hotel, alguns acompanhavam o guia, outros preferiam ver sozinhos.
- Eu pago as entradas. - Disse assim que chegamos na fila.
- Tá bom.
Eu não era uma daquelas mulheres que insistia em pagar, não me importava se alguns consideravam aquilo antifeminista ou qualquer merda que o mundo estivesse disposto a inventar, mas tinha um raciocínio lógico por trás de tudo.
O levei até lá, a gasolina não estava das mais baratas do mundo, tirei meu carro limpo da garagem para dirigir de novo na neve só para apresentar um lugar para ele. Pagar entradas de dez dólares era o mínimo.
- Você não é uma daquelas.
- Daquelas?
- Que insistem em pagar sua própria entrada em qualquer passeio.
Ri nasalmente.
- Sou visionária, dez dólares me fazem falta.
Vi o sorriso dele de canto de olho, mas não encarei. O silêncio já não era constrangedor, não era minha coisa favorita ficar conversando em filas, pessoas desconhecidas sabiam coisas demais sobre outras pessoas desconhecidas.
Fiquei parada, pensando nas possibilidades de um encontro com ele, um dia, se eu conseguisse sair com alguém de novo. Não era a maior fã de restaurantes, não naquele frio insuportável, o encontro ideal para mim seria com um homem que cozinhasse para mim.
Mas era demais sonhar com aquilo, duvidava muito que ele soubesse fritar um ovo sozinho.
Ele pagou a minha entrada, bem gentil da parte dele, e enquanto passava as notas para o homem dos ingressos, fiquei prestando atenção nele.
Nitidamente alto, bem mais alto que eu e que o homem que vendia as entradas, eu tinha um primo de um metro e oitenta, mas Harry parecia ser até mais alto que ele. E foi com meu primo Jack que descobri que homens altos e bonitos tendem a não prestar.
Jack nunca foi flor que se cheire com as mulheres, e tinha quase as mesmas características que o Harry, alto, maxilar marcado, olhos claros, mas ao invés de verdes, azuis, uma aparência jovial e charmosa por si só.
Não tinha problema admitir aquilo, tinha? Por mais que o clima ainda estivesse pesado eu podia admitir quando uma pessoa era bonita ou não, e sem problemas, eu não ia beijar ele, ou algo do tipo.
- Tá legal, é tudo de gelo mesmo. - Eu ri, o encarando depois.
- Eu te disse. - Bati de leve no ombro dele. - Até as pilastras olha, gelo de verdade. - Ele abriu a boca, em choque. - Tem um quarto de gelo, uma cozinha de gelo, uma sala de gelo...
- Isso é...como isso não derrete?
- Nunca pesquisei, mas deve ter alguma explicação. - Dei de ombros. - E aqui não é exatamente o lugar mais calor do mundo para fazer isso derreter de uma hora para outra.
- Se isso fosse na Califórnia, já estaria inundado.
- Como é lá?
- Nunca conheceu a Califórnia? - Ri nasalmente, rolando os olhos.
- Nunca saí do Canadá.
Ele me encarou, com um semblante sério, e fiquei parada o encarando de volta, mas logo franzi o cenho, porque levou uma das mãos ao peito.
- Sinto muito por você, isso é horrível. - Cerrei os olhos, e voltei a caminhar no espaço. - É horrível não conhecer a Califórnia.
- O que tem lá?
- Bom, é calor, tem o letreiro de Hollywood, eu posso andar de camiseta o tempo todo no verão, não é um verão frio como em alguns lugares, é até meio seco, e tem um deserto. - Olhei para ele depois da última informação. - É, eu fui em um evento no ano passado, musical, vários cantores passam por lá ao longo dos dois dias, são shows no deserto.
- Parece legal. - Não parecia, era legal, sempre quis ir ao Coachella.
- Tem muitos famosos em Los Angeles, tenho um coleção de fotos com várias pessoas, de vez em quando você senta para beber o café no starbucks e encontra a Rihanna. - Deu de ombros. - E nem estou brincando, esse pessoal ama Los Angeles. - Suspirou. - Tem muitas coisas, enfim, gosto de lá.
- Deve ser bom morar lá.
- É bem diferente do frio daqui, vai demorar para eu me acostumar.
- Nem esquenta, é só por um tempo, logo você volta. - O vi franzir o cenho levemente, provavelmente não entendeu o que eu disse. - Inclusive, no que você trabalha?
- Eu...
