Tumgik
#1. cópia sobrenatural
opaitaon · 4 years
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                     𝐏𝐎𝐕 ;; 𝑇𝑟𝑜𝑢𝑏𝑙𝑒 𝑖𝑠 𝑎 𝑓𝑟𝑖𝑒𝑛𝑑, 𝐼 𝑘𝑛𝑜𝑤.
Sua chamada está sendo encaminhada para caixa de mensagem e estará sujeita a cobrança após o sinal. Sebastian soltou um baixo grunhido de irritação, não era do feitio de Guadalupe Chadwick não atender telefonemas de seus filhos. Não importava o quão ocupada Lupita estava, ela sempre dava um jeito de responder as ligações dos mesmos ou ao menos avisava que os ligaria depois. Havia algo de errado com a mulher e isso assustava Sebastian, pois ele sabia de algo que poderia despertar uma reação como aquela em sua mãe. Para piorar, mais cedo sua tia havia o ligado diretamente da Cidade do México para perguntar a ele o porque de sua mãe não aparecer na empresa há mais de uma semana. Seu irmão mais velho, Christopher, estava a substituindo, porém não se encontrava nada contente e não parecia muito preocupado com a mudança de estado da mãe. ❝ ━━ As mulheres são assim, Bash, mudam de humor o tempo todo. Semana passada a Caroline passou a semana sem falar direito comigo e depois me pediu desculpas porque estava de TPM. Mamãe logo vai estar bem de novo, deve estar com saudade do papai.❞  disse o Christopher despreocupado na ligação que partilhara com Sebastian. Por mais que Bash desejasse confiar nas palavras do mais velho, algo ainda dizia que aquela mudança não era comum.
Antes que pudesse continuar divagando em sua mente sobre a mudança de humor de Guadalupe, fora chamado para depor. Por alguns minutos havia se esquecido do inferno que estava presenciando novamente, estivera tão focado em contatar sua mãe que mente o levou para longe da delegacia de Cannes, lugar onde estava corporalmente. Levantou-se de contragosto e adentrou a sala, dentro da mesma havia uma mesma retangular larga, uma câmera e dois detetives o fitavam. Cena semelhante com a primeira experiência que teve meses antes. Cumprimentos educados ocorreram e Sebastian sentou-se na cadeira designada a si, sentia suas palmas úmidas de suor devido o nervoso que o tomara no momento. Um dos policiais logo ligou a câmera o depoimento se iniciou.
❝ ━━ Boa tarde, sr, obrigada por comparecer. Sabemos que não é divertido prestar depoimento à polícia, mas agradecemos a sua compreensão e cooperação com o caso. Em primeiro lugar, gostaria que olhasse para a câmera e respondesse olhando para ela a todo momento, tudo bem? Diga seu nome completo, sua idade, sua data de nascimento e sua ocupação.❞  Sebastian mirou a câmera citada e pigarreou antes de iniciar sua falar. ❝ ━━ Sou Sebastian Javier Hayek Chadwick, tenho 19 anos, nasci dia 23 de julho de 2001 e estudo na L’Academie International François Truffaut.❞ respondeu buscando não soar rabugento, Geneviève e ele haviam conversado bastante para que ele se mantivesse calmo durante o depoimento. Ele deveria parece solicito, embora não quisesse estar ali ou ajudar minimamente naquela investigação.
A mulher, Lucille, assentiu e colocou um pedaço de papel sobre a mesma. ❝ ━━ Obrigada. Agora.. ❞ ela arrastou o papel para frente fazendo com que a imagem impressa se tornasse visível para Bash. A imagem de Camille Martin ocupava a fotografia, Sebastian não pode deixar de compará-la com Eloise naquele momento. De fato eram parecidas. ❝ ━━ Essa é Camille Martin, 18 anos. Estava desaparecida desde o dia 4 de julho de 2020. Você consegue pensar em alguma informação para nos ceder sobre essa garota? Você a conhece? Se lembra de a ter visto em qualquer parte da cidade?❞ não havia motivos para mentiras, Sebastian logo respondeu. ❝ ━━ Não, não sei de nada diferente do que vocês já sabem. Fiquei sabendo que ela desapareceu tem um tempinho, irmã mais nova do Cédric lá da sala. Também nunca vi ela pela cidade.❞ não pensou muito na resposta ou no tom usado, tudo fora bastante natural. ❝ ━━ “Cédric lá da sala”? Foi por ele que ficou sabendo do desaparecimento?❞  indagou novamente a policial. O rapaz balançou a cabeça em sinal positivo e franziu o cenho, eles não sabiam que Camille tinha um irmão e que ele estudava em Truffaut? ❝ ━━ Sim?! Cédric Martin, irmão da Camille. Ele estuda lá na sala tem um tempinho, entrou um pouco depois do início do ano letivo. Ele não me disse nada, não somos amigos, mas todo mundo ficou comentando sobre isso no colégio.❞ o rapaz completou não entendo o caminho que aquilo parecia tomar, certamente lembrar-se-ia daquilo e contaria para Viviane mais tarde.
❝ ━━ Como aluno da François Truffaut, sabe dizer se a festa de Passagem que é realizada todos os anos pelos alunos do último ano era destinada apenas aos estudantes ou se pessoas de fora também compareciam ou podiam comparecer?❞  Não, pensou em responder de imediato. Era destinada apenas para quem o comitê achava de bom tom e isso não incluía os recém-transferidos de Notre Dame. Ás vezes Sebastian pensava o que teria acontecido de diferente naquela noite se apenas tivessem dado aos outros os benditos dos convites, talvez Eloise não tivesse caído do penhasco e Camille... Bom, ele não sabia o que pensar sobre Camille. ❝ ━━ Sim. Eu faço parte do Comitê que organizou essa festa e ela sempre é destinada para todos os estudantes, eu diria exclusiva aos estudantes. Não chamamos ninguém de fora e não é comum que chamem.❞ de fato ele não sabia como Camille havia chego a Ilha. Fazia sentido que os titãs tivessem descoberto sobre a festa e encontrado uma maneira de chegar até a ilha, a maioria deles tinha dinheiro sobrando para uma viagem de barco de último hora. Já Camille, pelo pouco que Sebastian sabia sobre a mesma, vinha de uma família humilde e dificilmente conseguiria entrar de penetra sem ter sido convidada por absolutamente ninguém.  ❝ ━━ Então, apenas confirmando, sobre a festa de Passagem ocorrida no dia 4 de julho e os eventos ocorridos lá, o senhor estava lá naquela noite? Se sim, pode citar alguns nomes de pessoas que se lembra de ter visto? Sabe dizer se essa garota esteve lá ou se a viu conversando com alguém?❞  perguntas repetitivas tendiam a irritar Bash, porém ele lembrou-se das palavras de Geneviève e assentiu um tanto quanto cansado. ❝ ━━ Eu estava na festa. É um pouco difícil citar o nome de todo mundo, posso acabar esquecendo de alguém, mas garanto que a turma toda estava lá. Vocês provavelmente já tem a lista da minha turma e foram esses que vi na festa. Tirando Cédric, Ludovic e Minerva, é claro. Eles entraram no colégio depois e consequentemente não foram convidados. Não vi Camille em momento algum, eu estava muito focado nas minhas próprias coisas, mas me lembraria se visse alguém estranho.❞ novamente não possuía razões para mentir completamente, ele de fato não acreditava que havia visto Camille naquela noite. Tudo bem que havia bebido um pouco e estava irado a maior parte do tempo, mas um rosto estranho o chamaria a atenção. ❝ ━━ Onde o sr estava no dia 5 de julho à meia noite, quando a polícia foi acionada e informada que o corpo até então acreditado ser de Eloise Girard-Dampierre havia caído do penhasco? ❞ Sebastian precisa se concentrar ao máximo para repetir tudo que havia combinado com os amigos, palavra por palavra sem hesitar. Precisava ser racional, o contrário da grande bola de passionalidade que sabia ser. ❝ ━━ Eu não sei exatamente a hora que sai da festa, mas sei que foi bem antes disso. Eu tinha brigado bastante com a minha ex-namorada, Geneviève, naquela noite. Nós acabamos terminando e eu ‘tava cansado de brigar, sabe? Passei a festa inteira chateado, tentando ir atrás dela para nos acertamos, mas não adiantou muito. Eu percebi que ‘tava irritando ela ainda mais e acabando com a noite dos meus amigos, Benjamin e Romain, também. Daí eu decidi ir embora, eu não ‘tava exatamente sóbrio, por isso não lembro a hora que começamos a ir embora. Só sei que depois a Geneviève me ligou, disse que o Jun estava machucado e pediu minha ajuda. Foi a única vez que vi as horas no meu celular, eram umas onze e vinte mais ou menos. Benjamin e Romain voltaram comigo, nós ajudamos a Geneviève com o Jun e fomos todos ‘pro hospital.❞ narrou sua versão dos fatos, omitindo e trocando ordem de parte dos acontecimentos daquela noite. Seu tom havia sido convincente, havia sido capaz de mascarar todo nervoso que sentia. ❝ ━━  Sabe como Jun Ho se machucou?❞ a pergunta fez com que Sebastian engolisse seco, ele deu de ombros buscando disfarçar o desconforto. ❝ ━━ Ele caiu na trilha. O Jun não é exatamente o cara mais atlético que eu conheço, ele é meio magrela e sempre foi desajeitado. ‘Tava todo mundo bebendo naquela noite, certeza que ele só agiu como um bêbado.❞ esperava que a resposta tivesse sido boa o suficiente para encerrar aquela parte da conversa e não levantar suspeitas à respeito do amigo. Pela contentamento dos polícias, havia obtido êxito.  ❝ ━━ O sr esteve no penhasco no dia 4 de julho ou na madrugada do dia 5 de julho? Viu algo que chamasse a sua atenção nesse dia ou fora do comum para uma festa, como a presença de pessoas estranhas ou brigas?❞  Sebastian espremeu os lábios enquanto uma falsa expressão reflexiva tomou sua face, estava replicando seu comportamento quando mentia para Guadalupe. ❝ ━━ Não, como eu já falei, fui embora com minha ex-namorada, o irmão dela e meus melhores amigos. Não subi em lugar nenhum, não tava com cabeça ‘pra esse tipo de coisa. Eu ‘tava preocupado com meu relacionamento, não fiquei prestando atenção nas conversas ou brigas alheias. Não vi nada não.❞ novamente sua resposta pareceu contentar os policiais e Sebastian podia sentir o desconforto em seu estômago diminuir, logo aquilo teria acabado.
