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#o nau dos loucos
introvertido · 28 days
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[...] Água e navegação têm realmente esse papel. Fechado no navio, de onde não se escapa, o louco é entregue ao rio de mil braços, ao mar de mil caminhos, a essa grande incerteza exterior a tudo. É um prisioneiro no meio da mais livre da mais aberta das estradas: solidamente acorrentado à infinita encruzilhada. É o passageiro por excelência, isto é, o prisioneiro da passagem, E a terra à qual aportará não é conhecida, assim como não se sabe, quando desembarca, de que terra vem. Sua única verdade e sua única pátria são essa extensão estéril entre duas terras que não lhe podem pertencer. (FOUCAULT, 1972, p. 8).
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O Navio dos Loucos / A Nave dos Loucos / A Nau dos Insensatos, Hieronymus Bosch (1450 — 1516)
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timriva-blog · 6 months
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Nota sobre a eleição em Portugal
Uma nau de loucos toma o rumo só e quando nós deixamos, e assim o país agora tem 48 deputados de extrema direita com acesso aos recursos do Estado Escrito por RAQUEL VARELA* 1. Não há nenhuma surpresa com os resultados do Chega para o parlamento português na eleição de domingo, eu até diria que face à situação social que vivemos, no mundo e na política, podia ser pior. O salário real está em…
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hahaharleyquinn · 2 years
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A loucura sempre suscitou curiosidade, temor, atração. Desde a época em que os loucos eram confinados em embarcações errantes, conforme retratado na famosa tela "Nau dos loucos" de Hieronymus Bosch que também remetia à própria marginalidade do pintor no período Clássico -, a loucura é associada aos medos mais profundos do homem, ao lado da morte. Mas também já foi cantada como elemento contingente da vida humana. Ao ser transformada em objeto de estudos pela psiquiatria, perdeu a dimensão de expressão da vida humana e reduziu-se a doença mental, transformando-se negativamente em patologia. Mesmo hoje, quando se trabalha pela inclusão social da diferença que a loucura porta em relação às fronteiras simbólicas que regulam a convivência humana, a linguagem e as excentricidades dos loucos ainda nos despertam o interesse em desvendar seus mistérios.
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cinemaparasempre · 2 years
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claudiosuenaga · 4 years
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Ship of Fools
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Uma música pouco cantarolada dos Doors é Ship of Fools (Nau dos Insensatos), do LP Morrison Hotel, de 1970. A letra, como quase todas, é de Jim Morrison, que imbuído da essência da antiga alegoria muito usada na cultura ocidental em literatura e pinturas que descrevem o mundo e a humanidade como um navio cujos passageiros não sabem nem se importam para onde estão indo (navio dos tolos), alertava que o preço do progresso, da tecnologia e das viagens espaciais, então em voga, com a chegada do homem à Lua, era a deterioração da natureza.
A imagem da nau dos loucos era amplamente difundida na Idade Média, inspirada nas concepções gregas do Ciclo dos Argonautas, de uma estranha embarcação que navegava pelos rios da Renânia e nos canais flamengos.
A representação mais emblemática dessa nave dos loucos é a do pintor holandês Hieronymus Bosch, que por volta de 1500 associou loucura, fraquezas e ilusões humanas, cingindo-as de uma visão religiosa e moralizadora ao retratar freiras e um frade negligenciando as obrigações religiosas e se entregando a vícios e prazeres mundanos. Com seus passageiros imersos no pecado e distantes das leis de Deus, a Nau dos Loucos, paródia da arca de salvação, se dirige ao Juízo Final.
Com a pandemia e todos os conflitos em todos os campos que ora vivemos, parece mais do que nunca que somos passageiros nessa nau dos insensatos, consciência viva do pecado e do mal, encaminhando-nos todos ao abismo. Se na Idade Média os loucos eram condenados a uma existência errante, já que as cidades os escorraçavam para além de seus muros para que vivessem como párias nos campos distantes, especialmente se fossem estrangeiros, e as municipalidades chegavam a construir casas ou cabanas fora das muralhas para esses indesejáveis, que precisavam contar com donativos para dar conta de despesas com alimentação, vestuário, ferros, fechaduras e jaulas, hoje em dia a situação não é muito diferente, com os contaminados sendo afastados e isolados, os migrantes e viajantes sendo barrados e degredados, e os cidadãos em geral sendo impedidos de circular e trabalhar.
Somos ou não somos todos nós, voluntária ou involuntariamente, passageiros nessa nau de loucos? Eis a letra original de Jim Morrison, com a tradução logo abaixo:
The human race was dyin’ out No one left to scream and shout People walkin’ on the moon Smog will get you pretty soon
Everyone was hangin’ out Hangin’ up and hangin’ down Hangin’ in and holding fast Hope our little world will last
Yeah, along came Mr. Goodtrips Lookin’ for a new a ship Come on, people better climb on board Come on, baby, now we’re goin’ home
Ship of fools Ship of fools
The human race was dyin’ out No one left to scream and shout People walkin’ on the moon Smog will get you pretty soon
Ship of fools Ship of fools Ship of fools Ship of fools Ship of fools Ship of fools Ship of fools
A humanidade estava desaparecendo. Ninguém sobrou para gritar e urrar. Pessoas andam na lua. A poluição pegará vocês brevemente.
Todos estavam dando um tempo. Desconectando e dependurados. Se apoiando e segurando firme. Esperando que nosso pequeno mundo sobrevivesse.
Sim, adiante veio o Sr. Boas-viagens. Procurando um navio novo. Vamos lá, pessoal, é melhor subir a bordo. Vamos nessa, baby, agora estamos indo pra casa. Nau dos insensatos. Nau dos insensatos.
A humanidade estava desaparecendo. Ninguém sobrou para gritar e urrar. Pessoas andam na lua. A poluição pegará vocês brevemente.
Nau dos insensatos. Nau dos insensatos. Nau dos insensatos. Nau dos insensatos. Nau dos insensatos. Nau dos insensatos. Nau dos insensatos.
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tarologiaearte · 4 years
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Brigando e indo para o Tribunal
ou 
“O Louco vendando a Justiça”
A ilustração acima é uma xilogravura atribuída a Albrecht Dürer e está presente no livro “Stultifera Navis” (Navio dos Estultos) de Sebastian Brant, publicado por Johann Bergmann em Basel, Suíça, em 1498.
“O Navio dos Loucos”, ou “A Nave dos Tolos”, ou ainda “A Nau dos Insensatos” é uma alegoria que se tornou popular pelo norte e centro da Europa medieval e muito provavelmente tem como origem uma metáfora política construída por Platão em A República.
A obra de Brant satiriza vários aspectos da sociedade da época, utilizando e criticando de maneira astuta, poderosas e influentes figuras e suas imorais condutas.