Eu particularmente levei um susto, um garoto estava apavorado, com os olhos bem abertos para o vaso de gelo, que mais parecia um cristal.
Mas Harry permaneceu calado, calmo, só observando, alarmado com a postura totalmente ereta dele, como se tivesse montado uma guarda assim que escutou o barulho.
O garoto começou a chorar depois, porque havia quebrado a peça, devia ter pelo menos uns sete anos de idade, talvez um pouco mais. A mãe só pousou a mão no ombro dele e logo os responsáveis apareceram.
Não queria dizer nada, mas quebrar uma peça daquelas não saia tão barato para ninguém.
Ficamos encarando a situação por um tempo, mas quando percebemos o bolinho de pessoas se formando, saímos, e ele me seguiu até o próximo cômodo. Era no mínimo constrangedor ficar encarando pessoas no auge das suas desgraças pessoais.
- O quarto da Frozen. - Ri baixo, só nós estávamos lá, eu podia falar alto.
- Sua filha que disse isso? - Assenti levemente.
- É sempre a primeira coisa que diz. - O encarei. - Na verdade, ela pensa que aqui é a casa da Elsa. - Ele riu alto.
- A inocência das crianças é sempre adorável. - Riu baixo, levando as mãos ao bolso. - Ela é uma graça, não é? Achei ela muito simpática.
- Ah, ela é, principalmente se gostar de você de verdade. - Rolei os olhos. - Ela acaba querendo as pessoas sempre por perto, da para sentir quando ela gosta ou não.
- É assim com o Joe também. - Suspirou, olhando ao redor. - Ele nem fala quando alguém que não gosta está por perto.
- Pelo menos eu sei que eles se gostam mesmo. - Sorriu, assentindo.
- Ele fala nela sempre, pelo menos uma vez ao dia. - Parou na frente da cama. - Quem esculpiu isso? Artista, eu diria.
- Não é? Olha a cadeira e a penteadeira.
Ele virou para observar, tinha tudo lá, desde o móvel mais pequeno até o maior, incrível, realmente feito por um artista.
Tinha uma escada de gelo para o segundo andar, mas obviamente não dava para subir por ela, e eu estava evitando subir, era do outro lado da casa e eu não estava com vontade de caminhar demais, agradecia a Deus por ele se entreter com algo durante um bom tempo.
De repente, olhei para o meu relógio, e fiquei apavorada, ele provavelmente percebeu e me encarou.
- Tudo bem?
- Faltam dez minutos para as três horas!
- Você tem algum outro compromisso ou...
- Minha filha! Eu preciso estar na escola às três!
Virei as costas e comecei a caminhar rápido, nem percebi se estava ou não indo atrás de mim. Claro, chegou em casa uma da tarde, até eu tirar o carro da garagem, até chegar lá, até pagarmos pelas entradas e até realmente entrarmos lá, demorava.
Esqueci completamente de verificar as horas, entrei no carro as pressas e só soube que ele iria me acompanhar quando escutei a porta do carona abrindo e fechando.
Ele não me disse nada, provavelmente percebeu o meu nervosismo. Era besteira, eu chegaria no máximo dez minutos atrasada, mas a minha mente estava em desespero.
Eu não podia deixar minha filha na escola, e se alguém pegasse ela? Eu era uma pessoa teoricamente pública, alguém podia estar de olho nela, alguém podia querer fazer mal a ela, a Bella ficaria triste comigo.
Terror noturno. Eu iria sonhar pelo resto da noite que eu estava matando a minha própria filha, assustaria ela, ia escutar meu grito no banheiro, ia ver eu me machucar enquanto dormia porque estava sonhando e andando pela casa. O Justin ia pegar ela porque não era seguro comigo, eu ia perder minha filha, nunca mais seria a mesma coisa.
Besteira, besteira, só dirige, Kayra, para de parecer uma louca na frente do cara.
O cara, o tal Harry estava me encarando, eu estava respirando rápido, sentia meu corpo tremer por dentro. Uma crise de pânico, uma merda de uma crise de pânico.
Não liguei o sinal do carro, só joguei ele para o acostamento, freei bruscamente e as mãos dele foram parar no painel, para se segurar, foi quando vi ele me encarar de verdade. Ele estava provavelmente apavorado, eu mesma estava, nunca tinha sentido aquele tipo de coisa antes.
- Dirige. - Foi só o que eu disse, desprendendo meu cinto de segurança.
- O quê?
- Preciso que dirija, não consigo.
- Ah...tá...tá bom. - Escutei o barulho do cinto dele desprendendo.