❝ ━━ O sr saberia dizer por que as pessoas pensaram que Eloise era o corpo encontrado sobre as pedras? Se não, consegue dar um palpite o que levou as pessoas pensarem nisso?❞  que tipo de pergunta era aquela? Sebastian questionava em sua mente. O que esperavam que ele dissesse? Se nem a própria polícia fazia ideia da existência da “doppelgänger”¹ de Eloise, porque eles deveriam saber? Conte até dez, sempre conte até dez. A doce voz de sua mãe ecoou em sua cabeça o fazendo acalmar seus ânimos. Ele deu de ombros e permaneceu em silêncio por alguns segundos. ❝ ━━ Não sei, provavelmente não encontraram a Eloise e ligaram os pontos. Sei lá, elas duas se parecem e ninguém sabia da existência da outra. Deve ter sido por isso, vocês devem saber melhor que eu.❞  Não conseguiu conter-se e uma alfinetada escapou por seus lábios. ❝ ━━ Obrigado pelas suas respostas e honestidade. Vamos manter contato caso precisemos de mais esclarecimentos da sua parte. Está dispensado/a.❞  o homem disse por último e Bash sentiu como se mais de cem quilos fossem retirados de suas costas. Ele despediu-se educadamente dos policiais e caminhou para fora da delegacia em passos ligeiros. Esperava nunca mais ter de pisar naquele lugar, mas parte de sua intuição dizia que o surgimento de Camille iria complicar ainda mais as coisas, se é que aquilo era possível. Trouble is a friend², pensou. Ao chegar ao lado de fora, retornou a ligar para Guadalupe e novamente não fora atendido. Havia apenas uma coisa que deveria fazer naquele momento: ir a Paris. 
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goodomensseason2 · 5 years
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Capítulo 2- Três anos depois do Armageddon...
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Tradução para o português brasileiro (pt-br) do segundo capítulo da incrível fanfic de Good Omens escrita por @rjeddystone , disponível aqui no original em inglês. Por favor, não copie e poste se você pode reblogar e comentar. Esta fic está em andamento, então comentários serão muito apreciados e traduzidos de volta para a autora. Boa leitura!
Nos últimos anos, borboletas tem sido malvistas por incitarem o caos. Esta é uma acusação injusta. Até os demônios pensam assim, porque eles odeiam dividir os holofotes.
Quando Edward Lorenz apresentou pela primeira vez o efeito borboleta, ele queria chamá-lo de “o Efeito Gaivota”. No entanto, o nome já estava em uso pela fórmula E = (1/mc)^2, onde E representa qualquer comida comestível, sendo m a voracidade do apetite e c, sua proximidade em centímetros das gaivotas.
Se houvessem os leigos, interpretando errado a teoria de Lorenz, caçado gaivotas em vez de borboletas, o mundo seria invariavelmente um lugar melhor.
A verdade é que borboletas estão igualmente sujeitas ao caos. Não existe nenhuma sociedade lepidoptera secreta tentando controlar o clima. Nem ordens ocultas de borboletas e mariposas adorando o Senhor das Moscas. E só havia um movimento da Nova Era nas últimas cinco décadas que acreditava no poder das flores.
Não quer dizer que não haja insetos satânicos, é claro. Mosquitos para nomear alguns milhões. E moscas, para nomear o resto.
Os Duques do Inferno estavam, ocultamente falando, em pé de igualdade e poder que o de Príncipe do Inferno, mas príncipe é alguém especial e como resultado, tem reconhecimento especial. Já havia tido diversos nomes e papéis ao longo da história, a maioria envolvendo réplicas em tamanho real esculpidas em madeira nobre e metais preciosos. Talvez você já tenha ouvido falar. Os teístas usam seu nome mais até que o de suas respectivas divindades e, como de costume, chamando por “ele”. [Nota da autora: Essas são as mesmas “autoridades” que afirmam que bruxas trabalham nuas.] Mais do que qualquer outro, o nome de princípe fulgura com o magnetismo do que é proibido.
Beelzebub: Senhor das Moscas.
Um pouco menos conhecido é seu secretário, Dagon, Senhor dos Arquivos.
Dagon cutucava uma escama e virando as folhas de uma pasta —só pela aparência da coisa. Na realidade, ele estava olhando seu mestre no trabalho, apreciando o momento, por assim dizer.
Beelzebub sentou-se à mesa em seu escritório espartano, juntando as pontas dos dedos e encarando-as. Seu olhar era designado para despir os nervos, até mesmo dos seres que não tinham nenhum.
“E como foi que esse… acidente… ocorreu?” perguntou Beelzebub.
Um espírito desencarnado parou logo atrás da mesa. “Valeu pelo passeio eu diria, né chefe?”
“Fico contente em ouvir isso.” Beelzebub se inclinou para frente, ainda mantendo a postura de poder. “E esse esporte é… é o que mesmo?”
“BASE Jumping, é. Emocionante. Humanos, tentando voar.”
“E, ao que parece, não tendo sucesso.”
“Bem, eu trouxe ela aqui, não foi chefe? Está ficando difícil lá em cima. Pessoas distraídas demais para serem tentadas pelas coisas de sempre.”
“Que coisas de sempre, você diz?”
“Ah, vocês sabe, chefe: ira, luxúria, e os problemas que essas coisas causam— e que eles causam uns aos outros, dá pra acreditar? Eu acho que é a Internet.”
“Então nós culparemos o Crowley por isso. Ele disse que tinha sido ideia dele” disse Beelzebub. [Nota da autora: Na verdade não tinha sido, mas assim como certos humanos, ele gostava que todo mundo pensasse que sim.]
Diferente da maioria dos demônios, Beelzebub via a tortura com uma mentalidade bastante voltada para o século XX. Deixou o silêncio se esticar como um prisioneiro num potro, então abriu uma mão acenando para Dagon. Com um sorriso satisfeito, Dagon obedientemente fechou a pasta e entregou-a em sua mão com um estalo. O som era necessário para enfatizar a importância daquilo.
Beelzebub disse, “Eu não preciso de desculpas, apenas da sua assinatura nisso…”
Empurrou a pasta com pergaminhos chamuscados em direção ao espectro. O documento tinha aproximadamente dois dedos de altura. Formulários no Inferno eram medidos em dedos, assim como as sessões de tortura.
Os olhos do espectro se arregalaram. “Tudo isso, é?”
“Esta é a solicitação inicial e relatório dos danos.” A nuvem de moscas de Beelzebub zumbia alegremente, apesar de seu lorde titular manter uma expressão séria. Se alegrar com a desgraça alheia era para o tempo livre. “Para iniciantes.”
Devagar, abriu uma gaveta feita sob medida para o suspense (ela arranhava dramaticamente com um som parecido ao de um caixão se abrindo). Puxou um segundo arquivo. Mais dois dedos de altura. Colocou-o ao lado do primeiro e o abriu para revelar colunas de fonte minúscula espremidas entre extensas notas de rodapé.
“Você também vai precisar do Formulário 126A da contabilidade para sua dedução salarial,” príncipe continuou: “E o Formulário 126B em triplicado para a garantia, fumigação, e ativação do novo corpo. O último vai requerer cópias autenticadas do seu cartão de Previdência Sulfúrica, Certificado Amaldiçoado, e uma licença de Tentador válida; então talvez possamos providenciar uma Possessão temporária durante o processamento do seu pedido; tal processamento deve levar entre duas a quatro semanas, mas pode demorar até seis meses, a depender dos Feriados Bancários.” [Nota da autora: Embora tenham deixado humanos pensarem o contrário, demônios possuem a maioria dos bancos e fundos, exceto Bitcoin, no qual eles não tocariam por nada no mundo.] Adicionou, “O custo do aluguel também será descontado dos seus ordenados, mas você pode apelar para clemência no escritório do Carrasco, se isso te fizer se sentir melhor.”
“Eu vou poder manter meus ordenados então, chefe?”
“Não, mas vai fazer você se sentir melhor.”
O demônio desencorporado afundou até quase o piso e resmungou algo sobre seu triste consolo, “Acho que você não saberia onde eu posso achar uma caneta.”
Voltou a tocar as pontas dos dedos. “Não. É. Problema. Meu. Tenha isso em mente, caso pense em tomar parte em tais atividades de BASE Jumping de novo.”
“Sim, Lorde príncipe.”
“Agora saia. Eu disse “agora”, não disse?”
A aparição, se esforçando para carregar a papelada através de pura concentração, saiu. Beelzebub encarou a porta até ele a fechar com medo, e então recostou-se de volta em seu trono. O Senhor das Moscas nunca teve a intenção de ler qualquer papelada. Isso era parte do que fazia aquilo ser tão satisfatório.
Mesmo assim, suas moscas zuniam irritantemente.
“Aquilo foi horrível, senhora,” disse Dagon orgulhosamente, tentando animá-la.
“Certifique-se de encontrar um erro de ortografia da próxima vez que ele retornar,” Beelzebub disse. “Nós temos uma política de que todos os documentos precisam ser reenviados nesses casos.”
Dagon vibrou tanto que suas escamas reluziram. Genial.
Beelzebub não sorriu. Sentia desapontamento. Depois de tanto tempo, atormentar perdia a graça. Fazia eras que qualquer boa tortura tinha sido feita com maestria na superfície, três anos pelo menos. O Inferno tinha, por assim dizer, entrado numa trégua. Não havia planos para depois do Apocalipse, além do banquete de celebração. [Nota da autora: Cancelar os fornecedores tinha sido um inferno, pelo menos.] O ponto era que, havia um fim em vista. Mas graças à interferência de um certo casal e dos efeitos imprevistos da ausência paterna, o Anticristo havia lhes dado as costas, e o Armageddon virou o Armage-não. Quem pensaria que um garoto de onze anos se negaria a acabar com o mundo?
Beelzebub se levantou e fitou a parede de relógios no fundo do escritório. Há vinte e quatro fuso horários no mundo. Essa parede tinha vinte e cinco relógios: A hora local, bem no topo, onde sempre se lia TARDE DEMAIS. [Nota do editor: G.O., Cap. 1: notas de rodapé.]
Dagon se aproximou. “Devo acompanhar até a superfície, senhor?”
“Temos que buscar uma coisa primeiro,” disse Beelzebub, e saíram juntos, Dagon ainda reluzindo. Suas escamas brilhavam quando ele estava de bom humor. Qualquer um olhando teria pensado na cauda de um cometa acompanhando uma pedra de chumbo.
O relógio sobre Londres marcou um minuto depois das sete da manhã.
 Eram seis e meia quando o jardim apareceu, porque anjos gostavam de chegar cedo.
O Jardim do Éden tinha tido vários lares ao longo do curso da história humana e angélica, e apenas um lar em tempos anteriores. Ele é medido em cúbitos, mas para bem da simplicidade, vamos apenas dizer que era grande, o bastante para as gerações de humanos que poderiam ter vivido confortavelmente ali, não fosse por uma escolha infortuna na sinalização e uma admirável solidariedade conjugal.
