Tumgik
#Tango Madeira
cherry-posts · 1 year
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inutilidadeaflorada · 2 years
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À Paixão que me Extasia
Arrasto um tango nas pálpebras Meu arrependimento, meu pendão Meus vícios, estimar sentimentos Velar lebres em mesas de madeira Tal autópsia aos frangalhos Não devem e não temem Não há certeza alguma, apenas especulação Entre uma coleção de lírios-lanças [de cores                                                        variadas] O meu amor esmaga o sopro, teu nome Dançando ao redor dos ouvidos Tua pele a possibilidade do tato Meu prazer, ressentido nos ossos Nenhuma vingança possui meu veneno de perfumaria Insinua a doçura de âmagos de barro Esculpidos com dedos magros, dente amarelados Pelo tempo, pelos espelhos velhos e amolecidos Eu te escrevo quando vais embora Eu te busco pela cores que meus olhos maculam Eu danço e desmembro cada palavra dita Remoendo as estranhas das palavras e bebendo seu néctar Tal aparição, apelidada de paladar Teu perfume me embriaga e cega Nesse lugar há uma cidade enterrada Em cada lábio curvado ao enquadro da vaidade Me conta quantos feitiços Espalho na face dos homens Que são atormentados pelo histórico do encanto? E traduzirá escombros de jardins homófonos Equívoco: Declarei teu nome ao filo inesquecível Perto de amantes de goles fáceis, tão certos e fartos Alegam o vil crime da veneração, mas eles esquecem Que sou tão boto como a fábula que sustentei
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aloneinstitute · 2 years
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ARGENTINA...
A Argentina é um país da América do Sul com uma área extensa que abrange montanhas dos Andes, lagos glaciais e pradarias nos Pampas, ocupadas tradicionalmente por seu famoso gado. O país é conhecido também por sua dança e sua música, o tango. A capital cosmopolita, Buenos Aires, tem como centro a Praça de Maio, cercada por edifícios imponentes do século XIX, como a Casa Rosada, o emblemático palácio presidencial.
Confira algumas curiosidades...
1- Levantamento da World Cities Cultural Forum indicou que a Argentina é o segundo país com o maior número de livrarias por habitantes, ficando atrás apenas da Austrália. São aproximadamente 30 unidades para cada 100 mil pessoas.
2- Os argentinos têm costume de dormir no horário do almoço. Sim, a siesta, costume herdado dos seus colonizadores espanhóis, ainda é uma realidade em alguns cantinhos argentinos.
3- O tango é o gênero musical mais tradicional da Argentina. Inclusive, Buenos Aires é conhecida como a capital mundial do ritmo. Originada no final do século 19, a dança é considerada um importante símbolo cultural desse país e apresenta enorme carga emocional.
4- A Argentina tem cinco Prêmios Nobel, sendo dois de medicina, dados a Luís Federeico Leloir e César Milstein um de química, de Bernardo Houssay e outros dois de Defesa da Paz, entregue a Adolfo Pérez Esquiv, por difundir a Não-Violência Ativa como instrumento de transformação e a Carlos Saavedra Lamad, agraciado com o prêmio da paz por sua participação no fim da Guerra do Chaco.
5- A Argentina já foi campeã de duas Copas do Mundo de Futebol (1978 e 1986), além de possuir vários títulos da Copa América e conquistas nas Olimpíadas. Não é novidade para ninguém que, historicamente, a Argentina é um dos principais rivais da seleção brasileira de futebol.
6- O país foi responsável pelo feito de ter dois filmes latino-americanos premiados com um Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. O primeiro foi em 1986, com A História Oficial, de Luis Puenzo, e o segundo ocorreu em 2010, com O Segredo de Seus Olhos, de Juan José Campanella.
7- É o segundo maior país da América Latina em território, com uma área de 2,78 milhões de quilômetros quadrados, e o terceiro em população, com quase 45 milhões de habitantes.
8- O sistema de metrô de Buenos Aires é o mais antigo da América Latina, inaugurado em 1 de dezembro de 1913 – até 2013 era possível viajar pelos vagões originais com bancos de madeira e lustres antigos. Hoje, esses vagões foram declarados Patrimônio Cultural da Cidade de Buenos Aires pela prefeitura local e estão passando por um processo de restauração.
9- A República da Argentina vem da palavra em latim argentum, que significa prata. O país foi assim batizado pois seus colonizadores espanhóis criaram uma lenda de que o território abrigava uma montanha de prata.
10- A bandeira do país tem um sol amarelo com a face humana no meio, que simboliza o Sol de Maio, momento marcante da revolução que visava a independência do país com relação à Espanha.
11- O país foi o primeiro no Ocidente a ter uma mulher como presidente. O feito aconteceu em 1974, com a posse de Maria Estela Martinez de Perón, que assumiu o cargo após a morte de seu marido, Juan Domingo Perón.
12- A Argentina já sofreu cinco golpes militares no decorrer do século 20, sendo a Ditadura Militar Argentina, de 1976 a 1983, a mais violenta da história do país.
13-Buenos Aires tem mais estádios de futebol do que qualquer outra cidade do mundo, abrigando 36 estádios por sua extensão.
14- A capital tem um prédio inspirado na obra de Dante Alighieri, a Divina Comédia. O Edifício Barolo, localizado na Avenida de Mayo, foi pensado nos detalhes: ele é dividido em três fases: inferno, purgatório e paraíso, assim como na obra, tem 22 andares, mesma quantidade de estrofes dos versos da Divina Comédia e tem por toda sua extensão citações em latim. Faça uma visita guiada para se encantar ainda mais.
15- A Argentina é o quinto maior produtor mundial de vinho, segundo dados da Organização Mundial do Vinho, além de ser o maior produtor da América Latina. Atualmente: o país possui aproximadamente duas mil vinícolas.
16- No bairro de Puerto Madero, em Buenos Aires, todas as ruas têm nomes de grandes personalidades femininas como educadoras, políticas e artistas locais, tal como Juana Manso, autora do primeiro livro de história argentina para escolas e Azucena Villaflor, ativista e fundadora do movimento Madres de Plaza de Mayo, criado para denunciar o terrorismo durante a última ditadura argentina.
17- É o lar da cidade mais ao sul do mundo, Ushuaia, conhecida como o Fim do Mundo. Localizada no extremo sul da Argentina, a apenas mil quilômetros da Antártica, é também um prato cheio para os amantes de esportes na neve.
Não o bastante, o pico mais alto das Américas também fica na Argentina, mais especificamente na região de Mendoza, na fronteira entre Argentina e Chile. O Monte Aconcágua tem mais de sete mil metros de altura.
18- O país tem a estrada mais bonita da América do Sul e uma das mais longas do mundo, a Ruta 40. Ela cruza a Argentina de norte a sul por uma extensão de 5,2 mil quilômetros, passando por 11 províncias argentinas, 20 parques e reservas naturais e 236 pontes.
19- A capital argentina possui a avenida mais larga do mundo, a Avenida 9 de Julio, que possui 140 metros de largura, com 12 pistas.
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nadja-hipp-ad · 10 months
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Farbpalette Office Vier
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Pantone Farben: Black C Power Rangers, Ice Palace Grey, Tangerine Tango 🍊, Sofa: 7554 Olivgrau, P 6-6 C Goldkiwi
Coffee table in Goldkiwi von Meme Design ROUND 3 round
Vorhänge von ZigZagZurich: Blackout Col. Coral Red - Linen optic extra wide
Stehlampe: Mobitare Tripode G5
Büchergestell in Eisgrau von Tylko, Aktenschrank: Nussbaum von MYCS, Sisal-Teppich von Benuta: Sana Cream
Boden: Hellgraue Betonplatten via ItalianGres
Skulptur: ferm Living, Hocker: Plopp von Zieta
Wandfarbe: Das Rosa aus der Tapete, die an verschiedenen Stellen im Office, als Highlight-Muster eingesetzt wird, möglich auch bei Säulen oder als Bild in einem Bilderrahmen.
