Capítulo 14- Calvário
Fanfic traduzida da original “Not so much falling, at first” da @rjeddystone !
Lista de capítulos originais e traduzidos aqui
ALERTA DE GATILHO: Conflitos modernos e crimes de guerra, sangue, morte, fome, campos de internamento para refugiados, alusões a testes nucleares e pensamentos suicidas sob estresse.
***
Crowley se enganara sobre quanto tempo levaria para reunir todos aqueles cérebros , mas no fundo ele sempre foi um otimista. Ainda assim, os três não perderam tempo. A rede de Anathema começou uma pesquisa fervorosa, Crowley estocou giz e Aziraphale fez cálculos usando o que sabia das ciências atuariais do Céu. Este último item requeria o conhecimento profundo de como usar um ábaco, o que ele possuía.
Uma manhã, os estudos de Aziraphale o trouxeram para os livros da biblioteca novamente, e ele encontrou a página na segunda edição onde a nota de Raphael estava, ainda amassada e não lida. Levantando-se do sofá no apartamento de Crowley, Aziraphale passou pela cozinha e entrou pela porta do escritório.
Crowley estava empoleirado, não em seu trono, mas em um pequeno banquinho no chão em um canto, pairando como uma gárgula com dedos empoeirados sobre a Pedra em sua teia, e acenando com a mão de um lado para o outro, para mudar o espectro de uma estrela do tamanho de um punho. Ele moveu dois dedos para um lado e a cor mudou para um adorável azul gelo. Um fluxo de gases delicados flutuou em torno dele como fragmentos de seda.
Aziraphale prendeu a respiração e admirou-o, seu coração doendo de repente, mas completo. Ele segurou o livro contra o peito e decidiu que poderia esperar, só mais um pouco.
Apesar de sua imobilidade, os olhos de Crowley se levantaram um momento depois. "Algum problema, Anjo?" ele perguntou preocupado. Enquanto falava, sua mão comprida se esticou como por reflexo e segurou a pequena estrela em sua palma, como se para impedir sua queda.
"Não", disse Aziraphale e sorriu, apesar de suas preocupações. "Parece adorável."
"É, mas não vai parar arcanjos. E onde eu colocaria isso? "
"Nós poderíamos ter mais luz na sala."
"Humf", as sobrancelhas de Crowley se arquearam. Ele pareceu se aquecer com o pensamento, seus dedos dançando quase inconscientemente no ar para manter o minúsculo astro flutuando. Aziraphale não apontou a recomendação de Azazel sobre fazer apenas coisas que um humano faria com a Pedra. Ele conhecia a maioria dos humores de Crowley, e este era delicado demais para ser criticado.
"Vou tomar o café da manhã, certo?"
"Tudo bem."
Aziraphale fechou suavemente a porta do escritório e fez exatamente isso. Calcular quando o Fim (Parte Dois) ocorreria era claramente mais importante do que a carta de qualquer maneira, especialmente considerando as notícias ouvidas na frequência angelical (AM) pela madrugada.
***
Michael estava cansado. Mas não dos pesadelos.
Inferno, quer dizer, Lorde Beelzebub tinha ligado tarde [Nota da autora: porque, aparentemente, o bem também nunca consegue dormir].
O trabalho de Uriel e Sandalphon estava saindo pela culatra, elu dissera. O medo dos chamados desordeiros, combinado com economias tensas, estava fazendo com que alguns governos sem alma considerassem fazer algumas mudanças. Obviamente, os anjos eram bons demais em ser bons.
O primeiro impulso de Michael foi acusar e outre príncipe de fazer uma piada — de muito mau gosto — mas Michael não era impulsivo e, em vez disso, pediu friamente os detalhes. De alguma forma, explicou e Senhor das Moscas, os humanos conseguiram usar a Ira e a Cobiça para fazer pessoas más pensarem em fazer o bem. Algo precisava ser feito. Talvez adicionando Preguiça ou Inveja à mistura. Certamente eles precisavam interferir nas relações públicas, senão outra coisa.