Nesta imagem, reconhecemos sentada e coroada a personificação feminina medieval da justiça, também relacionada a boa governança. Ela está completamente vestida e seus cabelos soltos. Com um dedo frouxo na mão direita segura uma espada inclinada e na esquerda, uma balança que não pende para lado nenhum. Por trás, a figura caracterizada do louco, sinônimo de estupidez e do erro, parece amarrar a venda que cobre os olhos dela.
Dois personagens do conjunto de Arcanos Maiores do tarot na mesma cena, em uma relação perniciosa, cujos resultados podem ser catastróficos.
Fonte da imagem
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Soundtrack para uma quarentena #09: Medeiros/Lucas – Mar Aberto
Lá vai a Nau Catrineta, que tem muito que contar. Essa lenga-lenga está-me gravada na memória desde que me lembro. Medeiros/Lucas, com o seu álbum de estreia “Mar Aberto”, tiveram a brilhante ousadia de repescar todo esse imaginário (e mais algum!) e trazê-lo para um novo século.
Medeiros/Lucas é composto, na sua origem, por Carlos Medeiros e Pedro Lucas (mais tarde, outros nomes se lhes juntarão, mas para este álbum importam estes dois). Dois nomes, duas idades, duas raízes musicais diferentes. Um mesmo arquipélago (o dos Açores), mas dois universos diferentes que aqui se embatem em miscigenação artística. E este primeiro álbum faz jus ao nome da banda: é um álbum de dualidades, um paradoxo que captura ao mesmo tempo séculos de história e uma imagem congelada no tempo.
Medeiros, já de cabelo grisalho, é das poesias e música tradicional. Lucas, o miúdo, é das eletrónicas e rocks. Não é impensável nem único que esses dois mundos se juntem num projeto. O que é extraordinário aqui é o equilíbrio experiente com que esse embate é apresentado.
Não é uma daquelas misturas homogéneas. De longe. É relativamente fácil dizer onde começa um e acaba o outro. E é exatamente isso que torna estas músicas tão atrativas. Aliás, dois dos momentos mais memoráveis do disco são aqueles em que a poesia choca com força com os baixos pesados e agressivos, no “Fado do Marujo” e no “Fado de Regresso”. Mas essa diferenciação funciona porque não sentimos que haja uma luta por controlo da direção entre as duas vertentes – ambas caminham numa mesma narrativa, ambas com o seu espaço para respirar e se expressarem. E se se sente alguma tensão entre uns elementos e outros, faz parte da narrativa também.
Essas narrativas são cantadas e expressas de uma forma clara e poderosa pela voz clara e poderosa de Carlos Medeiros, que ao longo das músicas vai criando imagens brilhantes. Muitas delas parecem sair diretamente de relatos de marinheiros e diários de bordo: Leva um búzio no regaço / se a voga cicia (“Búzio”), ou Tu não viste o que eu vi / na ladeira da calheta / os olhos duma menina / fechados numa gaveta (“Ladeira da Calheta”). São letras perdidas no tempo e no mar azul, arranjadas num storytelling afiado.
Uma linha narrativa, no entanto, guia o álbum, e esta originalmente bem presa ao chão seco. Há, ligada a toda a imagética do álbum, em descrições, entrevistas, e reportagens, a nebulosa visão de um Dom Quixote feito marinheiro, qual Dom Sebastião das loucuras. É uma noção bonita, a ideia do louco perdido pelas águas oceânicas. O certo é que esta dupla vir dos Açores não é algo aleatório. Este Dom Quixote seria também ele madeirense sem dúvida, as músicas a flutuar na sua mente, sentado numa ribanceira a ver o mar infinito.
É um álbum lindíssimo. Pesado, por vezes, com letras como ò sombra da minha sorte / que eu traí com cem mulheres / podes vir quando quiseres / Senhora da Boa Morte (“Fado de Regresso”) a marcar bem esse sentido dramático. Mas inegavelmente bonito, ainda assim.
As músicas são lentas, ritmadas. Como o mar e as suas ondas são. É um álbum que deve muito ao vento, ao mar azul, a peles escuras marcadas pelo vento e sal. É, mais uma vez, um álbum de dualidades, entre voz rouca e sintetizadores agudos. Entre o tradicional e o eletrónico. Entre aquele que se perde nas correntes do Atlântico, e aquele que conhece as rotas.
É um álbum onde nos podemos perder, para nos encontrarmos logo a seguir.
Alvíssaras, senhor alvíssaras / meu capitão general! / Que eu já vejo tuas terras / e reinos de Portugal / Se não nos faltar o vento / a terra iremos jantar.
JK, 22/03/2020
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soliloquiosoluvel · 6 years
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Clarisônicas
Quero começar com um texto incerto para as horas certas! Um texto de “demórias” Um Conto-canto pedindo desconto pelo não contado e cantando para não ficar calado! Contam que poetas, loucos e professores são seres alados, vindos de um mundo fantástico onde as flores brotam das pedras e o leito dos rios, do puro brilhante, refletem as maravilhas que, estampadas na paisagem são o deleite diário desses seres levados. Desde antes das cordas e das dobras do tempo, desde que a luz se desfez em pingos leves e coloriu o espírito do mundo, esses seres de outro planeta que jamais morrem, continuam suas vidas habitando nos corpos luminosos e, volta e meia, conversam com o mundo através da poesia. A poesia que o mundo transpira e que só pode ser vista nas pequenas coisas, nas intervivências. Lá onde existe um oceano cheio de perigosos piratas malvados e heróis vingadores, onde as naus errantes singram incertas vagas e tremem nas calmarias. Saga de titãs a navegar no mar de silêncios. Um corte no pé, ataque de sanguessugas e, de vez em quando, uma espiadela nas meninas tomando banho enquanto suas mães lavam roupas batendo nas pedras e cantarolando alguma modinha dos tempos de menina-moça. Ultraman, super-heróis das figurinhas de chiclete, calça coringa e um dia todo para brincar de Bang-Bang com direito a coldre e revolver com espoletas de papel. Entender a língua do “P”, a língua falada em Alfa de Centauro ou em algum planeta visitado por Flash Gordon. Com ela faço e desfaço. Escuto segredos, construo cochichos, mando recados para o próximo passo. Piso de barro é mais legal e, se chover, melhor ainda. Nada como uma bela falta, daquelas que nos atira para o ar e nos faz deslizar pelo terreno molhado, arranhado, sangrando e sinceramente convencido de que craque é craque! Uma passadinha naquela calha do telhado da vizinha. Que maravilha! Ainda muito frio, mas daqui a pouco passa. É só correr, abrir os braços e sair chutando a água empossada aqui e ali. Outra bica mais forte e logo aparecem os amigos para festejar. Depois, um banho quente acompanhado de um falatório interminável e a promessa de uma surra que nunca vem. Em breve voaremos arrastados pela ventania dos domingos, em fins de tarde e poderei dizer-lhe de tudo o que sei da existência do universo, da causa das desgraças do mundo, dos medos e das injustiças; dos pensamentos ainda não pensados e da possibilidade de sonhar sonhos impossíveis, realizá-los na imaginação e escrevê-los para que outros possam sonhar os seus sonhos. Sonhos de papel, de carne e osso, de sorrisos e lágrimas. Não contei as estrelas naquela noite, porque os sapatos machucavam os meus pés. A lua? Escorregou sobre mim com o nariz inchado e me proibiu de sair de casa. Mas eu queria apertar as estrelas inchadas com os sapatos da lua. Naquela noite, o universo desabou sobre mim em um milhão de microscópicas partículas coloridas. Muitas cortaram a escuridão do meu corpo nervosamente posto sobre os sapatos metálicos da noite. Outro dia, eu estava a sonhar sonhos de claridades e as infinitudes, quando três lumes incidiram