Das Muster dürfte, wenn direkt an der Wand, nur sehr grossflächig angewendet werden. Also mit Formen, von mind. 1.5 m Seitenlänge.
Dann den Basis-Farbton gesucht für die grossen Flächen und gefunden als fertige Farbmischung bei Caparol: Indeko Plus Madeira 14 Wandfarbe für Innen. 🤩
Schön wäre so ein Muster als auch individuelle Teppichanfertigung bei den Sofa-Inseln. Die Muster könnten aber schnell verleiden. Sie könnten auf mittlerer Grösse auch zu viel Unruhe reinbringen. Das Muster ist nicht zeitlos und besonders beim Pastell nicht so robust gegen Schmutz und Abnutzung wie ein Sisal.
Cool wäre auch, diese Farben auf den digitalen Kanälen des Unternehmens zu verwenden. 🤩
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Montiert mit Adobe Express App. Farbpalette mit der Pantone App.
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reinato · 10 months
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ARGENTINA:
A Argentina é um país da América do Sul com uma área extensa que abrange montanhas dos Andes, lagos glaciais e pradarias nos Pampas, ocupadas tradicionalmente por seu famoso gado. O país é conhecido também por sua dança e sua música, o tango. A capital cosmopolita, Buenos Aires, tem como centro a Praça de Maio, cercada por edifícios imponentes do século XIX, como a Casa Rosada, o emblemático palácio presidencial.
Confira algumas curiosidades:
1- Levantamento da World Cities Cultural Forum indicou que a Argentina é o segundo país com o maior número de livrarias por habitantes, ficando atrás apenas da Austrália. São aproximadamente 30 unidades para cada 100 mil pessoas.
2- Os argentinos têm costume de dormir no horário do almoço. Sim, a siesta, costume herdado dos seus colonizadores espanhóis, ainda é uma realidade em alguns cantinhos argentinos.
3- O tango é o gênero musical mais tradicional da Argentina. Inclusive, Buenos Aires é conhecida como a capital mundial do ritmo. Originada no final do século 19, a dança é considerada um importante símbolo cultural desse país e apresenta enorme carga emocional.
4- A Argentina tem cinco Prêmios Nobel, sendo dois de medicina, dados a Luís Federeico Leloir e César Milstein um de química, de Bernardo Houssay e outros dois de Defesa da Paz, entregue a Adolfo Pérez Esquiv, por difundir a Não-Violência Ativa como instrumento de transformação e a Carlos Saavedra Lamad, agraciado com o prêmio da paz por sua participação no fim da Guerra do Chaco.
5- A Argentina já foi campeã de três Copas do Mundo de Futebol (1978, 1986 e 2022), além de possuir vários títulos da Copa América e conquistas nas Olimpíadas. Não é novidade para ninguém que, historicamente, a Argentina é um dos principais rivais da seleção brasileira de futebol.
6- O país foi responsável pelo feito de ter dois filmes latino-americanos premiados com um Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. O primeiro foi em 1986, com A História Oficial, de Luis Puenzo, e o segundo ocorreu em 2010, com O Segredo de Seus Olhos, de Juan José Campanella.
7- É o segundo maior país da América Latina em território, com uma área de 2,78 milhões de quilômetros quadrados, e o terceiro em população, com quase 45 milhões de habitantes.
8- O sistema de metrô de Buenos Aires é o mais antigo da América Latina, inaugurado em 1 de dezembro de 1913 – até 2013 era possível viajar pelos vagões originais com bancos de madeira e lustres antigos. Hoje, esses vagões foram declarados Patrimônio Cultural da Cidade de Buenos Aires pela prefeitura local e estão passando por um processo de restauração.
9- A República da Argentina vem da palavra em latim argentum, que significa prata. O país foi assim batizado pois seus colonizadores espanhóis criaram uma lenda de que o território abrigava uma montanha de prata.
10- A bandeira do país tem um sol amarelo com a face humana no meio, que simboliza o Sol de Maio, momento marcante da revolução que visava a independência do país com relação à Espanha.
11- O país foi o primeiro no Ocidente a ter uma mulher como presidente. O feito aconteceu em 1974, com a posse de Maria Estela Martinez de Perón, que assumiu o cargo após a morte de seu marido, Juan Domingo Perón.
12- A Argentina já sofreu cinco golpes militares no decorrer do século 20, sendo a Ditadura Militar Argentina, de 1976 a 1983, a mais violenta da história do país.
13-Buenos Aires tem mais estádios de futebol do que qualquer outra cidade do mundo, abrigando 36 estádios por sua extensão.
14- A capital tem um prédio inspirado na obra de Dante Alighieri, a Divina Comédia. O Edifício Barolo, localizado na Avenida de Mayo, foi pensado nos detalhes: ele é dividido em três fases: inferno, purgatório e paraíso, assim como na obra, tem 22 andares, mesma quantidade de estrofes dos versos da Divina Comédia e tem por toda sua extensão citações em latim. Faça uma visita guiada para se encantar ainda mais.
15- A Argentina é o quinto maior produtor mundial de vinho, segundo dados da Organização Mundial do Vinho, além de ser o maior produtor da América Latina. Atualmente: o país possui aproximadamente duas mil vinícolas.
16- No bairro de Puerto Madero, em Buenos Aires, todas as ruas têm nomes de grandes personalidades femininas como educadoras, políticas e artistas locais, tal como Juana Manso, autora do primeiro livro de história argentina para escolas e Azucena Villaflor, ativista e fundadora do movimento Madres de Plaza de Mayo, criado para denunciar o terrorismo durante a última ditadura argentina.
17- É o lar da cidade mais ao sul do mundo, Ushuaia, conhecida como o Fim do Mundo. Localizada no extremo sul da Argentina, a apenas mil quilômetros da Antártica, é também um prato cheio para os amantes de esportes na neve.
Não o bastante, o pico mais alto das Américas também fica na Argentina, mais especificamente na região de Mendoza, na fronteira entre Argentina e Chile. O Monte Aconcágua tem mais de sete mil metros de altura.
18- O país tem a estrada mais bonita da América do Sul e uma das mais longas do mundo, a Ruta 40. Ela cruza a Argentina de norte a sul por uma extensão de 5,2 mil quilômetros, passando por 11 províncias argentinas, 20 parques e reservas naturais e 236 pontes.
19- A capital argentina possui a avenida mais larga do mundo, a Avenida 9 de Julio, que possui 140 metros de largura, com 12 pistas.
Confira algumas fotos em:
https://www.instagram.com/p/Ck8dDDROApI/?igshid=YmMyMTA2M2Y=
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henrys-fan · 1 year
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unimpressedperson · 3 years
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E se o luar cegasse as estrelas?
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"Nossas palavras de despedida são infinitas, um relógio com pêndulo quebrado." - 佐井好子 (Yoshiko Sai)
Nuvens densas cobriam o céu, mas se mexiam numa dança que só elas sabiam o ritmo e ouviam o som. Talvez a música fosse o vento resfolegando entre as árvores, tocando as folhas como tambores e tamborins, fazendo dos frutos os chocalhos. Uma sessão do jornal passado passeava pelo asfalto, como se estivesse ouvindo a canção também e enroscasse uma de suas pontas no banco, tomando-o para esse tango.
Os elementos solitários da noite pareciam festejar silenciosamente, aquele era o momento deles e Estela se sentia uma intrusa por observar tudo pela janela de seu apartamento. Ela não entendia a melodia do vento e o tempo das árvores. Não ouvia a música fazendo o jornal dançar tão suavemente abraçado ao banco da praça. Até mesmo os postes piscavam em sequência. Somente Estela estava alheia ao doce ritmo traçado pela natureza.
Ela se sentia fadada a ficar sozinha, afinal, se não conseguia entender os sinais de interesse humano, tampouco seria capaz de absorver tudo que a natureza tinha a dizer.
As estrelas apareceram como se fossem as atrações principais do show. O vento passou a soprar mais lentamente, o farfalhar das folhas se tornava gradativamente mais baixo e os grilos começaram sua sinfonia de estridulação. O jornal soltou do banco e repousou ao lado do bueiro. Era o momento das estrelas, mas não da Estela.
