FORMA REFORMA > Fernando Santos
O fotógrafo paulista Fernando Santos, após experiências passadas com pintura, marchetaria, cerâmica, escultura, conservação e restauro de obras de arte, como escreve o editor e curador paulista Eder Chiodetto "segue criando instâncias de reflexão sobre a faculdade do olhar, desta vez centrado na forma como deciframos a ilusão construtiva das imagens pelos aparatos fotográficos." É o que ele mostra em seu primeiro livro Forma Reforma (Fotô Editoral, 2022). Explica também o curador, que o artista busca fundar novas percepções visuais ao rearranjar a lógica que move objetos ordinários e suas representações performativas.
Forma Reforma é uma síntese de imagens que nos levam diretamente ao corolário modernista brasileiro, com certa dose construtivista, entre outros movimentos, onde podemos encontrar filigranas de autores como o carioca José Oiticica Filho (1906-1964) entomólogo e fotógrafo, Geraldo de Barros (1923-1998), fotógrafo, pintor e designer paulista ( a nos lembrar de sua série Formas e Fotoformas. leia aqui review https://blogdojuanesteves.tumblr.com/post/150170667411/geraldo-de-barros-fotoformas-e-sobras) igualmente nos aproximando dos clássicos surrealistas como o americano Man Ray (1890- 1976) com suas experiências sem câmara e arranhando as projeções e sombras da artista gaúcha Regina Silveira, além do húngaro László Moholy-Nagy (1895-1946), mestre da Bauhaus e também construtivista, artista ao qual Chiodetto faz referência em seu texto.
Na perspectiva do curador, esmiuçando alguns de seus detalhes: " Uma apara de papel fina, longa e com dobraduras imprecisas, interceptada a caminho do lixo pelo artista, ganha o protagonismo num plano horizontal monocromático - esse local inerte, o ponto zero a partir do qual espocam os gatilhos criativos de Santos. A apara, amparada pelo plano, vê seu corpo esguio e desleixado sensualizar-se. Formas rebeldes que ora tocam, ora se distanciam do plano reto, ganham volume e volúpia. Figura e fundo criam artífices e segredam deleites formais. O artista entra em jogo e habilmente lança um foco de luz."
Fernando Santos com seu belo livro consegue manter um perfil autoral, ainda que identifiquemos estas inúmeras referências, o que é intrínseco à boa arte fotográfica. Em seu progresso enxergamos uma função ontológica calcada nos metadados que insere em suas imagens, ora com papéis cortados em formas geométricas, esculturas de arame, certas assemblages ou fusões quiméricas.
É preciso lembrar que a retomada mais ampla dos modernos dá-se a partir de 2006, com a exposição Fotoclubismo Brasileiro, no Museu da Imagem e do Som (MIS) de São Paulo, que mostrou recortes como a Retrospectiva Fotoclubistas Brasileiros dos anos 1940 a 1970, a exposição do acervo do Foto Cine Clube Bandeirante (FCCB) no Museu de Arte de São Paulo (MASP) em 2016 com curadoria da artista mineira Rosângela Rennó e seu respectivo livro; o aumento da coleção Moderna para sempre do Itaú Cultural, depositados no livro Foto Cine Clube Bandeirante: Itinerários globais, estéticas em transformação publicado pela Almeida & Dale Galeria de Arte,em 2022, com curadoria do paulistano Iatã Cannabrava e o curador cubano José Antonio Navarrete, fundamentais para a legitimação da fotografia mais abstrata, distante dos perfis mais convencionais e essencialmente como prática artística.
Neste sentido o trabalho de Santos dá continuidade a este movimento adicionando outras interpretações de sua lavra trabalhando com suas próprias referências e mantendo sua independência autoral, "investigando as fissuras das representações imagéticas visando desconstruir um jogo ilusório" como bem escreve Chiodetto em seu texto no livro. Uma busca por novas percepções visuais que rearranja a lógica que move objetos ordinários e suas representações performativas.
Na sua performatividade enxergamos o mover e ser movido por pulsões espaciais, entre matéria em movimento e imobilidade, amoldando-se a princípios somáticos, uma espécie de alegoria quando o autor cria suas abstrações primárias, como a formatação da escultura de arame para depois ser fotografada. O elemento estático destes que ganham movimento em suas estruturas, refletidas nas fotografias ou nas inúmeras representações gráficas que compõem o livro, onde vemos certo pluralismo proposto pelo autor.