brancos, recortados num corpo branco ao fundo, Branqueado. Branqueagudo sobre o mar enegrecido. Escuro contraste, corexplosão no abismo onde os pés passeiam rijos e calmos a percorrer caminhos na areia, descalços. Não enviei aquela carta que te escrevi. Carteiro algum percorreu a nossa distância, mas você há de ter lido aquelas palavras distantes e tão próximas que enroscavam em sua pele como o corpo de um felino. Contei de mim e de como eu sou o texto base de um plano simples, tão simples como a expansão de um astro milenolítico; que costumo destronar os Reis e passa-lhes a navalha sem pedir licença ao barbeiro. Contei sobre felicidade e como reparava quando tu dançavas sobre as pedras quentes com braços e pernas de serpente. Eram montes, roças, verde perene, a casa estava no alto de uma colina. Decorei toda a geografia que havia no caminho, todas as serras e plantações de banana. Ao fundo, o rio amarelado pelas águas da chuva parecia querer cortar caminho subindo pelas margens altas. Faz tempo que não te vejo. Há pouco era uma palavra: “Blanc”, uma metade do que hoje sou e o sonho de que numa avenida ensolarada eu pudesse deitar-me contigo sobre as flores da calçada. Todo aquele vale era de um intenso verde metálico, com suas flores de auroras esquecidas nas incomensuráveis janelas e portas pintadas com as cores do amanhecer. Ao longe, nas sombras do firmamento, pequenas nuvens furavam o céu como facas de ponta, velhas e afiadas. Por toda aquela terra, de portas entreabertas ouve-se, silábico, monótono, o som das tépidas manhãs que se descortinam, clarisônicas!
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A Nave dos Loucos
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Era uma nau invulgar
Que navegava prados e fragas
Levando em seu velejar,
Castelos, princesas e fadas.
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Numa varanda briosa
Estava a infanta mais bela,
Com uma gata curiosa
A admirá-la à janela.
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Mais acima a rainha
vigiava os jovens infantes,
Enquanto o rei se entretinha
Perscrutando os horizontes.
.
Outros animais havia
Na nau atabalhoada,
De rostro uma cotovia
Atrás do rei pespegada.
.
E um cão estouvado
Olhando em frente ansioso,
Enquanto o príncipe acanhado,
Ficava atrás, receoso.
.
Um feiticeiro velava
Uma belíssima fada
Que segurava a vela alva
Pelo vento enfunada.
.
Três donzelas admiradas,
De sua cor, cada qual,
Sondavam destemidas
O percurso pontual.
.
Uma cabeça de mostrengo
Enorme, à proa emergia,
Para assustar inimigo
Que surgisse em travessia.
.
O almirante, no seu lugar,
Dá ares de preocupação.
Talvez pela ausência do mar,
Ou pela singular formação.
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Há mesmo um clandestino
Que trepa por um vão,
Juntando assim o destino
À egrégia tripulação.
.
Há laranjeiras carregadas,
Flores e plantas a granel,
Bandeiras esvoaçadas
Anunciando o tropel.
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Mas mesmo aos solavancos
A nau não sai do lugar.
É uma nave de loucos,
Uma metáfora vulgar
à humana condição.
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Em pintura de enorme distinção.
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Ricardo Ramalho (2022)
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carlospereirajunior · 3 years
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O TEMPO DO SEM TEMPO
Era um dia perdido, Uma tarde vazia, E uma noite triste.
Era o tempo quebrado No quase nada da vida.
Era um grito, Um suicídio, Uma revolta contra a História.
Era a hora de Dionísio, Da nau dos loucos E da fúria dos mendigos.
Era o tempo do sem tempo, Do absurdo  absoluto.
Carlos Pereira Jr
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camaramarcelo-v · 4 years
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Bobos 2019 4:51 min ☛ Assistir em: https://vimeo.com/392015750 Este vídeo derivou do trabalho realizado anteriormente, chamado Olhos em Dürer. Para o novo trabalho, Bobos, gravuras de Dürer permaneceram como referência, numa atenção à história da arte e também ao desenho, este pensado principalmente em sua fatura, o desenhar. Tomando os dois fatores conjuntamente, tem-se o momento em que eles convergem: a obra de arte como referência para o desenho; olhar e desenhar. Desenho que pode e deve, ainda assim, permanecer livre – um fazer em si, não mera cópia – e obra de arte como parte de uma história a ser explorada e (re)pensada. Complementando e aprofundando-se a partir da investigação do vídeo anterior – que simulava o olhar que percorre uma imagem – o atual trabalho registra o próprio ato de desenhar, o processo que acompanha o olhar e dele resulta. A obra utilizada como referência para os desenhos se trata de um conjunto de gravuras de Dürer, ilustrações para o poema de Sebastian Brant intitulado A Nau dos Insensatos (Ship of Fools), publicado em 1494. A obra descreve uma embarcação que ruma ao “paraíso dos loucos”, um poema satírico, crítico de sua época. As imagens criadas por Dürer apresentam situações diversas, nas quais figuram de modo recorrente bobos da corte, de onde originou-se o título do vídeo. A intenção foi reproduzir o modo como em minha prática diária o desenho acontece. Logo, foram utilizados versos de folhas de papel A4, que haviam sido descartadas, como suporte – as quais comumente estão à mão e onde os desenhos muitas vezes são realizados, e ainda na tentativa de desassociá-los de qualquer pretensão. Com uma caneta esferográfica e sobre quatro folhas, os desenhos foram então feitos, tratando-se mais de uma atenção ao processo do que ao produto final. Com os olhos indo e vindo entre o papel e as obras de Dürer, figuras e elementos presentes nas imagens foram tomados e reproduzidos, parcial e/ou inteiramente, sem preocupação narrativa ou propósito de criar um sentido nítido. O olhar circula de detalhe em detalhe, de gravura em gravura, à mesma medida que a linha percorre o papel, compreendendo saltos e continuidades. Como resultado tem-se imagens cuja leitura não se dá de imediato. Elas pedem um olhar atento e atraem pelos fragmentos mais rapidamente identificáveis espalhados pela folha. Vemos traços de figuras em um estado de vir a ser. O olhar, aos poucos, tenta entrever sentidos. Estão presentes acúmulo e repetição, fatores inerentes ao processo do desenho, assim como não-linearidade e certa confusão, aspectos que percebo como próprios da experiência do ser no mundo hoje. Sobreposições, inversões, repetições, alternâncias, aproximações e recuos foram utilizados como formas de tornar evidentes, pelos recursos do vídeo, questões latentes no pensamento do desenho. De maneira semelhante se deu a escolha da música presente no trabalho. A obra do compositor estadunidense Steve Reich lida com linhas, tempo, repetição e variação. Ouvimos vozes que gradativamente se acumulam, sobrepondo-se, modificando constantemente umas as outras. Parte do processo são também os momentos de pausa e reflexão acerca do que foi feito até ali. Não se trata de um riscar desenfreado e aleatório. Mesmo que se busque um grau maior de liberdade em relação a uma composição tradicional, leva-se em conta tudo o que foi feito anteriormente. O traço seguinte é sempre feito a partir do anterior, por mais óbvio que possa parecer. Ação atenta e ciente do que está diante de si. Por fim, entendendo a experiência apresentada também como fragmento de um processo mais amplo e contínuo, recolhem-se os papéis, abrindo espaço para os próximos desenhos.
