Tumgik
#diário das minhas insanidades
itsmarciauniverse · 1 year
Text
Aconteceu.
Peguei no carro e conduzi em direção à praia. Precisava improrrogavelmente ver o mar. Precisava de sentir a brisa do marítima no meu rosto corado. Precisava sentir o cheiro mar. Precisava que o barulho das ondas silenciasse todos os meus pensamentos. Precisava de tomar um banho de mar para me lavar a alma, mas já me contentei com ele a banhar-me os pés e a lembrar-me que, como aquelas ondas frias do mar de inverno, tudo o que vem, vai, e volta para onde pertence.
Caminhei cerca de 1km com os pés na areia molhada, até conseguir que o barulho das ondas se sobrepusesse ao barulho mental extremo que sentia naquele dia. Estava finalmente pronta para me sentar e deixar o universo tratar do resto.
Sentei-me numa rocha, ainda morna do sol ameno de primavera que prendava esse dia. Certifiquei-me que me sentava estrategicamente posicionada para ter a visão mais abrangente possível. Podia deixar finalmente o mar entrar pela minha “alma” dentro.
Dou por mim a ter o maior dos meus devaneios. Rocei a insanidade. Conseguia ver-te ali comigo. Estavas a uns metros de distância, bola nos pés, e um pequeno rapazinho de volta de ti. Ele tinha os teus olhos rasgados. Vocês brincavam com a bola; corriam; caiam na areia; sorriam; acenavam; brincavam mais um pouco; corriam novamente, mas desta vez corriam em direção a mim. Alcançam-me. Abraçam-me. Caímos na areia e consigo sentir o peso de vocês os 2 em cima de mim. O rapazinho solta uma gargalhada. Tu beijas-me a testa, e depois os lábios, num beijo demorado. Sorris, eu sorrio de volta. O pequeno rapaz soltou-se e voltou a correr pela areia, e nós ficamos ali, abraçados, ver o pequeno rapaz a fugir das ondas que lhe molhavam aqueles pequeninos pés.
Pensei: “F******. De onde veio isto?!”
O barulho de uma onda a arrebentar numa rocha perto de mim, fez-me despertar deste desvairo, que parece tirado de um qualquer livro ao género de “o diário da nossa paixão”. Mas que na realidade saiu da caverna mais profunda no meu ser.
Percebi, que por mais que eu te tente silenciar, abafar e censurar na minha mente e no meu coração, vais acabar por encontrar um caminho até a superfície.
Semeaste a paixão em mim.
0 notes
10 — das minhas insanidades
Hoje, ao andar pela Avenida Paulista, pensei no que salta aos olhos... a maneira como as pessoas se iluminam ou se apagam para nós...
O real veste nova realidade, a linguagem encontra seu motivo até mesmo nos lances de silêncio. A explicação rompe das nuvens, das águas, das mais vagas circunstâncias: Não sou eu, sou o Outro que em mim procurava seu destino. Em outro alguém estou nascendo. A minha festa, o meu nascer poreja a cada instante em cada gesto meu que se reduz  a ser retrato, espelho, semelhança de gesto alheio aberto…
Tumblr media
View On WordPress
1 note · View note
proto-escrita · 5 years
Quote
O meu cérebro se tranca em confinamento. E eu me escondo dentro de mim em colapso onde tudo é intenso, inclusive o estrago. Fico em silêncio, aqui, nos dias difíceis. O silêncio é uma camada protetora sobre a dor. Porque nem as palavras conseguem expressar a dor da minha alma. Certas coisas são destinadas apenas para serem sentidas. Mas é fundamental que eu chore, e coloque pra fora tudo que segurei por anos? Porque eu passei muito tempo sem conseguir fazer isso, e agora não consigo suportar continuar existindo. Se tornou o meu pior inimigo. É tão perturbador, quanto minha mente que não para de gritar. E o pior momento, é de madrugada em meio a escuridão quando fujo dela e caio em meditação profunda do meu ser. Entre o tráfego da minha mente transmutada. Lutando contra para não ceder espaço para a minha insanidade. Em busca do mais puro sossego, contra os meus anseios. Nesse frígido e repugnante desespero. Agitado como um diabo no volante porque o sol já está surgindo e eu ainda estou enlouquecendo. Eu quero uma licença de dormir. Estou preso no passado. instalado na velhice. Torturado em pedaços. Me sinto capturado com minhas asas cortadas. terrível sensação de queda livre. Eu tô em decadência, vou caindo em pedaços. Me desfazendo em cansaço com o peso da vida. Um caso de suicídio diário em corpo limitado. Dançando sobre os cacos de uma tragédia. Minha ferida brinca de rockstar suicida com meus estilhaços. Já tem dias que eu não durmo. Reinventando minhas asas. E no entanto, as asas não se concretizam. Desaguo no escuro. Temendo meu próprio fundo. Me recrio em dor. Nessa casca que me veste. A dor tem sono leve. Nada me prende. Tudo me rasga, e tudo em mim dói. Até mesmo as partes boas. Eu raramente reajo. Sinto que não resta nada. Como um vasto poema preso em perspectiva falsa, composta por êxtase de inquietudes por liberdade singular. Traumas de carne e osso. Cicatrizes de lembrete. Sonhos reprimidos e a vida sem tempo. Tentando não agir como me sinto por dentro. Uma profunda alma dispensável que fareja a morte aqui dentro. Farejo muitas vezes. Minhas obsessões são mais fortes que antidepressivos. Respiro em silêncio. Ninguém sabe o quão frio é estar sozinho na própria pele. E pelo tempo que me vence, parece que tudo padece. A dor me convence que o frio é pra sempre. E tudo na vida é parede. Um deserto de almas. Já é dia, e eu não olho mais para o céu. O azul que me enchia os olhos, me cegou. Cansei de ficar tanto tempo esperando em horas infernais em um universo solitário, amargurado com sentimentos que ainda não sei lidar. Estou empurrando os dias numa bagunça emocional, nesse plano racional. Em um vazio existencial e felicidade superficial. Tenho medo dessa desorganização profunda. Já me coloquei tantas vezes contra a parede e me exigir uma mudança. Fingindo não existir a metade das guerras interiores que enfrento. Fingindo não existir a metade do quanto penso em desistir de vez. O fim é imprevisível quanto o começo. É horrível chegar à esse ponto. Vou superar, em outro lugar, isso um dia vai acabar. Quando eu for, um dia desses, serei poeira ou folha levada no vento da madrugada.
Messias, Vítor
54 notes · View notes
fabioferreiraroc · 4 years
Text
30 livros brasileiros obrigatórios para ler durante a vida, segundo os leitores da Bula
A Revista Bula realizou uma enquete para descobrir quais são, segundo os leitores, os livros brasileiros que todos deveriam ler pelo menos uma vez na vida. Dentre os mais votados, estão alguns clássicos já conhecidos, como “Memórias Póstumas de Brás Cubas” (1881), de Machado de Assis; mas o público também mencionou várias obras contemporâneas.
A Revista Bula realizou uma enquete para descobrir quais são, segundo os leitores, os livros brasileiros que todos deveriam ler pelo menos uma vez na vida. A consulta foi feita a colaboradores, assinantes — a partir da newsletter —, e seguidores da página da revista no Facebook e no Twitter. 1400 participantes responderam à enquete. Os 30 mais votados foram reunidos com suas respectivas sinopses, que foram adaptadas das originais, divulgadas pelas editoras. Dentre eles, estão alguns clássicos já conhecidos, como “Memórias Póstumas de Brás Cubas” (1881), de Machado de Assis; mas o público também mencionou várias obras contemporâneas, como “Nunca Houve um Castelo” (2018), de Martha Batalha. Os títulos estão organizados de acordo com o ano de lançamento: do mais recente para o mais antigo.
Nunca Houve um Castelo (2018), de Martha Batalha
Martha Batalha recria a trajetória dos descendentes de Johan Edward Jansson, cônsul da Suécia no Brasil. Para contar essa história, a autora relata duas festas de Ano Novo que foram marcantes para a família. Na primeira, no fim do século 19, Johan Edward Jansson conhece Brigitta, em Estocolmo. Eles se casam, mudam para o Rio de Janeiro e constroem uma casa num lugar ermo e distante do centro, chamado Ipanema. Setenta anos depois, Estela, recém-casada com o neto de Johan, presencia uma cena desastrosa para seu casamento em uma festa de Réveillon. “Nunca Houve um Castelo” explora como esses dois eventos definiram a trajetória dos Jansson ao longo de 110 anos. É uma comovente saga familiar sobre escolhas, arrependimentos e as mudanças imperceptíveis do tempo.
Como se Estivéssemos em Palimpsesto de Putas (2016), de Elvira Vigna
Dois estranhos se encontram num verão escaldante no Rio de Janeiro. Ela é uma designer em busca de emprego, ele foi contratado para informatizar uma editora moribunda. O acaso junta os protagonistas numa sala, onde ele relata a ela seus encontros frequentes com prostitutas em suas viagens a trabalho. Ela mais ouve do que fala, enquanto preenche na cabeça as lacunas daquela narrativa e desmonta os argumentos de João. Desses encontros, Elvira Vigna cria um poderoso jogo literário de traições e insinuações, um livro sobre relacionamentos, poder e mentiras. Elvira foi uma das maiores escritoras contemporâneas do Brasil, publicou dez romances, muitos deles premiados; e vários contos. Ela morreu em julho de 2017, vítima de câncer.
Quarenta Dias (2014), de Maria Valéria Rezende
Alice é uma professora aposentada, que tinha uma vida pacata em João Pessoa, até ser obrigada pela filha a abandonar tudo e se mudar para Porto Alegre. Ao chegar na cidade, recebe a notícia de que a filha e o genro irão passar seis meses na Europa. Sozinha em uma cidade desconhecida, Alice se revolta por ter deixado João Pessoa e passa a registrar seus sentimentos em um diário. Ao saber que Cícero Araújo, filho de uma amiga paraibana, desapareceu perto em Porto Alegre, Alice começa a procurá-lo pelas ruas da cidade. Por 40 dias, ela vagueia só, em uma busca frenética que pode levá-la a insanidade. “Quarenta Dias” foi o vencedor do Prêmio Jabuti de Romance, em 2015. Autora de cinco romances, Maria Valéria Rezende é uma das mais aclamadas escritoras brasileiras da atualidade.
O Drible (2013), de Sérgio Rodrigues
Em “O Drible”, Sérgio Rodrigues conta um drama entre pai e filho, recupera episódios sombrios da história recente do país e faz uma celebração do futebol rara na literatura. Desenganado pelos médicos, Murilo Filho, um cronista esportivo de 80 anos, tenta se reaproximar do filho, Neto, com quem brigou há um quarto de século. Toda semana, em pescarias dominicais, Murilo preenche com saborosas histórias dos craques do passado o abismo que o separa de seu filho. Revisor de livros de autoajuda, Neto leva uma vida medíocre colecionando quinquilharias dos anos 1970 e conquistando moças. Desde os 5 anos, quando a mãe se suicidou, sente-se desprezado pelo pai.
Barba Ensopada de Sangue (2012), de Daniel Galera
Um professor de educação física busca refúgio em Garopaba, um pequeno balneário de Santa Catarina, após a morte do pai. O protagonista, cujo nome não conhecemos, se afasta da relação conturbada com os outros membros da família e mergulha em um isolamento geográfico e psicológico. Ao mesmo tempo, ele empreende a busca pela verdade no caso da morte do avô, o misterioso Gaudério, que teria sido assassinado décadas antes na mesma Garopaba, na época apenas uma vila de pescadores. Sempre acompanhado por Beta, cadela do falecido pai, o professor interroga os moradores mais antigos da cidade.
Pornopopeia (2008), de Reinaldo Moraes
Um marco na ficção contemporânea, “Pornopopeia” é um livro sobre a obsessão pelo prazer e o individualismo exacerbado. Conta a história de José Carlos Ribeiro, o Zeca, um ex-cineasta marginal e dependente químico, que tem um único longa-metragem em seu currículo, chamado “Holisticofrenia”. Agora, para sobreviver, ele precisa se dedicar à produção de vídeos promocionais de gosto duvidoso. Empacado em um projeto para uma empresa de embutidos de frango, Zeca acaba entrando numa espiral de bebidas, sexo e drogas. Na contramão dos personagens tradicionais, o produtor não está atrás de redenção ou transformação. Na maior parte do tempo, quer apenas se entregar aos prazeres, sem pensar no amanhã.
O Filho Eterno (2007), de Cristóvão Tezza
Editora Record
“O Filho Eterno” é um relato autobiográfico narrado em terceira pessoa. Na sala de espera, entre um cigarro e outro, o protagonista está prestes a ter seu primeiro filho. Ao ver o médico, ele pergunta se está tudo bem, mas não tem dúvidas da resposta positiva. Em sua cabeça, já imagina o filho com cinco anos, a cara dele. Enquanto ainda tenta se acostumar com a novidade de ter se tornado pai, ele tem que se habituar com uma outra ideia: ser pai de uma criança com síndrome de Down. A notícia o desnorteia e provoca uma enxurrada de emoções contraditórias. Nessa história, Tezza expõe as dificuldades e as saborosas pequenas vitórias de criar um filho com síndrome de Down.