Pelos últimos quatro séculos antes daquele momento, o Éden estivera pairando pelo quinto céu, servindo de uma espécie de área de recreação para os anjos em seus dias de folga. (A árvore ofensiva agora tem uma cerquinha de madeira e uma placa.)
Hoje, porém, o Éden pairava no espaço etéreo acima do St. James park.
Sua presença causou uma grande comoção entre os patos, que eram os únicos capazes de vê-lo, não por alguma razão sobrenatural, mas porque a maioria dos frequentadores não olham pra cima. Ignorância é um tipo de camuflagem. [Nota da autora: Por isso ditaduras e guerreiros pela liberdade em geral não são grandes fãs da educação].
Havia mais patos do que pessoas no parque na maioria das manhãs. O respeito dos humanos por placas não havia melhorado desde seus antepassados, então algumas pessoas alimentavam os patos, atirando migalhas e biscoitos na água. Uma criança particularmente entusiasmada tentou partilhar todo seu cachorro quente com um ganso. Uma senhora idosa com um saco de crostas de pão assistia sorrindo de um dos muitos bancos ao longo da margem do lago.
Certos adultos em casacos longos e expressões evasivas apareciam no St. James regularmente para atirar algumas migalhas lá com menos zelo, tentando parecer “casuais”. Enquanto isso eles trocavam maletas similares ou envelopes amarelos estufados amarrados com cordão. Alguns usavam apertos de mão, fingiam colisões, e sentavam-se em bancos oportunos tão regularmente que algumas das crianças começaram a achar que se tratava de um jogo estranho de adultos e os imitavam com folhas, gravetos e pedrinhas.
Logo depois que o jardim apareceu, assim também vieram dois recém-chegados. Eles não usaram a entrada. Eles olhavam para o Éden do mesmo jeito que certas pessoas, ao descerem de um táxi, olham para trás a fim de verificar se não prenderam a roupa na porta.
“Como você sabe que eles não estarão aqui?” O mais baixo perguntou.
“Ainda não é hora do chá,” disse o outro, com grande confiança. Ele parecia ter um pensamento em mente. “Você disse ‘eles’ se referindo àqueles dois traidores imprestáveis, ou você quer dizer os nossos amigos, os demônios?”
“Aos primeiros,” disse o outro, depois de adivinhar aquilo. (Ele era bom em adivinhar coisas.). “Desculpe, estava tentando ser oblíquo.”
“Perdão?”
“Eu estava tentando falar de forma indireta.”
“Bem, muito bom então. Conseguiu.”
O interlocutor mais baixo sorriu amigavelmente. Ele era Sandalphon, anjo do Oeste e ex-Observador. “Ex,” porque o resultado da Queda não foi nenhuma pequena mudança de departamento. Perder um terço da sua força de trabalho significa um monte de burocracia e ainda mais seminários de reciclagem. Sandalphon havia optado pelo posto de Arcanjo de um Ponto Cardeal, porque na época ele achava que o pôr do sol era muito agradável e, se fosse para ele ser honesto, ele achava que Uriel gostava dele.
Por dois dos seis mil anos do mundo, o estresse levou Sandalphon a inconscientemente tomar a forma de um homem de meia-idade, careca e cheio de preocupação. Ele deveria ter parado de observar humanos depois da mudança de departamento, mas ele gostava de falar deles, como algumas pessoas fazem após viajarem para um país estrangeiro. Ele havia se mantido assim por seis mil anos, e era bastante prestativo para os outros anjos. Geralmente, ele era muito simpático.
O outro homem também era, à primeira vista. O arcanjo Gabriel era tudo o que um artista contemporâneo poderia imaginar em um arcanjo [Nota da autora: especialmente se fosse um desses artistas que gostam de projetar suas próprias ideias exageradas de masculinidade em seres etéreos]. Gabriel era alto, bem barbeado, e tinha ombros largos. Ele podia correr dez milhas sem suar a camisa, principalmente porque seu ponto cardeal era o Norte. Ele também tinha olhos como ametistas, que nublavam quando ele se zangava. Esse era o tipo de efeito especial que apenas as mais imponentes hostes celestiais poderiam arcar, caso isto fosse uma produção cinematográfica e não uma incursão em fanfics.
Sandalphon perguntou, com curiosidade genuína, “O que tem de importante na hora do chá?”
“Bem,” disse Gabriel pacientemente, “além de prevenir taxa de açúcar baixa no sangue dos humanos britânicos, eles vem vivendo aqui por séculos —os traidores, quero dizer, não os… Enfim, eles tem uma rotina. Eles se encontram aqui antes de saírem para almoçar nos fins de semana.”
“Diabólico.”
“É, isto é, exceto nos feriados. Er, hoje não é feriado, é?”
“Só na América,” disse Sandalphon, solicitamente. “Feriado fiscal.” [Nota da tradutora: Feriado Fiscal (Holiday taxes) é uma redução ou eliminação temporária de um imposto. É um trocadilho com isenção fiscal que, ao contrário do que Sandalphon pensa, não tem nada a ver com um feriado propriamente dito.]
“Que gente engraçada,” disse Gabriel. Ele retomou seu ar de confiança. “Não, essa é a nossa vez de ter encontros clandestinos. Só precisamos esperar por Michael e Uriel aparecerem com o—”
Uma terceira voz os interrompeu: “Pacote?”
Gabriel se virou com um sorriso forçado. Ele voltou suas feições bem definidas brevemente. Atrás deles estavam Michael e Uriel.
Sandalphon fez uma pequena salva de palmas. “Muito discreto,” disse ele.
Michael e Uriel eram seus opostos na bússola, e cada um deles sorria. Uriel, sendo arcanjo do Sol, ela sempre deixava seu sorriso abrasar um pouco. Michael era o único canhoto entre eles porque ele particularmente gostava de uma boa piada. Hoje ele tinha arrumado seu cabelo e também estava usando pérolas, porque ele podia.
Quando a vaga para Príncipe dos Anjos foi anunciada, Michael foi o primeiro e único anjo na fila. Esmagar seu antecessor deixou toda possível competição receosa. Enquanto Gabriel liderava as legiões táticas e ofensivas, era Michael quem mantinha tudo fluindo suavemente entre os departamentos, frequentemente sorrindo educadamente de modo a lembrar as pessoas o que aconteceria se ele parasse.
Agora Michael segurava um pacote enrolado em um tecido parecido com linho. O tecido parecia brilhar. Pelo menos, ele deveria apenas parecer assim: A única coisa certa sobre ele era que parecia um embrulho retangular comum com um nó no topo, uma marmita talvez, ou um pequeno presente para um amigo. Ele oscilava um pouco, inofensivo. Gabriel e Sandalphon deram passos para trás.
“Isso é… aquilo?” perguntou Gabriel.
Sandalphon estava fascinado. “A coisa da qual não falamos sobre?”
“Sim, Sandalphon, direto do Éden,” disse Uriel, com um sorriso perfuntório que fazia as manchas douradas em suas bochechas faiscarem.
Sandalphon, sentindo-se malvestido de repente, ajustou seu pequeno grampo de gravata em formato de asa. Ele nunca conseguira tirar uma faísca além de suas unhas dos pés.
“Estão todos animados?” perguntou Gabriel, entusiasmado. “Porque eu estou.”
Michael disse, “Já que estamos todos aqui, não deveríamos assumir nossas posições?”
Sandalphon alegremente tirou um jornal debaixo do braço. Ele não estava ali antes, mas nenhum observador teria admitido aquilo. Humanos eram muito cautelosos com suas realidades. Os passantes não olhavam mais de perto por essa razão, e então deixavam de notar que o título do jornal não era dali.
Sandalphon cruzou o gramado até um banco de aparência convidativa.
Gabriel olhou para a esquerda, depois para a direita, e então trocou de roupa. Não normalmente, ou mesmo embaraçosamente atrás de um arbusto, mas com um estalar de dedos. Ele agora vestia um conjunto de moletom e um par de tênis. Sua espada virou um bracelete com podômetro. Gabriel era bom com roupas, então todas elas eram as mais confortáveis do mundo.
Ele respirou fundo o ar fresco da manhã e partiu numa corrida, apenas mais um corredor matutino, apesar de nunca se cansar nem fazer uma pausa.
Uriel e Michael trocaram um aceno de cabeça e transformaram suas espadas em sombrinhas. Se ainda houvesse qualquer observador por ali, eles teriam, é claro, considerado as espadas como sendo sombrinhas desde o começo. Então, talvez alguns desses passantes sairiam procurando por um café para clarear suas mentes.
Uriel lançou-se em volta do perímetro, em uma caminhada na direção leste. Michael tomou parte na caminhada com ela, então se voltou para o café, o qual, por razões que nem mesmo o gerente pode explicar, decidiu abrir uma hora mais cedo.
Michael sentou no terraço superior, checou suas unhas e esperou.
O jardim no céu tremeluzia longe, na quinta dimensão.
Os patos estavam muito agitados agora, mas como nenhum dos humanos no parque falavam marrequês e apenas uns poucos falavam mandarim, só a senhora idosa com migalhas de pão se assustou com a agitação deles.
 Dez minutos antes das oito da manhã, um lustroso bentley preto se ergueu em frente a esquina da livraria no Soho. Seu motorista se voltou para as linhas amarelas que restringiam as vagas para estacionar e deu a elas um olhar severo através de seus óculos muito escuros, e as linhas se curvaram, afastando-se obedientemente.
A livraria se chamava A.Z. Fell & Co. Antiquário e Livros Raros. Os horários ficavam destacados religiosamente na frente da porta, escritos em caligrafia precisa da seguinte maneira:
A loja é aberta na maioria dos dias por volta das 9:30 ou talvez 10 da manhã. Apesar de eu ocasionalmente abri-la tão cedo quanto 8 horas, eu também sou conhecido por não abri-la até 1 da tarde, exceto nas terças. Eu costumo fechar perto das 3:30 da tarde, ou mais cedo de acordo com a necessidade. Entretanto, eu posso ocasionalmente manter a livraria aberta até as 8 ou 9 da noite, nunca se sabe quando se pode precisar de uma leitura rápida. Nos dias em que eu não estou, a loja fica fechada. Nos fins de semana, eu abrirei a loja durante o expediente normal, a não ser que eu não esteja. Feriados bancários serão considerados do modo usual, com fechamento mais cedo nas quartas, e às vezes nas sextas-feiras. (Para domingos, vale o mesmo que para as terças-feiras).
–A.Z. Fell, Livreiro.
 Ninguém nunca perguntava a quem o “& Co” se referia. A verdade era que isso variava a cada poucas décadas, e atualmente se referia a ninguém.