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paralavrar · 4 years
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escuridão (byron)
eu tive um sonho, que em nada era sonho. o sol claro se extinguiu, e as estrelas erravam escuras pelo espaço eterno, sem raio, sem rumo, e a terra gélida rolava cega enegrecendo no ar sem lua; veio e foi-se a manhã — e veio, sem trazer dia, e os homens esqueceram suas paixões no horror desta desolação sua; e os corações estremeceram mesquinhos rogando por luz: e eles acenderam faróis — e os tronos, os palácios de reis coroados — as cabanas, as habitações de toda coisa que mora, eles queimaram por feixes; cidades consumiam-se e eles congregavam-se em seus lares ígneos para ver outra vez o rosto um do outro; feliz quem morava dentro do olho de um vulcão, e sua tocha montanhosa: pávida expectativa era o que tinha todo o mundo; florestas ardentes — que hora a hora esvaneciam — troncos crepitantes que extinguiam-se com estrondo — tudo era negror. à luz agonizante, os cenhos dos homens pareciam de outro mundo ao baixarem sobre eles clarões espasmódicos; alguns se prostravam, cobriam os olhos e choravam; alguns até pousavam os queixos sobre as mãos cerradas, e sorriam; e outros lançavam-se cá e lá, combustível para piras funerais, e levantavam os olhos loucos e irrequietos ao céu turvo, o manto do mundo findo; e outra vez maldições os derrubavam no pó e eles rangiam dentes, ululavam; pássaros guinchavam e, com terror, voejavam pelo chão, e batiam asas inúteis; os brutos mais ferozes vinham mansos e trêmulos; e víboras rastejavam e enrolavam-se na profusão, sibilando sem presas — abatidas e devoradas. e a Guerra, que em um momento já não era, fartou-se novamente: refeições compravam-se com sangue, e cada um saciava-se soturno à parte empanturrando-se no breu: não restava amor; toda a terra era uma ideia —  que era morte imediata e inglória; e a fisgada da fome roia as entranhas  — gente morta, sua carne e ossos insepultos; os tíbios pelos tíbios devorados, até os mestres pelos seus cães, exceto um, que foi fiel a um corpo, mantendo as aves e animais e gente esfomeada longe, até a fome agarrá-los ou desfalecentes achegarem magras mandíbulas; abnegava-se comida mas com penoso e perpétuo ganido, e, num breve e desolado gemido, lambendo a mão que não respondia carinhos — ele tinha morrido. a turba esfomeava-se aos poucos; mas dois de uma enorme cidade sobreviveram e eram rivais: depararam-se ao lado das brasas mirradas de um altar onde os escombros de uma missa sagrada tiveram profano uso; eles rasparam, arrepiando as mãos frias e esqueléticas, as cinzas débeis, e seu débil fôlego soprou vida pouca a uma chama que era um escárnio; então ao clarear levantaram os olhos e atinaram seus semblantes — viram, guincharam e morreram — a par de sua mútua hediondez morreram, sem saber quem era este em cujo cenho a escassez escrevera estranhez. o mundo ficou oco, populoso e poderoso, era um caroço, sem era, sem erva, sem lenho, sem homem, sem vida — caroço morto — um caos de barro duro. rios, lagos e mares, todos inertes sem nada a atiçar de suas fossas silentes; naus sem marujo jazem podres no mar, e seus mastros desabaram lentamente: caíram dormidos no abismo para não ressurgir — as vagas morreram; as marés estavam na cova, a lua, sua senhora, já havia expirado; os ventos mirraram no ar estagnado, e as nuvens pereceram; a Escuridão dispensava sua ajuda — Ela era o Universo.
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amourpheus · 7 years
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De Lolita: Uma Série
trigger warning: abuso sexual
I. Conto Sem Fadas
Era uma jovem, inocente alma; da infância, não passava. Digo inocente, de forma circunscrita à sua idade. É claro que conhecia um pouco do mundo, como qualquer criança; talvez conhecesse até um pouco mais. Contudo, esse mundo ainda não lhe roubara, naquele momento, os sonhos e fantasias que tornam a infância esse palco de acontecimentos memoráveis. Usava um longo vestido, rodado e florido. Da cintura, pendia um laço de cetim cujas faixas valsavam irrequietas à sinfonia do vento uivante. Nos braços, carregava uma pequena boneca de pano e, no peito, um pequeno coração que batia, até então, vivo.
Nosso conto sem fadas se passa numa praça: pequena, redonda; à primeira vista, comum como qualquer outra. À direita, uma fonte de águas pintadas em aquarela: nuances de verde, cinza e azul misturavam-se de forma impressionista e reluziam à luz do sol, dando a impressão de cintilar. Geometricamente no meio da fonte, erguia-se um régio chafariz; esse jorrava gotas e gotículas que, uma atrás da outra, pingavam agudas em staccato, rivalizando até mesmo as mais belas das sinfonias de Beethoven. À esquerda, valsavam ao vento dois balanços, cujos ruídos metálicos somavam-se à sinfonia esvoaçante.
Todo este cenário paira intacto, costurado nas entranhas do tempo e do espaço, como prova do que outrora fora e poderia ainda vir-a-ser - não fosse pelo crime silenciado. Por entre as ondas de eterno oblívio e silêncio, jazia, então, um corpo duro e gélido: o corpo de uma criança em carne viva; uma criança maculada, sufocada e afogada. Uma criança que usava um vestido rodado, florido, com faixa de cetim.
Bem em frente à fonte, em posição ereta e lívida, pairava o guardião. Não piscava; mal respirava: era quase como um dois de paus, quase como se tudo para o qual houvesse sido designado fosse guardar aquele corpo por ele violado, ao qual a fonte, cheia de vilanias e rasa de justiça, servia de túmulo lamacento.