Eu Receberia as Piores Notícias dos seus Lindos Lábios (2005), de Marçal Aquino
No momento em que começa a narrar os fatos de “Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios”, o fotógrafo Cauby está convalescendo de um trauma numa pensão barata, numa pequena cidade do Pará. Paulistano, culto e viajado, ele decidiu deixar a vida confortável para viver novas experiências no interior do Norte. Fazendo bicos para o jornal local, ele se depara com Lavínia, uma mulher sedutora e misteriosa, que é casada com Ernani, um pastor evangélico. Lavínia era uma mulher viciada em drogas e foi tirada das ruas por Ernani, a quem se sente grata. Mas, apenas pela troca de olhares, ela acaba se apaixonando por Cauby. Mesmo diante de todos os perigos, eles se arriscam a ficar juntos.
Deixe o Quarto Como Está (2002), de Amilcar Bettega Barbosa
Um homem toma um trem para sair da cidade, mas não consegue deixar o perímetro urbano. Outro personagem acorda em seu quarto e percebe que está acompanhado de um crocodilo. Uma casa redesenha a própria arquitetura como se estivesse viva. Nas histórias de “Deixe o Quarto Como Está”, a lógica cotidiana abre espaço para estranhos eventos. Alguns dos contos, como “Auto-retrato”, “Aprendizado” e “Para salvar Beth”, permitem uma leitura realista. Outros adentram sem hesitação o terreno do fantástico: “Hereditário”, “O crocodilo”, “O rosto”, e “O encontro”, fantasias kafkianas narradas com o humor de um cineasta surrealista. Há também relatos que ficam entre o real e a fantasia, como “Exílio”, “Correria” e “Espera”. O livro recebeu o Prêmio Açorianos de Literatura, em 2003.
Chove Sobre Minha Infância (2000), de Miguel Sanches Neto
“Chove Sobre Minha Infância” nasce das vivências reais do paranaense Miguel Sanches Neto, mas não é uma autobiografia. Mesmo quando se vale de suas próprias experiências, o autor não busca a verdade factual, mas a psicológica. Ainda pequeno, o protagonista, que leva o mesmo nome do autor, perde o pai analfabeto. Como herança, recebe cadernos em branco com a missão de preenchê-los. Muito pobre, a mãe de Miguel se casa com Sebastião, um caminhoneiro que se torna proprietário de uma cerealista. Com vocação para as letras, o garoto passa toda a infância e adolescência em embate com o padrasto, que despreza qualquer outra ocupação que não seja braçal.
Madona dos Páramos (1982), de Ricardo Guilherme Dicke
Doze foragidos da força policial mato-grossense se embrenham sertão adentro, a cavalo, em busca da a Figueira-Mãe, terra que representa a promessa de bem-estar e justiça. Como num ritual de iniciação, a jornada pelo sertão do Tuaiá é uma travessia de enfrentamentos contra o clima e a geografia daquele espaço inóspito. Entre os doze, a Moça Sem Nome, arrebatada do lar e da família à força, é a única mulher. Embora se mantenha imaculada, suas curvas serpenteando no andar dos cavalos atraem o desejo de todos. Filho de garimpeiros, Ricardo Guilherme Dicke nasceu na Chapada dos Guimarães, no Mato Grosso, em 1936. Além de escritor, foi artista plástico. Ele morreu em 2008.
Poema Sujo (1976), de Ferreira Gullar
“Poema Sujo” é conhecido por transgredir os limites da linguagem poética. Foi escrito na Argentina, onde Ferreira Gullar estava exilado, durante a ditadura militar. Os mais de dois mil versos, com traços autobiográficos, são um desabafo e relembram a vida do autor, desde a infância, vivida no Maranhão, até os ideais políticos que abraçou na maturidade. Pensando estar próximo da morte, resolveu escrever convulsivamente, escancarando os problemas sociais do Brasil e da América Latina. “Sentia-me dentro de um cerco que se fechava. Decidi, então, escrever um poema que fosse o meu testemunho final, antes que me calassem para sempre”, escreveu Gullar sobre “Poema Sujo”.
Catatau (1975), de Paulo Leminski
Escrito ao longo de oito anos, “Catatau” é um livro de prosa experimental que trata das alucinações do filósofo Descartes em uma visita ao Brasil, junto com Mauricio de Nassau, durante as invasões holandesas do século 17. Perdido na selva tropical de Pernambuco, se assusta com a natureza abundante, com os costumes dos indígenas e vê sua razão naufragar: “Duvido se existo, quem sou eu se esse tamanduá existe?”, pergunta. Enquanto vagueia sobre a realidade encontrada, espera um amigo polonês que, supostamente, virá buscá-lo. Um clássico da literatura recente, “Catatau” se filia à grande tradição das novelas satíricas filosóficas de grandes autores, como Denis Diderot e Daniel Defoe.
Feliz Ano Novo (1975), de Rubem Fonseca
“Feliz Ano Novo”, livro de contos de Rubem Fonseca, aborda temas como violência, moralismo, solidão e caos urbano. Publicada em 1975, época em que o Brasil vivia a ditadura militar, foi censurada pelo governo por apresentar os problemas sociais do país e pela linguagem violenta. Enquanto proibido no Brasil, foi editado na Espanha e na França. Só foi liberado por aqui em 1985. O conto que dá nome ao livro conta a história de três amigos, na noite ano novo, que vão buscar armas para assaltar um banco dali a dois dias. Mas, ao pegarem as armas, decidem usá-las na mesma noite, para invadir uma festa de réveillon da elite. Ao fim do conto, após matarem e violentarem várias pessoas, eles brindam a chegada do novo ano.
Lavoura Arcaica (1975), de Raduan Nassar
Em um texto que entrelaça o novelesco, o lírico e elementos bíblicos, “Lavoura Arcaica” narra a vida de André, um jovem do meio rural que decide abandonar a numerosa família do interior para morar sozinho em outra cidade. Fugindo do ambiente sufocante da lavoura, ele procura se afastar da rigidez moral de seu pai e da paixão incestuosa pela própria irmã, Ana. Os parentes estranham o desaparecimento de André, e o irmão mais velho, Pedro, é encarregado de trazê-lo de volta. É a partir das indagações de Pedro que surgem as lembranças de André. Logo após a publicação, o livro mostrou-se revolucionário, conquistando o status de clássico da literatura brasileira.
O Encontro Marcado (1967), de Fernando Sabino
Dividido em duas partes, o livro narra a vida do escritor Eduardo Marciano, considerado o alter ego de Fernando Sabino, em sua contínua busca pelo sentido da existência. Nascido em Belo Horizonte, em Minas Gerais, Eduardo é um filho único, que cresce ao lado de seus melhores amigos, Mauro e Hugo. Boêmio e questionador, decide se tornar escritor, contrariando o pai, que deseja que ele tenha uma profissão formal. Tudo muda quando Eduardo se apaixona por Antonieta, se casa repentinamente e vai morar no Rio de Janeiro. Após o casamento, a monotonia da vida a dois atinge o escritor, que se distancia cada vez mais da mulher e acaba sendo deixado por ela. Em depressão, Eduardo volta a Minas Gerais para encontrar seus antigos amigos e refletir sobre as escolhas que fez durante a vida.
Os Dragões e Outros Contos (1965), de Murilo Rubião
Uma coletânea de 20 contos, este livro representa a essência de Murilo Rubião, considerado um dos precursores do realismo fantástico no Brasil. Mesclando o real cotidiano às tramas excêntricas, cria histórias que levam o leitor à reflexão. No texto que dá nome à obra, dragões chegam repentinamente a uma pequena cidade. As crianças brincam com os seres, alguns adultos consideram que devem ser domesticados, mas o padre diz que os dragões foram enviados pelo diabo e precisam ser nomeados e batizados. Formado em Direito, Murilo Rubião foi atraído pelo jornalismo e, mais tarde, se tornou escritor, dedicando-se exclusivamente aos contos. Nascido em 1916, na cidade de Carmo de Minas, ele morreu em 1991.
O Vampiro de Curitiba (1965), de Dalton Trevisan
O livro possui 15 contos, todos ambientados em Curitiba e impregnados de suspenses e enigmas. Assim como um vampiro, Nelsinho, principal personagem, busca, sem culpa ou pudor, o prazer a qualquer custo. Obcecado por sexo, vagueia pela provinciana Curitiba atrás de suas vítimas, andando por caminhos obtusos enquanto abre os olhos do leitor à visão de uma cidade decadente. Considerado uma obra-prima do autor, este livro traz Dalton Trevisan em sua forma mais clássica: objetivo, conciso, minimalista, irônico e pessimista. As histórias representam situações-limite que, por seu absurdo, contêm elementos de paródia, humor e fantasia, ao mesmo tempo em que exploram a crueldade e a sordidez revelados nos impulsos mais profundos do ser humano.
A Paixão Segundo G.H. (1964), de Clarice Lispector
A narrativa banal, mas ao mesmo tempo dotada de genialidade, aborda os pensamentos de G.H., uma mulher comum que despede a empregada doméstica e decide fazer uma faxina no quarto de serviço, que ela supõe ser imundo e cheio de inutilidades. A protagonista se frustra ao encontrar o local limpo e arrumado, ao contrário do que imaginava, mas a insatisfação é interrompida quando ela se depara com uma barata. Depois de esmagar o inseto, G.H. decide provar a massa branca que surge de suas entranhas, e o episódio faz com que ela tenha uma grande revelação sobre si mesma. G. H. sai de sua rotina civilizada, reconhecendo sua condição de dona de casa e mãe como um selvagem.
Os Cavalinhos de Platiplanto (1959), de José J. Veiga
Estreia de José J. Veiga, “Os Cavalinhos de Platiplanto” é uma coletânea de 12 contos que traz, em geral, memórias sobre a infância. Os contos do livro apresentam ao leitor um universo que mescla o embate entre os sonhos de seus personagens e a realidade do cotidiano. A história que dá nome à obra fala sobre um garotinho, criado no interior, que possui uma grande afeição pelo avô, que está doente. Com o passar do tempo, o menino entende que não ganhará o presente que lhe foi prometido pelo avô: um cavalinho. Conhecido como o maior autor de realismo fantástico em língua portuguesa, José J. Veiga foi vencedor dos prêmios Jabuti e Machado de Assis. Ele nasceu em 1915, em Corumbá de Goiás; e morreu em 1999.
O Ventre (1958), de Carlos Heitor Cony
Primeiro romance de Carlos Heitor Cony, “O Ventre” relata o drama de José Severo, um jovem desajustado. Nascido em uma família da classe média alta do Rio de Janeiro, é desprezado pelo pai ao longo da vida, por ser fruto de uma relação extraconjugal da mãe. Na adolescência, tem uma relação de amor e ódio com o irmão mais novo, superprotegido por ser asmático. É mandado para um colégio interno, enquanto o irmão recebe todas as regalias em casa. Além disso, Severo é ignorado pela mulher que ama desde a infância. Após a morte da mãe, decide se afastar de tudo e de todos, levando uma vida amargurada e solitária. Influenciado pelo existencialismo francês e pelo estilo machadiano, o livro foi saudado pela crítica já em 1958, ano de sua publicação
A Lua Vem da Ásia (1956), de Campos de Carvalho
“A Lua Vem da Ásia” é um marco da literatura surrealista no Brasil, uma pseudobiografia em forma de diário que abriga as confissões de homem, chamado Astrogildo, que vive em um hotel de luxo que, para o bem da verdade, parece-se mais com um campo de concentração ou com um manicômio. Os funcionários do estabelecimento são vigilantes risíveis; o maitre ministra sopas e banhos aos hóspedes; o gerente é aficionado por disciplina e horários; sua mulher aplica injeções em quem encontra pela frente; e as grades nas janelas espantam os ladrões. Ao contar suas recordações — ou alucinações —, Astrogildo narra um mundo governado pela lei do absurdo, mas que é assustadoramente semelhante à normalidade de qualquer um.
Grande Sertão: Veredas (1956), de Guimarães Rosa
Nesta obra, o autor utiliza da linguagem própria do sertão para que Riobaldo, o protagonista-narrador, conte sua vida. Riobaldo, um jagunço, fala sobre suas histórias de vingança, lutas, perseguições, medos, amores e dúvidas pelos sertões. A narração é sempre interrompida por momentos de reflexão sobre os acontecimentos do sertão e Riobaldo divaga constantemente sobre a existência do diabo, já que acredita ter vendido sua alma a ele. Além disso, o narrador conta sobre Diadorim, outro jagunço com quem estabelece uma relação diferenciada, que se coloca nos limites entre a amizade e o relacionamento afetivo de um casal.
Romanceiro da Inconfidência (1953), de Cecília Meireles
“Romanceiro da Inconfidência” é considerado o livro mais importante de Cecília Meireles. A obra é o resultado de uma longa pesquisa histórica da autora, que construiu um retrato da Inconfidência Mineira em forma de versos. Os versos foram um único e extenso poema, que representa uma reflexão filosófica e metafísica sobre a condição humana. A narrativa é contada do ponto de vista dos derrotados (transformados em heróis após a Independência), e denuncia as mazelas do sistema imperial, que vigorava à época. Ela aborda acontecimentos como a descoberta do ouro, a chegada dos mineradores e a morte de Tiradentes.