Tal ideia nunca fora abordada por nenhuma política de condenação, Michael tinha certeza disso, mesmo que não conseguisse encontrar nenhum de seus tratados perdidos sobre o assunto. Era totalmente impossível. Os humanos faziam o bem ou o mal. Eles não podiam tirar algo bom de ambos.
No final, Beelzebub sugeriu que Michael entregasse o assunto ao Inferno, e Michael teve que concordar. Apenas para garantir que não fosse mesmo nenhuma influência etérea latente, Michael acelerou a papelada de transferência sob a disposição sempre útil (e vaga) de "tentação para provar os santos". Michael não confiava em ninguém além de si mesmo para arquivar esta papelada, e então a noite passou, assim como outro pesadelo.
Ele não duvidou. Anjos não duvidavam.
Terminou tudo uma hora antes do nascer do sol. Mas uma hora depois, ele ainda não tinha dormido.
Já era de manhã, hora padrão do Éden, e apesar de seu cansaço, Michael caminhou com Gabriel diante de fileiras de soldados com asas de pardal. Foi uma cena pacífica, apesar das espadas, lanças e alabardas. O mar de cristal cintilava atrás deles e o Trono distante pairava envolto em nuvens e silêncio familiar. Michael deixou seu olhar varrer as fileiras nervosas de anjos enquanto Gabriel, que se encarregava dos assuntos militares do dia-a-dia, caminhava um passo atrás, bem acordado e radiante.
Ele dizia: "Vocês, pardais, não têm nenhuma experiência em enfrentar um inimigo em solo. Os humanos são muito mais numerosos que nós, milhares para um. Sem mencionar " ele riu " vocês não fazem ideia de como lidar com uma evasão de enxofre. "
"Vamos guardar isso para mais tarde", disse Michael sério, enquanto alguns olhos piscaram de medo. "Mas espera-se que vocês mantenham suas asas em guarda no exercício de hoje. Obedeçam às ordens do seu capitão. Avancem, nunca recuem. "
"Além disso", disse Gabriel com o aceno de Michael, "vocês irão praticar ao lado de nossos novos aliados. Claro, nem sempre concordamos, mas enquanto eles estiverem dispostos a deixar o passado de lado para um bem maior, espera-se que todos mantenham a paz. "
"Não sejam descuidados", acrescentou Michael. "Esta é uma missão de libertação."
Ele e Gabriel pararam diante da fileira central, de costas para o trono. Os olhos de Michael vagaram para um soldado que ele estava acostumado a encarar por entre as fileiras. Ele notou que seus olhos verdes empalideceram em preocupação, mas não de medo.
Bom.
***
Beelzebub não costumava fazer discursos, mas memorandos internos se perdiam e as atualizações de comunicação do Inferno eram, na melhor das hipóteses, irregulares. [Nota da autora: os aviários ainda não tinham nem sido atualizados para pombos-correio.]
Felizmente, ao contrário do Céu, e príncipe tinha apenas dois demônios para informar sobre o "exercício de treinamento" daquele dia.
Infelizmente, um era Legion.
E príncipe reuniu os dois [Nota da autora: um termo muito vago no caso de Legion] no topo das inacessíveis alturas do norte que obscureciam Pandemônio. Aqui, os ventos gemiam acima dos planaltos sem sol, cheios de almas atormentadas de preguiçosos impotentes à deriva. Beelzebub explicou: "Lorde Gabriel fará uma visita à Ásia. Os senhores Abaddon e Mammon se juntarão a ele. Você irá saltar do outro lado do lago com o Príncipe Michael. "
Todos os dez mil membros da Legião vieram vestidos com armaduras estragadas pelas batalhas anteriores. Ele fez uma saudação elegante e pedaços delas retiniram.
"Vou servir à contento, sua Desgraça — não se preocupe — temos treinado para isso — desde a última guerra."
"Após a batalha, haverá um interrogatório pós-conflito para todos", acrescentou Beelzebub.
Elu não se concentrou em nenhum deles enquanto falava. "Fiquem entre os soldados de infantaria e ... integrem-se."