Abri a porta e corri para o outro lado, ficando no lugar que era dele antes. Ele entrou no carro, prendeu o cinto de novo e dirigiu.
Não trocamos uma palavra, ele estava nitidamente apavorado, via ele intercalar o olhar entre mim e o trânsito. Fechei os olhos, pronta para chorar.
Não chorei, graças ao meu vizinho temporário que gloriosamente apertou o botão do rádio, abri meus olhos no mesmo momento, a parte da música onde dizia "I wanna be yours" estava repetindo, e ele me encarava, com o dedo ainda no botão do rádio, mas logo tirou quando percebeu que estava me acalmando.
Podia parecer idiota, a música mais idiota do mundo, a música mais ridícula, mais repetitiva e besta do universo, mas eu amava aquela parte, me acalmava, me levava um sentimento de paz, e segurou até meu choro. Olhei para baixo, a mão dele segurando a minha, aquele homem nem me conhecia e estava segurando a minha mão no meio do tormento da minha mente.
- Tudo bem, você não está sozinha. - Franzi o cenho. - É completamente normal sentir essas coisas, mas sua filha está bem, não são nem três ainda...
- Não me diga que você é psicólogo. - Ele riu.
- Não, não sou. - Suspirei em alívio. - A Bella vai estar te esperando na escola, tudo bem? É normal se atrasar, eu mesmo busco o Joe alguns minutos depois do horário e ele está lá, me esperando com uma professora.
- É...eu...eu já cheguei depois também, e ela estava lá.
- É, viu? Tudo bem, não vai acontecer nada. - Apertou levemente minha mão. - A música está repetindo, quer que eu troque?
- Não, deixa.
Suspirei, fiquei em choque com meu coração desacelerando, não queria que ele soltasse a minha mão, por mais que não o conhecesse, já fazia tempo que eu mesma precisava segurar as pontas, e alguém aparecer e querer me acalmar voluntariamente, era novo.
A música estava entrando na minha mente, fechei os olhos, suspirando com a sensação da voz do cantor na minha mente, e pensei que fosse soltar minha mão para dirigir, mas não, ficou segurando.
- Já é na próxima rua. - Abri os olhos, nem prestei atenção no tempo. - São três e cinco, tudo bem?
- Tudo bem. - Praticante sussurrei.
- Se quiser, eu entro para pegar ela.
- Ela não vai querer, é uma regra.
- Uma regra?
- Venho te buscar às três, não pode sair com estranhos, só com a mamãe. - Olhei para ele, que virou a esquina. - É uma regra nossa.
Suspirei quando estacionou, queria dizer algo, mas não deixei, não importava o que estava pensando, se eu era louca, inadequada, uma péssima mãe.
Soltei minha mão da dele e abri a porta, desci do carro sem mais nem menos, nem avisei sobre ir para o banco do carona, na verdade, preferia que permanecesse dirigindo, mas não pediria aquilo se saísse de lá.
Entrei na escola e a primeira coisa que vi foi a Bella no corredor, com a professora e outras três crianças, eram três e sete da tarde, e me senti uma idiota por ter tido uma crise.
- Mãe! - Ela correu, ou tentou, as pernas pequenas dela faziam os passos serem curtos. - Olha, é para você.
Peguei o bilhete em formato de coração da mão dela, a letra reconhecível de um adulto, provavelmente da professora, onde escreveu bem no centro "mamãe", e por dentro, estava tudo rabiscado, mas eu sabia que era com amor, por isso meu sorriso foi genuíno.
- Que coisa linda, Bel, você fez para mim?
- Sim. - Ela sorriu, assentindo. - Ficou lindo?
- Ficou lindo. - Assenti, rindo. - Muito bonito, eu amei. - Abracei ela, e ela sempre abraçava de volta.
Depois eu levantei, porque meus joelhos não aguentavam muito, apesar de ser uma mãe jovem, vinte e três anos, uma filha de dois, que grande dupla.
- Desculpe pelo atraso. - Falei quando peguei a mochila dela no banco.
- Não se preocupe, não foram nem dez minutos. - A mulher riu. - Tchau, Bel. - Acenou para ela.
A Bella só acenou de volta, sorrindo, era incrível como professores conseguiam ganhar os corações das crianças, ela estava sempre falando na professora, e como ela dizia que já era uma menina grande e que iria para outra sala no próximo ano, claro, porque sabia que talvez ficasse triste por mudar de professora.