A moça bufou exaurida e fechou as venezianas articuladas lentamente. O quarto estava escuro sem a luz dos postes e a cama parecia infinita no breu. Estela e o cômodo eram uma unidade, pois o breu unia tudo em sua graça. Se fechasse os olhos e deitasse provavelmente teria a sensação de não mais existir, pois se tornaria parte fixa do colchão e lençóis.
Kafka? Estela deveria deixar de ler filosofia antes da meia-noite.
Conseguia visualizar a pilha de livros na mesa de cabeceira. Ocupando todo o espaço junto dos óculos de leitura com armação grossa e azul marinho. O controle do abajur e a bombinha para asma. 'A Metamorfose' em suas últimas páginas, enquanto 'Paideia' jazia intacta no fundo daquela esbórnia literária entre fantasia, romance, filosofia e Ralph Waldo Emerson.
Se fechasse bem os olhos e pensasse nos móveis do quarto, conseguiria enxergar em sua mente a escrivaninha com o notebook e uma porção de cadernos meio preenchidos com rascunhos, anotações, rabiscos e devaneios. A cadeira com rodinhas emperradas que arranhavam o piso de madeira feito a lâmina dos patins no gelo. A cômoda abarrotada de camisetas antigas, calcinhas, meias e pijamas. O guarda-roupa preenchido com vestidos nunca usados, calças gastas até o meio das pernas esgarçarem e sapatos, uma inifinidade de tênis, botas e chinelos ortopédicos ou anatômicos. As duas estantes apinhadas com livros e mais livros, alguns lidos e outros jamais tocados, esperando seu momento de glória. Estela tinha dó de dizer aos autores empacados nas prateleiras e aos vestidos intactos que nunca veriam a luz do dia.
Em algum momento eles perceberiam.
Se Estela havia percebido que Raul não se importava de verdade, então logo mais os porcos descobririam como voar e os vestidos a como abandonar os cabides desconfortáveis. Era tudo questão de tempo. O impossível acontece todos os dias, tão frequentemente que se torna corriqueiro.
Isso é perigoso, Estela pensava.
O impossível se tornar corriqueiro e banal. O que restaria para a inocência se tudo o que não deveria acontecesse sem cerimônia?
Perigoso demais, assim como a risada de Raul.
Estela se sentia irritada pensando em Raul. O coração batia forte e as borboletas faziam sua dança, rodopiando dentro do estômago. Ao mesmo tempo tudo isso se tornava pesar e angústia, porque era uma cerimônia em vão. As asas batiam freneticamente pelos motivos errados e por alguém tampouco certo.
Manipular um coração e mente não deveria ser tão fácil. Ainda assim, Estela sentia os dedos de Raul lhe atravessando os seios para pegar sua alma pulsante e manuseando sem qualquer cuidado. Rolando-o na palma e entre os dedos, fingindo deixar cair, rindo do desespero da moça e o beijando antes de colocar no lugar. Aquele sorriso bonito e perigoso feito o impossível corriqueiro.
O rapaz de olhos resplandecentes e sagazes parecia enxergar na inocência de Estela todas as oportunidades perdidas. Todas as aventuras possíveis. Tudo que poderia ser feito sem consequências. Todos os crimes éticos, corações quebrados, leis não escritas, amores dolorosos, tesão reprimido, sonhos abandonados, o conhecimento inútil, os pensamentos brilhantes, as noites mal-dormidas, frustrações, inseguranças e, acima de tudo, a disposição, vontade em fazê-lo feliz e satisfeito.
Como o impossível corriqueiro, o entusiasmo por se fazer útil e o medo de morrer solitária eram nocivos, borbulhavam feito ácido ativo em base neutra. Raul sabia manusear essa oportunidade única sem qualquer dificuldade.
E foi por isso que se conheceram. Raul precisava de alguém tola o suficiente para se aproveitar. Estela não tinha qualquer traquejo social e uma necessidade doentia de agradar a quem prestasse atenção o suficiente às suas lamúrias.
Depois de tanta dor, Estela entendeu o que acontecia. Ela compreendeu a dinâmica de relacionamento deles. A forma como Raul a agradava e então lhe sugava toda a disposição, antes de se afastar e passar a evitar, ignorar e fingir que se importava casualmente.
Ela não sabia dizer se no fundo, bem lá no fundo, o homem se importava de verdade. Esperava que sim, pois isso tornaria tudo menos patético. Contudo, em retrospecto, Raul seguia um modus operandi muito bem definido e Estela caia rebolando em cada nova história.
Patético.
Foi em uma convenção de livros. Estela e Raul se conheceram próximo ao estande de dramas e suspense. Eles compartilhavam o interesse por histórias melodramáticas e romances com grandes mensagens no fim. Entre todas as mentiras e manipulações, aquilo era verdade. Não tinha como uma mentira começar tão cedo, se não houvesse uma razão razoável.
O casal conversou durante horas naquele mesmo quiosque. Discutindo sobre livros preferidos, música, trabalho, amigos e, pouco a pouco, sentimentos e solidão. Estela mostrou cedo demais suas cartas, mas não estava acostumada a ter alguém tão interessado. Raul viu naquela candura uma fonte inesgotável de favores, ideias e entretenimento. Ele não precisava se importar e ela não precisava saber.
O problema não estava só no comportamento de Raul. O problema principal era Estela.
O rapaz foi descuidado o suficiente para ser pego, mas todos no convívio e na vida de Estela tiravam proveito dessa característica ambígua. Todos enxergavam na ignorância emocional da moça uma oportunidade para saírem cada vez mais fortes. Ela faria das tripas coração para ajudar.
E ela ajudava, assistindo se distanciarem em seguida.
Observar o resultado da própria ignorância nunca deixa de ser doloroso. Pensar que não se ensina novos truques a um velho cão parece tão pertinente, quando o bicho irrepreensível é a própria mente.
Consequência de suas inseguranças, Estela nunca tinha entendido como se relacionar com os outros. Não conhecia algo genuíno feito a amizade, por isso se agarrava a qualquer meio afeto sem compromisso. Entendia tão bem isso, mas não encontrava uma solução para abandonar velhos hábitos.
Estela sabia que Raul não iria estar sempre ao seu lado. Era natural precisarem espairecer separados de tempos em tempos. Ainda assim, doía quando pensava na possibilidade do rapaz só sentir interesse em saber sobre ela quando tinha segundas intenções. Não era um interesse nu e cru em relação ao corpo ou mente, mas sim na disposição. Ele sabia perfeitamente que a moça nunca lhe negaria favores. Independente do quão exaustiva fosse a incumbência, ela faria e não pediria absolutamente nada em troca.
Esse era o jeito singelo e, por vezes, inocente de Estela. Todos sabiam disso. Todos se aproveitavam disso.
Estela esperava essa revelia inescrupulosa de todos, incluindo de Raul. Estela também esperava que Raul fosse diferente e somente a amasse, como amiga ou não.
Parecia improvável Estela perceber que estava sendo usada, mas o impossível se tornou corriqueiro e isso é perigoso.
Olhando para a escuridão e se sentindo parte dela, Estela puxou os cobertores para cima do peito, segurando-o firme com ambas as mãos. Ela pensava nas estrelas e em como o luar parecia se destacar entre elas, cegando com seu brilho cego e falso as verdadeiras atrações da noite.
Parecia utópico as estrelas se destacarem por si só com um luar tão grande envolvendo o céu, mas se Estela abandonou Raul, então o impossível se tornou corriqueiro.
O impossível se tornar corriqueiro. Isso é perigoso.
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krmzi · 3 years
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𝐉𝐄𝐀𝐋𝐎𝐔𝐒𝐘 𝐖𝐈𝐋𝐋 𝐃𝐑𝐈𝐕𝐄 𝐘𝐎𝐔 𝐌𝐀𝐃, an episode about RED RIDING HOOD
música: el tango de roxanne - moulin rouge
Uma garota e uma capa vermelha. Uma vez tão insignificante, outra desejada por muitos homens. Como Ruby irá lidar com os olhares sedentos sobre seu semblante? Como ela irá fugir do ciúme doentio do homem o qual ela foi prometida?