"Obrigado, sua Baixeza —estou muito — muito animado em ir para a superfície — sabe como eu sou, uma figurinha fácil", disseram outros poucos.
O outro demônio também ficou em posição de sentido, mas apenas quando algo sem pernas se levantou.
O Conselho das Trevas do Inferno geralmente se reúne no Abismo [Nota da autora: Algo tem que olhar de volta.] Mas hoje era um dia para impressionar, e esse senhor demônio se ofereceu como voluntário no ato. Lorde Amalek não ficava em sua forma favorita havia séculos, mesmo naquela época em que ele saíra de férias com a Guerra e a Poluição para as Ilhas Marshall. Ele parecia uma nuvem doentia e sempre exibia um tom branco nebuloso e indutor de dor de cabeça que desvanecia todas as cores. Sua aura ondulou com gritos silenciosos.
Beelzebub resistiu ao desejo visceral de gritar sob o efeito do que, tecnicamente, não era são. "Lorde Amalek", disse, "eu acredito que você estará no seu pior?"
A explosão estática de miasma terminou em: "SSCertlamente, prínsssscipe." Amalek fez uma reverência ao se retrair ligeiramente. Olhos pálidos como uma alfinetada se manifestaram como andarilhos em seu vazio já pálido. "Eu sssssserei apenas útil para nossos alliadosssss."
"Nosso Rei quer que eu lembre você de que o Príncipe dos Céus deve ter certeza de nossa lealdade e gratidão."
"Se nosso senhor mandar"— Mais uma vez, a estranha reverência — "Estou sempre ansioso para desssapontá-los."
***
Havia dois alvos. Um não chegaria à maioria das exibições públicas, mesmo para o público adulto, mas o outro ficava logo após a fronteira com o continente norte-americano.
O campo de batalha se estendia repleto de trincheiras pateticamente rasas, que ofereciam pouca cobertura, exceto por um arbusto ou rocha ocasional. As forças angelicais e demoníacas dirigiram-se para o outro lado, em direção a um vale empoeirado a oitocentos metros de distância. Na outra extremidade, tremeluzindo com o calor, pairavam as formas rígidas de um complexo militar.
Os anjos e demônios estavam em número semelhante contra seus inimigos, mas muito menos armados. Cruzando o vale a pé e em veículos vinham soldados, alguns com artilharia pesada e todos com muito mais balas do que os imortais para atirar. Helicópteros rugiram no céu meia hora depois. Esses soldados nunca tinham lutado contra inimigos alados antes, mas também não gostavam de fazer perguntas ou perder. As balas não pararam desde o meio da manhã.
Não pela primeira vez, Jaelle tentou não pensar em como descer tão longe do alvo os deixava vulneráveis a ataques. Ela tentou não pensar em como seria levar um tiro — ou morrer. Os anjos compartilhavam seus sonhos de alegria ou luto, mas como seria para mil anjos compartilharem um sonho como aquele?
Presentemente, ela e Matarael se jogavam no chão enquanto mais balas passavam raspando. Eles apoiaram seus escudos e se agacharam atrás deles. Os pés de Matarael escorregaram para trás quando uma salva de balas quase acertou seu calcanhar. "Eles não ficam sem balas nunca?" ele perguntou.
"Não dá pra falar agora, Mat."
"Você viu o Capitão Ariya?"
"Meio ocupada aqui, Mat."
"Abaixem-se, vocês dois!"
Eles viram a granada diante do demônio que a arremessou, e se achataram sob seus escudos enquanto ele, um dos Legion, se jogou do lado deles e cobriu a cabeça.
O outro lado da colina explodiu.
Os disparos instantaneamente diminuíram.
"Uau!" O demônio sorriu, erguendo os olhos enquanto a poeira baixava. A sujeira cobria seu rosto, mas seu sorriso brilhava. Ele usava um capacete com dois orifícios cortados na parte superior por motivos relacionados aos chifres.
"Hum, obrigada" disse Jaelle.
"Sem problemas." O demônio sacudiu a poeira de seu sobretudo manchado de óleo. "A gente tem que se proteger aqui, né."
