Tatunca Nara e a Crônica de Akakor
Parte 4 - A Expedição Nazista ao Tibet em 1938-39 e outras coisas esquecidas
Por Cláudio Tsuyoshi Suenaga
Não obstante, esta não foi a única expedição alemã no período, pois sabe-se que entre 1920 (época em que se iniciou a ascensão do nazismo) e 1941, mais de vinte produções cinematográficas alemãs foram rodadas na Amazônia.
Em 1934, Heinrich Himmler (1900-1945) havia indicado Schulz-Kampfhenkel para integrar a equipe da primeira expedição alemã ao Tibet. Otto não pôde ir e escapou da morte, pois a maioria pereceu em Nanga Parbat, a nona montanha mais alta do mundo (com 8.125 m de altitude), na zona ocidental dos Himalaias, no Paquistão.[1]
Heinrich Himmler e sua filha Gudrun assistem a uma exibição de esportiva em Berlim no dia 6 de março de 1938.
Himmler, filiado ao Partido Nazista desde a criação deste e chefe das SS (Schutzstaffel - Tropas de Defesa) e da Gestapo (acrônimo de Geheime Staatspolizei – Polícia Secreta do Estado), era um estudioso do budismo tibetano e praticante da magia negra que em 1º de julho de 1935, junto com Herman Wirth (1885-1981) e Richard Walther Oscar Darré (1895-1953), havia fundado a Sociedade de Estudos para a Antiga História do Espírito (Deutsche Ahnenerbe), mais conhecida como “A Herança dos Ancestrais”.
Herman Wirth
Richard Walther Oscar Darré
Em seus primórdios, ela funcionou como um Instituto de Investigações avançadas das SS para logo se tornar independente. Os interesses dessa confraria altamente seleta giravam em torno da Atlântida, dos mundos ou reinos subterrâneos, das culturas místicas do Tibet, da yoga, dos antigos cultos pagãos etc.
O grande líder dessa seção, depois de Himmler, foi Friederich Hielscher (1902-1990), um intelectual envolvido no Movimento Revolucionário Conservador (nome que por si mesmo evoca formidáveis estimulações contraditórias) durante a República de Weimar e na Resistência Alemã a partir do Nazismo.
Friederich Hielscher
Ele fundou o movimento neopão e esotérico Unabhängige Freikirche (UFK), ou “Igreja Livre e Independente”, que liderou de 1933 até sua morte. Foi Hielscher quem impulsionou a famosa expedição nazista ao Tibet em 1938 e 39, comandada pelo zoólogo e antropólogo Ernst Schäfer (1910-1992) acompanhado por cinco sábios alemães e vinte membros das SS.
Ernst Schäfer e os membros da expedição nazista ao Tibet.© Bundesarchiv
Membros da expedição com Maharajah de Sikkim. © Bundesarchiv
Da esquerda para a direita: o Ministro Raja von Taring, Schäfer, Beger, Krause (frente), Wienert e Geer (frente). © Bundesarchiv
Sob o lema “Encontro da suástica ocidental com a oriental”, conseguiram estabelecer contatos políticos de alto nível com o governo tibetano que se manifestaram, entre outros, na declaração oficial de amizade “Qutuqtu de Rva-sgren”.
Foram realizados estudos raciais e um documentário foi filmado. Entre os documentos que os expedicionários levaram a Berlim, conta-se o Kandschur, um conjunto de sagradas escrituras tibetanas em 108 volumes, além de um ritual de iniciação guerreira tântrica do Kalachakra.
Estudos raciais antropométricos.
O objetivo – não declarado – da missão era o de estabelecer contatos com os habitantes do mítico reino subterrâneo de Agartha ou Shamballah.
Reting Rinpoche, regente do Tibet. Bundesarchiv: foto 135-KA-08-077. Fotógrafo: Ernst Krause. Licença CC-BY-SA 3.0.
Se a alta cúpula nazista já vinha patrocinando uma série de expedições para os mais recônditos pontos do planeta a fim de encontrar relíquias sagradas – como a Arca da Aliança, o Santo Graal, a Lança do Destino (espada usada pelo centurião romano Longinus para perfurar o tórax de Cristo durante a crucificação), etc. – e vestígios da civilização atlante, o berço da “raça pura ariana” que presumia estar no Tibet ou na América do Sul, afigurava-se perfeitamente lógico e natural acreditar que uma expedição tivesse sido enviada à Amazônia, crença essa que foi espertamente explorada pelo alemão Tatunca para convencer sobretudo os esotéricos da existência de um “Povo Escolhido” vivendo em cidades subterrâneas no meio da selva.