TW: assédio e violência.
FLASHBACK
não fazia muito tempo desde que ruby se apaixonara pela loba, e por mais que tivesse já descoberto da verdade sobre ela, não deixaria que a transformação em animal mudasse seus sentimentos. estava decidida a fugir com ela, mas sabia que seria difícil deixar a avó de lado, ainda mais com a vila tão movimentada nos últimos tempos e ela cada vez mais idosa e impossibilitada, além de teimosa. naquela noite, ao chegar na cabine de madeira, estava preparada para uma conversa com a mais velha, mas fora surpreendida. ao abrir a porta, um homem portando roupas que pareciam extremamente caras conversava com a avó, e acompanhando dele estavam ainda mais outros homens, quase como uma guarda.
“vovó... o que está acontecendo aqui?”, perguntou, deixando-se ser notada, apesar de ter feito bastante barulho com a pesada porta de madeira da cabine. a mais velha se levantou e apresentou o outro, um lorde de uma terra um pouco distante dali, mas que havia ouvido falar da imensurável beleza de ruby e que tinha muito interesse em casar com ela; ele bate todos os seus outros pretendentes, dizia a avó muito orgulhosa. a mais velha estava deslumbrada, apenas pensando na possibilidade daquele casamento dar certo. mas não, aquilo não era o que ruby queria, ela já estava apaixonada, por mais que não pudesse contar a ninguém.
não podendo contradizer a avó, ruby foi obrigada a passar o resto da semana acompanhando um homem que comprara uma cabine no vilarejo apenas para isso. ele era um lorde, um homem poderoso, e por mais que a garota da capa vermelha fosse destemida, tinha sim medo do que ele poderia fazer com ela ou sua avó caso ela não seguisse suas ordens. ela não tinha escolha, mesmo sabendo que jamais poderia se apaixonar por ele, não quando estava já apaixonada pela loba. teria que portar seu melhor papel de atriz até que ele decidisse ir embora, eventualmente ele perceberia que ela não era material para uma esposa.
STORYBROOKE
desde a saída de todric do rosa do deserto, as noites de crimson pareceram se tornar menos divertidas. ela ainda amava a sensação que estar no palco a passava, mas terminar a apresentação e tomar o típico drink não era o mesmo sem os olhos azuis a encontrando por ali. seu desânimo podia ser notado, e ela soube disso no momento em que o chefe se aproximou. contou a crimson que havia um cliente extremamente interessado nela e que a partir daquele momento, se ela quisesse, ele teria exclusividade sobre a dançarina, por uma boa quantia de dinheiro que seria dividido entre ele e ela, além dos mais diversos mimos que o homem daria a crimson. a kirmizi sabia que anteriormente jamais se subteria àquilo, porém, sentia que precisava recuperar sua essência, brincar com fogo, e quem sabe aquele jogo que envolvia dinheiro podia ajudá-la naquela missão, então, aceitou.
não demorou até ser guiada aos últimos andares do rosa do deserto. a cabine privada de lucca dicardelli não deixou de impressionar crimson, ela nunca havia entrado naquela sessão do rosa do deserto antes, afinal, não tinha autorização. logo de começo o mais velho já passou a mão pela cintura da kirmizi, puxando-a para perto. você não tem ideia do quanto eu esperei para tê-la, ele sussurrou em seu ouvido e naquele momento, o que parecia ser uma aventura interessante, já começava a preocupar crimson, mas ela deixou-se levar naquela sensação de ser desejada, de saber que entre todas as dançarinas, ela era a mais bonita. a morena respirou fundo e colocando seu melhor rosto sedutor no rosto, começou a entretê-lo como podia.
FLASHBACK
a casa do lorde era certamente impressionável, especialmente por se tratar apenas de sua casa no vilarejo, e não sua verdadeira, que ruby imaginou ser um castelo. aquela já era a quinta noite que ruby passava com ele, e ela sentia o coração cada vez mais apertado em seu peito por não estar próximo a loba. o lorde a tratava bem, não havia porque reclamar, mas as investidas e mãos bobas que seguiam por seu corpo a incomodavam de certa forma. a capa vermelha se tornara como um escudo de proteção para ela e sempre que precisava se esconder, utilizava o item para se misturar à escuridão.
mais dias se passavam e por mais que o homem não a obrigada a deitar-se na cama com ele, as palavras de baixo calão e o roçar dos lábios em sua pele tornavam-se mais frequentes, além disso, ele ainda a obrigada a realizar tarefas que considerava propícias para uma ‘futura esposa’, como massagear seus pés, e ruby começara a sentir nojo daquilo, jamais se apaixonaria por um homem asqueroso daqueles.
um dia, já cansada daquela situação, aproveitou um momento de distração do lorde para escrever uma carta à loba, torcendo para que ela a recebesse e então, pudesse vir salvá-la. o que não esperava era ser pega no ato pelo homem, que tomado por uma onda de raiva e ciúmes, desferiu um golpe contra a garota e naquele momento, nem mesmo sua capa pode salvá-la, fazendo com que ela caísse perto da lareira do cômodo, queimando a mão nas cinzas, assim como um pedaço do tecido vermelho. naquele momento, sentira-se inútil, como se fosse apenas um peão num jogo de xadrez, indefeso, incapaz de derrotar o rei. ela não sabia como agir, havia perdido toda sua coragem e talvez fosse hora de aceitar a situação e tornar-se submissa a ele. deixou que as lágrimas caíssem, fechando os olhos, procurando mergulhar em um mundo inexistente, onde estaria sozinha e segura. sentiu apenas quando o homem a pegou no colo. você é minha, e apenas minha, as palavras em tom imperativo a assustavam, seria memso aquele final que teria para sua vida? será que jamais veria a tão amada loba? não podia ser verdade. o lorde então a guiou para fora daquele cômodo, e ruby apenas agarrou-se contra a capa e desejou, como se o item fosse mágico, do fundo do coração, que seu amor viesse salvá-la daquela situação.
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o que no começo parecera ser divertido e um desafio para crimson, agora começava a se tornar um pesadelo. após algumas semanas, lucca começou a mostrar seu verdadeiro eu, e entre toques não desejados pela mulher e a obrigação dela fazer muito mais do que apenas suas danças com ele começava a incomodá-la. houvera até mesmo uma noite em que um tapa havia sido dado no rosto delicado de crimson, mas ela deixara passar, afinal, todos tinham seus dias ruins. além disso ela estava fazendo muito dinheiro com aquilo, ela e o dono do rosa do deserto, certas condições talvez fossem toleráveis. porém, quando o homem deixou que uma certa obsessão se desenvolvesse e junto dela um pouco mais de atos violentos e inesperados, crimson decidiu que aquele seria o final de tudo, precisava procurar um modo de se livrar daquele traste.
procurando um meio de sair daquela situação, deixou que o homem se convencesse que ela estava apaixonada e com isso, a deixasse mais livre pela casa em que morava. pronta para tomar uma atitude, aproveitou um dia em que estava sozinha para mandar uma mensagem para aqueles que importavam a ela, como mackenzie, sua avó e... todric. ao pensar no amontado de cabelos loiros, sentiu o coração bater mais forte, e se perguntou o que ele acharia daquela situação a qual ela se submetera. pensar naquilo fazia o coração apertar-se em seu peito, afinal, só havia se submetido àquela situação por sentir-se fraca, e agora via a verdadeira face de sua fraqueza. a mensagem fora enviada a todos eles, e no mesmo segundo, a porta do quarto em que estava se abriu. você está me traindo? eu sei que está me traindo!, a voz de lucca começou a esbravejar, e em um ataque de raiva; você me fez acreditar que me amava!, ele veio para cima de crimson, acertando seu rosto com a mão fechada em um soco sem nem pestanejar. juntando toda sua coragem, a morena o empurrou para longe, aproveitando o choque de adrenalina. “eu não sou sua!”, esbravejou em troca. “você é um maluco, que não sabe como se trata uma mulher, você é doente!”, ela deixou que toda a raiva exalasse, não esperando receber outro golpe. levando a mão até o lábio que agora sangrava, deixou que seu olhar encontrasse o dele, e então, lembrando da aula de defesa pessoal que uma vez fizera, desferiu um golpe contra o mais velho, conseguindo derrubá-lo. chutou então suas partes mais íntimas, e aproveitou aquele momento para correr, correr quase que sem rumo em direção à sua liberdade.