Peguei ela no colo, suspirando em alívio por ela estar segura e indo para casa comigo, podia parecer besteira, mas era um grande problema para mim.
Problema que eu precisava resolver, e rápido.
Abri a porta do carro, a mochila foi primeiro, depois ela, e o cinto na cadeirinha, tudo que precisava, até que lembrei do indivíduo no volante, porque ela abriu mais os olhos e um sorriso indescritível.
- Oi, tio do Joe! - Olhei para ela, depois para ele, que sorria para ela.
- Oi, princesa. - Virou o corpo, esticando a mão para ela. - Tudo bem?
- Eu fui para a creche.
- Ah, é mesmo? - Ela assentiu. - E nós viemos te buscar.
- O carro é da minha mãe. - Ela disse, mais séria. - Esse carro. - Incluiu, querendo ser entendida.
- Eu sei. - A maior paciência na voz. - Ela me pediu para dirigir hoje, porque ela ficou com um pouquinho de dor de cabeça. - Vi o semblante preocupado dela enquanto eu arrumava tudo. - Mas já passou, só vou dirigir até a sua casa, eu posso?
- Pode. - Sorriu para ele, e quase rolei os olhos, quanta traição em um só dia. - Qual o nome do tio do Joe?
- É Harry, linda. - Foi o que ele disse, chamando a minha filha de linda, que babaca. - E o seu é Bella, não é?
- Eu também tenho o nome Isabella. - A informação parecia bem importante.
- E qual você gosta mais? Isabella, ou Bella?
- Hum...Bella. - Me afastei, observando os dois.
- E eu posso te chamar de Bella?
- Pode. - Franzi o cenho para o sorrisinho dela.
- Ok, vamos para casa, e depois o Harry vai para a dele, não é? - O encarei, quase cerrando os olhos.
- É, talvez eu vá. - Sorriu mais ainda, não querendo assustar a minha bebê.
Fechei a porta de trás e abri a da frente para entrar, cinto de segurança nunca era demais quando um desconhecido estava dirigindo, mas depositei a minha confiança nele.
- Onde é a sua casa, Harry? - Ela perguntou no banco de trás.
- O Harry mora lá nos Estados Unidos, filha. - Olhei de relance para ela. - Só está visitando o Joe.
- Ah, não vai ficar para sempre, mãe?
- Eu não sei, Bella. - Foi ele quem disse, me cortando do assunto. - Será que seria legal se eu ficasse para sempre?
- Sim! - Franzi o cenho, em choque, por que ela queria que ele ficasse para sempre? - E o Joe também?
- O Joe não vai embora, princesa. - Sorria toda vez que ele chamava ela de princesa. - Mas eu posso pensar em ficar para sempre, o que acha?
- E brincar de princesa?
- Se você me emprestar a sua coroa, sim.
- Mas...mas ela é só para meninas pequenas.
- Oh...e não tem nem uma para mim? - Ele estava a encarando pelo retrovisor.
- Não...mãe, pode comprar uma coroa para o Harry?
Ri, fui obrigada a rir, e ele me acompanhou, foi engraçado, claro, mas a minha risada tinha sarcasmo. Eu precisava comprar a coroa para o intruso? Que ridículo, era o azar máximo a minha filha estar simpatizando com ele, parecia hipnotizada.
- Vamos ver. - Foi só o que respondi.
Ela seguiu fazendo a entrevista dela, perguntando onde estava a mãe dele, e como ele podia ser tio do amigo dela, e também se ele morava com o Joe, e ele respondeu que por enquanto sim, e também se ele ia dirigir o nosso carro todos os dias.
Chegamos em casa e ela ainda não parava de olhar para ele, que ameassava morder a mão dela o tempo todo, fazendo ela se esconder toda vez que ameaçava pegar.
Ele entrou na minha casa, só entrou de verdade, entrou atrás de nós, pisou no meu chão como se eu tivesse convidado. Soltei a Bella na sala, ficou ocupada indo buscar a caixa de brinquedos na gaveta do painel da televisão.
- Eu não te convidei. - Sussurrei.
- Mas a sua filha convidou. - Sussurrou de volta.
- Ela não te convidou. - Não tinha convidado mesmo. - Nem eu e nem ela te queremos aqui nesse momento. - Cerrou os olhos.
- Ah, é mesmo?
- É mesmo. - Rebati.
- Bella, vou embora agora, tá bom?
- Não. - Ela correu da sala até ele. - Vai para a sua casinha?