O Tempo e o Vento (1949-1962), Erico Verissimo
“O Tempo e o Vento” é uma trilogia de romances históricos, divididos em: “O Continente” (1949), “O Retrato” (1951), e “O Arquipélago” (1961). O romance conta a história do Brasil vista a partir da região sul, desde a ocupação do “Continente de São Pedro”, em 1745, até o fim do Estado Novo, em 1945. Toda a trama é criada a partir da saga das famílias Terra, Caré, Amaral e Cambará. Neste cenário, desfilam personagens fascinantes, como o enigmático Pedro Missioneiro, a corajosa Ana Terra, o sedutor Capitão Rodrigo e a tenaz Bibiana. O livro é considerado por muitos a obra definitiva do Rio Grande do Sul e uma das mais importantes do Brasil.
Vidas Secas (1938), Graciliano Ramos
Em “Vidas Secas”, publicado originalmente em 1938 e considerado um dos mais importantes romances da história da literatura brasileira, o autor retrata a vida de uma família de retirantes nordestinos. O que impulsiona os personagens, Fabiano, Sinhá Vitória, os filhos e a cachorra baleia é a seca, áspera e cruel, e paradoxalmente a ligação telúrica, afetiva, que expõe naqueles seres em retirada, à procura de meios de sobrevivência e um futuro. Considerado o maior ficcionista do Modernismo brasileiro, Graciliano Ramos ficou conhecido por denunciar as mazelas sociais do Nordeste. Com “Vidas Secas”, ganhou o Prêmio Fundação William Faulkner, nos Estados Unidos. Ele morreu em 1953.
Macunaíma (1928), de Mário de Andrade
Considerado a obra-prima de Mário de Andrade, “Macunaína” é fruto das pesquisas que o autor fazia sobre as origens e especificidades da cultura do povo brasileiro. O protagonista, Macunaíma, nasce negro, em uma aldeia indígena. Já na infância, manifesta sua principal característica: a preguiça, e desde tenra idade sofre uma pulsão sensual que não conhece limites. Sua saga envolve a busca pela muiraquitã, um amuleto de pedra, que o leva a São Paulo, onde, após banhar-se em águas encantadas, se torna branco, louro e de olhos azuis. Admirada como uma reflexão provocante sobre a identidade de um povo em formação, a obra tornou-se um ícone popular do país.
Eu (1912), de Augusto dos Anjos
Em “Eu”, único livro de poemas de Augusto dos Anjos, o autor constrói um retrato da humanidade, a partir de uma visão pessimista, com inclinação para a morte. Exprime melancolia, ao mesmo tempo em que desafia o movimento parnasiano, usando palavras não-poéticas. Quanto à estrutura, pode-se dizer que as poesias de Augusto dos Anjos apresentam rigor na forma e rico conteúdo metafórico. Um marco do período pré-modernista brasileiro, “Eu” só foi reconhecido após a morte do escritor, em 1914. Paraibano, ele morreu aos 30 anos, vítima de uma pneumonia. Seus outros poemas foram lançados em periódicos.
Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), de Machado de Assis
O livro é narrado por Brás Cubas, um “defunto-autor”, ou seja, um homem que já morreu e deseja escrever sua autobiografia. Na infância, foi cercado pelos privilégios da elite carioca do século 19. Era um garoto mimado, chamado de “menino diabo”. Já adolescente, se apaixonou por Marcela, uma prostituta de luxo, com quem quase gastou toda a fortuna da família. Para esquecê-la, vai estudar em Coimbra, em Portugal, mas volta ao Brasil com o diploma nas mãos. Inapto para o trabalho, decide entrar para a política. “Memórias Póstumas de Brás Cubas” é considerado um livro divisor na literatura brasileira e na carreira de Machado de Assis, representando a transição do autor do romantismo para o realismo.
30 livros brasileiros obrigatórios para ler durante a vida, segundo os leitores da Bula Publicado primeiro em https://www.revistabula.com
4 notes · View notes
expressiveness · 5 years
Text
Cativeiro
Pensamentos perturbadores deturpam minha mente com uma enxurrada de lembranças, são dias sombrios que projetam-se em meu subconsciente. Um sentimento pungente toma forma dentro de mim: medo. Em meio a escuridão, sinto o coração apertar, a forte angustia que dá nó em todo corpo. Ouço barulhos de correntes resvalando pelo chão, a cada segundo o som fica mais audível. Memórias reavivam-se em minha cabeça.
Sinto-me mais uma vez enclausurada naquele cativeiro. Uma forte reminiscência de minha insanidade deixa-me assustada, assustada e ainda mais acordada. Por que a dor tinha de deixar-nos tão frágeis?
Eu era uma figura esguia, com aparência de morta-viva, com olhos sem esperança. Vivia imersiva dentro de um infindável delírio de que já não era mais capaz de estar em perfeito estado de consciência. Levantar da cama parecia ser o maior e mais impossível dos desafios diários. Passava meus dias como se nada mais dentro de mim vivesse.
O choro e a tristeza engoliam-me como se fossem o mais feroz dos mares. O desespero me fazia inconsequente, ele surgia e me fazia pensar em morte. A ideia de morte me parecia mais fascinante que repugnante. Teorias sobre a morte contavam-me que ela era o princípio de tudo, nela encontrávamos vida, amor, algumas dores e, liberdade acima de tudo. Insanamente minha cabeça moldou tudo que era negativo em lindos sonhos, então o pensamento tornou-se necessidade de ação. Assim me tornei suicida.
Hoje, às três da manhã, sinto medo da loucura. Minhas mãos tremem, meu coração bate em ritmo descompensado, as lágrimas não param de cair. Estou frágil novamente, sinto dores familiares em feridas conhecidas e recém cicatrizadas. Temo por todos os avanços que fiz em meu novo tempo, temo porque não quero perder o controle e reviver aquela sombra que um dia me habitou. Penso por um instante naquela quarta-feira e a aflição me esmaga o peito. Questiono-me se aquela suicida que fazia parte de mim realmente deixou mesmo de existir. Sei que não. Então aquela quarta-feira se acende com mais intensidade em minha memória.
Estou em recuperação da doença, não tenho o controle árduo sobre mim, por isso sinto medo. Medo de minhas vontades, medo de minhas escolhas. Sinto medo da quarta-feira de maio, sinto medo da quarta-feira de setembro. Fecho os olhos e tenho medo de dormir, quando durmo, tenho medo de sonhar. Quando sonho, tenho medo de acordar e estar, mais uma vez, presa no cativeiro.
— Meus.
6 notes · View notes
ohmy-marina · 2 years
Text
Faz tempo que não venho escrever alguma coisa por aqui. Eu nunca sei como começar um texto em prosa, porque sempre parece muito bobo e infantil demais, como se eu estivesse ainda tentando falar pra um diário como eu fazia anos atrás. A diferença é que naquela época funcionava só dar uma saudação qualquer, como se as páginas tivessem ouvidos e pudessem entender minha tentativa de ser gentil. Pode ser por causa dessa falta de jeito e receio de parecer boba que eu parei de escrever o que vinha na minha mente... pra te falar a verdade eu nem lembro quando ou porquê eu parei de fazer diários. Era uma boa estratégia, pra alguém que não se via pra fora da própria mente, nem mesmo de frente pro espelho. De toda forma, eu deveria ter continuado, mesmo que fosse pra escrever poucas palavras além da saudação. Talvez se eu tivesse continuado a escrever, não teria chegado aos 30 anos de idade já transbordando nas minhas próprias mãos, sem conseguir mais disfarçar pros outros o que está acontecendo.
A pergunta que não quer calar é: como eu me sinto? Nada de coxinhas recheadas de esgoto dessa vez; não tenho nenhuma metáfora física. Me sinto como uma perda de tempo.
O curioso é que não acho que eu seja uma perda de tempo pra mim mesma, pelo contrário - se eu tivesse passado mais tempo pensando apenas em mim mesma, nos meus próprios progresso e prosperidade, eu teria feito um uso bem melhor do meu tempo até hoje. Não. Eu me sinto uma falta de tempo pras outras pessoas. Os outros, essa amálgama de pessoas que não ocupam meu corpo e que estão distribuídas entre as categorias de família, amigos, conhecidos e desconhecidos. Eles, que sempre tiveram medalha de ouro, que sempre foram alvo das minhas preocupações mais íntimas.
Os últimos 20 anos tem sido uma corrida em busca da libertação. O que eu mais queria era ser livre, conseguir finalmente fazer certas coisas do meu jeito (descobrir, afinal, qual era o meu jeito de fazer as coisas). Minha rebelião interna começou a passos pequenos, desafiando autoridades mais explícitas, entendendo qual era o meu conceito de justiça no mundo, me afastando aos poucos de realidades e cotidianos comuns que não preenchiam meu imaginário - espantando a engenharia em prol de algo mais criativo, a escada do sucesso normativo em favor do caos orgânico do experimentar. Deu certo. Não posso nunca não agradecer ao universo por ter chegado aonde cheguei, da forma como cheguei. Sou grata por ter conseguido popular os sonhos que pareciam inalcançáveis do meu criança, tanto pareciam absurdos pra mim que eu nunca tive muita coragem de nomear essas vontades de "sonhos". Mas cá estou, que bom.
Eu achei que a sobreposição de poderes tinham acabado, pelo menos internamente. Sabe, tirar a autoridade emocional de uns (no caso, os outros) e passar pra quem tem o direito primordial sobre ela (no caso, eu mesma). Achei que isso tivesse acabado quando resolvi dar um basta nas insanidades dos meus pais e no incômodo que vinha do convívio com a minha família. Ou quando resolvi encarar meus interesses românticos da mesma forma que sempre encarei meus amigos mais próximos, pensando que daí eu conseguiria finalmente - como disseram os búzios - amar de forma diferente, sem preconceitos. Boba, eu.
Ainda me parece inacreditável, mas descobri que o lugar que eu dava aos meus amigos mais próximos, dentro do meu "território relacional", era completamente desproporcional. Eles estavam instalados bem no meio, com acesso a tudo, vista privilegiada e todo tipo de prioridade emocional que você pode pensar. Sendo bem honesta, eu não posso dizer que percebi isso só agora. Não é de hoje que venho tentando me afastar um pouco, experimentar novas amizades, criando novos círculos aqui e ali na busca por me sentir um pouco mais...em casa? Atualmente, porém, não é mais uma questão de experimentar. O que me deixa triste de verdade é saber que não existe uma única verdade aqui - se eu paro pra pensar bem sobre o assunto, consigo chegar a várias conclusões factuais que vão desde eu estar completamente certa até eu estar completamente errada - por que a existência é uma bagunça de fluxos intermitentes sem começo nem fim. Dentro desses extremos, uma variável fixa sou eu me sentindo como a cauda de um vestido muito longo ou uma capa de super-herói: pode ser interessante e até muito legal, desde que esteja sempre atrás da pessoa que usa a peça, acompanhando seus movimentos. Percebi tarde demais que em algum momento o vestido que usavam passou a não precisar mais de cauda e que os super-heróis na verdade já não usavam capa por qualquer motivo que fosse. Eu fiquei, então, voando por aí, um pedaço de tecido bonito que ninguém nunca vai conseguir explicar o porquê de já ter sido útil.
Por mais que eu comece um texto sem intenção de usar metáforas, eu acabo me perdendo nelas e fazendo um milhão de voltas pra evitar dizer o que está na minha cabeça.
Eu perdi meus amigos.
Todo mundo tem uma receita pra superar um relacionamento que acabou. Quando algo romântico chega ao fim, é normal e esperado que se passe por um luto que pode até quase te enlouquecer em alguns casos muito extremos. Uns podem achar que é besteira, outros podem entender completamente, mas nunca é algo que se diga não existir. O luto do término de um relacionamento existe, esta pessoa não está mais comigo, este indivíduo é meu ex.
Como eu devo lidar com o luto do término das minhas amizades?
Uma hora ou outra eu vou precisar desconsiderar ou pelo menos parar de pensar em como machucou perceber que eu coloquei essas pessoas no centro da minha vida e elas sequer perceberam, ou não se interessaram muito em perceber. Essa é uma ferida que eu acho que vai demorar mais do que todas as outras pra fechar, dado que agora aquele terreno centralizado e muito bem localizado está mais vazio e mais assombrado que um parque de diversões abandonado. De alguma forma, enquanto essa ferida vai fechando, milímetro por milímetro, eu vou precisar encontrar uma forma de seguir em frente e deixar o que passou, pra trás.
O mundo à minha volta está obliterado. Não importa muito a religião que eu tenha escolhido seguir, ou os preceitos de vida que eu tenho ou deixo de ter - o mundo que temos hoje é um lugar terrível e quem quer que seja o responsável por ele, nunca vai me fazer entender como existem pessoas sem ter o básico para viver bem.