Juntos, os três correram para o abrigo precário mais próximo pouco antes de outro ataque começar. Era uma pedra que mal era grande o suficiente para se esconderem atrás dela, no topo de uma encosta. Matarael pressionou suas costas contra a rocha e se atrapalhou com sua lança. Sua armadura tilintava toda vez que se movia, embora ele tivesse apertado os encaixes ao máximo. Observando-o, o demônio riu.
"Parece que você ainda precisa crescer e aparecer, júnior."
"Muito engraçado", disse Matarael.
"O que são algumas piadas entre amigos?" O demônio puxou outra granada de um cinto e pegou o pino entre os dentes. Com um puxão rápido, ele jogou o dispositivo parecido com uma pinha quase despreocupadamente por cima do ombro. Rolou colina abaixo e explodiu. Jaelle ouviu gritos por um instante.
"O que foi isso?!"
"Os vi chegando enquanto corríamos. Não vestem as nossas cores." Matarael imediatamente comentou: "Mas quais são as cores do uniforme de vocês?"
"O que, isso?" O demônio usava algo que era parte fibra sintética e parte cota de malha. "Não é bem um 'uniforme '."
Eles se abaixaram quando o tiroteio sacudiu novamente.
"Perdemos a maior parte de nossas roupas na Queda," disse o demônio. "A gente pilha um pouco de tudo. Não desperdiçamos ―" Outra granada voou e os anjos gritaram quando algo explodiu.
"―não queria. Peguei este de um cavaleiro. "
"Não brinca," disse Matarael, e engoliu em seco. Jaelle estava contando sua respiração.
Aos três, ela se acalmou o suficiente para perguntar: "Qual era o seu nome mesmo?"
"Somos Legion."
"Quero dizer, seu nome."
"Legion." O demônio estendeu a mão. "Embora meus amigos me chamem de Eric. Acho que agora somos amigos."
"Ordens do príncipe", murmurou Matarael.
"Mat, seja gentil" disse Jaelle. Ela apertou a mão com cautela. As unhas dele eram pintadas de preto brilhante. "Prazer em conhecê-lo, Eric. Eu sou Jaelle. Este é―"
"Mat."
"—E você parece saber de batalhas."
"Mais diversão do que eu já tive em todo o século."
"Onde está o nosso apoio aéreo?" perguntou Matarael.
"Provavelmente evitando o deles", disse Legion-também-conhecido-como-Eric. Todos eles se encolheram quando um par de helicópteros rugiu acima. A artilharia salpicou o deserto com tiros de metralhadora. Jaelle empurrou a si mesma e aos companheiros contra a pedra.
"Pelo menos a mira deles é ruim", disse Matarael, quando estava expirando graças ao céu.
"instalações de má qualidade ― produto da preguiça." Legion sorriu. "Acrescente uma pitada de Ira ― impede o atirador de pensar com clareza ― mas, só para avisá-los, as armas virão cada vez maiores."
Jaelle tentou acalmar os nervos, mas podia ouvir gritos enquanto o helicóptero continuava seu ataque aos campos atrás dela. Avançar. Como eles poderiam avançar?
"Qual é o ponto de tudo isso?" ela murmurou alto.
"Sigam-me," disse Legion inutilmente.
"Jaelle, são as ordens", disse Matarael.
"Ordens que preciso entender para seguir, caso contrário, qual é o ponto?" O queixo de Matarael caiu e o sorriso de Legion explodiu de alegria.
Jaelle percebeu que tinha adicionado certas expressões não-angélicos a sua pergunta e pôs a mão na boca: "Sinto muito. Eu tenho esse péssimo hábito de ... Desculpe. "
Legion riu de ambos. Ele gritou sobre a próxima saraivada de tiros. "Eu gosto de você, Jaelle! E eu que pensei que os anjos fossem chatos!"
O rosto de Jaelle ficou vermelho enquanto seus olhos ficaram cinzentos de vergonha.