Fatos históricos aceitáveis e suspeitas de expedições de maior envergadura não são o suficiente para provar o desembarque de um contingente de dois mil soldados alemães no Brasil. A maioria concorda que a invasão era tecnicamente impraticável e jamais foi seriamente planejada.
Brugger, inclinado a referendar Tatunca, compilou uma série de fatos que indicariam o contrário. Lembra ele que no começo de 1938, um submarino alemão explorou o Baixo Amazonas, tendo a sua tripulação feito uma inspeção geográfica, estabelecido contato com a colônia alemã em Manaus e rodado um documentário que ainda hoje está guardado nos arquivos de Berlim.
De acordo com o protocolo da Conferência de Munique de 29 de setembro de 1938, o primeiro-ministro britânico Arthur Neville Chamberlain (1869-1940), conhecido pela sua política externa de apaziguamento, sugeriu ao Führer que colonos alemães fossem enviados para a Amazônia. Com o receio de um desembarque alemão, houve quem pedisse a construção de grandes fortificações ao longo da costa leste.
Em 1939, na Conferência do Panamá, o Brasil declarou-se pronto a pôr à disposição dos Estados Unidos bases de apoio e aeroportos estratégicos para fins defensivos. Dentro de poucos meses, os primeiros bombardeiros americanos aterrissavam em João Pessoa e no Recife.
O general Wilhelm Bodewin Johann Gustav Keitel (1882-1946), marechal de campo do Exército, chefe do Comando Supremo das Forças Armadas e conselheiro militar de Adolf Hitler, considerava a futura invasão da América do Sul uma consequência natural da expansão do Terceiro Reich.
Alfred Rosenberg (1893-1946), o principal teórico do nacional-socialismo, conselheiro de Hitler e ministro encarregado dos territórios da Europa Oriental, sonhava com a ocupação do Brasil e com a tomada do poder por membros da colônia alemã.
Na Primavera de 1942, quando o marechal Erwin Johannes Eugen Rommel (1891-1944), a “Raposa do Deserto”, parecia estar prestes a conquistar o Norte da África na sua vitoriosa campanha, o Brasil foi o principal assunto de discussão numa reunião do Estado-Maior em Berlim. Keitel e Rosenberg sugeriram um ataque maciço ao Brasil, mas Hitler decidiu-se por um ataque punitivo a fim de “castigar o Brasil pela sua inclinação pelos Estados Unidos e para prevenir o país contra futuras ações hostis”.
A operação secreta começou no início de julho de 1942, em Bordéus. Uma frota de submarinos partiu para o Sul do Atlântico a fim de afundar o maior número possível de navios brasileiros em “manobras livres”. Em 15 de agosto, o submarino U-507 torpedeou o cargueiro brasileiro Baependi perto de Salvador, e 24 horas depois o cargueiro Araraquara.
Seis dias mais tarde, em 22 de agosto de 1942, o Brasil declarava guerra ao Terceiro Reich. A luta na frente brasileira se restringiu às costas do Norte, indo de Salvador, via Recife, até Belém, na foz do Amazonas. Submarinos que operavam nessa área tentaram impedir os fornecimentos aliados à África e Europa e evitar a construção de fortificações aliadas defensivas ao longo da costa, onde brasileiros e norte-americanos tinham estacionado esquadrões de bombardeiros e um exército de 55 mil homens.
A sua tarefa era “a defesa contra uma possível invasão alemã na região de João Pessoa e Natal”. O Alto Comando brasileiro estava tão firmemente convencido dos planos de invasão alemães que aumentou a força do Exército para 65 mil homens em 1943 e 1944. O ministro das Relações Exteriores Osvaldo Aranha (1894-1960), já havia expressado o mesmo temor numa discussão com o embaixador americano Jefferson Caffery (1886-1974), em 1941: “Estamos convencidos de que a Wehrmacht tentará ocupar a América Latina. Há planos para que a invasão comece no Brasil”.
