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pipocacompequi · 4 years
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[Sessão Crítica] Branco Sai, Preto Fica
por Dan Pimentel
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O filme de Adirley Queirós, não é apenas um fôlego no cinema recente brasileiro, e que trás algo de novo. "Branco Sai, Preto fica" seria um denso vapor. Talvez poderia, até dizer que é um bafo, que incomoda, que afeta os sentidos dessa sociedade que insiste em negar e esconder suas mazelas. Talvez para entender melhor a importância dessa obra, seria necessário conhecer a realidade em volta, da produção, da história de Adirley, a história de Ceilândia, e a relação do diretor com sua cidade.
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"Branco sai, Preto fica" vem após do primeiro longa de Adirley, "A cidade é uma só?". Que têm estética e temas associados. Os dois tratam sobre a história de Ceilândia, que é resultado de um processo de higienização social, e que resulta em uma exclusão e opressão, que tem origem do próprio poder público. O diretor conduz elementos, ditos do futuro, mas que se mostram fatos bem atuais da realidade das cidades satélites do Distrito Federal. É assim quando ele mostra, balizas eletrônicas na frequência radiofônica, que surge no toca fita de Marquim (Marquim da Tropa), que proíbem o acesso de pessoas comuns ao Plano Piloto. E que é necessário um passaporte, para pessoas das cidades satélites poderem entrar no centro de Brasília. Mostrando que o direito à cidade é algo seletivo, e que é negado as populações marginais do DF. Outro ponto, é o toque de recolher, imposto por aeronaves e um sistema de autofalantes opressor. Isso mostra o cerne da trama documental. O escopo do filme é baseado em um atentado, que aconteceu por volta dos anos 80, em uma invasão truculenta da Polícia Militar, com excesso de violência no Baile do Quarentão. Um ponto noturno da época em Ceilândia. E a prova viva desse acontecido são os atores/personagens. Marquim que ficou paraplégico e Sartana (Shokito) que teve uma perna amputada.
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E essa é a grande cartada desse filme, o manejo do real. Digo real, porque "Branco sai, Preto fica" é um misto de documental e ficção. Que nesse jogo alcança uma ficção científica, dita de baixo custo. Ele lida com uma fantasia futurista e surreal para traduzir e ilustrar o real de hoje. Nesse ponto, posso abrir um parêntese, para falar da parte técnica. A fotografia que grifa uma bela Ceilândia com sua estrutura acidentária e intempestiva, que mostra barracos, sobrados e estruturas inacabadas. Ou a arte que abusa na criatividade do baixo custo, criando tecnologia nos objetos menos lógicos, criando cenários que dão rumo a história, e fertiliza o roteiro aberto de Adirley. Mas não, isso não é nem de longe o melhor desse trabalho. O mais forte e sua natureza documental. Até quando não aparenta ser documental. Como na construção feita no início do filme. Uma narrativa de Marquim, como locutor, ele traça com emoção, vida e angústia como foi o ataque no quarentão. 
Sim, o filme começa com um golpe de nocaute, Marquim em suas rimas desenha como era o baile, em estrutura físicas e sentidos vividos. Sendo franco, eu não conheço uma cena mais sincera no ato documental no cinema brasileiro. E é nessa cena que o filme ganha seu título, com voz da PM na escuta de Marquim, sem resmungar "Branco sai, Preto Fica". Daí por diante Adirley constrói uma história, em cima dos casos verídicos de Sartana e Marquim. E para dar mais vazão a alegoria furistica e surreal, entra o personagem Dimas Crava Lança (Dilmar Durães), que é um enviado do futuro para fazer justiça, cobrar uma dívida histórica. E aí aponto o segundo ponto forte desse longa. A direção de elenco. Ainda mais nesse personagem. Eu imagino como era o jogo de controle e liberdade para extrair desempenhos como a última fala do personagem Crava Lança no filme. Onde ele, lascivo solta seu ódio a figura do opressor, cravado e intercalado onomatopeias de tiros.
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O filme se estrutura nessas vozes e interpretações, fabulosas, reais, futuristas e atuais. Adirleu Queiros foi subitamente feliz em construir uma ficção científica com orçamento que talvez seria o necessário para um documentário talking Heads. Ali a arte constroem o espaço, onde a fotografia faz possível os translado dessas vozes tão potentes de ceilândia. Em uma montagem que parece ter o conceito não proposital, mas assumido de patchwork. Onde crava paralelos de personagens isolados, que se somam para ilustrar uma ceilândia, uma Brasília, um Brasil atual.
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Esse texto foi produzido a partir da disciplina Crítica e Curadoria do curso de Cinema e Audiovisual da UEG, sob a orientação da professora Geórgia Cynara.
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