"Olha, não se preocupe com isso. Às vezes todos nós só precisamos de um dia na parte superior, er, na parte inferior? Não sei." Legion disse. "Ar fresco, um pouco de exercício. Eu acho que está me fazendo bem ― ou algo assim. "
"Legi ― quero dizer, Eric ― como avançamos?" perguntou Jaelle. "Vocês podem transformar suas espadas em armas? Ainda não aprendemos como fazer isso."
"E eles os enviaram para a batalha mesmo assim?"
"Sim", disseram Jaelle e Matarael ao mesmo tempo.
"Não fazemos perguntas", acrescentou Jaelle.
"Mas você estavam fazendo isso de forma tão empolgada agorinha." Legion ergueu as mãos rapidamente. "Desculpe, desculpe, eu sei que não estou ajudando. É o hábito, você sabe, semear dúvidas e tudo. Tenho certeza de que seus supervisores benevolentes têm um plano. "
"E os seus?"
"Eu não tenho supervisores benevolentes. De qualquer forma, a maior parte de nossa liderança está com Lorde Gabriel hoje, lidando com algum tipo de ... "
O ar se expandiu e uma súbita cobertura de nuvens retumbou com um trovão. Em um flash como uma faca, um raio partiu um helicóptero em dois. Jaelle se esqueceu de respirar quando as duas metades fumegantes do veículo caíram com demônios e anjos.
"Não!" ela gritou, e saltou sobre seus pés, mas o relâmpago caiu em direção ao complexo inimigo.
"De pé, você é um alvo.", apontou Legion.
Jaelle jogou o escudo no ombro. "Vou voltar!"
"Você não pode. Jaelle, as ordens são― "
Mas Jaelle correu sem esperar. Logo Matarael estava seguindo. Legion correu atrás deles, ainda sorrindo como num piquenique.
Jaelle não xingou de novo. Ela orou.
"Olhe!" A cinco passos dos destroços, Matarael jogou os três no chão enquanto o helicóptero destruído arrotava uma segunda explosão de fogo vermelho-escuro. Era umcheiro acre e os olhos de Jaelle se encheram de lágrimas enquanto ela ficava meio cega com a fumaça.
" Mat ..." Jaelle começou a tossir novamente e puxou-o para perto para gritar em seu ouvido. "Você pode tirar os soldados dessa fumaça?"
Matarael estava tossindo muito forte para responder, mas ele acenou com a cabeça.
Jaelle empurrou a onda de calor de volta em direção ao helicóptero, depois golpeou o casco até sua espada emperrar, engolindo em seco enquanto sua garganta se fechava por causa da fumaça. Apoiando um pé no metal quente, ela puxou o revestimento e tentou não respirar enquanto estendia a mão para dentro. Juntos, eles arrastaram vários corpos para a escassa segurança atrás dos destroços.
"Oh, olhe, é um de mim", disse Legion. Brincalhão, ele estapeou ambas as bochechas de seu outro eu. "Bom dia, flor do dia!"
O outro Legion, que usava trajes igualmente incompatíveis, abriu os olhos e sorriu. "Oh, olá, Eric."
"Um bom dia para você, Eric, como está a guerra?"
"Oh, já vimos coisas piores, não vimos, Eric?"
Usando os destroços como cobertura, Jaelle abriu as asas sobre uma piloto humana deitada.
A mulher semicerrou os olhos para ela, depois para as asas, depois para as nuvens negras acima. "O q ... o que é você?" Ela fechou os olhos novamente e gemeu.
"Ei, fique acordada, ok?" disse Jaelle. Ela acenou com a mão sobre o pior dos ferimentos. "Você vai ficar bem, mas precisa desistir de ser uma soldado, pelo menos desse tipo, certo? É o oposto do que você queria ser quando criança, e você sabe disso. "
A mulher olhou fixamente, então estremeceu quando as lacerações em seu rosto se curaram. "Mas como você sabe disso? E como...? Quer dizer, eu acho, bem, sim, senhora. "
"Eu não sou ninguém", disse Jaelle, e mergulhou de volta nos escombros. Ela ajudou Matarael a tirar um anjo de debaixo dos destroços. Depois de colocá-lo no final da linha, eles tiraram seu capacete. Jaelle recuou em choque.