- Vou, princesa, sua mamãe não quer que eu fique. - Desgraçado, idiota, mal-educado, cafajeste. Todos os adjetivos possíveis.
- Mãe, por que não? - Eu queria matar ele bem ali.
- Filha, ele deve ter um monte de coisas para fazer, não é, Harry? - O fuzilei com os olhos.
- Na verdade, não. - Sorriu largo na minha direção.
Bella sorriu grande, pensando que aquela era a solução para a vida dela, e depois alcançou o dedo indicador dele, querendo o pegar pela mão, o guiando para a sala, e ele foi, ele a seguiu até a caixa de brinquedos.
Fiquei parada, boquiaberta, observando ela explicar para ele que a coroa de princesa só servia nela, e depois tentar encaixar a coroa nela mesma, mas ele, com toda a paciência do mundo, fez questão de ajudar e ele mesmo deixar o objeto entre os fios de cabelos loiros, presos com tufos um de cada lado.
Ela era a coisinha mais linda que eu já tinha visto em toda a minha vida, com os olhinhos azuis iguais os do Justin, o cabelinho fininho que eu arrumava com todo o gosto, todas as manhãs sem falta, escutava ela dizer que queria fazer biscoitos comigo para levar para as professoras e os amiguinhos, e também me perguntava se podia comer mirtilos.
Crianças odeiam frutas, mas ela amava tanto, amava as frutinhas, mirtilos eram a coisa favorita dela, panquecas, comia de tudo, era educada, me pedia por favor, desculpas, dividia as coisas comigo, era simpática.
Era perfeita, para mim ela era tudo de bom, e do nada, chega um cara desconhecido que parece amar crianças, ou ele só fazia aquilo porque queria ir para a cama com uma canadense qualquer antes de voltar para Los Angeles, talvez uma mãe estivesse faltando na lista dele.
Ou ele só é simpático e se interessou por você, idiota.
Também tinha aquela possibilidade, mas eu tentei, juro que tentei, quebrei meu coração umas mil vezes com homens que eu achava interessantes, seguindo os conselhos da minha família sobre minha vida não poder parar só porque fui mãe muito jovem, e então quando desisto, algo assim acontece. Seria possível?
Me dei por vencida, fui para a cozinha sem tirar os olhos dos dois, tirei o suco da geladeira e despejei no copo rosa dela, com uma tampa para ficar menos fácil de derramar, e outros dois de vidro, já que tinha um intruso em casa. Peguei os biscoitos que haviam sobrado e despejei em uma bandeja.
Levei tudo para a sala, naquela altura do campeonato ele já estava montando a casa da Barbie que ela tinha, e não era uma tarefa tão fácil, não quando ela tinha uma sequência de divisórias e móveis.
- Vocês não querem comer antes?
- Não, obrigado, estou ocupado com a casa da Barbie agora. - Ele não tirou os olhos das peças.
- A Barbie, a minha mãe me deu essa. - Ela mostrou, praticamente deixando a boneca bem no rosto dele.
- Oh, que bonita. - Pegou da mão dela, afastando do rosto dele. - E qual o nome dela?
- É Barbie. - Riu. - Todas são, Harry, é a minha Barbie.
- E se você desse um nome diferente? - Ela pareceu confusa. - Essa aqui tem cara de Beth. - Ela riu.
- É a Beth?
- Pode ser se você quiser.
Ela sorriu, correu até a caixa e pegou outras duas bonecas.
- E essa, Harry? - Mostrou outra boneca para ele.
- Hum...essa aqui é a Carla. - Ela riu. - E essa...essa pode ser a Dory. - Ele mesmo riu, a fazendo rir depois.
- Você é um homem muito esquisito. - Pensei alto, e os dois me encararam, o que me fez abrir mais os olhos.
- O Harry é esquisito. - Ela riu, e ele a encarou.
- Não, o Harry não é esquisito. - Ele se referiu a ele mesmo em terceira pessoa. - Você está ensinando coisas feias para a sua filha! - Cerrou os olhos na minha direção.
- Esquisito é coisa feia? - Escondi o riso quando ela perguntou.
- É coisa muito feia, princesa, ninguém é esquisito, tá bom? - Ela assentiu, foi só o que ela fez, e depois pegou o copo rosa de cima da mesa de centro, e um biscoito.
Eles ficaram um tempão naquilo, até pensei em chamar ele para ser babá um dia, de tão bom que ele era, chegou a brigar para ver quem ficaria com a boneca, mas quando percebeu que ela estava realmente levando a sério e quase chorando, deixou ela ficar com a boneca.