Em seu livro Uma das Coisas Esquecidas: Getúlio Vargas e o Controle Social no Brasil - 1930-1954, lançado em 2001, o brasilianista norte-americano R. S. Rose (1943-) revelou que em 25 de agosto de 1942, três dias depois de declarar guerra contra o Eixo, o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) expediu ordens a todos os setores da mídia para que nada fosse mencionado sobre um campo de aviação alemão descoberto perto de Formosa, em Goiás. Muitos cidadãos originários de países do Eixo foram presos ali e nunca mais se ouviu falar deles. Era a mais cruenta ditadura da história brasileira em ação, que para Rose não começou em 1937, com o Estado Novo, e sim em 1930, quando centenas de pessoas passaram a ser presas, torturadas e assassinadas.
Sobre o campo de pouso, o historiador deixou diversas perguntas no ar: “Por que os nazistas alemães teriam construído um aeroporto em Goiás, no coração do Brasil? Esse campo de pouso seria remanescente dos dias pró-Eixo do governo Vargas? Teria havido um outro acordo secreto com os nazistas? Ou ele teria feito parte de um planejamento nazista para o Brasil?” Pragmático, Rose especulou “que as linhas aéreas alemãs Condor, assim como as italianas Lati, foram pioneiras no tráfego aéreo europeu para a América do Sul, além de extremamente ativas na região, até seus bens no Brasil serem confiscados depois de agosto de 1942. Qualquer uma das duas poderia ter escolhido aquele lugar”.
A falta de respostas se devia em grande parte à censura que continuava pairando sobre o assunto, já que, conforme denunciou, os documentos sobre o campo de aviação de Formosa se encontravam vedados à consulta: “A confirmação de todo o caso Formosa poderia estar disponível nos cofres circunspectos do Itamaraty. Raramente examinados por estranhos, os Arquivos do Itamaraty foram abertos pelo presidente Fernando Collor de Mello antes do impeachment dele em 1992. Alguns documentos, de pelo menos trinta anos de existência, encontram-se agora à disposição dos pesquisadores. Todavia, os acordos secretos com os alemães antes e durante a Segunda Guerra Mundial estão entre os materiais ainda interditados ao público.”[2]
Em 8 de maio de 1945, um dia antes do general Alfred Jodl (1890-1946) assinar em Reims a rendição incondicional das forças alemãs, dois submarinos, o U-530 e o U-977, partiram do norte da Alemanha e rumaram para a América do Sul. Cerca de três meses depois, eles se renderam à Argentina, em momentos diferentes.
Alfred Jodl
Notas:
[1] Füllgraff, Frederico. “Nazistas na Amazônia: a história dos alemães que desembarcaram no Jari em 1935 para uma confusa e misteriosa expedição científica”, in Revista Brasileiros, São Paulo, edição 21, abril de 2009. O produtor, diretor de cinema, documentarista, roteirista, jornalista e escritor Frederico Füllgraff retirou os dados sobre a Expedição Amazônia-Jari do livro de Otto Schulz-Kampfhenkel, Rätsel der Urwaldhölle. O episódio da gravidez da índia Macarrani, no entanto, não consta em nenhuma das duas edições do livro (1938 e 1953) e lhe foi contada pelo pesquisador Cristóvão Lins, autor da História do Jari, que por sua vez ouviu-o de José Pinheiro, líder dos caboclos da expedição de Schulz-Kampfhenkel. Destarte, o episódio pode ter se tratado de uma lenda.
[2] Rose, R. S. Uma das Coisas Esquecidas: Getúlio Vargas e o Controle Social no Brasil - 1930-1954, São Paulo, Companhia das Letras, 2001, p.285 e 287.
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Tatunca Nara e a Crônica de Akakor
Parte 3 - Expedição Amazônia-Jari: A matriz histórica da lenda da invasão da Amazônia pela Alemanha Nazista
Por Cláudio Tsuyoshi Suenaga
A ocupação da Amazônia por soldados alemães em plena Segunda Guerra, é sem dúvida a “teoria conspiratória” que mais chama a atenção em de toda a crônica e é invariavelmente apontada como o motivo principal para o assassinato de Karl Brugger em 1984 em uma operação de “queima de arquivo”, como veremos adiante.
Assim como superdimensionou os mitos e lendas que há séculos circulavam na região acerca do Eldorado e das cidades perdidas, Tatunca fez o mesmo em relação aos inúmeros boatos que desde os anos 30 circulavam acerca da presença alemã na Amazônia.