a kirmizi decidiu interpretar aquilo como um sinal, de que precisava de ajuda, de que precisava seguir em frente e que viver a vida como se não houvesse amanhã talvez não fosse algo a se fazer tanto. naquele momento, no entanto, não iria decidir nada, apenas precisava encontrar sua avó, abraçá-la, sentir seu calor; e por algum motivo ela sentia que, assim que encontrasse a mais velha, ela teria um objeto especial para entregá-la, como um troféu por ter sobrevivido aquela batalha, que a ajudaria a entender que não precisava se submeter a aquele tipo de coisa para ser feliz, que mudaria sua vida. crimson só não sabia o que era, e de onde vinha aquela sensação, mas pensaria naquilo depois, primeiro, precisava se recuperar.
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sleepstation · 3 years
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Onde Estiveste de Noite?
Acordei em meio do grito, gritei? Com os olhos ainda flutuando na vaga zona do sono, levantei a cabeça do travesseiro e quis saber onde estava. E que asas eram aquelas, meu Deus?! Essas asas que se debateram assim tão próximas que o meu grito foi num tom de pergunta, Quem é?...
Abri a boca e respirei, tinha que me localizar, espera um pouco, espera: estava sentada na cama de um hotel e a cidade era Marília. Cheguei ontem, sim, Marília.
Tudo escuro. Mas não tinha um relógio ali na cabeceira? Pronto, olhei e os ponteiros fosforescentes me pareceram tranquilos, cinco horas da madrugada. E antes de me perguntar, o que estou fazendo aqui?, veio a resposta assim com naturalidade, você foi convidada para participar de um curso de Literatura na Faculdade de Letras, dezembro de 1977, lembrou agora?
Voltei-me para a janela com as frestas das venezianas ligeiramente invadidas por uma tímida luminosidade. Por um vão menos estreito podia entrever o céu roxo. E as asas? perguntei recuando um pouco, pois não acordei com essas asas? Pronto, elas já voltavam arfantes no voo circular em redor da minha cabeça. Protegi a cabeça com as mãos, calma, calma, não podia ser um morcego que o voo dos morcegos era manso, aveludado e esse era um voo de asas assustadas, seria um pombo?
Ainda imóvel, entreabri os olhos e espiei. Foi quando o pequeno ser alado, assim do tamanho da mão de uma criança, como que escapou dos movimentos circulares e fugiu espavorido para o teto. Então acendi o abajur. A verdade é que eu estava tão assustada quanto o pássaro que entrara Deus sabe por onde e agora alcançara o teto abrindo o espaço em volteios mais largos. Levantei-me em silêncio e fui abrir as venezianas. O céu ia emergindo do roxo profundo para o azul. Olhei mais demoradamente a meia-lua transparente. As estrelas pálidas. Voltei para a cama.
Puxei o cobertor até o pescoço e ali fiquei sentada, quieta, olhando a andorinha, era uma andorinha e ainda voando. Voando. Meu medo agora era que nesse voo assim encegada não atinasse com a janela. Na infância eu tinha convivido tanto com os passarinhos, os da gaiola e esses transviados que entravam de repente dentro de casa e ficavam voando assim mesmo como que encegados até tombarem esbaforidos, o bico sangrando, as asas exaustas abertas feito braços, e a saída?!...
Vamos, pode descer, eu disse em voz baixa. Olha aí, a janela está aberta, você pode sair, repeti e me recostei no espaldar da cama. E a andorinha quase colada ao teto, voando. Voando. Esperei. O que mais podia fazer senão esperar? Qualquer intervenção seria fatal, disso eu sabia bem. Tinha apenas que ficar ali imóvel, respirando em silêncio porque até meu sopro podia assustá-la.
Voltei o olhar para o pequeno relógio. Mas o que significava isso? Uma andorinha assim solta na noite, voando despassarada no meio da noite, de onde tinha vindo e para onde ia? Ainda estava escuro quando ela entrou e começou a voar coroando a minha cabeça com seus voos obsessivos. Que continuavam agora no teto numa ronda tão angustiada. E com tantos quartos disponíveis nessa cidade, por que teria escolhido o quarto do hotel desta forasteira?
Inesperadamente ela conseguiu escapar da ronda em círculos e foi pousar no globo do lustre. E ali ficou descansando num descanso inseguro porque as patinhas trementes escorregavam no vidro leitoso do globo, teve que apoiar o bico arfante num dos elos da corrente de bronze por onde passava o fio elétrico.
Vamos, minha querida, desça daí, pedi em voz baixa. A janela está aberta, repeti e fiz um movimento com a cabeça na direção da janela. Para meu espanto, ela obedeceu mas ao invés de sair, pousou na trave de madeira dos pés da minha cama. Pousou e ficou assim de frente, me encarando, as asas um pouco descoladas do corpo e o bico entreaberto, arfante. Ainda assim me pareceu mais tranquila. Os olhinhos redondos fixos em mim. A plumagem azul-noite tão luzidia e lisa, se eu me inclinasse e escorregasse um pouco poderia tocar na minha visitante. Andorinha, andorinha, eu disse baixinho, você é livre. Não quer sair?
Aos poucos foi ficando mais calma, as asas coladas ao corpo. Continuava equilibrada no espaldar de madeira roliça, mudando de posição num movimento de balanço ao passar de uma patinha para a outra. E os olhos fixos em mim. Mas esta é hora de andorinha ficar assim solta? Por onde você andou, hein?
Ela não respondeu mas inclinou a cabeça para o ombro e sorriu, aquele era o seu jeito de sorrir. Apaguei o abajur. Quem sabe na penumbra ela atinasse com a madrugada que ia se abrindo lá fora? Com a mão do pensamento consegui alcançá-la e delicadamente fiz com que se voltasse para a janela. Adeus! eu disse. Então ela abriu as asas e saiu num voo alto. Firme. Antes de desaparecer na névoa ainda traçou alguns hieróglifos no azul do céu.
Véspera dessa viagem para Marília. E a voz tão comovida de Leo Gilson Ribeiro, a Clarice Lispector está mal, muito mal. Desliguei o telefone e fiquei lembrando da viagem que fizemos juntas para a Colômbia, um congresso de escritores, tudo meio confuso, em que ano foi isso? Ah, não interessa a data, estávamos tão contentes, isso é o que importa, contentes e livres na universidade da cálida Cali. Combinamos ir no mesmo avião que decolou sereno mas na metade da viagem começou a subir e a descer, meio desgovernado. Comecei a tremer, na realidade, odeio avião mas por que será que estou sempre metida em algum deles? Para disfarçar, abri um jornal, afetando indiferença, oh! a literatura, o teatro. Clarice estava na cadeira ao lado, aquela cadeira que comparo à cadeira de dentista, cômoda, higiênica e detestável. Então ela apertou o meu braço e riu. Fique tranquila porque a minha cartomante já avisou, não vou morrer em nenhum desastre! E o tranquila e o desastre com aqueles rrr a mais na pronúncia que eu achava bastante charmosa, desastrrre!
Desatei a rir do argumento. A carrrtomante, Clarice?... E nesse justo instante as nuvens se abriram numa debandada e o avião pairou sereníssimo acima de todas as coisas, Eh! Colômbia.