Ela gostou dele, claro, nas duas vezes que se viram ele fez tudo que ela pediu e tudo que gostava, respondia as perguntas dela com paciência, e que criança não gostaria de brincar no chão da sala de estar? A Bella era como qualquer bebê de dois anos, gostava de atenção, e de brincar.
Levantei para pegar os três copos sujos, e ele aproveitou a deixa para dizer a ela que iria me ajudar, pegando uma bandeja quase cheia de biscoitos, ninguém comeu eles. Sobrava mais para mim.
- Acho que a sua filha gosta de mim...
- Não, ela te odeia. - Ele riu nasalmente. - Ela só não queria te deixar chateado, aposto que te achou um chato.
Ele me encarou, e eu deixei os copos na pia e o encarei de volta, ele estava rindo de mim, por algum motivo idiota.
- Você é ciumenta com a sua filha?
- O quê? Não. - Ri baixo. - Eu não tenho ciúmes.
- Me parece que tem. - Chegou perto. - Aposto que ela me prefere.
- Ela não te prefere. - Voltei a ficar séria.
- Prefere, eu brindo de boneca com ela.
- Eu brinco de boneca com ela também! - Ele riu de novo, se afastando.
- Ciumentinha. - Sussurrou. - Ela te ama mais, por enquanto. - Deu de ombros.
- Por enquanto. - Repeti, rindo. - Ela sempre vai me amar mais.
Ele riu, depois voltou a ficar sério, separando os biscoitos no pote de cima da pia, deixando a bandeja vazia de novo.
- Suas crises de pânico são constantes?
- Não. - Respondi rápido, realmente não eram. - É a segunda vez que algo assim acontece. - O encarei. - Não conta isso para ninguém, por favor.
- Eu não contaria. - Sorriu com os lábios. - Desculpa por ter falado sobre as suas inseguranças mais cedo, eu não tinha o direito, todo medo tem um motivo, você tem os seus, tem a sua vida, foi idiotice, sinto muito.
Um homem bonito, que era simpático tanto com adultos quanto com crianças e que sabia pedir desculpas. Meu Deus, onde fui parar?
- Eu que te devo desculpas, não te conheço, não deveria ter te acusado.
- É, não conhece, e aí, como resolvemos? - Rolei os olhos.
- Você não tem nem um pinguinho de vergonha?
- Não, na verdade. - Deu de ombros. - É bem difícil alguém me deixar tímido, mas então, no sábado a noite?
- Eu tenho compromisso. - Cerrou os olhos na minha direção. - É sério, tem um aniversário. - Rolei os olhos.
- Você não quer ir. - Riu, e eu o encarei com tédio. - Rolou os olhos quando falou do aniversário, não quer ir.
- Mas é importante, é de uma colega, todos vão estar lá.
- Você não devia fazer as coisas pela felicidade dos outros, sabia? Se não se sente confortável indo em festas, não deveria ir só para parecer agradável. - Realmente, ele tinha razão, mas era importante. - Qual o seu tipo de passeio ideal?
Mordi o lábio, pensando, e me encostei na pia, eu não era fã de festas, as músicas nunca eram as que eu gostava e eu nunca dançava, mas gostava de ir a algum bar, ou na casa de algum amigo para comer uma boa comida caseira, e me fazia muito feliz assistir um bom filme.
- Eu gosto quando cozinham. - Dei de ombros.
- Bingo. - Apontou para mim, depois bateu na pia, comemorando. - Eu cozinho para você, é só me dizer o cardápio. - Ri alto.
- Para de mentir.
- O quê? Não é mentira, gosto de cozinhar, é um passatempo. - Deu de ombros.
- Você está mentindo. - Negou com a cabeça. - Aí meu Deus, você cozinha mesmo?
- Eu juro. - Deu se ombros.
Fiquei encarando ele um tempão, não era possível, estava em choque.
- Não deve ser uma comida tão boa. - Rolou os olhos.
- Por que você arranja tanto pretexto para não sair comigo?
- Por que você é temporário, está viajando, vai embora hora ou outra, acha que quero sair com alguém temporário? Acha que a minha filha quer alguém temporário? Não, ela é uma criança, não posso me envolver com pessoas como você.
- Você não entende. - Riu baixo, chegando mais perto. - Querida, eu não...
- Mãe!
Olhei na direção do grito, Bella entrando na cozinha, correndo, me pedindo um biscoito e a mamadeira dela. Era uma rotina, ela chegava e eu preparava a mamadeira.