Sendo assim, estando cercada por uma realidade que não deveria ser real, eu preciso desesperadamente voltar meus olhos pra esse meu território, que é o que na teoria eu consigo controlar (a teoria é sempre muito bonita). Os ecos do lado de fora continuam entrando nos meus ouvidos e sambando na minha mente; os outros, essas pessoas que nos últimos 20 anos eu venho tentando expurgar do meu espaço, continuam esbravejando suas maneiras e métodos mesmo depois de eu desistir de lhes mostrar a minha versão do mapa da vida. Eu preciso parar de me sentir sozinha num lugar onde eu nunca deveria ter me sentindo de outra forma. Eu preciso me acostumar com o silêncio da minha própria voz pra que eu não seja afetada pela falsa companhia desses gritos ensurdecedores de fora, que podem vir também como um gesto, um olhar ou até mesmo em forma de silêncio - e o silêncio dos outros realmente machuca demais.
Pra lidar com essa terra arrasada, me movimentar pra colocar na mesa da sala o básico que todos deveriam ter e continuar construindo o meu projeto inacabado de vida até que ela finalmente acabe, eu vou precisar de remédios. Quem sabe em breve eu consiga tirar essas muletas e me firmar nos meus próprios pés, com a certeza de que o eco da agonia nunca mais vai entrar pra perturbar a prosperidade dos meus sonhos de criança boba.
0 notes
imprecisavel · 6 years
Text
Você
em poucas palavras e resumindo em uma frase: você não é e nunca será o amor da minha vida!
mas antes que isso soe como algo negativo, tudo tem uma justificativa. eu te amo. muito. mais do que já amei outra pessoa antes. isso tudo é fato! mas se fosse possível falar o principal motivo pra esse amor, eu diria que é a espontaneidade.
explicando melhor minha primeira frase, o amor da minha vida foi, é e sempre será uma idealização MINHA do que seria a "pessoa perfeita". soa até bizarro então, eu esperar que em algum momento poderia existir alguém que fosse se adequar a exigências do meu subconsciente.
<beira a insanidade isso>
ninguém jamais será essa pessoa. e mesmo sendo algo idealizado por mim, no fundo nem eu quero que essa pessoa exista. até porque, qual seria a graça de conhecer alguém tão previsível se o que nos instiga mais profundamente é a curiosidade sobre o que pode vir a acontecer.
fato é que eu amo sua espontaneidade, a forma como, mesmo depois de um bom tempo, a cada dia eu vejo que existe algo a mais pra ser descoberto e que quando menos espero, sou surpreendido com algo que eu não tinha conhecimento até então.
eu te amo porque você me faz sair da zona de conforto. me faz temer o que pode acontecer, mas ao mesmo tempo me deixa curioso a querer 'pagar pra ver'. eu te amo porque um sorriso seu me faz parar e esquecer, mesmo que momentaneamente, todos os problemas que tenho. porque mesmo a 196,1Km de distância, ainda está preocupado se eu me alimentei durante o dia. eu te amo porque mesmo você sempre achando motivos pra me elogiar, fica envergonhado quando escuta um 'eu te amo' vindo de mim. fora que, escancara sem medo algum a saudade que guardou por tantos meses sofridos de tormenta por viver ao lado das pessoas que mais ama.
você nunca será a pessoa que eu sonhei que conheceria. nunca estará dentro do que eu acho que deveria ser o perfeito. nunca será o amor da minha vida (tentativa de retomar o início do texto pra concluir kk). até porque você é mais do que esse pensamento utópico poderia significar. você é a pessoa que me faz acreditar no verdadeiro sentido do que se denomina como amor: algo construído, cultivado, diário, inconstante mas nunca ausente, desafiador, gratificante e principalmente recíproco.
mesmo depois desse ano cheio de altos e baixos, posso dizer que me encontro com o companheiro que nunca desejei e que exatamente por essa contradição extraordinária que eu te amo. porque no fundo, ninguém quer um amor para a vida, a gente quer um amor para o agora. porque expectativa futura nunca é satisfeita. o futuro nunca chega e sempre será algo relativo. assim como desenhos subconscientes de pessoas perfeitas nunca se concretizarão.
eu não quero estar na zona de conforto. ser desafiado a estar sempre inconstante é o que faz da vida algo que valha a pena. e é isso que você traz de contribuição pra minha vida, algo que posso falar com toda a convicção que me faz nunca me arrepender do pedido que fiz a você há 322 dias atrás.
a parte mais melosa que se poderia falar, você já está cansado de ouvir. mesmo sendo verdade, as vezes soa como algo forçado já que todo mundo sempre fala o óbvio. mas acho que de certa forma ficou claro que o real motivo pra eu te amar é que o que sinto por você não é óbvio kk. é algo tão complexo e indescritível que não há ser algum que possa negar que isso seja algo que realmente possa ser chamado de amor.
|
- Manoel Lopes
1 note · View note
nicollyraimundo · 2 years
Text
Quebraram as correntes
Mas os atiraram ao solo como serpentes
Abriram as portas e jogaram fora
Ao relento e sem acalento
Libertaram a negritude mas negaram suas virtudes
O laço foi desatado mas o mal apenas havia começado
FUGITIVOS declarados e até hoje caçados
Vítimas cruéis da insanidade e do Racismo velado
Preto morto pra tudo que é lado
e de direitos negados
De escravos a assalariados
E querem que eles comemorem o "saudoso" 13 de maio
TUDO ERRADO e de passado manchando
As pedras assentadas debaixo de sangue negro e mãos de escravos
A falsa liberdade que quebrou as correntes mas não deu nemhum trocado
TUDO ERRADO que seja comemorado no futuro o dia que a reparação será histórica e o mal trancafiado
Que a burguesia alva desça dos seus tamancos e devolva tudo que nos foi tomado
E que se dane o 13 de maio
Enquanto minha pele for alvo de bala em confronto diário
Que os retintos cheguem ao topo sem medo de serem sabotados
E que um dia tenham igualdade perante a aristocracia e ao abuso do estado
E que essa data seja sim lembrada no calendário
Enquanto isso dane-se o 13 de maio
E essa tão falsa liberdade
Nicolly
Tumblr media
0 notes
martinz · 3 years
Photo
Tumblr media
Crucificação do Óbvio Você pode crer que estou doente, que isso tudo é a mais pura loucura, que minha imaginação produz uma arte fraca sem importância. Eu digo que você não é o tempo, que seu entendimento é limitado. Mas tudo que eu tenho é a minha fé, aquele algo invisível, vozes da inspiração que me guiam como acontece agora. É verdade que às vezes nem mesmo eu compreendo ao certo o que quer dizer ou como surge. É um desafio, viver também. Faz parte do encontro diário a dúvida. A certeza é frágil como uma rocha prestes a ser explodida pelo homem. A erosão do conhecimento é uma tragédia necessária. A desfiguração da língua pode ser a construção de uma nova comunicação. Contradições e confusões são ruídos na eminência de uma nova interpretação. A arqueologia dos mais novos modismos é somente uma tendência do passado. Pensar hoje é diferente nas escolas de outrora. É preciso prosseguir mas não se engane, nem sempre pra frente pois esse é um dos caminhos apenas. Alguns erros não são por acaso. Nunca é tarde para iluminar um bom verso obscuro. Essa insanidade que você julga já se doou por nós. Martinz 100921 https://www.instagram.com/p/CVdGuCglSiZ/?utm_medium=tumblr
0 notes
tormentosblog · 3 years
Text
Diário de um depressivo...
No alge da minha insanidade mental fico buscando algo que indique como tudo começou,como se de alguma forma eu pudesse consertar o estrago que foi feito.
As vezes os sentimentos são tão loucos que você nem sabe o que quer.
Em determinado momento você deseja que alguém venha em seu socorro e te arranque desse poço mas ao mesmo tempo você quer ficar sozinho e se afundar até não mais respirar.
Eu fui alguém com tantos sonhos e hoje possivelmente estou fadada a derrota,insegura e com uma bagagem enorme.
Meus pensamentos...
Meus sentimentos...
Pensar ou sentir?Viver ou apenas existir??
Tumblr media
0 notes
hcoly · 4 years
Text
"Tenho diários, nove deles. Eu devo ter escrito mais alguns ao decorrer da minha vida, mas só pude guardar os que provam minha insanidade e minha inconstância" eu disse a ela.
"E sobre o que eles falam?" Ela perguntou. Odiava isso nela, ela sempre fazia as perguntas erradas.
"Minhas loucuras, é claro" Eu já não estava tão interessada na conversa em que eu mesma comecei.
"Você acha que é louca?" Ela parecia realmente séria sobre a pergunta, talvez estivesse tentando me diagnosticar, todo mundo tentava.
Eu não costumo deixar que me coloquem em uma caixinha.
"No mundo de hoje, quem não é?" Respondi com desinteresse fingido. Tudo sobre mim era fingindo.
Ela parecia desapontada. Tenho certeza de que esperava que eu contasse sobre todos os meus sentimentos e medos. Como eu diria a ela? Como se diz pra alguém que não há mais nada dentro de si pra ser explorado?
"Eu tenho diários." Repeti.
- Da saga: conversas que tive com a psicóloga dentro da minha própria mente.
1 note · View note
9 — das minhas insanidades
Em uma noite de chuva, conversamos sobre a minha paixão pela noite e eu investiguei minha realidade em busca de uma resposta a pergunta feita: por que a noite exerce tanto fascínio em mim...
 Deixa-me adormecer e não perguntes nada. O mundo foi alheio e a vida foi comprida nos seus desenganos de coisa perdida. Alberto de Lacerda — vamos na mesma direção! — anunciou W., ao passar por mim, com seu guarda-chuva preto. Respirei fundo e sorri. Pretendia apenas agradecer, mas não tive tempo. Sua mão foi mais ágil e me levou com ela, como se soubesse que declinaria de sua oferta. Chovia…
Tumblr media
View On WordPress
0 notes
Text
29 de dezembro de 2020
Sai da última sessão de terapia do ano, nessa segunda, com a sensação que o ano de 2020 foi tão exaustivo, não pelo fato da pandemia em si, mas pela solidão. 
Pela prisão que estar sozinho comigo mesmo.
Ainda assim, sabendo que nunca estive ou estou completamente sozinho, porque sempre tive a escrita e outros mecanismos de fuga, a arte em todas as suas manifestações possíveis. 
Percebi lendo um livro que tem a temática da solidão, que muito da lente para o mundo a qual estou tem sido essa, a solitude, boa e ruim. 
Libertadora e completamente sufocante.
A sensação de afogar em si mesmo e não ver nenhuma escapatória, ou distração boa o suficiente para maquiar o fato de que o seu maior inimigo continua a ser você mesmo.
Sim, meu maior medo é a minha própria mente. Não é um lugar bom de ficar e nem os pensamentos que lá habitam me deixam em paz, sequer um minuto. Não posso me concentrar por tempo de mais em tudo que eu guardo tanto só para mim e que não ouso mostrar, nem sequer refletir sobre.
Então, sim, inevitavelmente eu surtei várias vezes durante esse isolamento e pensei em desistir de mim mesmo, mas do que você imagina ou do que consegui colocar em palavras. Não estou condicionado a pedir ajuda, nem sequer falar dos meus demônios com qualquer um. Com ninguém.
Meu único espaço seguro ainda é a escrita.
Ela me cura, de certa forma. Ela me coloca na frente de mim mesma e dos meus temores e grita na minha cara tudo aquilo que eu vivo fugindo e as distrações que acabo focando em vias que manter uma sombra de sanidade.
O que é, na verdade, ter sanidade?
Muitos momentos da minha vida, tudo se torna completamente inaudível, distorcido e apenas a confusão que passa dentro de mim é o meu foco, tudo se amplifica ao ponto de implodir e fomentar uma explosão.
A existência em si, esse levantar todo dia e decidir persistir mais um dia é algo completamente insano. Porque não existe nenhuma garantia de que os planos vão mesmo existirem no futuro.
Toda essa ansiedade e expectativa de que o amanhã seja melhor que hoje, quando a única coisa que temos é o levantar e depois deitar, o ciclo finito e mecânico do bater do relógio e tarefas.
Viver e ter muita consciência de si, na brevidade de existência, além disso do fato, tudo que passa ao nosso redor e nosso total descontrole, nada faz nenhum sentido!
Não existe motivação alguma de que continuar é a resposta.
Viver é o fato máximo de insanidade. 2020 foi um pulo num abismo de silêncio, autorreflexão e solidão.
Ao mesmo tempo nada foi solitário e silencioso, minha mente nunca me deu uma folga sequer. Ela persistentemente tenta me fazer desistir a cada segundo.
Ninguém tem muita ideia do que é viver todo dia pensando que a morte parece a única solução. visto que é o caminho mais rápido e fácil de acabar com a condição humana de estar preso a sua própria condição de humano.
Falho, hipócrita, inconsequente, egoísta, imperfeito, destrutivo... completamente preso nas suas constantes imperfeições, idealizações, sonhos... 
Não somos nada e ainda assim, no hoje, ainda possuímos a possibilidade breve de algo mais.
Tumblr media
Talvez tudo isso só tenha a ver com o fato que meu oceano de sentimentos e frustrações comigo mesmo aumentou absurdamente durante esse ano, que percebi, não escrevendo e me reconectando com meu abrigo máximo... Fugir disso e esquecer da possibilidade... Vai me matar. 
Não expressar de alguma maneira, toda essa dor, essa raiva, essa profunda tormenta que habita esse corpo de vinte e quatro anos.... Irá me fazer enlouquecer. 