La Nueva Narrativa Latinoamericana. No hotel, os congressistas já tinham começado suas discussões na grande sala. Mas essa gente fala demais! queixou-se a Clarice na tarde do dia seguinte, quando então combinamos fugir para fazer algumas compras. Na rua das lojas fomos perseguidas por moleques que com ar secreto nos ofereciam aquelas coisas que os brasileiros apreciam... Corri com um deles que insistiu demais. Já somos loucas pela própria natureza, eu disse. Não precisamos disso! Clarice riu e com o vozeirão nasalado perguntou onde ficavam as lojas de joias, queríamos ver as esmeraldas, Esmerraldas!
Quando chegamos ao hotel, lá estavam todos ainda reunidos naqueles encontros que não acabavam mais. Mas esses escrrritores deviam estar em suas casas escrrrevendo! — resmungou a Clarice enquanto disfarçadamente nos encaminhamos para o bar um pouco adiante da sala das ponencias; a nossa intervenção estava marcada para o dia seguinte. Quando eu devia começar dizendo que literatura no tiene sexo, como los ángeles. Alguma novidade nisso? Nenhuma novidade. Então a solução mesmo era comemorar com champanhe (ela pediu champanhe) e vinho tinto (pedi vinho) a ausência de novidades. Já tinham nos avisado que o salmão colombiano era ótimo, pedimos então salmão com pão preto, ah, era bom o encontro das escritoras e amigas que moravam longe, ela no Rio e eu em São Paulo. Tanto apetite e tanto assunto em comum, os amigos. A dificuldade do ofício e que era melhor esquecer no momento, a conversa devia ser amena, que os problemas, dezenas de problemas!, estavam sendo discutidos na sala logo ali adiante. No refúgio do bar, apenas duas guapas brasileñas com pesetas na carteira e com muito assunto. Clarice queria a minha opinião, afinal, quem era mais indiscreto depois da traição, o homem ou a mulher?
Lembrei que nos antigamentes (assim falava tia Laura) a mulher era um verdadeiro sepulcro, ninguém ficava sabendo de nada. Século XIX, início do século XX, Silencio en la noche, diz o tango argentino. Ainda o silêncio porque segundo Machado de Assis, o encanto da trama era o mistério. Na minha primeira leitura (é claro, Dom Casmurro) confessei ter achado Capitu uma inocente e o marido, esse sim, um chato neurótico. Mas na segunda leitura mudou tudo, a dissimulada, a manipuladora era ela. Ele era a vítima. Clarice pediu cigarros, eram bons os cigarros colombianos? Franziu a boca e confessou que sempre duvidou da moça, Mulher é o diabo! exclamou e desatei a rir, a coincidência: era exatamente essa a frase daquele engolidor de gilete do meu conto “O Moço do Saxofone”. Acho que agora elas já estão exagerando, não? Os homens verdes de medo e elas as primeiras a alardear, Pulei a cerca!... Mulher é o diabo!
Quando saímos, os congressistas já deixavam a sala de reuniões. “Olha só como eles estão fatigados e tristes!”, ela cochichou. E pediu que eu ficasse séria, tínhamos que fazer de conta que também estávamos lá no fundo da sala. Ofereceu-me depressa uma pastilha de hortelã e enfiou outra na boca, o hálito. Entregamos os nossos pacotes de compras a uma camareira que passava e Clarice recomendou muito que a moça não trocasse os pacotes das corbatas, na caixa vermelha estavam as corbatas que ela comprara, a camareira entendeu bem?
As recomendações de Clarice. No último bilhete que me escreveu, naquela letra desgarrada, pediu: Desanuvie essa testa e compre um vestido branco!
-
Um momento, agora eu estava em Marília e tinha que me apressar, o depoimento seria dentro de uma hora, ah! essas demoradas lembranças.
Quando entrei no saguão da Faculdade, uma jovem veio ao meu encontro. O olhar estava assustado e a voz me pareceu trêmula, A senhora ouviu? Saiu agora mesmo no noticiário do rádio, a Clarice Lispector morreu essa noite!
Fiquei um momento muda. Abracei a mocinha. Eu já sabia, disse antes de entrar na sala. Eu já sabia.
Lygia Fagundes Telles
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pleasegod-kill-me · 4 years
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Subtítulo: O destino vai ter prazo de validade. O destino é um preso que tem na sua camisola o numero 192. O destino é um bom jogador, mas eu serei melhor que ele
O prazo de uma semana, 8 dias. No proximo domingo ou fará bastante sol ou muita chuva. Eu sou assim um ser intenso, um ser com dois polos ou tudo ou nada. A cabeça ta cheia ou a cabeça ta vazia. A cabeça neste momento ta toda fudida. É um sim ou um não. Tenho so mais 192 horas. 1 - 9 - 2 , um número aterrador. Nada esta determinado e eu nao consigo viver neste lago de águas paradas em que nao há nada vivo.
O 1 é um número absoluto.
O 9 é um número que simboliza o final de um ciclo.
E o 2 é um número da dualidade, da cooperação e da partilha.
Entao tenho estes 3 numeros que são um so 192. É o numero de horas. E so estou a ouvir o tic tac do tempo a dizer que ja nao tenho assim tanto.
Neste momento ja so tenho 191horas e o tempo sempre no tictac, o que faz tictac é tambem o coração, o meu. Que em duas hipóteses ou parará e para mim o tempo congela ou entao continuará. Tao bom este sabor intensificado do cafe e do cigarro que faz bombear este coração, é amargo, sem açúcar.
Cada dia que passa a loucura é maior, a sedução de uma lâmina nas minhas pernas de forma vertical, a sedução de 9clonix + 4quietapina + 11alprazolam + 4Mirtazepina + 5Escitalopram + 6Sedixil Mexazolam + 2litrosas de cergal, a sedução de uns atacadores á volta do meu pescoço e a varanda de cima de minha casa a segura-los, a sedução de um saco de plastico na cabeça e um cano de aspirador para criar o vaco, a sedução de que este virus me ataque e que nem 191ventiladores me salvem, muita sedução,muita. E acredita que toda a sedução não é, pela primeira vez, a tua sedução. É toda a sedução pela "le petit mort".
191horas para alcançar toda esta sedução ou para arranjar um cerebro novo que consiga produzir mais serotonina, mais dopamina e mais adrenalina. Um equilibrio perfeito com um cortex pré-frontal com uma boa modulação serotonérgica.
Ja nao interessa se o corpo ta demasiado magro ou com demasiadas esterias, ja nao interessa se tenho dedos de rã, ja nao interessa se acordo com olheiras e remelas ou com o cabelo todo no ar e a cara cheia de sebo, ja nao interessa que os meus dentes estao a ficar tortos outra vez, ja nao interessa se doi ou não, já nao interessa se é bom ou é mau, ja nao interessa o choro e o colinho, ja nada tem tido muito interesse. So me interessa o horizonte que vejo da janela da sala, uma pequena linha que é travada por predios, construcoes por fazer e uma igreja, so interessa aqueles 3centimentros de horizonte para onde eu possa colar o olhar enquanto ouço musica nos fones e fumo cigarros e penso a na maneira mais sedutora da morte.
A morte é uma mulher sedutora.
Esta semana vai ser dura, e nao vai adiantar papás, nem mamãs, nem srs policias, nem srs doutores, nem Cláudiazinhas. Porque eu sou inimiga de muita gente, mas quem mais odeio e quero vingança é do destino por isso vou jogar contra ele. E depois vou-me rir muito. Vou-me rir dele e de toda a gente que estiver a chorar por cima da minha madeira vermelha embriagada em vodka, vou me rir com a musica a passar "tango funebre" de Jacques Brel e vou me rir como o Jacques Brel ria. Vou-me rir do meu passado, porque dava para ser uma verdadeira comédia britânica.
Vou me rir muito, mas deitada naquele pequene espaço de madeira vermelha-ferrari, vai verter uma lagrima do meu lado esquerdo, a lagrima esquerda, do coração e da saudade que irei ter tua e do mundo, porque apesar de tudo eu gostei bastante desta vida, mas como sou a Frederica aborrecome das coisas e aborrecime da vida.