Neste século, o motorista de óculos escuros e com estranhos poderes sobre as leis de trânsito atendia pelo nome de Anthony J. Crowley. Ele era a primeira vista um homem magro, bonito, com maçãs do rosto acentuadas e o que a maioria das pessoas presumiam ser botas de pele de cobra. Ele caminhava ereto como um ser humano, mas havia algo em no gingado de seus quadris que trazia à mente um animal totalmente diferente.
Crowley gostava da cidade de manhã cedo. Sua população consistia quase que inteiramente de pessoas que tinham ocupações sérias e motivos reais para estarem ali, ao contrário dos milhões desnecessários que perambulavam por ali depois das oito, e as ruas eram mais ou menos quietas [Nota do editor: ver ibid., Cap.3].
Deixou uma cesta coberta no assento de trás do bentley. Transparecendo pelo canto de sua tampa coberta, um tecido quadriculado vermelho e branco declarava seu propósito. Um estalar dos dedos de Crowley trancou as portas do bentley. Um segundo abriu as portas da livraria o bastante para que ele pudesse entrar. O pequeno sino acima do lintel soou alegremente. A porta se fechou, balançando a placa e fechando o trinco.
Chamou, “Anjo, este picnic não vai se consumir sozinho!”
Mas ele não precisava ter gritado. O “Sr. Fell” já estava na loja.
Aziraphale estava contemplando uma prateleira com romances do século XIX. Isso não incomum. Essa era uma das prateleiras favoritas dele (apesar de que ele nunca diria aquilo em voz alta, sob pena de magoar os sentimentos dos outros livros). Mas esta manhã, ele os encarava como se pudesse ver algo através deles, se aproximando à distância. Algo que ficava mais e mais horrível conforme os detalhes se tornavam mais claros.
“Não, não, isto não pode ser bom,” ele dizia para si mesmo.
Para o observador casual, “A.Z. Fell” era um cavalheiro de idade indeterminada com cabelos cacheados e claros que lembravam halos. Um observador mais velho também notaria o quanto ele era parecido com seu pai, que também mantinha a livraria e também se chamava Aziraphale. E este pai também possuía notável semelhança com seu avô, e você captou a ideia. Crowley ouvia o mesmo de negociadores de arte sobre seu pai. Ouvia falar e nunca contestava.  
A maioria das pessoas não diria que Aziraphale se parecia com um anjo. A sensatez as impedia, visto que nenhuma imagem de arquivo de anjos principados envolvia uma barriguinha e meias xadrez.
Crowley cruzou a loja em passadas despreocupadas. “O que foi, Anjo?”
A voz de Aziraphale era trêmula e fina, falando sozinho: “Não pode ser… como assim, se foi?”
“O que se foi?” Crowley perguntou. Tocou o ombro do amigo, fazendo-o se virar, piscando para ele. No instante seguinte, a expressão rígida de Aziraphale se desfez num sorriso.
“Crowley,” ele disse, ofegante. “Graças aos Céus você está aqui.”
“Graças a alguém, de qualquer forma,” disse Crowley e sorriu maliciosamente. “Você parece com mais fome que o habitual, e eu tenho a coisa certa pra você bem aqui.”
“Alguma coisa aconteceu,” disse Aziraphale, sua face despencando de novo. “É sobre meu antigo posto.”
“Você continua ligado ao Portão Leste?”
“Sim. Podemos falar em outro lugar que não aqui?”
Crowley teve dificuldade em manter seu próprio sorriso. Geralmente ali era o único lugar em que eles podiam conversar, sobre certas coisas. Havia tão poucos lugares no mundo que eram… seguros.
Ele disse em voz alta, “Era esse o plano pra hoje, apesar de que eu esperava que a gente pudesse falar de outras coisas além disso…”
“Algum lugar com um pouco de céu,” disse Aziraphale, distante.
“Qualquer lugar que você queira.”
Crowley conduziu Aziraphale para fora, com um cavalheiresco abrir de portas do  bentley. Logo eles estavam à noventa milhas por hora a sudeste pelo centro de Londres, o que era impossível de ser feito em segurança.
Por humanos, pelo menos.
 Existem algumas coisas no mundo tão perigosas que culpabilizar alguém acaba tendo menos importância. O plástico no oceano, por exemplo, pode ser culpa mais de uns que de outros, mas é problema de todo mundo. O aquecimento Global pode ter sido causado por fatalistas, mas é problema de todo mundo. Vacinas, a falta delas especialmente, é também um problema compartilhado.
Um dos mais antigos problemas compartilhados é o Anel de Fogo do Oceano Pacífico, e que afeta todos de mais maneiras do que a memória viva (mesmo de imortais) saberia.
Todos sabem que o Anel de Fogo causa terremotos e vulcões. O que ninguém sabe é o que ele previne. Uma pista disso está no fato de que o formato do Anel não é exatamente um círculo. É uma ferradura.
Por séculos, ferraduras foram penduradas com pregos sobre o batente das portas de pessoas particularmente esclarecidas. O ferro protege esses lares de intrusos, considerando que esses intrusos sejam (a) sobrenaturais e (b) educados o bastante para usarem a porta.
Poucos intrusos precisariam de uma porta grande como o Oceano Pacífico para entrar na atmosfera da Terra. Um deles vive no lado extremo da existência. Anjos não pensam muito sobre isso e atribuem os ruídos calamitosos de suas pancadas aos demônios mal intencionados, como sempre. Eles estão satisfeitos demais com a última grande batalha no céu para se lembrarem da que ocorrera antes de tudo.
Como qualquer ferradura, o Anel é fixada por um prego. Esse prego é a Tocha de Prometeu, muito embora seu nome poético, assim como o da “pedra filosofal” é um substituto para uma palavra muito mais antiga da qual nenhum mortal ouvira falar.
Não é muito impressionante, mas a maioria das coisas práticas também não é. Um simples cone vazio preso como um prego em um pilar de pedra. Ela fica isolada em uma câmara do outro lado do Inferno, e as chamas do submundo fluem ao redor dela em lentos e vagarosos rios, bebendo de suas energias infernais e tornando-se fogo do inferno, uma substância que até os anjos temem tocar. Pense na forma como o fósforo queima na água, e como o mercúrio se impregna em ossos. O fogo do inferno é muito, muito pior.
Nenhum demônio ousara perguntar a Lúcifer onde ele havia conseguido a Tocha. Mas dado o seu histórico com o sacrossanto, haviam histórias.
Beelzebub e Dagon foram acompanhados pelo duque Hastur conforme eles percorriam o corredor de rocha ígnea abaixo. Os labirintos do Inferno tinham se expandido enormemente desde os primeiros dias do poço, muito pela necessidade, mas aquela ala era sempre mantida vazia. Não haviam latrinas de imundície ali, nem câmaras de tortura. As paredes brilhavam nitidamente com labaredas dançantes.
Os três demônios caminhavam de modo a sugerir que deveria haver quatro deles ali, na verdade.
Hastur parecia um espantalho descolorido pelo sol e arrastado por um esgoto. Ele tinha olhos pretos como os de uma boneca e uma risada esporádica que geralmente vinha acompanhada de atos de violência. Hoje seu aspecto era pálido e soturno, pois ele estava pensando em seu amigo Ligur.
O duque Ligur tinha sido um demônio muito bem sucedido: Um especialista em torturas, criador de cães do inferno, e excepcional no campo do espreitamento. Então, houve um incidente traiçoeiro envolvendo água-benta, um demônio trapaceiro e um borrifador de plantas.
O corredor dava para uma câmara circular onde a estranha chama da Tocha era a única fonte de iluminação; os demônios pararam para admirá-la.
O espaço era mais alto do que amplo, uma câmara perfeitamente redonda circulada pelos rios de lava que se dividiam no pilar da Tocha. Um relevo na rocha sobre ela retratava a forma bestial do próprio diabo, completa com chifres e cascos e as partes menos decentes no meio. Os demônios se curvaram diante dele em deferência superficial.
“Tem certeza sobre isso, vossa desgraça?” perguntou Hastur. “Quero dizer, eles são anjos.”
“Tenho o aval do nosso rei para isso,” Beelzebub explicou.
“Mas o que faremos sem o fogo infernal? É o nosso melhor método de tortura,” Hastur dizia. “Não dá pra matar anjos sem ele. Eles vão saltitar por todo canto. E eu gosto de como ele faz os humanos pedirem pra morrer quando eles já estão mortos.” Ele voltou os olhos escuros para o relevo.
Beelzebub deu passos mensurados até o pilar e olhou acima para a face entalhada do mestre deles. Estavam nervosos. Sim, o maligno estava de acordo em trabalhar com anjos, contanto que no fim eles estejam trabalhando contra a Toda Poderosa. Mas sua Desgraça Infernal nunca antes havia proferido uma palavra sobre reconciliação, não antes do Apoca-lapso.
“Alguém aqui tem algo contra varrer a raça humana do mapa?” perguntou Beelzebub, de repente refletindo se aquilo não era, bem, não o certo per se, mas a correta coisa a errada a ser feita.
Não houve objeções, além de Hastur, que nunca tivera uma mãe para alertá-lo sobre o risco de seu rosto ficar permanentemente paralisado numa careta, então fazia uma carranca horrível.
Muito cuidadosamente, não por qualquer risco, mas sim por respeito, Beelzebub colocou ambas as mãos ao redor do cone da tocha e a ergueu. Houve um arranhar rochoso, como um milhão de armadilhas sendo disparadas. Se isto fosse um filme de ação-aventura, agora seria a hora para estacas caírem e pedras enormes rolarem caverna abaixo.
Mas filmes assim não tendem a ser protagonizados por demônios. O solo tremeu uma vez. Um pouco de cascalho caiu esteticamente do teto sombrio. E isso foi tudo.
Beelzebub levou a tocha do pilar. Dagon produziu do nada o que parecia ser uma sacola de compras preta. Eles todos hesitaram, encarando com admiração a pequena língua de fogo bruxuleante dentro do cone. Parecia algo tão pequeno, mas existia uma profunda escuridão dentro dela. Parecia se estender até a eternidade, algo de que eles todos se lembravam vagamente.
“Er,” disse Hastur, “como vamos lá Pra Cima?”
“Com cuidado,” disse Beelzebub.
 “Cuidado com aquele—”
Crowley desviou habilmente.
“—táxi.”
No momento, Crowley não tinha razão para dirigir como se os cães do inferno estivessem em seu encalço, mas ele adorava isso. Cafés, estabelecimentos e pedestres eram empurrados para um dos lados do bentley, meras manchas alongadas de cor, alguns deles xingando.
“Atenção com o—”
A campainha da bicicleta foi distorcida pelo efeito Doppler.
“—ciclista. A placa do limite de velocidade diz cinquenta e cinco.”
“Eu sei, anjo.”