Bem ao lado do chafariz, erguia-se a mãozinha da criança; gélida, endurecida pelos trabalhos da morte, esticada em direção à finitude do nada. Ao seu redor, as gotas e gotículas que outrora rivalizavam sinfonias clássicas agora choravam uma marcha fúnebre; amontoavam-se no formato de pequenas ondas e ondículas que delineavam o fim de uma batalha perdida. Sim, batalhara; a mão que agora erguia-se para fora das águas, em determinado momento, tentara arrancar um olho negro. Falhara.
Era uma vez uma praça, uma criança e um guardião; uns balanços que valsavam então sem vento e sem som. Valsavam assombrados, como se tentassem fugir do fantasma da criança atormentada. O único som a ser ouvido, só se era então debaixo d`água: toda uma ópera silenciada. Nenhum deles viveu como em um delicioso conto de fadas; nenhum saboreou o prometido final feliz. Nem mesmo o pobre chafariz.
II. Água
A água está em toda parte. Está nas duas intermitentes lágrimas que escorrem das bochechas outrora rosadas da criança afogada que me encara de volta do espelho. Está no vômito que pára em meio caminho à garganta quando quer que a manchada memória do bolo de aniversário pisado se ergue à consciência. Está nas gotas de sangue que emergem em sequência fibonacciana à superfície da pele em obediente resposta à demanda da lâmina que reluz como as águas da fonte. Está no tão fervente chá no qual busco afogar todas as dores. Está na placenta esmagada, decadente, apodrecida antes da data de validade. Está na saliva ardente de cada cobra que sibila ao meu redor e me torna sua presa. A água está em toda a parte. É de se surpreender que eu esteja sempre afogando?
III. Lolita Psicopata
Ah, se ao menos eu pudesse coletar todos os restos mortais que você despretensiosamente deixou para trás e despejar em sua comida; fazer você engolir as cinzas de seu crime fogoso; organizar sua sopa de letrinhas de forma que você seja forçado a, toda vez que se alimentar, lembrar-se do nome da criança que você matou. Acredite, meu caro Humbert contemporâneo, eu o faria com a mesma satisfação que um psicopata assassina uma nymphet.
IV. Um poema debaixo d'água
Um, dois,
Fora batizada duas vezes
Na primeira, com água benta
Purificada, límpida, promissora.
Três, quatro,
Uma fonte, então, de lágrimas;
Dois balanços enferrujados,
Uma sinfonia de gritos desamparados.
Cinco, seis,
Lá vem ele outra vez,
Rápido e predador
Como uma raposa esbugalhada.
Penetrou-lhe,
Invadiu-lhe,
Sufocou-lhe
Enlouqueceu-lhe.
Lento,
Oculto,
Letal,
Incontestável,
Turbulento,
Assassino.
Um, dois, três,
Quatro, cinco, seis;
Seis restos mortais flutuavam
De tal modo que se lia, então, o nome ao contrário.
Da borda da piscina,
Via-se a história de cabeça para baixo
O fim, no lugar daquilo
Que haveria de ser o começo.
O nome virado do avesso,
O nome revertido,
O nome desarranjado,
O nome ensanguentado.
Debaixo d'água, no entanto,
As seis letras, em ordem cartesiana
Assombravam o fantasma
De uma vida furtada.
V. Requiem de um conto sem fadas
Com a inabalável crença, equivalente a de um fiel anglicano, de que pingara agudo o ponto final, atravessei os portões metálicos, de tinta descascada, que guardavam a praça. Cheguei perto o suficiente da fonte para apreciar o odor das águas jorradas pelo chafariz. Fiquei hipnotizada pelo modo como as ondas se rendiam aos beijos e carícias do vento uivante. Não muito distante, o ruído metálico dos balanços me chegava à orelha esquerda.
Em meio ao transe, um galho boiou, fazendo-se parcialmente visível. Este ficava à mercê do vento, mas também da água que, bem como a Nau dos Loucos, transportava-o para lá e para cá, aprisionando-o em um movimento pendular do qual o pobre galho jamais poderia escapar.
Aproximei-me na intenção de resgatá-lo. Somente mais de perto foi que a realidade despencou sobre mim como uma armadilha designada para pegar ladrões. Não era um galho: era um fêmur humano tão apodrecido, que se via marrom.
Um frio centrífugo invadiu-me a espinha; nadou, em semifusa, até o último dedo, provocando toda uma combustão exotérmica. Quanto tempo fiquei ali, eu não saberia dizer. O mundo parecia haver parado ao meu redor; ou, talvez, fosse eu que houvesse parado: novamente congelada naquela cena intacta, costurada nas entranhas do tempo e do espaço.
Será que, ao resgatar o corpo apodrecido das profundezas da fonte e enterrá-lo em terra seca, deixei para trás um pedaço de fêmur, que vinha, então, me assombrar? Será que me atreveria, agora, a tocá-lo; resgatá-lo? Por que ainda hesitava? Era só um pedaço de fêmur. Resgatar o corpo apodrecido, de fato, fora tarefa muito mais difícil e, ainda assim, eu a performara fielmente, em memoria à criança abandonada. Será que deixara para trás mais pedaços? Como poderia eu me certificar? Haveria de mergulhar na fonte outra vez?
"Eu nunca aprendi a nadar", justifiquei para mim mesma, na medida em que corria na direção oposta, deixando, para trás, não apenas o fêmur, mas a fonte e o fantasma da criança assassinada, que jamais descansaria, a menos que a fonte fosse devidamente esvaziada.
Jamais retornei.
VI. Ainda está escuro
Ele está em meu pescoço. Três dedos ásperos deslizaram pela clavícula. Cachos cambaleantes foram estilhaçados para trás. Encravou-se em minha espinha -- ou, talvez, fossem apenas os arrepios amedrontados correndo de ponta a ponta, das cervicais às lombares. Ou, talvez, as pontas fossem apenas aquelas da barba que, nas escamas, deixaram marcas invisíveis aos olhos humanos. Redondos eram os olhos -- ou, talvez, apenas a fonte fosse redonda --; quiçá, azuis, tais quais as águas -- mas não, bem como o rugido dos balanços metálicos e os soluços em staccato, está fora de tom: azul era a melancolia que tomava conta do pequeno peito, afogado em lágrimas. Lágrimas e saliva. Saliva venenosa. Estendia-se o jogo da possessão: possuía o peito, mas não só; possuía o corpo inteiro. Possuía o controle remoto, com o qual podia aumentar o volume dos gritos agudos a qualquer momento, bem como diminuir, na medida em que sussurrava tranqüilizantes em estado líquido. Tranqüilizantes desesperados. A única coisa que não possuía era um rosto -- talvez porque o ambiente estava escuro; talvez por ser muito maior. Não, talvez escura fosse apenas a lembrança daquela invasiva presença numa infância cheia de ausências. No teto, as telhas mal contidas permitiam a passagem de finos raios de sol por minúsculos furos, dando ao ambiente um quê fantasmagórico. Ou, talvez, os minúsculos furos não fossem tão pequenos assim; minúscula era ela, se em comparação ao porte de porco-espinho ingurgitado. Fantasmagórico, então, o espírito da inocência: furado, rasgado, para sempre perdido e afogado na fonte cheia de vilanias e rasa de justiça. Mas estava escuro. E ainda está. E o guardião ainda ronda as premissas.