Cansei. E vou ver se isto tudo que disse, no espaco de 190horas, vai valer a pena para me deixar ir embora ou se vai valer a pena ficar.
Isto nao é uma chamada de atenção como muitas outras, isto foi so um desabafo para alguem que acredito que no fundo me percebe.
Sem alaridos, sem hesterismo, só um jogo de sedução com destino.
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inutilidadeaflorada · 2 years
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Extravagância Extraconjugal
Todo teu temor de camurça Se esconde em meus dedos O ópio das minhas vontades Desleixam-se pelo teu quarto O encontro é contornável Borrado para a noites de verão Meu sinônimo tens casca de madeira Segredos descartáveis de caça e açougue Revira-me de fevereiro à abril Na raiva de serpentinas duras Presas em teus dentes de artrópodes Ameaçando ditados misturados Como um punho entre corpos Nos recompúnhamos de vieses Vestindo máscaras e culpas Torcendo para afoga-los em nossa rotina Mas o hábito por pecar é muito maior Revirei anos me vestindo de teu sonho Aqui promessas não entram, apenas a oportunidade Ao teatro pornográfico ditar mais um de seus atos A lembrança era o tango dos ocupados Reapareça na maldade que me evita A perfeição é alegórica, o perfume de carne prensada Entre mesas gravatas e o perfume de grãos triturados Tingi calçadas e ladrilhos Com o batom que roubei de você Nas noites perversas de cânticos roucos Amanhecido na sarjeta em decoro Essa tua paz antropofágica Entre os dedos, além de deuses Parafraseando Édipo e seus delitos O delírio e confissão eram o teu sorriso me escolhendo na multidão
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TANGO DO PRECIPÍCIO
Em mais de uma situação, você disse que eu era um bom dançarino. Falou que meus pés grandes, mas menores do que os seus, não se atrapalhavam; pisavam sobre si mesmos para não pisarem fora da linha; que meu corpo escorregadio se movia como o ar, e eu deixei que você acreditasse que isso não tinha nada a ver com o meu ascendente ou meus problemas em confiar nos homens. Quando me movo ao som da música, me encaixando em seus braços a cada giro, espacate, plié, quadradinho, mãos de jazz... e sempre, sempre voltando ao espaço apertado entre um braço e outro... penso que é uma verdade da qual ainda não estou convencido, algum tipo de antibiótico encobrindo, se apossando, penetrando a carne doente e apática dos meus sentimentos, acordando-os aos poucos, queimando-os. Bato os pés três vezes nas arestas do precipício, rolando pedras e terra ladeira abaixo em uma queda que já experimentei outras vezes. Quando você me girou meses atrás, meu medo era que você caísse; hoje, penso em mim também. Cruzo minha perna entre a sua, finco o calcanhar no chão. Se faço do vento meu colchão, sacudindo meus cabelos na imensidão cor de gelo respingado nas nuvens que encobrem o céu por inteiro, é porque confio que não vou cair apesar do ar em minhas costas, da gravidade me puxando para baixo, dos seus braços serem humanos e eu saber que, apesar de não nenhum cientista ter dado seu sobrenome à essa lei, toda força é finita e batível. Eu vou cair, por um motivo ou por outro. Eu deixo que você conduza a dança porque me sinto confortável com você no controle. Passos um, dois três quatro cinco e seis — com minhas linhas bem presas nas suas mãos, sou uma marionete bem fácil de manusear agora que as juntas foram bem lubrificadas. Talvez você tenha perdido o encanto agora que o desafio é menor, e por isso suas acrobacias estão ficando mais perigosas. Meu corpo de madeira é jogado para além da beirada; você se assusta com a distância e me puxa pra perto; em seu abraço, você me imagina sacudindo os membros pelos ares mais uma vez. Sua angústia é a fonte da sua diversão. Em dias como este, é de se pensar que pudesse chover, mas o cinza continua inalterado. Estou cansado de dançar e começo a perceber o quão perto estamos de cair. Eu não gosto de cair, como você bem sabe, mas isso te excita, e você não sabe parar. Você flerta com o perigo sem saber das rochas pontiagudas que podem te perfurar — dentre todos os seus fetiches, empalar sempre foi seu número um; logo, talvez morrer seja até prazeroso. Dançamos com sapatos de ferro agora, sem saber quando os de cristal foram substituídos por estes. Eles até se sentem confortáveis em meio ao sangue e são tão lindos de se ver; quando os derretermos, ficarão tão líquidos quanto este amor; depois de um tempo, quem sabe, a gente os transforme em algum pingente. Ainda que pela dor, dançamos sobre as rochas. As bordas ficam cada vez menores e é possível que estejamos nos dirigindo para a base do penhasco. Imagino que seja onde as fadas e os centauros tomam banho de vinho às quartas-feiras e aos domingos; penso que gostaria dessa rotina com você. Os movimentos são tão rápidos que eu mal posso ver para onde estamos indo, mas ainda deixo você me guiar. Me tire do penhasco, eu lhe peço; mas emudeço e não menciono o precipício.
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conteite-blog · 5 years
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Não pude acreditar
Não pude acreditar no que via. Ela andava como se não chamasse minha atenção. Olhava como se não se não me hipnotizasse. Falava como se não me ninasse. Tocava-me como se não me arrepiasse. Chamava-me como seu eu não fosse. Ela não tinha a mínima noção do que era capaz, como se essa ingenuidade não a fizesse ainda mais linda. Eu ali, completamente rendido, era uma marionete nas mãos de uma entusiasta descobrindo que tem o dom. Assistia-me de camarote, como se visse minha própria vida acontecer. Ela, sem saber que era a diretora do meu filme, sabia exatamente o que improvisar. Éramos dois trens colidindo-se em câmera lenta. Apocalipse e gênesis simultaneamente. Sem pensar muito, levou-me pelos degraus encarpetados com a brandura de uma criança indo brincar em seu quarto, e a intenção de uma faminta que pensava em qual das fantasias usar. Segui-a como se tivesse outra opção. Da cozinha inox onde estávamos até a varanda de madeira do seu quarto eu me via incrédulo, procurando o que me faria perceber que estava na verdade sonhando. Nada encontrei e continuei no sonho. Puxando minha mão com a mesma suavidade da chama nas velas, corríamos até o andar de cima, rindo como se fossemos felizes. E estávamos. Vi o paradoxo de uma utopia prestes a se realizar. Sentia-me pronto, mesmo sem saber o que ia acontecer. Nenhum de nós sabia, mas não se sentia um segundo de receio. A porta do quarto parece ter se aberto sozinha, e na varanda do quarto vimos a lua cheia afastar as nuvens com um sopro, iluminando-a de prata em listras de luz e sombra. Eu assistia tudo como se já soubesse que tudo aquilo fosse acontecer. Mas era imprevisível. O vento forte e silencioso entre as árvores ao redor da casa era brisa em seus cabelos. Além dos risos, nenhuma palavra. Entendíamo-nos em sensação. Nem mesmo olhares eram necessários, como se fosse eu capaz de tirar meus olhos dos dela. Por mais medo que eu sentisse desse descontrole, nenhum centímetro de músculo ofereceu alguma resistência ao que ocorria. Sentia-me o personagem de filme de terror que desce até o porão quando ouve um barulho estranho. Algo me dizia que era perigoso, mas meu governo estava em suas mãos. Eu desci ao meu porão. Olhei para a lua mais uma vez, e quando meus olhos buscaram os seus novamente, como um imã poderoso, a única coisa em minha frente era seu vestido no chão. A luz da lua já não era suficiente pra sua pele, era hora da luz fraquinha das velas do quarto. Os dez passos que me separavam da cama foram como uma corrida desesperada em um deserto ao oásis. Uma sede descomunal me afligiu e ela era a única fonte de água. Sem dizer uma palavra, a chefe deu todas as ordens. Era como a maestrina de uma orquestra onde nós dois tocávamos todos os instrumentos em harmonia perfeita. A sensação de estar num tango à cama era incompreensível, e ela guiava a dança com toda naturalidade. O tempo passava diferente, não sabia se era rápido ou devagar demais. Éramos uma simbiose de duas partes iguais e independentes. Tudo isso acontecendo. Tudo isso aconteceu. E eu ainda não acredito no que vi.