Aziraphale não estava realmente preocupado. Crowley gostava de assustar as pessoas, mas sempre rearranjava o tráfego para que ninguém se ferisse. Aziraphale entrava no jogo e hoje aquilo era uma distração bem-vinda.
Não que qualquer parcela de conhecimento fosse evitar que seu coração pulasse até sua garganta.
“Céus. Os pneus ainda estão tocando o chão?”
“Não estavam a um minuto, pra ser honesto.”
Logo as construções de tijolos e madeira deram lugar ao verdejante espaço aberto.
O bentley rodou suavemente até parar numa estrada isolada próxima de Westminster. Havia algumas árvores convidativas e uma margem gramada perto do Tâmisa, então os dois imortais estabeleceram um café da manhã com geleias, pão e queijo debaixo de um álamo, e Crowley serviu as taças de vinho. A garrafa fora comprada com um contato secreto no Covent Garden. [Nota da autora: Bem, não exatamente comprada, mas sim em troca de um favor.] Acima do rio, eles podiam avistar a London Eye.
Por um breve instante, Aziraphale se distraiu alegremente com o vinho e o brie, e pelo pão brötchen vindo do outro lado do canal. A geleia era local (Stratford-Upon-Avon), porque era aniversário do Shakespeare.
Conforme se aproximavam das oito da manhã, Aziraphale se reclinava com um livro de sonetos enquanto Crowley esvaziava a garrafa. A consternação da manhã havia sido quase esquecida pelo picnic e o passeio de carro, e Crowley não queria voltar a tocar no assunto com seu amigo sorrindo tanto.
“A exibição da Gallerie dell'Accademia abre esta tarde,” disse Crowley. “Mas pra ficar por aqui mesmo, o que me diz de duas entradas para o camarote do new Globe?”
“Oh!” Aziraphale exclamou entusiasticamente, virando uma página. “O que vamos assistir então? Hamlet?”
“Eu estava pensando em “Muito Barulho Por Nada.”
“Como Gostais?” 
“Muito Barulho então?”
“Você sempre faz essa piada.” [N.T.: *Como Gostais é uma peça do Shakespeare, assim como Muito Barulho Por Nada]
“Quatrocentos anos e ela nunca fica velha.”
“Hamlet, pelas lembranças” Aziraphale sugeriu.
“Como quiser, vamos fazer o que você preferir.”
Ambos riam da piada terrível quando algo chiou na frequência AM, desmanchando o  sorriso de Aziraphale. “De novo não,” ele disse.
“O que foi? Alguém perdeu as chaves do Portão Leste?”
“Não é isso. É só que… tem alguma coisa na escuta a manhã inteira sobre a pedra filosofal.”
“A o quê?”
“Você sabe, a…” Aziraphale disse uma palavra em angélico que deixaria ouvidos mortais zumbindo.
“Calma aí, meu angélico está meio enferrujado,” disse Crowley, se espreguiçando sobre uma árvore. “Isso significa ‘coisa mágica e brilhante,’ certo?”
“Você sabe o que é?”
“Com certeza, claro—Quero dizer, na verdade não,” disse Crowley, num só fôlego, e então sorriu um sorriso de demônio despreocupado que bem poderia ser invenção dele.
“Estava senda guardada no Éden.”
O sorriso triunfante de Crowley murchou. Sempre que possível, Crowley pensava em tudo, menos no Éden [Nota da autora: até mesmo em casamentos de celebridades, se isso o ajudasse]. Essa era uma memória que guardava muitas outras: Sua primeira grande tarefa. Sua primeira condecoração. A primeira condecoração de todo o Inferno. Ele ganhou tapinhas nas costas por isso, assim como pela maioria dos problemas em que os humanos se meteram depois. Tudo começara ali.
“Uma placa de ‘não toque’, sério?” A pergunta tinha meio que escapado dele. Adão cutucou Eva ironicamente nas costelas com seu cotovelo e ela acabou por fazer Crowley perguntar uma outra questão, e tudo foi por água abaixo. (A tinta da placa nem tivera tempo de secar.)
A coisa toda caíra muito mal, como usar uma bazuca para matar uma mosca. Crowley ficara zangado depois. Furioso. Ele não pensara que tivesse ainda alguma raiva sobrando, especialmente para alguém mais além de si mesmo.
Mas então, ali estava Aziraphale, sem uma espada flamejante em particular e inquieto por Eva estar grávida e pelas noites frias que eles passariam lá fora. A raiva de Crowley desaparecera. Houve a chuva, e uma asa protetora sobre ele, e alguma conversa sobre o inefável.
Era ali que sua vida devia ter começado, Crowley pensou. Tudo antes daquele momento fora em vão, uma vida cujo nome se perdera.
“Crowley? Crowley, tudo bem com você?”
Aziraphale havia marcado a página em que estava e agora o encarava.
Crowley empurrou seus óculos escuros sobre seu nariz. “Porque diabos essa coisa estava no Éden?” perguntou.
“Ela a colocou no topo das quatro fontes. É de lá que vem a água-benta.”
“Ah, magia.”
“Foi colocada lá antes de Adão e Eva nascerem. Agora, se foi.”
“Roubada, você quer dizer?”
“Não, aí que está o problema: Com permissão.”
“Permissão? De quem?”
“Michael, eu acho. Está havendo muita empolgação.”
“Você não acha que isso tem alguma coisa a ver com a gente?”
“A Pedra produz água-benta, e água-benta é usada para banir, isto é, extinguir, bem, para matar os, quero dizer…”
“Demônios,” Crowley completou.
Aziraphale empalideceu e começou a se levantar. “Nós deveríamos dar uma olhada nisso imediatamente.”
Crowley segurou seu braço e o puxou de volta para baixo. “Cê tá maluco?”
“Eles não vão mais nos incomodar, Crowley.”
“Não, se não dermos motivo.” Crowley tentou sorrir. “Como isso pareceria, hein: ‘Desculpa aê, galera! Esqueci meu grampeador quando limpei minha mesa depois da execução. Não, não, precisam se levantar…’ ”
“Eles tem medo de nós.”
“O medo funciona melhor com lacunas, anjo. Não que eles tenham muita imaginação, mas o medo é o que precisamos para mantê-los afastados.”
Aziraphale tornou a sentar-se na toalha de picnic. A expressão de Crowley transmitia um olhar sombrio, mas o anjo podia ler além do tom impertinente dele. Se ele tivesse dito o que realmente passava por sua mente, teria sido algo mais ou menos assim:
“Olha, você e eu tivemos sorte uma vez. Nós trocamos de lugar e não havia nada que os nossos pudessem fazer para nos destruir com água-benta ou fogo infernal porque eles não sabiam. Se começarmos a parecer preocupados com algo que supostamente não tem mais qualquer efeito sobre nós, alguma coisa vai clicar na cabeça deles.”
Aziraphale concordou, tanto com o dito quanto com o não-dito. Sentaram-se mais perto um do outro, recostados na árvore. Crowley passeou seus dedos sobre os de Aziraphale. O anjo mantinha as mãos manicuradas. Essa era uma das suas pequenas peculiaridades. Crowley roía as dele mesmo, por padrão na realidade.
Deixaram o silêncio se prolongar um pouco. Eles eram dois opostos, mas também dois de um mesmo tipo, o único no universo.
Do mesmo modo que Aziraphale, Crowley podia ler o não-dito. O anjo não estava apenas preocupado com eles. Não haviam sido anjos e demônios que sofreram da última ocasião em que Céu e Inferno não concordaram sobre alguma coisa.
Crowley pensou, seria bom acreditar que D... tinha estado do lado dele e de Aziraphale em parar com a coisa toda do Armageddon. Mas então, ficaríamos acomodados, não ficaríamos? Começaríamos a pensar que tudo acabaria bem, e nunca tentaríamos nada. O livre-arbítrio precisava do insistente verme da insegurança e da dúvida, ou você poderia ficar...
Nesse ponto Crowley sempre forçava seus pensamentos a pararem.
“A pedra filosofal faz alguma coisa além disso?” ele perguntou. “Você sabe, além de brilhar e fazer água matar demônios?”
“Não é bem o meu departamento,” Aziraphale admitiu. “Isso mais o daqueles pequenos anjos com cartões perfurados e comutadores, da engenharia.”
“Interessante…”
Aziraphale captou o brilho por detrás dos óculos escuros dele. “Você não iria querer ficar perto disso, Crowley. Mesmo anjos precisam ser cuidadosos. Essa coisa…” Ele olhou para os lados e disse, pomposamente, “Não é deste, nem de qualquer mundo.”
A severidade na fala dele fez Crowley sorrir ainda mais. “Adorável.”
“Quero dizer, um dos engenheiros estava fazendo alguma coisa com os cartões e ele simplesmente… poof.”
“Poof?”
Aziraphale se pôs a acabar com o sorrisinho debochado de Crowley: “Bem, quer dizer, ele estava ali, mas… era como se não estivesse. Ele só sabia o próprio nome.”
“Como se tivesse apagado a mente dele ou algo assim?”
“Não só a mente. Ele. Totalmente…” Aziraphale fuçou em seu repertório, encontrando uma das poucas palavras ultramodernas que poderia usar: “Resetou.”
Aquela sensação desconfortável retornou. “Vou ficar bem longe disso então,” Crowley prometeu.
Aziraphale deixou o ar pomposo de lado e relaxou, aliviado. “Consegue ouvir alguma coisa do seu lado? Quero dizer, na”—Ele fez um gesto impreciso—“Estação FM?”
“Fiend Modulation? [Nota da tradutora: “fiend” significa “demônio” em inglês.] Alguma coisa sobre uma reunião, nada definido. Tem sempre alguma reunião. Mas se o velho Chifrudo estivesse envolvido, pode acreditar, eu saberia.”
“Eu acredito em você,” disse Aziraphale sem rodeios. Traços dourados reluziam em seus olhos azuis e preocupados. “Acha que ele se lembra de nós?”
“Não sei. Aqui, tome um pouco de vinho,” disse Crowley. Ele tornou a encher a garrafa com um pensamento, voltando a ficar efetivamente sóbrio. Era mais do que claro que Aziraphale precisava disso mais do que ele. [Nota da autora: Nenhum anjo ou demônio desperdiçariam um vinho perfeitamente bom, por isso eles reciclam.] Ele completou, “E repita comigo: Isso não é problema nosso.”
 O dia estava se revelando brilhante e ensolarado, mas isso não queria dizer não haveriam problemas. Nenhum no Soho, ou mesmo no centro de Londres. Não ainda, pelo menos. Mas trabalhadores da iniquidade não podem sair ficar por aí esperando pelo tempo certo para se moverem. Nada sairia do papel desse jeito.
Eram nove e quinze da manhã quando Michael conferiu seu cabelo no espelho.