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andredemenezes · 5 years
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DIREÇÃO DE SOM
“A nau dos loucos”, de Guilherme Savioli e Daniela Seabra
A véspera do fim do mundo foi o único dia que prestou. Os ricos deram tudo aos pobres. Ninguém queria saber de mais nada.
25º Festival Internacional de Curtas Metragens de São Paulo
18º Mostra de Cinema de Tiradentes
Produção: CTR-ECA-USP
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contosaovento · 5 years
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Wraegia - Parte 4
Glenn
Procurei o coração na sala de máquinas. Geralmente ele era colocado o mais próximo possível do maquinário, para balancear ao máximo o peso da nau. Busquei pelas caldeiras, segui os canos de vapor e analisei os tradutores de força. Foi no teto, atrás de uma cúpula de vidro, que eu o encontrei.
Perfeitamente redondo e polido, ele parecia o olho de uma criatura. Era completamente roxo e piscava em um rosa mais claro no mesmo ritmo da minha respiração.
Os corações das naus são feitos de um minério de nome flutita. Ele que faz os veículos e também as ilhas flutuarem, já que só é encontrado no interior das mesmas. Ainda não se entende seu funcionamento, alguns dizem que a flutita possui uma densidade negativa e balanceia o peso do resto, outros dizem que ela exerce uma força contrária à que nos puxa para baixo. Porém, o mais importante do que se sabe é que ela não afeta criaturas vivas.
Quebrei a cúpula de vidro no mesmo instante em que Sino entrou na sala e mantive a haste de metal levantada, pronto para estilhaçar o coração.
- G… Glenn, não faz isso!
- Para! Ou eu quebro!
- Não… - Sino parou três passos adentro - Não machuca ele!
- Não vou fazer nada… contanto… - Eu ofegava, minha garganta estava seca e minha pele encharcada de suor. Minha mão queimava com a haste calcinante. - Contanto que escute…
- Mas que merda é essa? Sino! Você soltou o cara!?
- Não entra, Sam!
- Se entrar eu quebro! E vamos todos cair!
Eu ouvi o xingamento característico de Samuel ao mesmo tempo que Diana se aproximava para entender a situação.
- Não… Di, ele vai quebrar o coração!
- Mas… quê? Ele fugiu?!
- Sino libertou ele!
- Eu… achei fosse um cara legal… ele falou que ia ajudar…
- No mundo todo, só meu canhão que é um cara legal, Sino! - Samuel enfiou a mão no uniforme desabotoado, sacando e armando com velocidade incrível uma cospe-fogo de cano longo com as palavras "Cara legal" xilogravadas na madeira. - Vou acabar com isso.
- Não!
Eu nem pude me mexer, apenas vi Diana pulando por cima de Samuel antes da nuvem de pólvora surgir da cospe-fogo. A bala atingiu o chão de madeira ao meu lado, o perfurando e ricocheteando no convés debaixo.
- Ah! - Ele gritou de fúria e frustração, jogando a arma no chão e olhando para Diana. - Pegou em você?
- Não, eu estou bem. - Ela deu um murro no parceiro - Não pode matar ele! Ele é nossa melhor chance!
- Que inferno!
- Quietos! - Eu gritei mais alto, quase ficando sem fôlego, e eles se calaram - Olha só… se vocês não fizerem… exatamente… o que eu pedir… eu quebro isso.
Nós nos encaramos ofegantes. Eu conseguia sentir a apreensão e medo nos olhares de Diana e de Sino, mas de Samuel emanava apenas ódio. Troquei de mão a haste, pois queimava minha palma, e continuei.
- Vocês vão virar essa nau… vão navegar até a ilha do pescador… e vão se entregar para os oficiais, depois de me entregar de volta.
- Está louco! - Samuel ria de nervoso, com a cara fechada.
- Ah… mas você disse que ia ajudar a gente.
- Vocês me sequestraram, me chutaram e me prenderam! Só por isso já merecem prisão! Eu nunca ajudaria malditos como vocês!
Senti um enorme peso falando tais palavras. Suponho que ainda me sentia dividido sobre índole deles, mas no calor do momento deixei-me ser dominado pela raiva. Ao menos Sino com certeza não merecia ouvir aquilo.
- O… o que a gente vai fazer? - Eles sussurravam, mas eu ainda conseguia ouvir uma coisa ou outra.
- Eu vou chamar o Salamanca.
- Mas Sam, ele… 
- Sem "mas", eu vou lá. Vou pular nessa bala. Melhor eu me ferrar que todo mundo morrer ou…
- O… Camaleão.
Ele concordou com Sino, suspirou e deu uma última olhada para mim e para a cospe-fogo jogado antes de sair da sala. Não presenciei o que aconteceu em seguida, então escreverei como a cena decorreu segundo Samuel, que me contou depois.
Ele desceu pelo alçapão para o convés interior. O lugar era um grande corredor que seguia da popa à proa por dentro da nau. Portas laterais se abriam para quartos menores, um para Sino, outro para Samuel e Diana e um terceiro para Salamanca. Havia ainda dois outros quartos vazios de tripulantes, mas que alojavam os carretéis das correntes e suprimentos.
Samuel respirou fundo e avançou, mirando a porta na qual havia sido pregada uma plaqueta de madeira com "Salamanca" escrita em pinceladas azuis. Ele perdeu a cor do rosto acastanhado quando ouviu sons vindos de dentro. A porta abriu timidamente, com um rangido mais sonoro do que Samuel esperava.
Salamanca estava de pé frente a um espelho de corpo cortando pelos desgrenhados da barba com uma tesoura enferrujada. Era um homem rijo, grande, de ombros largos, apesar de não mais alto que Sino. Ele vestia uma roupa escura com desenhos de labaredas douradas nas mangas e na calça. Os botões que desciam da gola até o abdômen eram de prata, mas se alaranjavam à luz da vela iluminando o quarto. Salamanca também vestia uma longa capa vermelha de veludo que cobria grande parte de seu corpo e portava ombreiras que estendiam ainda mais seus ombros.
- Como está nosso convidado? - Sua voz era calma e rouca. Sua entonação sarcástica só contribuia para deixá-lo mais assustador. - Assumo que os gritos que ouvi tenham sido de alegria e surpresa.
- Ele está solto, Salamanca. Sino soltou ele e… agora ele está ameaçando quebrar o coração.