"Capitão Ariya?" Rapidamente, Jaelle arqueou as asas sobre o anjo inconsciente. O primeiro Legion ergueu os olhos com cautela e pegou a arma de um soldado. Ele se ajoelhou e mirou no campo. "Eu cuido disso, mas você pode manter suas asas abaixadas?"
"Eu não posso. Ele está ferido. "
"Seu funeral e papelada," Legion deu de ombros. Uma enxurrada de tiros atingiu as primárias da ala direita de Jaelle e ela gritou. A próxima onda desceu contra o metal em chamas e ricocheteou, arrancando um dos dedos de Legion.
"Ei!".
"Você está bem?" perguntou Matarael.
Legion encolheu os ombros. "Pelo menos não é um dos mais importantes." Ele se levantou para ter certeza de que os artilheiros sabiam exatamente quais dedos ele ainda tinha, então se jogou para o lado contra os destroços.
A armadura de Ariya estava tão golpeada que tinha feito o oposto de seu trabalho. Jaelle lutou com as fivelas para retirá-la. A respiração do capitão era curta e aguda, mas seus olhos estavam abertos. A cor deles girava em prata e amarelo doentio, suas pupilas indo de um lado para outro, depois apertando-os, como se ele não pudesse enxergar bem. "O que aconteceu?"
"Está tudo bem, capitão."
"Jaelle? Não consigo ver ... nada. "
"Você vai ficar bem."
"Você sabe, mentir é meu trabalho." disse Legion em um falso sussurro.
"Ele vai ficar bem", disse Jaelle.
"Ooh, isso me deu arrepios."
Jaelle pôs de lado a raiva e se levantou. Dali, podia ver claramente o massacre que seu avanço havia deixado para trás. Não apenas soldados mortais, mas anjos e demônios semelhantes, todos apanhados por tiros e explosivos.
Jaelle engoliu em seco enquanto seu estômago se revirava. O Príncipe Michael estava acostumado a ver essas coisas, não estava? Talvez todos os soldados estivessem. Por que ela sempre era uma má soldado?
"De pé, você é um alvo.", disse Legion. Ele recarregou a arma com munição milagrosa. Onde ele disparou, eles ficaram presos e explodiram.
Antes que Jaelle pudesse discutir, ela avistou algo cruzando o vale, depois algo mais, meia dúzia de coisas, todas vindo na direção deles. Lembravam-lhe tartarugas, exceto que ela tinha certeza de que eram cem vezes maiores e mais rápidas. E mais mortais.
Matarael colocou os últimos feridos atrás dos destroços. "Jaelle, devemos seguir em frente."
"Aquilo são tanques", disse Jaelle.
"E eles estão na nossa frente", disse Legion alegremente.
"Certo, nós ..." Ela olhou para Ariya, procurando ordens melhores, mas o capitão não se mexeu. Jaelle esqueceu o que ia dizer. Em seis mil anos ela nunca se acostumara com a morte.
"Jaelle!" Matarael gritou.
Jaelle abaixou-se automaticamente e sentiu as balas atingirem seu escudo. Ela agarrou-se ao chão e gritou.
Está tudo bem, está tudo bem, está tudo bem, está tudo bem ..., ela disse a si mesma, cerrando os punhos quando eles começaram a tremer. Deixou cair sua espada. Não deveria fazer isso. Ele vai ficar bem. Ele não está aqui, está em casa. Não é melhor estar em casa?
Sem erguer os olhos, Jaelle tateou em busca da espada, cada vez mais frenética por não conseguir encontrá-la. Ela teve um pensamento horrível então, que talvez fosse melhor se ela fizesse uma viagem para casa antes que as balas se transformassem em morteiros. Só pode doer por um momento, certo? Não foi isso que todos disseram? Uma bala entre os olhos, talvez. Melhor do que uma bomba de morteiro explodindo você em pedaços mais tarde.
Mas não. Não pareceria certo. Não seria certo. E se alguém precisasse dela? Como Mat ou Eric? E quanto àqueles que precisavam de todos eles?