Novamente.
Sem saber muito sobre nada e ainda ter uma consciência perceptiva sobre tanta, tanta, tanta coisa, o que é descontroladamente sufocante. E continuar todo dia, sendo assim e não podendo fugir da minha condição máxima que é... humano.
Lembro de todas trocas que tive e tenho, me ensinam tanto sobre a vida são um respiro necessário e um auxilio para a não completa insanidade... mas como eu bem já me disse...
Não posso contar, verdadeiramente, com ninguém além eu mesmo para continuar a pressionar o botão diário de continuar. 
Será que a ilusão desse amor reciproco, estará disposto a conhecer tudo isso e não simplesmente desistir, de mim, muito antes de tentar, como muitos já o fizeram...
Assusta tamanha vulnerabilidade. E será que vale mesmo a pena?
Preciso que esse ano acabe. O mundo ainda me reserva, um pouco mais do que espero para mim mesma, ainda esperam muito de alguém que ainda n��o sei muito bem ser. porém sigo tentando. 
Imperfeitamente humana.
23:54.
0 notes
otropstories · 4 years
Text
Amor X Arena (2013) - Capítulo 09
This post is an version of “Amor X Arena”, my fanfiction released in 2013. For the english version, coming soon.
                                          Capítulo 9
O Belo matou a Fera.
Antes que meu coração tivesse a oportunidade de bombear o sangue do meu corpo, um raio negro me agarra e me puxa para baixo, na tentativa de me afundar com toda sua força insaciável, uma fome de que eu não sei de onde vem. Mas meu costume diário me revela, e sei o que isso significa. Pesadelos.
Ouço o pote de vidro se estilhaçar no chão. O ato faz os detentos voluntários que se agitam na panificadora correm desesperados para esta cozinha. Peeta precisa me puxar pela cintura e agarrar minhas costas para que eu não bata a cabeça no fogão atrás de mim e caia em cima dos cacos de vidro. Ele tenta me sacudir e grita o nome que acabara de decorar, diversas e diversas vezes, até que eu possa retornar á realidade, mas não respiro. Não dou sinais de vida. Apenas tento respirar com muito esforço.
O pânico geral causa um tumulto, e sou retirada às pressas da escola para a Enfermaria, carregada no colo do rapaz.
Isso não deveria ter acontecido.
Fiz de tudo para evitar ele. Tentei fugir para que eu não escutasse esse nome, nunca na minha vida. Era só um pesadelo. Ele não existe. Peeta não passa de um sonho turvo que tive noite passada, onde ele foi morto por minha culpa. Ele... não pode existir.
Irreal.
                                                   [...]
Sinto conjuntos de mãos apalparem todo meu corpo. Mesmo desacordada e pálida, suando até a morte, sinto uma picada incômoda no meu braço. O perfuramento é angustiante, e a dor me faz gemer e grunhir, tentando me debater e me libertar das vozes e mãos que me apertam e me sufocam. Sei o que os enfermeiros estão tentando me domar. Mas é impossível, ainda mais comigo sob o rarefeito dos pesadelos vorazes.
Soco alguma coisa. Um rosto. Ouço a pessoa tentar agarrar o primeiro móvel que vê pela frente para não cair no chão, e então a dor da picada se torna mais torturante, como se estivessem enfiando um prego na minha veia e a vendo escorrer sangue. Minhas pernas voam pelos rostos dos enfermeiros, e tentam prender-me na maca com os cintos, mas minhas unhas ainda estão livres.
Uma besta. Cravo as unhas das mãos no rosto de uma das enfermeiras que tenta me conter, de cabelos prateados, justamente na que envia soro pelo tubo da veia esquerda, e ela desaba no meu colo, apertando com máxima força meu braço – já esmagado pela sua força – e deixando pingar algumas gotas - do seu próprio rosto rasgado por mim - na maca.
Estou verdadeiramente chorando agora. Eu só consigo berrar de raiva. De dor. E de ter que dormir novamente, e ser atormentada psicologicamente pelos pesadelos. Por que isso? Porque agora? Grito e choro porque não consigo fugir daquele lugar. Minhas mãos e pernas, braços e cintura estão sendo esmagados pela força dos dezenas de enfermeiros que tentam conter minha brutalidade. Arranhões e sangue escorrem do seus rostos, e me vejo em uma sala quase completamente destruída. Quero sair daquele lugar.
Hospital não. Eu odeio Hospital. Tudo que tenha a ver com Cirurgias, sangue jorrando de pessoas ludibriadas, papéis de óbito em cada sala, desespero de enfermos. Agulhas, pus, dor... Quero morrer. Quero escapar deste lugar.
Quero ir para a Floresta.
A mulher de cabelos prateados rosna e se movimenta em busca de algo. Meus olhos ainda estão lacrados pela escuridão, e não consigo nem ao menos, ver o que ela vai fazer comigo, antes de mais nada, outra picada me acerta pelo braço, me fazendo capotar na maca feito uma pedra. A oportunidade perfeita para os enfermeiros me amarrarem nos ganchos dela.
– Não vão me fazer dormir! Não suportarei outro pesadelo!
Tento usar a força, e minha raiva só faz toda a violência se repetir novamente, acrescentando somente eu chutar o maxilar de um dos enfermeiros que segurava minha perna direita, e o enfermeiro acaba caindo no chão desmaiado, com a boca sangrando. Um gemido é liberado do corredor. Reconheço sua voz.
Ele tenta gritar com os enfermeiros que lhe distanciam da minha sala para fora, mas sua persuasão é mais forte e entra correndo em minha direção driblando os enfermeiros, se jogando na minha maca e me segurando pelos ombros. Sinto suas mãos grandes e quentes me agarrarem, tentando conter o fogo violento que me consome, que na verdade é minha única forma de não cair e desmaiar, sonhando com minha morte da forma mais brutal possível. E daqueles que eu amo. Prim. Não vou suportar ter essa visão dela morrendo novamente.
Sua mão quente se entrelaça na minha gélida e tremida. Tento socá-lo, chutá-lo, unhá-lo, mas por mais eu faça força para feri-lo, ele não se desprende de mim, tentando me acalmar. Mesmo sem poder ver, minhas lágrimas rolam novamente pela face e choro sem controle, sabendo que mesmo por este simples ato de segurar minha mão me transmitindo paz, vai me fazer descansar e dormir.
E isso é a última coisa que eu quero. Tento lutar para não me reder aos seus braços. Ele tenta se aproximar do meu rosto, e como último movimento, tento com o fio de força que me resta empurrá-lo para trás, mas o máximo que consigo é agarrar o seu colarinho da sua camisa suja de farinha.
– Katniss! Katniss! Me escuta! Olha para mim! – Faço negativamente com a cabeça sem parar de chorar, como uma deficiente metal – Por favor, precisa confiar em mim. Eles só vão te botar para dormir, tudo bem? Vai acabar tudo certo, eu te juro!
Ele me abraça com muita força que quase não respiro como estava, que nem os enfermeiros conseguem me libertar dele. Você não sabe. Não posso dormir.
Seu calor é tão gostoso. Quero gritar para ameaçá-lo que não o quero perto de mim para não machucá-lo mais – o que me faz sofrer – quando ele segura meu rosto tremido e encharcado com as duas mãos, deixando o calor de ambas irradiarem por toda minha face.
Era um dia qualquer... aí você apareceu. Como que queria ter a autorização de erguer os olhos e ver seu rosto, e com minha última barra de energia, tento clamar em um fio de voz:
– Por favor... – Abro meus olhos devagar, já não me contorcendo ou movimentando mais – Não me deixe sozinha...
– Katniss... – Há uma ponta de dúvida em sua voz. Eu mal o conheço, e já estou agarrada em seus braços, berrando para que ele me puxe de volta para a superfície. Alguém para suportar a mesma dor que eu.
Mas Gale não está aqui.
Seu abraço se afrouxa, e ele, disperso nos pensamentos, se afasta lentamente de mim, mas não larga minha mão. Ouço que a mulher ferida agradece á ele por ter me distraído, tempo o bastante para terminar de enviar a anestesia sonífera dentro da minha veia. Nenhuma dor. Apenas lágrimas. Enfim, aceito meu destino.
– Fica comigo. – Sussurro soluçando, prestes a ter tudo escurecido em volta.
– Sempre. – Vejo pelo canto dos olhos ele erguer um sorriso lindo e pacífico, como se me transmitisse paz em um momento de desespero e violência cruel.
Estou rendida.
Este é um dia ensolarado e limpo, sem uma nuvem no céu. Decido então, trazer pela primeira vez meus filhos para o Santuário de Prim. Para conhecerem a linda tia que tinham. Sei que vão amar conhece-la.
Happier estava subindo as árvores e viu um tordo. Eu estava recostada á árvore ao lado, cuidando do irmãozinho dela. A garotinha começou a cantar varias musicas e eu ouvia orgulhosa, com júbilo. Essa foi uma das formas que criei para poder me livrar dos pesadelos: Ouvir meus filhos cantar. Os obriguei aprenderem a tocar instrumentos, Aaron com um violino. Happier, com seu piano. Sempre que tenho meus fleches de pesadelos, os ponho para tocar e cantar músicas do vale para mim, e adormeço no colo de minha filha. Isso ajudou Peeta também.
As vozes de nossos filhos são milagrosas. Anjos.
Assim que terminou de cantar a música do meu pai, Happier cantou a as quatro notas que eu nunca tinha cantado ou ouvido depois da guerra. A quatro notas que representava o final do trabalho no distrito 11, as notas que diziam que estava tudo bem. Eu mandei a filha descer. Assustada, a garota desceu enquanto descia ela perguntou:
– "O que houve mãe? Por que mandou eu descer?"
Eu acabo perguntando:
– "Onde você aprendeu aquela quatro notas?"
– "É que uma vez, eu sonhei com uma garota cantando essas notas. Ela pediu para eu cantar elas perto de você para mostrar que ela estava..." – Minha filha diz com toda a inocência, sorrindo coma lembrança da nova amiguinha...
Mas não deixo ela terminar.
– "Para dizer que ela estava bem."  – Ela se assusta.
– "Como você sabia?"
Mas eu nem a ouviu, uma lagrima caiu do seu rosto e falei:
– "Rue".
Aaron agarra minha camiseta, se enroscando no meu pescoço, e limpando a lágrima dali. Ele me fita com seus grandes e lindos olhinhos, passando as mãozinhas trêmulas com carinho no meu rosto, enquanto encosta a nuca no meu ombro, me abraçando com toda sua pequena força. Por reflexo, acabo o abraçando também, como se minha vida dependesse daquilo. Tenho muito medo perdê-los, mas não posso os esconder deste segredo para sempre. Preciso contar á verdade aos meus filhos.
– “Mãe...” – Aaron se levanta bruscamente e assim percebo que estou ainda vazando e o encharcando – “O que foi?”
– “Você está bem? Quer que cantemos para você?” – Happier se ajoelha na minha frente, com um tom tímido na voz, como se eu fosse perder minha insanidade á qualquer momento. Mas minha filha é esperta, ela sabe a minha única cura de momentos dos pesadelos. Suas vozes. Amor.
– “Vou buscar o seu violino, Aaron! Posso apenas cantar, não é, mamãe?” – Continua a falar Happier, com o assunto interrupto.
Assinto com a cabeça, já limpando o rosto e respirando com toda calma que consigo, contando até dez, para tentar me controlar até minha filha voltar com o instrumento. Quero rugir com toda minha força, e espantar meu filho dali para flechar algo. Happier chega esbaforida e arquejando, estendendo o violino arranhado para Aaron, que se solta de mim, e se posiciona na minha frente, um passo ao lado da irmã, que tenta relaxar para cantar no timbre perfeito, e me satisfazer. Mas sinto que hoje, isso não adiantará muito.
– “Que música quer que a gente cante para você, mamãe? Geralmente, é o papai que escolhe já que a senhora não tem paciência para escolher rapidamente...” – A frase da menina fica ao ar, me deixando uma indireta que só percebo minutos depois. Dou uma bufada prolongada, assinto, e me levando de cima das folhas de outono, dou umas batidinhas no meu vestido para retirar as folhas ali coladas, e respondo:
– “Vou contar para vocês toda a verdade.” – Digo um tanto fria do que não queria soar – “Tudo o que passamos para que você nascesse em um lugar bom. Sem Jogos ou revoltas... Apenas...“ – Começo a soluçar, me engasgando com as próprias letras ditas – Paz.
– “Jogos?” – Aaron, mas inocente, responde antes mesmo que eu perceba. Mantenho-me na calma. Preciso respirar mais uma vez. Eles já ouviram falar dos Jogos alguma vez, claro. É inevitável. Mas só queria deixar esse assunto para outra ocasião. Mas só verdadeiramente agora percebo que se não contar agora sobre meu passado, isso irá me assombrar, e é pouco provável, que não tranque meus filhos no quarto para viverem longe desta sociedade terrível. E da Capital.
– “ Pensei que só nos contaria sobre determinados assuntos, apenas junto do papai, e apenas quando fossemos mais velhos e maduros para entender certas coisas.” – Happier parece ser muito mais velha do que aparenta ao dizer a frase de uma maneira gélida. Seus olhos estão nublados, e sei o que significa. Ela já sabe á dois anos, mas nunca lhe provaram de nada. Apenas evitamos contar qualquer coisa.