- Você dizer isso, infere-me que ele estava preso - Salamanca soltara a tesoura e agora calçava suas botas de uma pisada só - Deve ser um conceito avançado demais para vocês toda a ideia de manter um prisioneiro, então deixe-me frisar… Não. O. Faça!
- Eu sei! Eu avisei a Diana…
- Não avisou o suficiente! A teimosia e incompetência de vocês me assombra! - Ele deixou o quarto e 
- Desde… Desde quando acordou?
- Desde que desceram a maldita âncora. É incrivelmente difícil meditar quando o receio de arruinarem tudo é infindo.
Samuel suspirou calado enquanto subiam de volta ao convés. Foi quando eles passaram pela porta da sala de máquinas que eu o vi pela primeira vez. Sua capa compunha os ombros e pendia deles, do tamanho exato para não arrastar no chão. O contraste entre o vermelho, o preto e o dourado de suas roupas somado a expressão algoz no rosto, igualavam-no a um espectro de vingança.
- Pare! Não entre ou eu vou quebrar... - Mesmo intimidado e exaurido eu reuni forças para repreender.
- Não, não vai.
Minhas palavras, no entanto, passavam sem efeito algum. Salamanca avançou desimpedido até bem próximo, olhou fundo em meus olhos e se virou. Ele retirou a capa, estendeu-a no chão como um tapete e sentou-se por cima de pernas cruzadas.
- Sua mão direita está bem vermelha e a haste que segura com a esquerda devia estar bem quente dentro desta fornalha. Alguém que condenaria a própria vida para derrubar uma nau no mar não se importaria na dor que sente, não trocaria a haste de mão para evitar uma queimadura. - Era verdade, por mais que eu afirmasse para mim mesmo que faria, hoje eu sei que certamente fraquejaria no ato. - Você, Glenn, tem vontade de viver ainda. E isso é bom.
- Como… você sabe meu nome?
- Eu sei por que sou um adivinho.
- Mesmo?
- Não, na verdade escutei seu nome do convés de baixo. A observação é meu forte, talvez mais do que qualquer outra coisa. Agora… Nós sabemos muito sobre você, mas você não sabe muito sobre nós - Ele fitou Samuel e Diana de canto de olho - Ou foi apresentado a ideias… equivocadas. Eu faço pois uma proposta: Deixamos todos esta sala vaporizante e engajamos em uma conversa civilizada no convés. Explicarei quem somos e nossa meta, e, se não nos julgar dignos da sua companhia, o retornaremos para sua ilha com uma soma em dinheiro para compensar as lamentáveis indelicadezas que sofreu.
Eu lembro de ficar extático ao ouvir Salamanca. O calor da sala e da haste na minha mão realmente incomodavam e minha vontade de derrubar o barco já se nulificava. O tom com que falava e sua escolha de palavras tão diferente das dos outros tornava seu discurso deveras convincente. Salamanca não mentira ao dizer ser um bom observador, mas a diplomacia era seu real dom.
- O que me garante que eu posso confiar em você?
- Bem, eu confiei em você sentando aqui dentro. Diabo, você poderia ter quebrado isso a qualquer momento! Ufa! - Ele gargalhou, enxugando a testa como se tivesse resolvido a situação por um fio.
Eu ri também, agachando e soltando a haste. Salamanca levantou-se, dobrou a capa sobre um braço e estendeu o outro para mim. Saímos para o convés sentindo a ventania fria do céu noturno batalhar com o calor de nossos corpos. Os outros três nos acompanharam até perto do mastro, Samuel portando incredulidade no rosto, Diana com um riso confuso e Sino sorrindo de orelha a orelha.
- Muito bem, o primeiro aqui entre nós que precisa ser apresentado é também o mais importante membro. Ele que sustenta todos nós e é imprescindível em quase tudo que fazemos. É o… - Salamanca falou girando a mão na direção dos outros três para que completassem.
- Salamanca… - Samuel murmurou inaudível.
- Sino! - Diana exclamou.
- Ah… o Camaleão.
- Exato, Sino, muito bem, o Camaleão. É o nome do nosso barco. Com pequenos ajustes ele se passa como qualquer nau por aí… As menores ao menos. Claro, ele também nos leva de um lugar para outro, só por isso já merece o mérito.
- É uma bela nau. Uma escuna, certo? - Eu perguntei a Sino, que parecia ser o único ali que entendia um pouco mais de aeronavegação.
- Sim! 
- Bom, sobre nossas pessoas. Samuel, comece por favor.
- E-eu? O que é que eu vou falar? C-como assim? - Ele reclamou emburrado, gaguejando.
- O nome dele é Samil al-Khalili, mas Samuel, Sam, é mais fácil de gritar no meio de uma tempestade.
- Como se um nome realmente fizesse alguma diferença…
- Samuel é o nosso navegador. Ele mapeia, lê as estrelas e garante que estamos indo para cima no breu de uma noite nublada. - Samuel concordou com um resmungo e desviou o olhar. Eu conseguia sentir que ele estava incomodado com o que Salamanca tentava fazer. - Diana, sua vez.
- Diana apenas, olá! De onde eu venho a gente não tem sobrenomes. - Cheia de entusiasmo, a apresentação pareceu até infantil com o pulinho que ela deu. Porém seu tom mudou completamente logo que continuou - Ah… me desculpa por ter te raptado e… chutado você.
- Doeu bastante… não só a pancada. Eu… não sei. Ainda.
- Ela é uma guerreira. É melhor do que qualquer um com uma lâmina, mas não sabe muito de estratégia, apesar de eu tentar enfiar nessa cabeça oca. - Diana riu, mas ainda parecia triste com minha recusa a perdoá-la. 
- Eu e Sam somos noivos também! - Ela completou agarrando o braço de um Samuel enrubescido.
- Sino?
- Nós… já conversamos um pouco não é? Eu… cuido do Camaleão. Sou o mecânico da nau. - Não tinha adivinhado até então, mas fazia todo sentido. Eu não conseguia deixar de simpatizar com Sino e o fato de ele ficar tão à vontade com os outros me convencia de que fora realmente um mal entendido.
- Ele nos mantém nos ares e sabe como disfarçar o Camaleão. - Pigarreou, pôs a mão no peito e curvou-se ligeiramente na minha direção - Eu sou Salamanca, já deve ter ouvido meu nome da boca dos outros três. Modéstia a parte, sou o mais entendido de estratégia e planejamento entre nós, mas além disso sou apenas um homem velho vidrado em um objetivo…
- Encontrar o tal tesouro - Eu completei e ele assentiu.
Tesouros e artefatos de tempos passados não eram incomuns na literatura. Muitos deles inclusive ajudaram a comprovar teorias científicas tais quais a ascensão das ilhas. O tesouro que Salamanca se referia tinha ficado famoso na última década quando a plaqueta foi encontrada numa escavação. Alguns tentaram decifrá-la, mas nenhuma tradução pareceu correta até agora.