- O que você estava dizendo? - Abri a geladeira, pegando o leite.
- Nada. - Vi ele se afastar. - Preciso ir. - O encarei, preocupada por eu ter dito algo que não gostou. - Te vejo outra hora, se ficar entediada na sua festa, me chama. - Sorriu, saindo da cozinha.
Deu um tchauzinho para a Bella, que só acenou de volta, e depois ficou bem ao meu lado o tempo todo, olhando para cima para ver o que eu estava fazendo, mas ia fazer mal ficar com a cabeça tão levantada o tempo todo, então deixei ela sentada na bancada da pia.
Ela ria o tempo todo, e eu perguntava sobre o dia dela, e ela começava a me contar sobre tudo o que estava fazendo na escola, e sobre como a professora ajudou a escrever "mamãe" no coração.
Enquanto a mamadeira esfriava, tirei os elásticos do cabelo dela e arrumei da melhor maneira, e logo depois entreguei a mamadeira que parecia ser a coisa mais agradável do mundo para ela.
Fiquei observando ela, deitada por cima de mim no sofá, com os olhos na televisão, mesmo que não entendesse nada sobre o programa de perguntas. Tão pequenina e tão esperta, tão quietinha, era uma criança calma, não entendia nada sobre o mundo.
- Por favor, não tenha um sonho ruim hoje. - Sussurrei assim que sentei na cama, depois de deixar ela dormindo. - Por favor, Deus, me proteja essa noite, me permita ter um bom sono. - Fechei os olhos fortemente. - E se eu não tiver, proteja a Bella para mim, obrigada.
Deitei logo depois. Não era sempre que eu fazia orações, na verdade, era raro, mas a esperança era sempre a última que morria.
Apenas deitei, fechei meus olhos e torci para não acordar no meio da noite.
Acordei, desesperada, pulei da cama com o som horrível do alarme, e fiquei apavorada quando vi o relógio marcando sete da manhã.
Eu não acordei, não acordei durante a noite, apenas pela manhã.
- Deus, você é o cara. - Ri sozinha, levantando logo em seguida, realmente alegre.
* * *
Fiquei muito pensativa sobre ir ou não à festa, era sábado, não queria realmente ir, mas além do aniversário de uma colega, ainda era um tipo de confraternização entre o pessoal do trabalho.
Eu tinha um plano, não mandei a Bella para o Justin, na verdade, pedi para Michelle cuidar dela, não ia voltar tarde, meu plano era ficar no máximo uma hora e meia, dar a desculpa de que preciso ir para casa e sair de lá, todos sabiam que eu tinha uma filha pequena, todos entenderiam, nem precisava dizer o motivo da minha volta para casa.
Passei a Bella por cima da cerca de madeira, entreguei ela para a Michelle, e ela nem ligou, estava feliz por estar indo à casa do amigo, a traidorazinha nem me deu tchau direito, mas tudo bem. Tomei um banho, vesti minha meia calça super térmica, minha bota de cano super alto e um vestido preto de manga longa, depois peguei meu sobretudo bege e joguei por cima, só para não ficar muito velório.
Não era sempre que eu me arrumava, o pessoal costumava me ver de calça jeans, tênis, várias meias, muitos casacos e toucas, luvas também, na maioria das vezes. Sabia que alguns iam debochar de mim, por estar tão diferente, até pela minha maquiagem e pelo meu cabelo, e pelos meus acessórios, mesmo que não fossem muitos, ainda era diferente.
Peguei meu glorioso carro, também para usar a desculpa de não beber, e dirigi até a casa da Alice, com um presente que não era nada mais nada menos que um conjunto de produtos de beleza, peguei o primeiro que vi na farmácia, nem nos falávamos direito, foi até caro demais para alguém que nem me conhecia tanto.
Bati na porta da casa, e foi ela mesma quem me atendeu, pegou o presente com um sorriso forçado e me convidou para entrar.
- Quem é você e o que fez com a nossa chefe? - Diana bateu na mesa, fingindo indignação.
- Oh, meu Deus. - Chris abriu a boca, exagerado. - Que merda, você está maravilhosa. - Levantou. - Por que ninguém me avisou que o negócio das roupas era sério? Estou parecendo um mendigo!
- Ninguém acreditou em você, mas eu acreditei, disse que ia arrasar! - Beth disse depois.
- Que mentira, nem disse nada! - Chris disse, e ela fez cara feia. - Senta aí, tem cerveja. - Sorriu largo.