– “ Acho que vocês dois já estão velhos e maduros o suficiente para entender agora.” – Digo sorrindo, e isso descongela Happier do lugar.
Os olhos de Aaron começam a brilhar. Com a mão no violino, o guarda nas costas por um cinto, e agarra a minha mão esquerda com muita força, tanta que chega a doer. Parece que este é outro adjetivo que meu filho herdou do pai, força física. Afrouxo seu aperto com um grunhido, mas ainda mantendo o sorriso para não assustá-lo, e me abaixo para a linha de seus olhos. Esfrego a cabeleira loira e um pouco rebelde de Aaron com rapidez, e isso lhe arranca uma gargalhada. Tento localizar minha filha com a visão, e a enxergo-a com uma ruga na testa, tentando compreender o que vai acontecer a partir de agora. Eles saberão agora que na verdade, a mãe deles é uma assassina.
– “Venham... – digo um pouco rouca, depois do último pensamento transbordar na minha mente – “ Preciso levar vocês para um lugar, para que entendam melhor...”
Digo já segurando a mãozinha de Aaron, com um sorriso de orelha á orelha, e por fim ele retribui rindo. Happier alarga um sorriso também, e caminhamos de mãos dadas, cada um de um lado da mamãe, para fora da floresta, para o cercado, e para a Costura.
                                                        [...]
Depois de alguns analgésicos para dor de cabeça, minha dor insana na nuca, onde ficam responsáveis pelos sonhos, começa a doer e a latejar muito, como se tivessem sido socado contra uma parede diversas vezes. Ah, é, aconteceu isso mesmo. Tento buscar força até para grunhir de dor, mas tudo que consigo é desabar novamente na cama, tentando tatear alguma luz que me dê forças para pelo menos correr daquela sala.
Meus olhos, depois de horas, se abrem. Uma camada de raios iluminados atingem meus olhos, e tento me esquivar como se eu fosse uma vampira, mas não consigo nem respirar direito, quanto menos sair dali correndo dos meus monstros. Alguns momentos de silêncio passam. Só então percebo que estou sozinha dentro de uma sala enorme branca em um Hospital.
– Não... n... não... Hospital não... – Gemo para mim mesma com dor em cada letra, me contorcendo e lacrimejando para implorar por um teletransporte, até pegar no sono novamente.
Isso me faz retornar ao sonho anterior, vendo por mim mesma o que ele irá me revelar desta vez. Sendo Real ou não. Não há nenhuma morte ate agora. Já faz doze anos desde a última.
Durmo novamente, e o pesadelo - que parece estar programado para voltar à tocar onde parei - é novamente transmitido em minha frágil mente descontrolada e recém-acordada...
                                                     [...]
Em passos longos e barulhentos propositalmente, vamos caminhando pelo trajeto em terra abatida e empoeirada das ruas até o centro da cidade, em frente ao Prédio da Justiça do Distrito 12. Alguns antigos moradores do centro, sendo apenas na maioria adolescentes que sobreviveram na segunda Rebelião, agora adultos como eu, me reconhecem e acenam com surpresa, sorrindo e tentando não deixar que as lembranças de ver seus antigos pais mortos por minha causa transparecem em suas faces ao me ver.
De uma forma ou de outra, eu os salvei, mesmo que o sacrifício tenha sido grande, mas ver Katniss Everdeen sair de casa para a cidade é muito raro. Eu mesma jurei para Peeta que nunca mais iria querer vir para o centro novamente depois de ajudar na minha parte da reconstrução, não só para ter as lembranças terríveis involuntárias daquele massacre e de tudo que me arrancaram, mas de ter que passar por ali, e ver aquela estátua horrível. Imortalizaram-me em uma estátua. Presa, bem em frente ao Prédio da Justiça. Venho poucas vezes á padaria para ajudar meu marido, que – infelizmente – fica próximo do centro, mas um pouco mais afastado, perto da Aldeia dos Vitoriosos, para não dificultar a locomoção para casa. Finalmente Peeta reconstruiu a padaria dos seus pais, e pôde seguir com a vida novamente tranquila e nostalgicamente monótona, apesar de ainda termos o gordo dinheiro que recebemos da Primeira Arena. Ele nunca acaba de chegar. Eu já estou ficando cansada disso.
Por sorte, Johanna aceita bem nosso dinheiro com todo deleite. O que ela faz o ele, pouco me importa, mas parece estar se dando muito bem, agora no 7. A enviamos grande parcela depois que explicamos que podemos viver do dinheiro que Peeta recebe da Padaria, e eu das minhas caças, assim posso me sentir normal de novo, já que tenho como bônus um grupo de crianças dispostos a aprender a caçar comigo para ajudar os pais na Costura.
Não que a caça tenha se tornado legal oficialmente, mas ninguém me impede. Não depois de tudo o que passei. Eu mereço pelo menos essa liberdade. Já meus filhos, são totalmente o contrário de mim. Aaron, pelo menos é. Loiro, de olhos escuros e acinzentados, parece uma miniatura meiga e linda de Peeta; como se o próprio não fosse. Os outros residentes – já lotando novamente o Distrito 12 com novas famílias estrangeiras de outros Distritos corajosos para tentar algo novo por esta banda desconhecida – conhecem bem meus filhos, e sabem o quanto são doces e alegres.
Sempre os oferece algum tipo de lanche, ou cuidam deles quando estou caçando e não preciso da ajuda deles, e acabaram se enturmando e ficando famosos pela Panem pela vossa graça e inocência. Ele se tornaram os centro das atenções e cuidados da Capital desde que nasceram.
Droga. Não consegui os proteger disso.
Muitos chamam minha filha de o “Tordo Branco”, por ser a minha miniatura, e por ser totalmente pura e alegre. Não me ofendo com isso, embora seja uma indireta para mim. Apenas tento proteger minha família de quaisquer outros planos da Capital tenha em usá-los para algum mal, e me deixar finalmente livre deste título de guerra sangrento que é o Tordo.
Mas meu contrato ainda não foi vencido. O Tordo verdadeiro está ficando velho.
Eles irão querer um novo, se algo der errado novamente.
E isso, eu nunca irei permitir. Não meus filhos, pelo menos.
– “ Estamos indo ver o papai no trabalho novamente?” – Sussurra Happier para mim, ao reparar que nos aproximamos da padaria onde fomos bem mais cedo para acompanhar Peeta e evitar qualquer mal olhado, mas minha mente martela, me lembrando que este não é o nosso destino no momento.
– “Não querida... é perto da padaria do papai. Estamos chegando, e logo ali...” – Falo um tanto fina apontando já tremendo pela brisa para o Edifício da Justiça, não muitos metros daqui.
– “Tudo bem.” – Ela menciona, enquanto agarra com mais força o mão do irmãozinho.
– “Podemos ir vê-lo? Não iremos demorar, já estou com muita fome e saudades...” – Aaron fala ao meu lado puxando minha saia em direção para a padaria, mas me sinto na obrigação de puxá-lo para o colo e impedi-lo disso.
Assinto propositalmente ele, do outro lado na grande janela, de desnude quase toda a padaria a revelando quase todo seu interior. As vitrines de bolos novamente, depois de dez anos, estão novamente cheias de doces e pães-de-ló, o que faz os olhos dos meus filhos brilharem de ternura e desejo, se sentindo orgulhosos por poderem comer isso quase sempre que quiserem. Isso me faz rir ao me lembrar do passado, vendo Prim desejando estes mesmos bolos idênticos, mas nunca tínhamos condições para dá-la, o que me faz fechar o rosto novamente em silêncio.
Peeta aparece nas janelas, de avental e cabelos dourados pouco desgrenhados, mais ainda sim, lindo, carregando uns cestos de pães recém-saídos do forno, dando algumas ordens para uns empregados da padaria enquanto limpa a mesa na sua frente sugada pela farinha que carregara para a despensa á alguns minutos. Ele demonstra cansaço, mas mesmo assim alegria, abrindo um sorriso de vez em quanto ao ver um cliente novo passar pela porta da frente, soando o pequeno sino, e se dirigindo apressadamente com os músculos doloridos para atendê-lo com satisfação.
Apesar de todo este esforço, isso distrai Peeta dos Fleches. Com a cabeça e corpo ao mesmo tempo ocupados, já faz dois meses que Peeta não tenta me enforcar pensando que sou uma Bestante em chamas, feita para queimá-lo como fiz com sua família.
Me lembro da última vez. Eu estava estirada na mesada cozinha, tossindo e sem ar, com diversas marcas no pescoço que nenhum creme que os estilistas da Capital me tratem, vão retirá-las do meu corpo. Mas gosto delas. As cicatrizes me lembram quem eu sou de verdade. Peeta estava em cima de mim, com as pernas entreabertas na minha cintura, apertando devagar meu pescoço, enquanto rugia e trincava os dentes grunhindo frases que não conseguia descrever, enfiando os seus dedões no meu pescoço para me perfurar. Não tinha como evitar. Eu gritei de dor. Tentava afastá-lo dali, o empurrando, mas ele era mais forte e eu perdera a forma de semanas atrás. Debatia com a cabeça na mesa, até sentir o sangue trasbordar na boca, com seu gosto metálico e azedo, seguido de culpa.
Foi então que Happier nos viu. Ela e Aaron foram acordados pelos murmúrios e gemidos de dor seguidos de ataques. Toda a casa estava apagada e mergulhada em uma escuridão profunda, apenas a luz acesa vinha da cozinha, onde eu lutava para sobreviver e libertar Peeta. Seu gesto foi automático, como de qualquer outro ser humano. Ela gritou, e afastou Aaron para o corredor, berrando para que ele fugisse para um dos quartos e se trancasse, enquanto corria para a pia da cozinha, e puxava uma faca, apontando para o próprio pai.
– “Larga ela.” – Happier gritava com toda a tranquilidade e coragem que consegue.
– “Você não vê, minha filha? Ela é uma monstro. Uma assassina, uma besta! Deixá-la viva, só vai nos trazer mais sofrimento para nossa família!” – Gritava um Peeta que não reconhecia, de olhos totalmente negros, e profunda raiva para mim.
Eu já estava chorando. Eu deveria ter me acostumado, mas as palavras de Peeta ainda sim me machucam. De ferem como se derramassem aguardente branca sobre a ferida exposta apenas para aumentar meu sofrimento e ardência. Mas isso, não deixa de ser verdade. Tento tomar o controle e aproveitar a distração de Peeta para derrubá-lo, mas Happier suspirou longamente, e apenas diz:
– “Eu sei. Mas precisa soltá-la agora, tudo bem? Depois nos vingamos dela. Agora não é o momento...”
Ela dizia e aparenta ter mil anos, para minha surpresa, enquanto aproxima mais a faca do rosto de Peeta, que convencido por suas palavras e medo, desmaia no chão ainda arquejando violentamente, até seus olhos voltarem ao azul límpido normal.
Uma vaga memória.
Percebo que Peeta já saiu da Cozinha da Padaria, e está no balcão, quando me agacho para Happier, e digo ainda trêmula pelo deja-vu:
– “Você tem raiva da mamãe?”
– “Muitos amigos meus da escola tem raiva de você. Eu não sei por que, mas eu não tenho.”
O que eu esperava da resposta da minha filha? ‘Claro que não, mamãe!’, mas não foi isso. E isso uma das coisas que amo nela. Sua sinceridade e ir direto a ponto da conversa que desejo.
– “O que você disse para o papai, quando estava fora de si naquela noite assustadora... é verdade?” – Tento parecer tranquila, mas não dá certo.
Depois de fazer uma expressão de pensativa, tentando se lembrar vagamente do que estou me referindo, Happier sussurra:
– “Não. Eu nunca faria algo ruim com você mamãe...” – Happier enrosca os braços no meu pescoço, e o aperta com todo carinho que consegue. Por um minuto, sou irradiada por uma emoção grande e perfeita, me fazendo esquecer de tudo á minha volta, apenas sentir o prazer de carinho da minha filha tão inocente, e trêmula – “... só espero que você também nunca faça nada de ruim comigo também.”
Minha cabeça bate um sino com toda sua força. Eu nunca faria isso. Prefiro morrer de ter que machucar meus filhos. Nunca deixaria a insanidade chegar á este ponto, jamais os deixaria sentir qualquer tipo de dor que estivesse ao meu alcance.
– “Eu nunca!” – Digo já gritando, e abraço meus filhos em conjunto, os transmitindo todas as palavras desesperadoras que quero dizer pra protegê-los. A Capital percorre á minha mente. Irei queimá-la de novo, se eles tentarem algo com eles.
Olho vagamente para a padaria novamente. Dou um suspiro, e seguro as mãos dos meus filhos, seguindo sorridente para a verdade que estou prestes á lhes revelar, com muita dor, mas isso terá que ser dito. Peeta se enfurecerá quando souber que lhes contei sobre dos Jogos Vorazes sem a permissão dele, mas não estou dando a mínima para isso no momento. Não dou a mínima para minha própria segurança a anos.