- E por que ele é tão importante para vocês?
- Ele é muito mais que as riquezas que contém, pois sua existência é também sua lenda. Dizem que ele se encontra em uma ilha, numa fortaleza inexpugnável, então o império almeja sua posse; dizem que está em uma nau de ciência incompreensível, então os aeronautas desejam-na. Mas, para mim, encontrar o tesouro significa uma única coisa... - Ele levantou o indicador, tremendo ligeiramente enquanto recuperava o fôlego - A existência da magia.
Aquilo me pegou desprevenido. De tantos motivos imagináveis por mim, aquele não chegou nem perto de cruzar meu pensamento. Até onde sabia, era um tema apenas teorizado, mas abominado pelo Colégio de Aerocientistas Imperiais. Magia era uma lenda, trama de contos fantásticos de folhetos de ficção. De todos os livros que li na biblioteca de minha mãe, pouco mais de dez mencionavam conceitos mágicos.
Ainda assim, ninguém ali ria ou estranhava a ideia proposta por Salamanca. Era apenas mais uma possibilidade, talvez até maravilhosa, e meu preconceito me cegava a sua existência. 
- Mas… magia é apenas… fantasia. Histórias.
- Há coisas ainda inexplicadas pela ciência!
- Bom, sim, mas…
- O minério, as ilhas. O grande cristal de influência. - Nossas vozes iam se intercalando a medida que cortávamos um ao outro.
- Há várias teorias a serem provadas. Já é certo que a flutita não funciona fora do campo do grande cristal.
- Será?
- Mas claro! Não há ilhas fora do campo! E… em toda bienal de aerociência há testes além borda! - Eu esbravejei aborrecido pela complacência sarcástica de Salamanca me refutando.
- Você viu os testes?
- Não, mas…
- Apenas proponho outra resposta. Magia é um nome que desperta preconceito na mente dos homens leitores de livros - Eu me calei e deixei-o continuar - E se a magia fantástica existir e suas tramas forem estudáveis? Eu sei… Tudo pode ser explicado com teorias inexplicáveis...
Aquela frase fora dita por Adrian Nash em um seminário sobre o pensamento científico. Nash quis alertar ao fato de que ideias absurdas não contribuem para o avanço da ciência, apenas hipóteses possíveis de prova.
- Mas esta é uma chance de provar a existência de algo mais. Algo mais misterioso, ainda que palpável e… maravilhoso! É uma teoria explicável!
Meu conhecimento prévio tornava meu discurso prepotente, averso ao que sempre aprendi em minhas leituras. O pensamento científico se sujeita a ser contrariado, mas eu estava negando a chance de algo que nem conhecia. A noção disso veio como uma apunhalada fria no peito e eu tive de concordar.
- É... verdade… 
- Então? - Salamanca pareceu dar-se por satisfeito, respirando fundo e perguntando - Que tal nossa companhia? Vai nos ajudar a encontrar esse tesouro?
- Eu vou.
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deuscaos-blog · 6 years
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Finalmente posso viver como um ser humano
Esses versos vêm do coração Mas não é um poema de amor Vermelho de vingança, não de paixão Vermelho de raiva na linha Equador Sangue fervendo próximo da explosão Se me calo ou pisam no meu calo sinto calor Pequenos movimentos levam meu peito à erupção
Jovem suburbano irado Latino-americano colonizado Incerto sobre a minha real raiz Certo que o real não me faz feliz Preconceitos enraizados Cercam por todos os lados Transportaram a destruição direto da matriz E os filhos da filial tomaram bem no nariz
Nocaute Blackout Mesmo com olhos abertos Não é possível ver a luz Flertamos com céus encobertos E a fé cega é o que nos conduz Mas a mim não condiz É meu tórax, não meus pulsos, marcado por cicatriz
Ideias insanas, meio maníaco Pensamentos grandes, megalomaníaco Estou fazendo de propósito À procura de um propósito Que me afaste do niilismo Enquanto isso não sirvo para depósito Sou ambiente inóspito Para a doutrina do existencialismo
Existia em minha essência Um traço de mudança Que erradicaria a decadência Dos tempos de bonança Criatura de extrema paciência Aos longos tempos de andança
Porém esses tempos me levaram à templos Que me apresentaram exemplos De tragédias colossais Podridão humana que consta nos anais Perdição material representada por anéis Descoloração dos céus azuis anis Tempestades ambiciosas ferem a nós                                                 Valorizamos vestuário e repudiamos espíritos nus 
Esses versos pulsam em meu peito Cada linha um efeito Ainda não sei do que sou feito Ou como corrigir defeitos Nem como seres se acham perfeitos Mesmo com desprezíveis costumes Ateamos morte aos cardumes Choramos chorume É o cúmulo exterminar a base para chegar no cume
Enquanto há quem não coma Muitos vivem em redoma Na nossa defesa são linfomas Conterrâneos com diferentes idiomas Idiotas São os que enganam Ou são enganados? Poliglotas Diversas línguas emanam Os pensamentos ultrapassados
No passado eu era pacato Atualmente meu interior é um caos A teoria é que me eleve ao estrelato A realidade é percorrer degraus Graus: Farenheit 451 Livros? Nenhum A leitura desencadeia encarcerados mentais Se todos devorassem livros, jamais seríamos desiguais Por isso cada dia leio mais
Mas ainda é pouco E quanto mais eu leio Mais me chamam de louco O jogo está passando Venha ver o escanteio Seu time está ganhando É para isso que você veio?
Alguns me dizem: "calma, não se irrite Foi assim que enlouqueceu Nietzsche" Isso me deixa consternado Não acredito que alguém acredite Que contestar é errado É cada atitude absurda Impossível incorporar Buda E não ficar incomodado
Vivemos em um jogo de cartas marcadas Marquei todas vezes que nossas castas foram renegadas Quantas costas foram rasgadas Rasguei o contrato com a paz Portas e janelas trancadas Vidas inteiras traçadas Batalhas, em vão, travadas Ainda me julgam incapaz
Antes incapaz do que capataz Antes viver melhor do que viver mais Quantificam a felicidade como algo palpável Se na palma de nossas mãos há um mundo imensurável E justamente nessa imensidão foi onde nos perdemos Caçadores por necessidade Tornaram-se ditadores por crueldade Jogados no mar das atrocidades Sem barcos e remos
Quando mares e olhos estão fechados Destacam-se a visão dos privilegiados Que herdaram a superioridade do tempo das naus Navios potencializados Nativos massacrados Homens que vivem bem são os homens maus
Esse é o cenário e dele sinto nojo Difícil de mudá-lo com o que tenho no estojo Eles controlam educação, saúde, quartel Oceanos, terra e céu Só coordeno a caneta no papel Não quero um mausoléu Tampouco um óbito glorioso Meu rosto carrega honroso brio Apenas peço: atirem no meu coração raivoso Não destruam meu perfil
- Caos
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