Os acompanhei na mesa, a casa estava mais lotada que eu esperava, nem cabia todas aquelas pessoas, e naquele clima frio, pensei que ninguém iria sair de casa. Para começar, pensei que seria uma coisa pequena, mas tinha decoração, as pessoas estavam mais bem vestidas que eu, e tinha uma caixa gigante cheia de presentes.
A comida não era caseira, eram docinhos comprados, biscoitos, cerveja, suco e água, muito nanaimo, as barras mais bonitinhas e bem enfeitadas que já vi. Não era o meu tipo de passeio, gostava de coisas calmas, não de pessoas esbarrando em mim o tempo todo, vozes altas por conta da música e uma comida não tão boa.
Eu não queria ser chata, reconhecida como a chefe insuportável que nunca saia, mas a minha bateria social acabava rápido demais.
Suspirei no lugar, todos estavam em lugares que eu desconhecia, dançando, bebendo, pulando de grupo em grupo para conversar, e eu sobrei na mesa. Peguei meu celular no bolso do casaco, pronta para a maior loucura da minha vida.
- Kayra Chambers. - Encarei minha tela do celular por momentos, depois encarei a figura ao meu lado.
- Apollo. - Sorri com os lábios. - Preciso incluir o sobrenome também?
- Ah, não precisa. - Negou rápido com um gesto. - Você está bonita, se me permite. - Sorriu.
- Hum...permito, por enquanto. - Ele riu baixo, me encarando depois.
Apollo, nome de Deus grego e a aparência fazia jus, olhos claros, o cabelo ruivo bem cortado, um rosto lindo, poucas sardinhas, ele era tipo o Gui Weasley de Harry Potter, todas as garotinhas tinham uma queda enorme por ele depois do quinto filme, mas não era algo que me chamava atenção. O chefe do departamento, pelo contrário, era bem melhor, e eu avisei que era sincera, podia admitir quando uma pessoa era bonita.
E ele era, bonito, charmoso, simpático, mas nunca foi o suficiente para conseguir um encontro comigo, não que eu fosse muito concorrida, mas sabia que ele queria.
- Como anda o seu lado do departamento? - Perguntou, bebendo algo que eu não sabia o que era.
- Entre ruim e horrível? Ruim. - Rimos baixo. - Eu gosto de lá, só não é exatamente o emprego mais agradável do mundo...
- Nem me fale. - Falou mais baixo, o semblante mudando para triste. - A lista dos desaparecidos tem aumentado, tomara que esse novo delegado seja realmente bom.
- Tomara. - Soltei uma risada baixa. - Esses caras são insuportáveis, eu odeio policiais e toda aquela arrogância deles. - Rolei os olhos.
- Na última vez eles ficaram o tempo inteiro observando o que eu estava fazendo, como se fossem os meus chefes. - Nos encaramos, incrédulos.
Ficamos um tempão naquilo, e já sabia qual era a dele, toda perfeição precisava ter seu ponto fraco. Ele gostava demais do trabalho, sabia conversar com uma mulher, mas quando entrava de cabeça no assunto, nunca mais saia, e particularmente eu não estava com vontade de falar de trabalho.
Abri meu celular quando ele saiu para pegar bebidas, só bebi meio copo de cerveja, minha consciência pesou por estar dirigindo, então parei e fiquei na água.
Eu só tinha o Instagram dele, e se queria tanto uma chance, aquele era o momento.
Kayra: Alerta festa chata!!!
Não estava esperando uma resposta rápida, nem sabia se estava em casa, e teoricamente, deveria estar ajudando a cuidar de duas crianças, ou não, já que também tinha uma vida.
Olhei ao redor, depois de vinte minutos sem respostas dele e Apollo havia se perdido na mesa das bebidas, decidi que já estava passando do ponto de ser tão social e decidi dar vida a antissocial que vivia em mim. A minha bateria acabou, levantei, não avistei ninguém do meu círculo de amizade, então só caminhei até a porta.
Ninguém pareceu se importar comigo saindo, e pessoalmente eu preferia mesmo ir para casa. Até meu celular vibrar e eu parar no meio do caminho para verificar.
Harry: Bem feito, avisei que era melhor sair comigo.
Harry: O que está pensando em fazer?
O jeito que ele me tratava como se fosse íntimo, era realmente estranho, mas não tão desagradável. Pensei na coisa mais idiota do mundo, se ele quisesse aceitar, tudo bem, se não, eu teria que ir sozinha, infelizmente.
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