O espelho revelou para Michael que não apenas seu cabelo estava fora do lugar, mas também que três igrejas próximas continham água-benta, quatorze almas corriam o risco de perder sua fé (metade delas no Parlamento) e três demônios tinham chegado ao parque sem usar a entrada principal.
As almas teriam sido motivo para preocupação três anos antes, mas com o mundo não acabando, quem poderia dizer o que era importante agora?
Michael empurrou o espelho para dentro da bolsa. De sua posição estratégica, ele viu um demônio assumir um posto na porta do café, vestindo um avental. O demônio começou a oferecer amostras de café. O fato de a bandeja se reabastecer sozinha e que as xícaras e o café não eram da cafeteria não ocorria aos visitantes, porque aquilo seria impossível.
Alguns fregueses torceram seus narizes quando Beelzebub sentou-se, mas não pensaram nada além do Príncipe do Inferno, exceto que essa pessoa parecia estranhamente… fofa. Era culpa do chapéu. Usava-o para proteger o enxame de moscas no topo. Ele tinha olhos de inseto enormes e adoráveis.
Beelzebub colocou a sacola de papel ao lado da cadeira e pediu um café, preto. Ele veio sem a intervenção de nenhum barista ou das leis da física.
“Pensei que seríamos mais discretos,” disse Michael, conjurando um chá-preto tipo Earl Grey.
“Não vou criticar um aliado,” disse Beelzebub, apesar de ter notado que Michael havia adicionado leite por último.
Por alguns instantes, apenas para fazer vista, eles bebericaram suas respectivas bebidas. Então Michael tirou algo debaixo de sua cadeira e colocou na mesa. O embrulho parecia brilhar. Nenhum humano percebeu, porque pacotes brilhantes não acontecem em cafés.
Beelzebub segurou o fôlego por cinco segundos inteiros, então perguntou, “É isso?”
“Se todos estivermos de acordo,” disse o Príncipe dos Anjos, sem rodeios.
“É claro que estamos,” disse o Príncipe do Inferno. “Mas como vamos saber?”
“Nós estávamos errados em desperdiçar todos esses séculos deturpando os planos um do outro. Perdemos de vista o verdadeiro inimigo.”
“Então qual é o plano? Nos revezar?”
“Será como falamos antes. Você sabe do que isso é capaz.”
Beelzebub tomou outro gole de café sem fazer esforço para alcançar o pacote. “Prove.”
Michael olhou para um lado e depois para o outro, como se inspecionasse o cenário. Então ele pousou um dedo num dos cantos da caixa, parecendo se concentrar. Seus olhos cor de safira luziram dourados.
Atrás deles, um barulho agudo e repentino de moedas sendo despejadas se fez presente, conforme a máquina de vendas automática expelia seus lucros—dentre outras coisas—na calçada. Alguns clientes gritaram em choque. Alguém saiu para alertar o guarda mais próximo do parque. Vários outros, após esses indivíduos responsáveis terem partido, se apressaram a coletar o dinheiro com suas bolsas e compartimentos improvisados com blusas e fugir o mais rápido que podiam com seu saque.
As sobrancelhas pretas de Beelzebub ergueram-se e ficaram assim por um tempo. Vendo que havia provado seu ponto, Michael tirou o dedo de cima do pacote. Ele tomou outro gole de chá.
“Foi de arrepiar os cabelos,” admitiu.
“Você se acostuma.” Michael deixou o chá de lado e fez alguns biscoitos aparecerem por milagre. “Eu presumo que você seja um demônio de palavra?”
Com uma mão trêmula, O Senhor das Moscas ergueu a xícara de café de novo. “Nós nunca teríamos nos rebelado contra D... se os mortais não existissem em primeiro lugar.”
“Não foi uma escolha da minha parte, você sabe. Eu apenas agi como meu posto requeria.”
“Você quer dizer que não sentiu nenhum prazer nisso?”
Michael sorriu docemente. “É claro que não. Como poderia um anjo ser qualquer coisa senão justo?”
Beelzebub decidiu não responder que um terço dos “até então” anjos eram bastante bons nisso sem nem ao menos terem passado por nenhum treinamento. Ao invés disso, ergueu cuidadosamente a sacola de papel preto. Estava embrulhado com o que parecia ser um lenço de papel vermelho fogo. O invólucro era o mesmo que parecia embalar o outro pacote, que eram na verdade, ilusórios.
Eles também pareciam forçar o tecido da realidade. Uma sacola de papel não deveria carregar tanto peso.
Michael perguntou, com neutralidade, “É genuíno?”
“Um sinal da nossa amizade.”
“Nossa aliança,” Michael corrigiu, sem transparecer um sorriso. “Eu não vou pedir provas, a não ser que…”
Beelzebub deu um sorriso cansado. Colocando a sacola em cima da mesa, fez um sinal acima dela. Um pouco do papel saiu para fora, flutuando no ar à deriva com o brilho de ouro falso. O papel se tornou dourado. Então, dobrou-se numa linha irregular que disparou, atingindo todos os cantos do jardim. O ar em si pareceu se quebrar.
Do nada, uma pedestre gritou com seu pequeno cachorro, um casal começou a discutir sobre quem empurraria o carrinho de bebê, e dois agentes mal-encarados de repente puxaram suas pistolas apontando um para o outro.
A rachadura na realidade cedeu, quase se rompendo. Pedaços de caos espiavam por detrás da fissura. Algo com olhos como um continente de prata piscou e se foi instantaneamente, conforme Beelzebub fechou um punho no ar. Se manteve firme na posição, e todo o mundo pareceu congelar no tempo e esperar.
Beelzebub olhou para Michael. Foi a vez do arcanjo de segurar o fôlego.
“Não poderia fazer mais,” disse o Senhor das Moscas.
Michael olhou de um canto do parque para o outro. O topo do terraço oferecia uma visão clara do lago e da maior parte do gramado. Nada se movia.
Finalmente, ele disse, “Seria irresponsável da minha parte confiar na sua palavra, você sendo um demônio.”
O sorriso de Beelzebub se alargou. Estalou os dedos.
O cachorro foi chutado, o carrinho de bebê tombado, e o bebê chorou alto quando as pistolas do outro lado do parque dispararam.
 Gabriel parou de correr pela primeira vez em quase três horas. Uma mamadeira rolou até seu pé. E a pegou, e seguiu a trilha invisível até o carrinho, que ele endireitou. Então ele apanhou o pequeno infante da grama. Ela estava bem, apesar de ter usado o intervalo entre um choro e outro para explorar a comestibilidade da grama. Gabriel olhou para os lados. Os pais dela brigavam próximo dali.
O ar parecia tomado pela eletricidade. Instintivamente, Gabriel segurou o bebê contra seu peito. Ele assistiu o ar rachando em si mesmo, vermelho e quente como uma brasa, soltando um chiado e então se recolhendo de volta sobre a mesa do café do outro lado.
“Uau,” ele disse.
O bebê golfou.
Apesar de ter recentemente jurado ódio aos humanos, Gabriel gostava de humanos pequenos. Eles eram tão indefesos e o faziam se sentir forte. Os pais obviamente tinham problemas não resolvidos, então deu a eles um momento e balançou a pequena para cima e para baixo até que seu choro se transformasse em balbucios felizes e curiosos quanto ao significado do universo. Gabriel respondeu em uma linguagem de bebê acolhedora.
Sandalphon dobrou sua cópia do Celestial Times e foi até lá.
Ele perguntou, “Você acha que estamos indo bem?”
“Você sabe,” disse Gabriel, alegremente, “eu tenho minhas dúvidas.”
Em algum lugar no shopping, uma ambulância soou diante de um desfile de carros da polícia. Vários alimentadores de patos pareciam sofrer uma repentina condenação pelo crime inócuo e corriam para as sebes como se fossem mentirosos, ladrões ou assassinos.
Sandalphon disse, “Dúvidas? Não acho que isso seja permitido para nós.”
“Eu sei. É complicado.”
Gabriel estalou seus dedos para fazer um pequeno milagre. O casal briguento de repente explodiu em lágrimas e pedidos de desculpa simultâneos. Enquanto isso, o arcanjo recolocava o bebê no carrinho com sua mamadeira.
“Aqui está, sua pequena gênia filosófica, é você…”
“É tudo por uma boa causa, certo?”
Gabriel olhou para cima. Sandalphon fitava em direção ao café, torcendo o prendedor da gravata entre os dedos, distante e preocupado.
“O que estamos fazendo...” ele acrescentou.
“É claro. Somos anjos.”
“Então por que ainda estamos sendo gentis com os humanos?”
“É o nosso trabalho.” Gabriel deu de ombros conforme se distanciavam da pequena família. Ele deu um tapinha no ombro de seu colega arcanjo.
Uriel terminava de completar seu circuito ao redor do lago para se juntar a eles. Ela girou a sua espada transformada em guarda-sol e  olhou para o café. Todos eles viram Michael e Beelzebub em pé e apertando as mãos.
Uriel entrouvira a última parte. "Não se preocupe, Sandalphon", disse ela. "Se fizermos tudo certo, não vamos ter que levantar um dedo para machucar ninguém. Eles mesmos farão isso. "
 Por acordo prévio, faltando cinco minutos para as onze horas, Michael carregou a sacola de compras preta, descendo as escadas do terraço no café. Ele seguiu pela direita. Alguns instantes depois, Beelzebub seguiu pela esquerda, com o pacote cor de linho cuidadosamente seguro ao lado. Dagon acompanhou.
“É isso?” perguntou Dagon, empolgado. Ele tremia um pouco. Limpou a espuma de café da boca, tendo desfrutado de praticamente metade das amostras. “Pelo que viemos? Eles realmente cederam?”
"Sim, junto com toda possibilidade de água benta."
"É justo. Não temos fogo infernal."
"Claro que não."
Estava prestes a dizer mais quando o chão tremeu.
Foi o tremor de um instante, mas a água no lago se agitou como um mar tempestuoso. Os postes da lâmpada balançavam e tremeluziam, e pedaços do chão afundavam em crateras. Ao longe, trovões retumbaram, ou talvez algo rugiu. A qual distância era indeterminável.
“Foi você?” perguntou Beelzebub. Dagon balançou negativamente a cabeça.
“Eu tenho tomado cuidado quanto às fibras.”
Londres não tinha um terremoto terrível como aquele desde 1500. Conforme os tremores passaram, os pedestres se mostraram dispostos a fingir que aquele continuava sendo o caso.
“O que você acha que foi, então?” Dagon perguntou.
“Provavelmente os anjos,” disse Beelzebub. “Você viu o Hastur?”
“Não. Tenho certeza que ele está espreitando.”
“Tudo bem então. Algum outro compromisso na agenda?”