Para Santos, escreve o editor, a fotografia é um veículo paralisante que visa cristalizar os movimentos que ele impulsiona entre eventos escultóricos e gestos performáticos. Por meio do jogo fotográfico, o artista gera mutações que impactam e problematizam ao mesmo tempo três linguagens com as hipóteses que ele propõe em seu palco de representações: aplaina a tridimensionalidade do objeto-escultura, furta o movimento coreográfico e performático que anima seus personagens ordinários (aparas de papel, arames, pedaços de vidro etc.) e, por fim, o processo finaliza-se com a criação de fotografias que se esgueiram entre ser um documento da experiência ou obras acabadas que encapsulam todos esses movimentos. Movimentos esses que surgem na ressurreição dos objetos já cancelados em seus usos na sociedade e findam, sem acabar, no momento em que são iluminados na ribalta planificada do artista para, assim, saltarem do ordinário para o extraordinário."
Mesmo não sendo mais possível considerar a natureza em si como um objeto da fotografia, a necessidade de discuti-la e manuseá-la engendra o caminho do autor. O que nos leva a pensar no livro Ponto e linha sobre o plano (WMF Martins Fontes, 2012) publicado em 1926 pelo artista moscovita Wassily Kandinsky (1866-1944) não somente por algumas imagens de Fernando Santos serem assemelhadas a do autor russo, mas porque está conectado a sua teoria da Forma, que concebia, como necessidade, a elaboração de uma estrutura lógica para atingir a ressonância interior na construção da abstração. Embora o genial artista não tenha pensado exatamente na fotografia, podemos fazer esse paralelo com a pintura e suas referências que deságuam nas suas significâncias subjetivas.
Voltando a Chiodetto, "Ainda que as câmeras fotográficas tenham desde sua origem adotado os parâmetros da perspectiva renascentista e com isso criando ilusões especulares que nos levam a intuir distâncias entre planos e pontos de fuga em um suporte bidimensional, as fotografias são um constructo que tentam em vão mimetizar a experiência do olhar." Entretanto é notável que o autor subverte essa ordem ao propor uma diferente ótica em suas construções, como suas figuras que formatam camadas óticas sustentadas por um diacronismo expresso em suas tessituras cujos elementos plásticos são o resultado mais evidente.
Por meio do jogo fotográfico, escreve o curador, "o artista gera mutações que impactam e problematizam ao mesmo tempo três linguagens com as hipóteses que ele propõe em seu palco de representações: aplaina a tridimensionalidade do objeto-escultura, furta o movimento coreográfico e performático que anima seus personagens ordinários (aparas de papel, arames, pedaços de vidro etc. e, por fim, o processo finaliza-se com a criação de fotografias que se esgueiram entre ser um documento da experiência ou obras acabadas que encapsulam todos esses movimentos."
Mas, estas experiências mais do que interessantes, ainda assim propõem ao leitor o lugar do fotógrafo: testemunhar suas cenas ou ceder à ilusão de contemplar a proposta do autor e seus efeitos. Se no conceito abstrato a representação das imagens é distanciada da realidade, interpretamos aqui a "forma" como a capacidade da obra permitir observações diversas em relação a sentimentos e emoções. Vemos no livro elementos cuja formatação é regida pela figuração, com objetos reconhecíveis e uma proposta mais objetiva, que paradoxalmente nos levam ao modelo renascentista ressignificado por artistas na vanguarda de escolas como Vkhutemas e Bauhaus, com artistas que reconhecemos neste livro, como o russo Aleksandr Rodchenko (1891-1956) ou na obra do já citado Moholy-Nagy.
Imagens © Fernando Santos. © Juan Esteves
Infos básicas:
Concepção e fotografias: Fernando Santos
Edição: Eder Chiodetto e Fabiana Bruno
Coordenação: Elaine Pessoa
Projeto gráfico; Rafael Simões
Tratamento de imagens: José Fujocka
Impressão: Ipsis Gráfica e Editora
Edição de 500 exemplares
como adquirir: https://fotoeditorial.com/produto/forma-reforma/
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