Depois de mais alguns poucos minutos de caminhada pelas ruas sem asfalto do Distrito 12, enfim, chegamos na praça. Uma rápida olhada ao redor, e vejo que nem os anos de trabalho dos voluntários conseguiram esconder a destruição causada delas bombas neste exato local. O Edifício da Justiça foi reerguido, desta fez blindado e mais reforçado pelo material do D13, pois nenhum de nós ainda confia totalmente na Capital depois de tudo ter acontecido. Eu mesma não confio no governo de Paylor mais. Não depois de ter exigido que todos os Vitoriosos sobreviventes para terem filhos.
Bem em frente ao edifício, onde deveria ter um jardim completamente queimado e ceifado, uma gloriosa estátua, da mesma altura de uma pessoa, está exposta para o Distrito. Vários corpos representados em forma petrificada, com desenhos de roupas esculpidos, rostos e placas aos seus pés, com seus nomes e datas de nascimento e morte em homenagem, carregando as armas que lhe representavam e símbolos dos seus distritos, todos, erguendo os três dedos médios para cima, cada um em uma direção. A minha estátua e á maior e bem na frente. Meu braço está erguido para frente, mas sem uma direção exata, diferente dos outros imortalizados, e estendem para a direção de seus Distritos a partir deste local. Estou vestindo meu traje de Tordo, com a trança que cai na minha frente, e com a franja um pouco nos olhos, séria, com a flecha segurada apenas por dois dedos pela mão direita, e o outro braço levantado, olhando para cima, em pose de líder.
Peeta e Gale também estão esculpidos aqui. Peeta á minha direta, vestido pelo traje da Primeira Arena, com suas duas pernas sadias também esculpidas, de um punho fechado, e dos os três dedos médios levantados em direção á sua padaria; centímetros da minha direção que é em frente. Gale está com o uniforme de Soldado do 13, carregando uma arma e algumas flechas, sério e apontando em direção á floresta atrás do Edifício; centímetros do meu lado também, sendo a única diferença dos dois, e Peeta do lado direito, e Gale do Esquerdo. Perto de mim.
Outros estão aqui também. Finnick, de costas para mim, com seu tridente e apontando em direção ao Distrito 4. Boggs, Beetee, Johanna, Plutarch, Leegs 1 e 2, Paylor e até Haymitch estão aqui, em um conjunto de treze estátuas, com os Treze mais importantes na revolução da Nova Panem.
Mas o que não me faz querer destruir esta porcaria de Estátua que nos dá glória sangrenta e falsa, é a décima terceira estátua. Bem no meio do grupo em um círculo, pequena, usando um vestidinho entalhado de rendinhas e segurando um pequeno buquê de margarinas e usando uma coroa de flores no topo da nuca, a única estátua sorrindo, e a única realmente, estendendo o bracinho com a homenagem de Rue nos dedos para o céu.
É impossível chegar até a estátua, por eu ser muito grande para entrar nas frestas do círculo de estátuas, apenas observar seu lindo rostinho entalhando com máximo cuidado, e as bochechas saliente no rosto. Prim. Ela foi imortalizada pelo seu sacrifício pelas crianças naquele dia.
Aaron deixa seus olhos brilharem ao ver a visão do monumento. Ele tateia as estátuas como se fossem reais, entrando escondido pelas frestas apertadas com cuidado, e correndo pelo círculo delas para admirar seu interior. Happier apenas ergue as sobrancelhas em dúvida do porque os trouxe aqui. Minha filha já deve ter visto estas estátuas alguma vez, já que passeia muito pelo Distrito para explorá-lo, é quase impossível não enxergar o monumento se estiver no centro.
Eu apenas me aproximo na minha própria estátua, com o rosto aproximando no da estátua, observando a seriedade gélida da maneira que fui imortalizada. Talvez eu sempre deva ter passado essa expressão. Em seguida, passo o olhar para a cópia idêntica e bem detalhada do meu broche do Tordo no peito da minha estátua, com pequenas labaredas entalhadas saindo de seu aro, passo o dedo indicador para sentir seus pequenos buracos e espaços para até a ponta do bico, suspiro, e me aproximo novamente de minha filha.
– “Você já nos viu aqui?” – Digo um pouco óbvia e gelada pela falta de reação diferente de Aaron, dela.
– “Já dei umas passadas de olho".
Ela se contorce para enxergar melhor o meu rosto esculpido atrás de mim mesma, espremendo os olhos como se não estivesse entendendo algo.
–  “Na escola, aprendemos que ouve os famosos Dias Escuros, que iniciaram pela cadeia de rebelião fracassada e quase destruiu totalmente o nosso Distrito vizinho, o 13, e que... como punição ouve lutas entre meninos e meninas até a morte... e que com muita coragem própria, a senhora foi participar das lutas com o Papai e ganharam mais de duas vezes... e então se tornou uma líder que levou outras pessoas á morte, mas que também salvou muitas, derrubando um governo terrível e que hoje está tudo bem... e as pessoas mais importantes deste avanço foram imortalizadas aqui para as próximas gerações não esquecerem do sacrifício que foi feito... eu acho.” – Diz Happier, já sentada no chão com a mão na cabeça confusa.
Sou irradiada por um forte choque. Isso não é verdade. Pelo menos, não a maioria. O que estão ensinando para as novas crianças nas escolas? Estão escondendo o que passou a gerações atrás? Isso é impossível. Mas a Capital talvez queria evitar que os pais contem de verdade o que aconteceu – as mortes, violência e guerras – apenas mostrando que agora está tudo tranquilo e os Distritos em sempre a suposta paz eu foi. Qualquer um pode ir e vir, viver e morrer onde quiser sem estarmos presos á ditadura rígida e sangrenta de Snow. Ou pelo menos, isso é o que achávamos.
Happier não mencionou os Jogos Vorazes. Ela não sabe. Não de verdade, pelo menos.
Chamo por Aaron e um único grito para que ele pare de brincar entre as estátuas e venha ouvir. Sem que ele me responda, me viro para procurá-lo e o vejo acariciando o rosto da estátua de Prim, imitando seu mesmo sorriso como se fossem amigos, observando seu rosto delicado por bastante tempo como se focasse apenas naquilo. Tento segurar as lágrimas para não chorar e gritar com ele, apenas o chamo pela segunda vez - já suplicando - quando ele beija a testa de Prim, e volta saltitando com cuidado para não cair, segurando meu braço para um colo. Sorrio para ele.
– “Ela é muito bonita.” – Diz encantado meu filho, e apenas posso arquejar, e aceno com a cabeça concordando, mas acabo suspirando um tanto surpresa.
– “Aquela é...?” – Happier deixa a frase no ar para que eu possa termina-la e lhe dar a resposta. Sei que ela já deve ter visto alguma foto ou pintura de Prim pela casa, há várias. Tento fugir, puxando Aaron a segurar mais forte meu corpo.
Ela ainda está com o rostinho pálido pela falta de informação, e logo escurecerá. Preciso ser breve e direta. Mas como farei isso? Um assunto tão delicado, que precisa mover com máximo de cuidado para não trincar os corações dos meus filhos de medo. A verdade sobre mim. Que não conheci o pai deles por acaso, e que na verdade, deveria estar junto com outro, que neste momento está seguindo com a vida no D2. Agacho para me sentar no chão com eles, e não nos importamos se as pessoas que ali passam nos verem. Encaro por mais alguns instantes meus filhos, e finalmente, suspiro e começo algo que poderia mudar o destino deles para sempre:
– “Preciso contar um segredo para vocês.” – Falo meio tonta com a situação – “Um segredo muito grande, por isso não podem contar pra ninguém.”
– “Prometo não contar pra ninguém, mamãe! Happier também não vai contar, não é, Happier?! – Aaron vira-se em direção da irmã, que se contorce e confirma com a cabeça suas palavras.
– “Só... tenho medo que sejam novos demais para compreender...” – Menciono com o volume bem baixo e fino, tentando piscar na mente a idade de meus filhos para escolher as palavras certas para explicar meu passado.
– “Se achar que é a hora de nos contar, sei que iremos entender. Nos prometemos.” – Minha filha segura com força meu punho cerrado, tentando me transmitir a segurança que perdi durante a Arena, brilhando seus grandes olhos Azuis, e logo me lembro de Peeta. Sei que ele está aqui, me dando segurança de prosseguir em frente.
Uma dor da cabeça. Vou ser puxada.
– “Eu... não fui para aquelas lutas por acaso. Me voluntariei no lugar da minha irmã que tinha sido sorteada para um Jogo muito ruim... fui no lugar dela para que ela não sofresse...” – Sussurro já com os olhos marejados, me obrigando a não deixar as lembranças virem a tona e rever as cenas terríveis da Arena.
– “O quê? Porquê?!” – Happier se aproxima do meu corpo, segurando com força seu irmão não conseguindo compreender nada das informações que acabei dando, e nem eu mesma compreendo muito bem. Apenas tento imaginar o porquê se sacrifiquei... o que tivesse me acontecido se não tivesse ido no lugar de Prim naquele dia.
– “Por que eu a amava. – Suspiro, sentindo mais agravante uma picada eu se espalha pela minha cabeça  – Eu não queria que... os Jogos...”
– “Mãe...?”
Ouço uma voz pura me chamar. Mas não escuto. Uma grande imensidão negra me apaga por completo, e deixo a minha visão se escurecer junto com o rosto dos meus filhos com muro terror e susto que desaparecem durante minha corrente póstuma e negra.
Um fio de luz me atinge, me puxando agora para minha verdadeira realidade, onde Guerras existem ainda, onde filhos sequestram e matam seus pais, onde crianças se prostituem só por um prato de comida, e onde eu realmente me vejo pertencer. Não pelas coisas ruins. Mas por eu saber que isso é real. Real.
Eu amo tantos meus filhos. Queria... que... fossem... reais... Peeta. Você só me trouxe felicidade e amor para um futuro de paz e carinho para mim.
E Eu te odeio por isso.
Meus olhos se abrem por puro reflexo.
É aquela mesma sensação de quando você sonha que está caindo ou escorregando, e cai sobressaltado na cama, e do mesmo efeito, me levanto bruscamente e respirando sem controle, agarrando com força a camisa curta de seda enquanto tento me acalmar e acordar do meu pesadelo. Ainda estou viva. Este é o mundo Real. Eles não existem. Só depois de mais alguns segundos arquejando e rondando os olhos em busca de algo familiar, percebo que estou no meu quarto, e na minha casa. Levanto meus olhos bruscamente até a janela, e vejo que está de noite e ventando, e por ter nada para fazer melhor, arremesso o cobertor quente do meu corpo, já grudando nele e percebo o quanto estou suando e com calor. Devo ter dormindo demais desta vez. Rolo os olhos em direção á escrivaninha do lado da minha cama, e faço um esforço horrível apenas para erguer os braços e ligar a pequena iluminaria dali. Tento procurar algum calendário de papel, e quando enfim o alcanço, puxo para mim e o ergo para cima, tentando contar quantos dias eu deva ter apagado desta vez novamente.
Dois dias e meio se passaram.
Ao pisar no piso do meu quarto pela primeira vez depois de muito tempo, um calafrio percorre meu corpo e sinto-o o quanto está gelado lá fora, caminho com dificuldades até a janela e permito que a brisa congelante que sobe de suas fresta me refresque por completo, me dando tempo para parar e pensar.
– Meu nome é Katniss Everdeen, e tenho dezessete anos. Onde estive esse tempo todo? Como vim parar no meu quarto, com as roupas trocadas e limpas, toda lavada e alimentada... – Apalpo minha barriga lisa e reta, sentindo-me como se tivesse acabado de comer – Eu não entendo. A última coisa que me lembro... – Minha cabeça se ergue da janela, e tento me lembrar das minhas últimas 48 horas antes de apagar.
Meu rosto sobre uma tigela de café-da-manhã. Não me lembrar de nada dos meus últimos dezesseis anos. Prim, morta ainda bebê. Eu pobre, e minha família sem dinheiro algum. Meu pai sendo arrancado de mim, e eu ser obrigada a aceitar John como novo pai. Gale... escola... esfrego a cabeça, me forçando a lembrar, enquanto ando para lá e cá no chão do quarto, grunhindo pelo esforço para as lembranças virem á tona e obter respostas
– Madge...
A vontade de comer algo bom e caro que nunca pude experimentar. Me lembro das supertrufas. Giro com a cabeça, tentando tatear o quarto em busca das minhas calças na escuridão profunda do meu quarto apenas iluminado pela lua da janela. Esbarro em uma escrivaninha de cabeceira e uma cadeira e preciso morder minha língua para não soltar os mais absurdos palavrões contra mim mesma. Meu Deus. Eu agredi vários enfermeiros também naquele Hospital. Depois de apalpar os bolsos laterais da calça, alcanço o doce no boço de trás, ainda enrolado em seu embrulho azul-metalizado, amassado e derretido, mas não consigo come-lo, apenas olhá-lo. O que isso me lembra. A pessoa que me salvou quando apaguei. Isso me faz ter uma divida com ele, que não posso esquecer.