Dagon pensou por um momento. “Você sabe, faz tempo que não infernizamos o metrô. O tremor pode ter provocado algum… dano?”
“E já é quase hora do rush.”
 Os melhores planos tem início em algum lugar, mas eles sempre falham no final, porque nenhum plano é perfeito.
Esse era o ponto de Lorenz. Planos partem de algum lugar, mas o final é imprevisível à medida que o tempo passa, porque sempre tem material novo entrando na equação. Ele chamava essas interferências de atratores estranhos.
Michael foi até o ponto de encontro no portão de Marlborough, no momento em que o chão tremia. Ele revirou os olhos. "Demônios de novo", murmurou.
Naquele momento, uma sombra particularmente maléfica chamou sua atenção.
“Caindo fora, Asa-frouxa?”
Hastur, o duque do Inferno, era um demônio da Velha Guarda, tão pútrido quanto Michael era puro. Ele era um discípulo da maldade à moda antiga: Ele não era chegado em automóveis, telefones celulares inteligentes, nem no que quer que eles estivessem colocando nas bananas hoje em dia. Ele era chegado em dor [Nota da autora: sempre a de outra pessoa.]. Depois da queda da Humanidade, quando o anúncio vindo do Céu dizendo que os demônios seriam autorizados a permanecerem no papel de acusadores e torturadores, ele ficara muito empolgado, já que era isso o que ele planejava fazer de qualquer forma.
Hastur havia sobrevivido ao fogo, inundações, e a A.J. Crowley, e isto quer dizer alguma coisa [Nota da autora: em um baixo, ameaçador tom de voz]. Agora ele observava os mortais passantes com olhos cheios de intenção nefasta.
Michael abriu um sorriso. “Eu anseio pela nossa aliança, Duque Hastur,” ele disse empertigado. “Mas o trabalho no Céu nunca acaba.”
“Pensei que fôssemos ficar mais próximos.”
“Cooperação sempre foi a minha política, pelo bem maior.”
“Eu me lembro de você cortando o chão abaixo de nós. Em  cooperação?”
“Eu estava seguindo ordens.”
“Ordenaram que vocês nos encontrassem hoje?”
“Bem, agora eu estou na gerência.”
“Isto tudo foi sua ideia então.”
“É claro que não,” disse Michael. “Foi daqueles dois traidores. Eu acho adequado que o modo como eles salvaram o mundo seja o mesmo modo como nós iremos destruí-lo. Não acha?”
Hastur olhou o parque de relance, pensando em Beelzebub e Dagon mas não vendo nenhum dos dois. Provavelmente tinham outras ideias, ele pensou, com aquilo sendo um parque e tudo. Saíram em algum tipo de encontro para reduzir Westminster a cinzas, ou fazer churrasco, ou ambos.
“É. Tem razão,” Hastur disse a contragosto, “Eu queria perguntar uma coisa.”
“Beelzebub não mencionou...”
“Nem eu,” Hastur disse. “Mas, no espírito de cooperação, agora que eu peguei o departamento do Ligur, estava só pensando, você não costumava visitá-lo antes—a negócios oficiais, quero dizer?”
“Claro.”
“Você se importaria de manter isso? É uma vocação bem ‘celestial’, ver a recompensa justa das almas, penso eu.”
Ele deu um sorriso feio e Michael mudou o seu próprio para se igualar ao dele.
“É claro.”
“Só não toque as paredes. Eu odiaria que você estragasse suas belas roupas.”
Ele fez uma reverência fingida, então girou e desapareceu na terra como todos os demônios, fazendo uma saída dramática para o inferno. Ele deixou para trás fios de fumaça sulfurosa.
Michael agarrou as alças do saco de papel. Não importava, ele disse a si mesmo. Os anjos tinham o que precisavam agora. Se eles tivessem que brincar de faz-de-conta para isso, tudo bem.
Gabriel e os outros o encontraram olhando para a nuvem de enxofre que se dispersava.
"Você não acreditaria em como ficamos perdidos no Duck Cottage", ele riu.
"É isso?" Sandalphon perguntou animadamente pela bolsa.
Michael não respondeu, apenas deu um sorriso. "Vamos para casa", disse Michael. "Temos planos para botar em prática".
Era meio dia.
O parque agora estava vazio de anjos e demônios. A mulher com o pão respirou fundo e suspirou. Nem a tinham notado. Até o sobrenatural pode viver em uma realidade própria às vezes.
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Capítulo 1
Capítulo 3
Capítulo Original (em inglês)
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xinxagaming-blog · 6 years
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Deadly Premonition - Director’s Cut [003]
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Em 2010, uma onda grande de reviews negativas lançou-se sobre um jogo low budget que entrou em development hell e trouxe uma caralhada de problemas. Nada novo, né? Casos similares acontecem toda hora. O problema peculiar é que, no meio de todas as review lançadas, houveram muitas reviews extremamente positivas, diversos 10, 9 e 8. O jogo chegou até a ganhar um prêmio no Guiness por ser extremamente divisivo, literalmente o jogo de terror mais divisivo já lançado.
E por qual motivo algo tão bizarro quanto isso aconteceria? A resposta é simples: Deadly Premonition  — também conhecido pelo título japonês Red Seeds Profile — é um clássico que infelizmente sofreu um desastre no desenvolvimento. Baseado fortemente em Twin Peaks e na cultura popular americana, é um jogo de survival horror com elementos de RPG, puzzle e aventura. Seu maior diferencial é ter um mundo aberto com pessoas que tem rotinas e se comportam organicamente. Hoje em dia, com jogos como The Witcher 3, The Elder Scrolls V - Skyrim e Fallout 4, algo desse tipo pode não ser muito impressionante, mas estamos em 2010: onde apenas alguns jogos da Bethesda como Oblivion e Fallout 3 tinham essa peculiaridade, além de ser algo bem difícil de ser encontrado em jogos de terror.
No início do desenvolvimento, era para ser chamado de Rainy Woods, mas por semelhanças demais com o seriado Twin Peaks, acabou sendo reprojetado e recebeu um tratamento novo no visual e na narrativa. Originalmente era para ser um jogo de PSP, mas acabou sendo portado no meio do desenvolvimento para PS2, PS3 e finalmente a plataforma final do lançamento ocidental: o Xbox 360. Isso em uma engine autoral. Já dá para ver como o jogo deve sofrer de problemas técnicos com essa bagunça da porra, né? Lags, animações robóticas gráficos medíocres e alguns raros crashes é o mínimo que pode esperar do jogo. Isso mesmo na sua versão revisada Director’s Cut, lançada posteriormente para PS3 e PC, utilizada para a criação da review.
E isso afetou minha experiência? Com certeza. A primeira impressão do jogo é horrorosa, contendo em excesso todos os problemas citados e para piorar, te força a aprender as mecânicas de combate do jogo: basicamente Resident Evil 4 depois de ser espancado pela fanbase chad inteira de Fortnite. Sem piada. Você anda normalmente mas quando mira, é forçado a parar de se movimentar, o que causa uma sensação horrível de fluidez inexistente enquanto o combate melee se mostra muito mais eficiente (e parece que os desenvolvedores sabem disso, criando um sistema de durabilidade extremamente frustrante nas armas brancas). Entretanto é difícil de condenar 100%, até porque ela ajuda muito na sensação de jogo retrô que ele tem. Você realmente se sente sem poder contra alguns inimigos que encontra posteriormente e alguns chefões exatamente pelo fato da mecânica ser digna de um jogo do início da geração do PS2, além dela até ter uma curva de aprendizado decente. Se espera algo fluído como o supracitado clássico da Capcom, o mais recente The Evil Within 2 ou The Last of Us, hora de sair da sala. Agora, se espera algo mais próximo do clássico Clock Tower, Resident Evil 1, a trilogia original de Silent Hill ou Rule of Rose... Sinta-se em casa.
Logo após essa introdução, você vê a segunda face da gameplay: o jogo vira um mundo aberto de aventura, onde você tem um horário fixo estilo Dead Rising para chegar nos objetivos da história — mas sem pressão, pois não há nenhuma consequência por passar para o horário errado, tendo apenas que esperar o próximo dia — e um mundo inteiro cheio de minigames, sidequests e collectables para explorar. Claro que nem tudo funciona de modo convencional: as sidequests só são acessíveis em momentos específicos da rotina dos NPCs e as vezes requerem que esteja em parte específica da história (assim como Dragon’s Dogma) para ativarem. Isso adiciona organicidade e realmente faz você se sentir em um mundo real  — onde ninguém te espera para fazer sidequests  — e adiciona uma maior sensação de vida nos habitantes da cidade, extremamente desenvolvidos em tais partes. Contudo, torna a vida de um jogador complecionista um total inferno, relativamente contornável com o sistema de espera (usado nas camas do jogo, avançando umas 2 horas por vez  no mínimo) e com um Chapter Select, onde pode escolher qual parte da história quer jogar. Posteriormente, o jogo também tem ideias de gameplay mais avançadas, mudando de personagens e tal, mas não irei detalhar tanto por motivos de spoiler, isso enquanto seus problemas técnicos são menos presentes quanto mais próximo estiver do final.
E sinceramente: creio que o jogo brilha mais na parte de aventura do que no survival horror, se desconsiderar os chefões (que num geral, são bem legais), o surrealismo interessante dos levels e a gameplay que massageia os mais saudosistas com crise de >tfw to intelligent. Pois é nessas secções que tem contato com a melhor parte do jogo: a narrativa. Mesmo tendo inspirações claras com a plot de Twin Peaks, ainda tem uma parcela bem grande de individualdade própria, com exageros dignos de jogos de Hideo Kojima, personagens extremamente caricatos (mas ainda sim esféricos) e um humor autoconsciente de alguns problemas que o jogo apresenta. De início, pode parecer um simples jogo de investigação e horror, mas na verdade é um jogo sobre amor, humanidade, dever e especialmente: sobre a beleza da vida. Sobre como as vezes precisamos aceitar os problemas e as tristezas do nosso passado para nos tornarmos plenos e felizes. A história também se demonstra altamente imprevisível em alguns aspectos pela sua quantidade de mistério: não é um spoiler ou dois que definem toda a experiência do jogo, e sim uma onda imensa de lore que provavelmente não adivinhará. Isso, com intervalos de humor, exageros pesados e um onirismo confuso constante  — uma confusão grande do que é real, alucinação ou sobrenatural — que hipnotiza qualquer jogador que esteja apto a entrar no universo deslumbrante de Deadly Premonition.
E isso tudo tem como suporte uma OST belíssima, mas também caótica e engraçada. Variamos entre músicas com jazz dramático e melancólico, até cópias humorísticas de American Idiot do Green Day e músicas felizes que levam como referência o clássico Super Mario World. Combina exatamente com a mistura de referências, loucura e bizarrices que o jogo apresenta, mas sem esquecer do amor que os desenvolvedores colocaram e a seriedade que as mensagens do jogo tem.