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amourpheus · 6 years
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...mas se eu dissesse que chove em dó, jamais me dariam crédito. pequenas notas de dó enrubescido, que batiam — embora molhados — quase secos, como sapateado no telhado.
as telhas de madeira velha e curtida, mal encaixadas — que flertavam mas não ousavam beijar-se e entregar-se por inteiro — criavam goteiras nos espaços mais irritantes do quarto umedecido.
a porta, também de madeira envelhecida, rangia mais que os dentes de uma velha; se um estranho a abrisse, a primeira coisa com a qual se depararia seria um espelho que tecia-se do teto — infiltrado, naturalmente — escorrendo em prata líquida até o chão linóleo ácido.
a prata líquida não falava: era apenas prata que escorria de cima a baixo, bem como as notas de dó — não, os pingos de chuva — escorriam enrubescidos telha a baixo; telhas abaixo. mas refletia: refletia farpas agudas ao inquilino; contudo, ao mero e ocasional visitante — ou visitantes, pois a prata líquida conhecera plurais que dançavam tango pelo número “pi” da matemática inteira — talvez apenas refletisse aquilo que foi consensualmente concebido enquanto “realidade” e se tecia com fios — também de prata? — nas entrelinhas dos dizeres dos bem sabidos... ou talvez, apenas talvez, refletissem miragens convincentes, tecidas cuidadosamente em metáforas por dedos calejados, mas habilidosos; calejados, pois habilidosos.
o ar era sempre grave — consequentemente, o ambiente, mal iluminado. mas havia luz suficiente e umidade excessiva para que marcas de beijo adornassem os cantos arredondados da prata líquida. vapor e pó — pó de sujeira, pó de estranhos, e por vezes pó de estrelas — batalhavam para conquistar e domar a superfície espelhada, líquida, porém dura; impiedosa. ninguém vencia, e o resultado era que crateras de poeira, lama e ferrugem surgiam a torto e a direito.
tratava-se de um quarto inundado, é claro; criatura marinha era o inquilino, mas brincava com ar: fingia sê-lo para aqueles que o visitavam. tantos panos de chão encharcados escondia por trás da tapeçaria também úmida; disfarçava o odor de putrefação com perfumes caros e franceses, com os quais gastava o dinheiro da alimentação.
não é necessário explicitar o que o leitor já sabe: como se sentia a criatura marinha frente à prata líquida. mas, os passantes, que apenas viam a miragem cuidadosamente arquitetada, que tinham os sentidos intoxicados pelos odores europeus, que não escorregavam no linóleo ácido, que encontravam uma cama bem re-feita donde viriam a fazer a refeição — para os passantes, ali refletia-se a perfeição. algo superior. algo digno de pedestal.
e tudo o que a criatura marinha, o monstro de um lago qualquer, conseguia pensar era que “pedestal” rimava fácil demais com “cristal”; e cristal, embora bonito e transparente, era por demais frágil; não aguentava uma queda sequer. bastava escorregar para espatifar — não, não se podia ser feito de cristal em um quarto todo molhado; sendo assim, teria de arranjar alguma forma de se re-fazer diamante — isso se quisesse ser transparente, o que, de fato, não queria. gostava das cores: jogava com elas. por exemplo, recentemente criara um hábito de pintar músicas nas paredes — notas musicais que os passantes jamais poderiam decifrar, pois o monstro se trancafiaria em sua solidão arbórea e jamais compartilharia o código. era assim que gostava, dizia para si, em esperança de enganar-se.
era um monstro caleidoscópico. talvez, pela multidão de cores, fosse tão interessante aos passantes. mas era apenas isso: um aglomerado de cores que jamais faria sentido nem mesmo se sentido — pois os sentidos jamais seriam transmitidos. criara um jogo exclusivo para si, e estava contente por tê-lo feito. sabia que vivia em um mundo só seu e que, se médicos positivistas tivessem acesso a tais pensamentos, julgariam-lhe “louco”. julgariam-lhe, sim, pois a medicina estava infestada pela moral.
mesmo as pílulas que tomava para controlar sua monstruosidade continham certa moralidade: tinham as róseas com cheiro de fumaça que tranca a garganta, as brancas, tão adocicadas que faziam o queixo doer, as laranjas ardentes, que arrepiavam a pele, as lilases salgadas, que davam calor à língua... não que de fato os comprimidos tivessem tais gostos; o gosto era fantasma — bem como a cura por eles prometida.
e não resta muito o que dizer. na verdade, resta apenas versar sobre a chuva. e a questão, pelo menos, para o monstro inquilino, é que chovia em nuances de dó enrubescido pelas telhas idosas e mal colocadas do telhado... mas se eu dissesse que chove em dó, jamais me dariam crédito.
o espelho.
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regismubarak · 4 years
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O trabalho artístico primoroso de Uiliam Michelon!
Poderia ser mais uma lenda urbana, que com o passar dos anos torna-se um causo pitoresco, mas essa história mais que extraordinária está registrada no Livro de Ariel Palácios “Nós, os Argentinos” no capítulo: “O Tango, Uma forma de caminhar pela vida” separado por outros subtítulos como: “Origens africanas do Tango”  “Benção Papal” “A era das grandes orquestras” “A revolução piazzolliana” entre outros. E justamente em “A revolução piazzolliana” na página 144 encontraremos: “Gardel e o garoto Astor” que reproduzo muy resumidamente: (...) “Carlos estava protagonizando mais um filme em Nova York pela Paramount em 1934 quando um garoto de 13 anos, Astor foi conhecê-lo. O garoto levava um presente do pai para Gardel, que consistia em um figura de um homem tocando violão (o instrumento que Gardel tocava) esculpida em madeira e um convite para comer raviólis em sua casa.” (...) “Astor tornou-se seu guia e tradutor em Nova York, especialmente pelo bairro italiano, onde Gardel – bom garfo – gostava de conhecer as cantinas. Ocasionalmente, Gardel comia raviólis de ricota na casa dos Piazzolla.” ///  Buenas... buenas... como me referi no início do texto o Livro se chama “Nós, os Argentinos” do Jornalista Ariel Palácios, e foi publicado em 2013 pela Editora Contexto. (Recomendo, o livro é fascinante em todos os sentidos!). Mas valho-me dessa história saborosa do encontro entre esses dois gênios Carlos Gardel (1890-1935) e Astor Piazzolla (1921-1992) para convidar vocês a conhecerem o trabalho de um artista excepcional ali das bandas da Vacaria, o músico Uiliam Michelon Bizotto, que inclusive na próxima terça-feira, dia 29, às 20 horas estará tocando junto com demais artistas repertório que inclui tango, música francesa, também bossa nova e temas autorais. Saiba mais sobre esse brilhante músico, compositor e acordeonista acessando seu canal no Youtube. Mas por hoje eis sua interpretação emocionante e magistral de “Adiós Nonino” do gênio Astor Piazzolla!!!
youtube
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ownersdirectmadeira · 4 years
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Commercial Building Funchal
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Commercial Building Funchal
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Seven-storey building located in the parish of Santo António, Funchal, built from scratch to trade in building materials and furniture, set between two streets: the Santa Quitéria Road (to the north) and the Tango Trail (to the south). The building has 4 floors of services with 2.173 m2, including 3 floors of commercial area and 1 administrative floor, 2 parking floors with 2,272 m2 and, at the base, a large warehouse with 1.164m2 and right foot with 5.5m, which extends to a large patio with about 1,800 m2 and direct access to the Tank Trail. The property is in a residential area, close to wholesale warehouses, car dealerships and the Madeira Shopping Mall. The place has good access and a good public transport network. The building has the following subdivision: Floor 2 with administration zone, offices, bathroom and terrace
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