É então que minha razão transborda à tona novamente. Ele que foi o culpado de eu ter dormido. Se eu não tivesse ouvido aquele nome dos meus pesadelos novamente, da visão dele sendo morto carbonizado e flechado pelos aerodeslizadores dos meus pesadelos... se ele não tivesse me acalmado naquele leito de hospital, me alisando e me abraçado... me irradiado aquela ternura e paz que nunca havia sentido antes... aqueles toques sobre meu corpo, mesmo terem sido breves... aquele calor bom...
Levo os dedos indicadores aos meus lábios devagar. O que é isso que estou sentindo? Nunca me senti embrulhada assim, nem mesmo com Gale. É uma sensação diferente... um gosto doce sobre mim. Como se todos os meus problemas desaparecessem pela paz irradiada, como se eu pudesse confiar nela. Ela jamais me machucaria. Não paro de pensar naquele rosto. No que senti com seus toques em breves momentos.
Um sorriso começa a crescer no meu rosto. Não consigo negar o desejo que sobre dentro de mim. Quero sentir isso mais uma vez.
– Katniss! – Uma voz um pouco estridente clama por mim do nada, e sou sobressaltada no mesmo instante, arquejando um pouco e procurando um lugar para fingir que ainda estou profundamente dormindo, mas desisto da ideia quando ela abre a porta devagar, e mal tenho tempo de esconder o embrulho novamente, apenas esconder nas costas no máximo possível. Tento afastar tais pensamentos da minha cabeça e me mantenho rígida na cama, tentando demonstrar que acordei, e estou melhor do que nunca.
Effie. Ela estala ainda mais os saltos-agulhas para minha direção, enquanto se abana com as próprias mãos e me abraça desesperadamente quando enfim me alcança. A ouço murmurar e choramingar, me apertando ainda mais contra seu corpo, e percorrendo a região do meu estado, tentando achar sequelas ou algum ferimento. Gargalho levemente pelo seu desespero ao me ver acordada, como se fosse novidade eu apagar do nada e só voltar á mim dias mais tarde. Effie nunca muda, não importa o que aconteça, Effie será sempre Effie.
– Estou bem. Minha mente me “obrigou” a dormir mais um pouquinho... nada sério desta vez, ao menos... – Digo sorrindo debochada em direção há Effie, sorrindo maliciosamente internamente apenas para levar ela á uma provocação e deixar ela zangada em sua expressão entorpecida em seu rosto coberto de pó de arroz horrível.
Me lembro das outras diversas vezes que apaguei e acordei brigando e esmurrando a cara de alguém. Sempre foi muito divertido provocar Effie, ela sempre soube que fui uma pestinha com ela. Mas minha curta gargalhada é cortada, quando Effie me sacode, e me levanta bruscamente em direção ao espelho do meu quarto.
– Oh, meu Deus! Como assim raios você está bem?! Já se viu no espelho por acaso? Já viu como ficou estado do seu lindo corpinho juvenil depois de seu último apagão?
Effie me deixa parada em frente ao espelho, tateando o interruptor de luz do quarto e quando o encontra, a luz embranquecida atinge por inteiro cômodo, iluminando meu rosto sobre o espelho na minha frente e percebo realmente meu estado depois desta brincadeira toda.
Parcela do meu corpo está totalmente arranhado e marcado com vermelhidões e ferimentos seguidos de cortes com marcas de unhas e rasgões, que a curta camisola de seda que protege partes específicas do meu corpo não escondem. Um corte enorme, que vai do meu umbigo até o início do meu pescoço, e outro parecido na coxa. Um braço direito com camadas de marcas de cortes ainda cicatrizando em uma nova pele finíssima e branca que nasce ali. Mais corte na superfície da minha barriga, e um arranhão enorme no meu rosto, que segue de trás da orelha esquerda até a bochecha. Não sei realmente o que aconteceu. Eu já tinha alguns destes cortes antes do apagão, causados pela briga com os enfermeiros, mas não me lembro destas marcas de unhadas.
Será que eu mesma me puni de alguma forma enquanto dormia? Meu corpo marcado já não era o bastante? Porque eu teria me machucado? Pânico?
– Eu...
– Eu sei querida. Está horrível. Mas nada que eu não possa ajeitar em você com muita maquiagem e muita sorte... – Effie menciona sem um pingo de preocupação além a minha aparência física, e puxa sua bolsa na procura de sua palheta de tons de pele.
– O que? Agora?
– Sim! Subi para apenas ver como você estava, mas já que acordou totalmente arrasa por sinal, vou ajeitar você para descer. Estão todos lá em baixo para o jantar, sua mãe convidou várias pessoas para comemorar o aumento do seu padrasto, e o novo chofer da família. – Effie cantarola de uma maneira irritante, e preciso me segurar em seu vestido rosa choque e extremamente curto com um tomara-que-caia com babados – E adivinha? – Ela agarra meus ombros sorrindo pelo reflexo do espelho.
– O que aconteceu?
– Um dos políticos novos vem para a festa lá em baixo! Estou tão animada! – Ela sai em disparada para meu closet, procurando algo que me sirva bem, enquanto me ordena a me despir e a me indicar onde fica minha maquiagem com pequenos sussurros.
– O que?! – Grito com todo susto que tenho – Quem é?
– Não sei. Mas virá de surpresa, acho que é o Ex-Presidente tentando cumprimentar os seus empregados do Partido da Capital.
– Como conseguiu convidá-lo?
– Tenho minhas influências. Sou um máximo, não sou?
Tenho que gritar. Não sei o que fazer. Por um lado, se eu descer, minha mãe me verá com as cicatrizes e explodirá de preocupação comigo, e preciso implorar para que Effie tente esconder no máximo possível minhas marcas e me escolha para vestir algo que cubra bem eu corpo, de preferência. Nunca gostei mesmo de me expor por sinal. O fato de ter acordado de mais um apagão, e precisar aparecer em público novamente me dá raiva, mas tanto Effie, quanto eu, sabemos que não tenho como questionar.
Preciso passar uma imagem boa, mesmo que minha família seja rica só por causa de John, não posso vacilar.
Não interessa que eu esteja em coma. Se estou de pé, posso muito bem fazer meu trabalho: Atuar. As curtas lembranças das duas crianças diante á minha estátua me dá giros pelo estômago, e despenco na cama, permitindo que Effie limpe e me vista e me maquie por contra própria, e nem tenho paciência nem para ver o que estou vestindo.
O garoto também está aqui, e preciso afastá-lo da memória enquanto Effie anuncia que estou pronta e sem vontade nenhuma de me olhar no espelho e admirar seu trabalho de poucas uma hora e meia, e me dirijo por conta própria contra a porta do quarto. Effie me segue, estalando nos seus saltos-agulha contra o piso delicado, e seu arranhado contra ela me irrita completamente, mas sei que preciso aturar. Apenas fecho os olhos, e deixo tudo transbordar novamente, já digitando uma desculpa para Gale por ter faltado a aulas pelo meu apagão, e ter recusado sua companhia.
É então que me lembro que ele me levou para beber noite atrás em uma boate, e por ter escorregado em uma pia de banheiro, bati a cabeça e perdi várias lembranças.
Só então me lembro que já conhecia Peeta antes do caso das supertrufas. Ele salvou minha vida uma vez. Os pães na chuva.
Realmente, não estou acostumada com esse tipo de coisa. Só preciso ser firme, e gritar para mim mesma que os sonhos não são reais como todos os dias faço quando estou consciente.
Esqueça Peeta. Isso já faz muito tempo.
0 notes
gocreativestopblog · 4 years
Text
Designers brasileiros, conteúdos em outras língua
Porque grande parte dos designers brasileiros escrevem seus projetos e conteúdos apenas em inglês?
Primeiramente, não tenho a intenção de apontar dedos por isso não citarei nomes ou buscarei imagens para representar aquilo que lhes trago como uma crítica e uma reflexão a respeito da produção na área. pelos designers brasileiros. Afinal, a carapuça já serviu em mim. O que eu vejo
Tumblr media
Uma das coisas mais desconfortáveis que encontro dentro dos projetos de perfis brasileiros de designers é o fato de estarem escritos em muitos casos em inglês. O conteúdo de suas páginas, redes sociais e produções recentes escritos em inglês, mesmo que o artefato esteja todo em português foi feito para um cliente no Brasil, os comentários do autor estão em inglês. Até mesmo suas biografias e postagens pessoais estão em inglês. Entendo o apelo e a necessidade pelo qual nossa área tem de se comunicar com todo o mundo (mesmo que esse TODO seja o limitado pelo acesso a interfaces, depois pelo acesso a internet e por último pela informação de que aquele local existe virtualmente), mas nada me tira da cabeça que, como designer no Brasil, a pessoa passou pela experiência da ausência. Mesmo que seu público alvo tenha abrangência global. Mesmo que trabalhe para uma multinacional. Mesmo que não more no Brasil. Esse texto é para você também. O que eu sinto
Tumblr media
Além de uma área elitista com cursos que beiram a insanidade nos preços e na carga horária, temos que nos manter cada dia mais próximos da história futura, nos adaptando a espaços ainda não criados a fim de não nos tornarmos obsoletos, mantendo a relevância como influencers dentro de uma área que não necessariamente deveria cobrar tal postura. Mas nada me faz entender como que aqueles que viveram esse caos diário não se preocupam em tornar o conhecimento acessível para seus colegas do próprio país.Talvez se esqueçam de que antes desse relativo espaço confortável que obviamente demandou muito esforço para a maioria, precisaram correr atrás de livros que não se se encontram mais disponíveis fisicamente ou quando achamos estão mais caros que um curso de pós graduação em uma universidade particular. Com a maior parte da bibliografia referencial ainda não traduzida (embora o esforço homérico de muitos acadêmicos de nossa área), ainda temos que enfrentar a barreira cultural de aprendermos com o conteúdo sendo a maior parte em inglês. Num Brasil onde menos de 5% tem algum nível de conhecimento do mesmo e sendo apenas 1% dessa porcentagem fluente. Seguimos então um ciclo absurdo onde, superamos essas barreiras que outras pessoas de dentro e fora do país nos impõe e o alimentamos fazendo com que novos ingressantes na área sofram o mesmo, sem que haja o mínimo de reflexão sobre o que fazemos e porque o fazemos desse modo. Dessa forma, vamos usar esse pequeno artigo para refletir porque escrevemos artigos em inglês sem o fazer em português primeiramente.
Tumblr media
Alguns podem até falar: “ Joga no tradutor.” “Aproveita para aprender inglês.” Porém, esse tipo de cobrança vir de alguém que nasceu e viveu/vive a realidade no Brasil é tudo, menos Design.Afinal, independente da sua área de atuação ou mesmo se já atua no mercado ou não, todos os dias é limitado pela forma como alcança a informação. Mesmo que tenha qualquer conhecimento da língua, consumir um conteúdo que não de sua língua nativa pode chegar a consumir muito mais energia e tempo. O que eu faço
Tumblr media
Um dos trabalhos mais intrigantes que possuo dentro da minha área é compartilhar conhecimento. Como podemos fazer com que todos tenham o mesmo acesso a conteúdos essenciais para nossa construção como designers sem manter o elitismo quase inerente nos materiais é a pergunta que mais me faço ultimamente. Não cobro que designers leiam artigos e livros densos em prol de uma busca quase acadêmica pelo entendimento teórico sobre nossa área mas busco minimamente sanar um buraco que vejo todo os dias dentro de nossos projetos. O senso crítico e social que deve permear nossas decisões. Por trás de todo artefato existe a necessidade de uma gama de pessoas que precisa ser atendida não para que o mesmo atinja níveis convenientes de venda mas para que atenda as pessoas que o consumirem de forma satisfatória sem que haja uma lacuna entre a necessidade e o ato. Designers brasileiros que divulgam processos, projetos e até mesmo técnicas em softwares em outras línguas corroboram com esse buraco crítico dentro do nosso próprio país. Não estou aqui para defender um projeto nacionalista, mesmo que a crítica quando vista de forma desavisada possa parecer uma defesa pela nação e contra o anglicanismo. Porém, quando pensamos em nossa vivência e sociedade não podemos apenas ignorar o caos em que vivemos, buscando apenas uma construção profissional com viés global mas, de forma crítica, produzir pensando além dos clientes estrangeiros que buscamos captar. Podemos produzir pensando nos profissionais que podem nos usar como referência e, através da divulgação de projetos, artigos e até mesmo livros, possamos construir um país melhor para nossa família e amigos através do conhecimento. O mesmo material que um Brasileiro produz em inglês (ou outra língua) pode ser produzido em português também. O trabalho pode dobrar mas o impacto cultural pode ser muito mais significativo do que imaginam. Este foi o artigo de hoje Read the full article
0 notes
reflexoesinfinitas · 7 years
Text
Prisioneiro
Eu fui pressionado ao meu limite, apenas fragmentos sobraram do meu coração, sejam bem-vindos a minha insanidade. Sou um prisioneiro dos meus próprios pensamentos, aos poucos estou sendo consumido pelo ódio, já não me reconheço mais. Os meus valores estão apodrecendo, a sede cobrou o seu preço, tudo o que eu desejo é o vermelho escarlate do sangue dos meus inimigos. Vivo transitando por um pesadelo diário, devo arcar com o peso da minha vingança, então não desperdice as suas lágrimas comigo, afinal, eu sou apenas uma criança perdida.
Jundiba
66 notes · View notes