Por fim: sinto que seria impossível resumir um jogo tão único e fora do padrão com poucas linhas, mas acho que chegou perto de entender o que tornou essa experiência tão única e polarizante. É altamente recomendado se gosta de aventura, narrativas densas, jogos antigos de terror, open-world e ambientações únicas, ou se simplesmente é uma fangirl de Twin Peaks que quer um jogo licenciado da série. Com certeza, um dos melhores jogos da geração passada, mas é garantia que não é para todo tipo de pessoa, porque seus problemas realmente são um empecilho considerável na experiência.
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eurkplay · 6 years
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Análise | Life Is Strange 2: Episódio 1: Roads
Creditos site rkplay - http://bit.ly/2Nl18ig
Life Is Strange é um título que já amplamente associado a fortes emoções e sentimentos conflitantes. A Dontnod em parceria com a Square Enix fazem um trabalho tão minucioso nesta IP que falar da franquia sem absorver pelo menos um pouco de toda essa carga emocional seria, no mínimo, estranho, sem qualquer trocadilho implícito. Se o primeiro jogo chegou como novidade e surpreendeu a todos positivamente, Before The Storm, em  forma de prequel, aprofundou-se ainda mais naquele universo tão querido e destroçou mais uma vez nossos corações. E este ano um novo ciclo se iniciou, primeiro com The Awesome Adventures of Captain Spirit, uma amostra jogável – e muito bem feita –  daquilo que estava por vir em Life Is Strange 2, tão aguardada sequência, que analisaremos agora.
Sequência ou novo jogo? 
Um pouco dos dois. Life Is Strange 2 se passa no mesmo universo do primeiro jogo, após os acontecimentos deste. Inclusive, há um questionário a ser respondido antes mesmo de começar a jogar, sobre suas ações no jogo anterior – e, caso ainda não o tenha feito, é melhor fazê-lo o quanto antes, pois o questionário contém spoilers – , como a escolha do final, por exemplo, que terá efeitos visíveis na jornada, dependendo do que você escolheu. Mas trata-se de uma nova história, complexa e cheia de seus próprios detalhes.
Nem Max, nem Chloe, nem Arcadia Bay. Os irmãos Sean e Daniel Diaz são os nossos protagonistas aqui. Vamos conhecê-los.
Sean (17) é um típico adolescente hispânico-americano; frequenta o colégio, tem uma melhor amiga chamada Lyla, e seus próprios interesses amorosos. Atleta, corredor por esporte, sempre dá o seu melhor, mas acha que não é o suficiente. Tem dotes artísticos, desenha muito bem, mas apenas por hobbie.
Daniel (9) é tudo que se espera de uma criança de sua idade; curioso, inocente, cheio de energia, alegre e com uma grande imaginação. Se inspira no irmão mais velho e tem uma queda infantil por Lyla. Joga Minecraft e assiste desenhos.
Ambos têm um relacionamento muito bom com o pai – solteiro, que cuida dos dois sozinho – , mas não tão bom entre si a princípio. Coisa de irmãos. Quem tem, vai entender. Moram em Seattle – (não?) por acaso, mesma cidade para qual Max se mudou – e levam uma vida tranquila, típica do que se espera de dois irmãos naquela idade. É véspera de Halloween e Sean se prepara ansiosamente para uma festa que acontecerá naquela noite, principalmente por ser sua chance com a garota que gosta. A primeira hora de jogo mostra esse cotidiano na pele do jovem de 17 anos, e é exatamente o mesmo que se viu no gameplay de 12 minutos liberado pela Dontnod na Gamescom deste ano.
  Pedir dinheiro ao pai, pegar bebidas e petiscos são alguns dos objetivos mundanos que o jogador deve completar neste prólogo, que apresenta os novos elementos de jogabilidade e cuja normalidade contrasta fortemente com a jornada por vir. Quem já viu o referido gameplay sabe que é após um trágico incidente que o mundo ordinário dos irmãos Diaz desaba completamente e eles se vêem obrigados a fugir em direção ao sul do país, em uma aventura cheia de obstáculos que se inicia.
  Gráficos e jogabilidade
Após este breve resumo do prólogo, é hora de deixar a trama de lado por um momento e focar em fatores técnicos, afinal, por mais fácil que seja esquecer desse detalhe, Life Is Strange 2 ainda é um jogo. E como jogo, também brilha. Como já foi observado em Captain Spirit, os gráficos seguem mais aprimorados que nos títulos anteriores, resultado da gradual mudança de engines, da Unreal 3 (Life Is Strange 1) para Unity (Before The Storm), e finalmente, para a poderosa Unreal Engine 4, que mostra muito bem seu potencial aqui. O contraste entre personagens, objetos e elementos de cenário é gritante, evidenciando que, apesar de todo potencial do motor gráfico, algumas coisas são animadas de forma diferente, mais minimalista, como uma escolha artística, que funciona muito bem e já é característico da série. Arte, inclusive, que teve um grande upgrade neste título. O art design dos cenários por onde Sean e Daniel passam são formidáveis e geram paisagens belíssimas – principalmente na floresta – , verdadeiras pinturas dignas de ornamentar qualquer parede.
Já no quesito gameplay, também há melhorias evidentes em relação ao primeiro jogo, mas bem parecidas com o que já foi mostrado em Captain Spirit, só pra ter uma ideia. No controle de Sean Diaz, o jogador pode explorar livremente o cenário e interagir com objetos, adquirindo informações e pensamentos que podem ou não ser úteis posteriormente. Até aí, nada de novo pra quem conhece a série. A novidade fica por conta da interação de Daniel, irmão mais novo, com os mesmos objetos. Sean pode chamar seu irmão para discutir ou ensinar alguma coisa sobre o cenário com o qual está interagindo, tornando-os mais próximos. Outro recurso interessante de interação com os cenários é que, assim como Max tirava fotos e Chloe fazia pichações, Sean pode sentar-se e desenhar o que está vendo em seu caderno, mostrando que Life Is Strange traz arte, inclusive pelas mãos de seus protagonistas.  A localização em PT-BR está muito bem feita, contando com gírias e linguagem de internet, comum entre jovens daquela idade, sem atraso ou dessincronização nas legendas. A UI (User Interface) também segue melhor aqui, podendo o jogador examinar o conteúdo da mochila de Sean, que acaba ganhando novos itens à medida em que a jornada avança e revela mais da história dos personagens, sendo possível também customizá-la com bottoms, chaveiros e adesivos coletados durante o jogo.
  Há muito o que fazer, muito o que explorar e, claro, muito o que decidir. E além do já tradicional peso em suas escolhas, agora há também uma responsabilidade em suas ações, uma vez que na pele do irmão mais velho, é dever de Sean orientar, ensinar e dar bons exemplos a seu irmão mais novo, pois ele está, de fato, aprendendo com seus passos. Então é bom ter isso em mente antes de fazer alguma coisa, pois, sim, haverão consequências no futuro.
Uma jornada, dois caminhos
Aspectos técnicos de lado, é hora de voltar a encarar Life Is Strange como a jornada emocional que é. Durante seu percurso até a fronteira, Sean e Daniel vão cruzar o país de norte a sul (literalmente), tendo que sobreviver na estrada sozinhos e com pouco dinheiro, precisando acampar e se virar na floresta, por exemplo.
     E é aqui que entra a mão da Dontnod fazendo o que sabe fazer melhor com a franquia: a criação de personagens, o contraste – sutil e brusco –  entre bons e maus momentos e a empatia proporcionada. Sean e Daniel vão passar por dificuldades, mas sua relação há de se fortalecer diante dos obstáculos, e os momentos de ternura se entrelaçam com os de tensão. É fácil se ver na pele dos irmãos Diaz, mesmo sem ter passado por situação parecida com a deles, principalmente se você tem irmãos. O mais incrível aqui é como Sean e Daniel não possuem tanto carisma quanto Max ou Chloe individualmente, mas juntos se completam de forma única, tão perfeita é a dinâmica entre os dois. Como em todos os ‘jogos’ da série, há um grande toque de realidade aqui, e é exatamente isso que nos faz esquecer que se trata de um game, e não de uma experiência real.
Há também uma pincelada de humanidade (para bem ou mal) nas situações em que os irmãos Diaz vão se deparar. Além das pessoas que vão encontrar no caminho, há também a possibilidade de escolhas morais a serem feitas, como a de ter que pedir comida ou furtar para comer – e como dito antes, essas escolhas vão influenciar o comportamento do pequeno Daniel. Em contrapartida de toda realidade mostrada aqui, há ainda o fator sobrenatural e metafísico, sim, de volta nesta sequência desde o primeiro jogo. Não, não se pode voltar no tempo e refazer as escolhas aqui, mas existe a descoberta de um elemento sobrenatural que pode afetar diretamente o rumo das coisas, pelo menos nos próximos episódios, afinal, a jornada está apenas começando.
  Conclusão
No final das contas,  o primeiro episódio dessa nova temporada, Roads,  faz jus ao subtítulo e mostra com muita verossimilhança como é a vida na estrada e seus obstáculos.Mas o título Life Is Strange carrega muito mais do que isso. Se no primeiro nos foi retratada a experiência de ser uma adolescente e todos os dilemas que vêm com a idade (relacionamentos, faculdade, escolhas), além de uma trama muito bem amarrada e cheia de mistérios e poderes sobrenaturais, em Life Is Strange 2 já dá pra ver que o foco é na relação fraternal, retratada aqui com maestria. Há elementos sobrenaturais e podem haver mistérios, mas em um primeiro episódio é muito cedo para dizer o caminho que a série vai tomar. O que dá pra dizer, com certeza, é que as pouco mais de três horas de jogo neste episódio já trazem uma carga emocional que ficam com o jogador mesmo após o seu término, resultando em uma experiência única e envolvente. Mas o jogo não é para todos. diante da classificação indicativa para maiores de idade de acordo com os órgãos responsáveis nos EUA e Europa(17+ ESRB/18+ PEGI, respectivamente), há a predominância de temas adultos e referências a drogas, álcool e conteúdo sexual, além dos próprios questionamentos e dilemas, que se comunicam muito mais com o público adulto, mostrando que o jogo faz muito mais sentido para quem já passou por tudo isso do que para quem ainda está passando. Em todo caso,  prepare-se para sentimentos mistos, pois em Life Is Strange a felicidade e a tragédia andam de mãos dadas.
  O jogo foi testado em cópia cedida pela Square Enix. Life Is Strange 2 tem seu primeiro de cinco episódios chegando amanhã, 27/09, para PS4, Xbox One e PC.
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Creditos , Meia lua- link original http://bit.ly/2zwV3I3
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