Tais boatos, porém, tinham um fundo de verdade. Havia de fato planos por parte de Hitler e da cúpula do Terceiro Reich para a invasão do Brasil e efetivaram-se expedições que se mostraram nitidamente interessadas em muito mais do que a mera coleta de dados científicos gerais. Graças aos trabalhos de resgate histórico que foram feitos, tudo isso hoje está bem documentado, mas à época, devido ao segredo que cercavam tais expedições, muito pouco se sabia a respeito.
A Expedição Amazônia-Jari (1935-1937) provavelmente foi a matriz da maioria desses boatos. Em outubro de 1935, desembarcam em Belém do Pará três jovens aviadores alemães, Gerd Kahle, Gerhard Krause e o líder da expedição, o também geógrafo, explorador, roteirista e produtor cinematográfico Otto Schulz-Kampfhenkel (1910-1989).
Otto Schulz-Kampfhenkel, à esquerda.
Na bagagem, traziam 11 toneladas de equipamentos, um impressionante arsenal que incluía até artefatos de luxo. Não se tratava de uma invasão clandestina, uma vez que Schulz-Kampfhenkel, recém-filiado ao Partido Nazista, contava com o aval deste e o patrocínio do ex-comandante da esquadrilha Barão Vermelho, chefe das SA e chefe do Estado-Maior da Força Aérea Alemã Hermann Göring (1893-1946), a devida autorização do governo brasileiro sob a presidência de Getúlio Vargas (há dois anos de implantar o fascistoide Estado Novo) e o apoio do Instituto Emilio Goeldi, de Belém, do Museu Nacional do Rio de Janeiro, e o mais importante, das Forças Armadas.
O objetivo declarado era o levantamento topográfico e o mapeamento aéreo da bacia do Jari (rio que banha os Estados do Pará e do Amapá e deságua no rio Amazonas) até suas cabeceiras, o que até então jamais havia sido feito e portanto era do maior interesse do próprio governo brasileiro.
Trinta caboclos-mateiros, familiarizados com a selva, foram contratados. Mas ao contrário dos soldados alemães ciceroneados pelos Ugha Mongulalas, os membros da Expedição Amazônia-Jari enfrentaram uma série de tormentos e dificuldades inerentes às condições da selva.
Um hidroavião, o “Águia Marítima”, tentou pousar na superfície pedregosa, repleta de cachoeiras, e acabou se espatifando contra toras de árvores submersas, entre Gurupá e Arumanduba. Kahle e Krause quase foram arrastados pela maré e acabaram salvos por remadores caboclos.
Ao explorar um rio em meio a uma chuva torrencial típica de inverno, Schulz-Kampfhenkel perdeu seu barco com todo o equipamento – câmeras, material de cartografia, armas, provisões e roupas – e ficou vagando sozinho pela selva durante uma semana até ser resgatado.
Em janeiro de 1936, a expedição alcançou a grande aldeia dos índios Aparaí (povo que habita a fronteira entre o Brasil, Suriname e Guiana Francesa), no médio Jari. Dali levaram como butim centenas de peles, crânios, ossos, dentes, plumagens e órgãos de animais abatidos conservados em álcool, destinados aos museus de ciências naturais da Alemanha.
Com a longa convivência, os Aparaí, tal como os fictícios Ugha Mongulalas, desenvolveram pelos alemães uma afeição que sobrepassou a amizade. Macarrani, filha do cacique Aocapotu, enamorou-se de um deles e acabou ficando grávida. Sua filha, batizada de Cessé e apelidada de “Alemoa”, por ter a tez clara e os olhos azuis de seu pai “ariano”, nasceu entre 1937 e 1938. O que teria acontecido com esta menina mestiça ninguém sabe.
Com a tecnologia da época, os alemães gravaram a língua dos Aparaís.
De qualquer forma, a história neste ponto é muito parecida com a que foi contada por Tatunca Nara, que no início reivindicava ser um mestiço de índia mongulala com soldado alemão, para depois mudar a versão para a de filho nobre de príncipe mongulala com freira alemã.
Schulz-Kampfhenkel relatou os fatos vividos na expedição em seu livro Rätsel der Urwaldhölle (Mistérios do Inferno da Selva), publicado em 1938,[1] e produziu um documentário homônimo, estreado e distribuído pela Universum Film AG (UfA) no mesmo ano.
Nota:
[1] Schulz-Kampfhenkel, Otto. Rätsel der Urwaldhölle, Berlin, Deutscher Verlag, 1938.
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