Algo fez um clanck. Matarael plantou seu escudo entre os dois e o fogo inimigo. Quando ela olhou para cima, ele segurava sua espada. "Jaelle, Ariya deixou alguma ordem?"
"Não", Jaelle olhou para trás, para a forma imóvel de Ariya. "Acho que vamos seguir em frente."
Matarael fechou os olhos. Jaelle o viu se acalmando visivelmente. Ela se perguntou se ele estava tendo os mesmos pensamentos que ela. "Devemos fazer o que pudermos", disse ela com firmeza. "Certo."
"Exatamente." Ela pegou a espada.
Junto com Legion, eles correram para a pedra protetora e mergulharam atrás dela. Jaelle olhou para a esquerda, depois para a direita. Não havia mais cobertura além daquela rocha, só uma pequena depressão na terra onde o solo afundou. Em torno dos três, esquadrões de anjos avançaram lentamente pelo campo de batalha. Muitos tinham demônios os seguindo, cada um mais bem equipado do que eles e, Jaelle percebia agora, mais bem vestidos também. Cada anjo brilhava como um farol, e um farol era um alvo fácil.
"Então," disse Legion. "Tanques. Você tem alguma experiência em combate a tanques? "
"Não, mas eu leio um pouco."
"Esplêndido!" disse Legião. "Seus livros dizem algo sobre tanques revestidos de ferro?"
"Talvez carruagens revestidas de ferro." Uma ideia se acendeu na mente de Jaelle. "E chuva." Ela olhou para a tigela empoeirada por mais um momento, então se virou rapidamente para Matarael. "Mat...?" ela perguntou.
"O que?"
"Você pode fazer chover? Para que o solo se transforme em lama, como um lamaçal? "
"Eu só faço chuviscar."
"Mas e se você fizesse chuviscar um monte ..." A luz alvoreceu azul nos olhos de sua amiga.
"Okay, certo. Bem, assim que as nuvens de tempestade passarem. Não quero atrapalhar o estilo de Lord Sandalphon. "
Jaelle perguntou: "Eric, você tem um rádio? Os capitães precisam saber ... "
O demônio alcançou seu cinto e puxou um microfone de rádio em uma bobina de fio. Ele apertou o botão e disse, "Força das Trevas Um, aqui é Força das Trevas Um, está ouvindo, Força das Trevas Um? Está na escuta?"
Uma voz idêntica à do demônio ressoou no rádio. "Força das Trevas Um, aqui é Força das Trevas Um. Na escuta. Prossiga."
"As coisas estão prestes a ficar molhadas, Força das Trevas Um. Recomendamos galochas, se puder avisar nossos aliados para que saiam do vale. Câmbio."
"Certo, Força das Trevas Um. Câmbio."
"Mais alguma coisa, sua glória?" Legion perguntou a Jaelle.
"Não diga isso. Eu não sou ninguém. Apenas ..." Jaelle balançou a cabeça. Ela não tinha tempo a perder. "Apenas diga a eles para irem para um terreno mais alto, se não for problema."
"Força das Trevas Um para Força das Trevas Um, por favor, diga aos nossos aliados para subirem pra um terreno mais alto ou haverá problemas, câmbio."
"Não foi o que eu disse—"
"Entendido, Força das Trevas Um. Solicitada permissão para dizer isso dramaticamente, Câmbio. "
"Não, di—"
"Permissão concedida, câmbio." Legion olhou para Jaelle. "Mais alguma coisa, Capitã Ninguém?"
Jaelle decidiu que não havia tempo para discussões. "Existe uma maneira de atrair o restante dos inimigos para o vale?" ela perguntou.
"Acho que, se eles pensam que estão ganhando ..."
"Então diga aos demônios e anjos para recuarem."
"O que?" perguntou Matarael. "Jaelle, nossas ordens são para seguir em frente."
"E vamos, assim que voltarmos."
"Jaelle, não acho que seja uma boa ideia." Mas Legion já havia clicado no rádio.
"Força das Trevas Um, aqui é Força das Trevas Um. Diga aos nossos aliados para fazerem uma retirada tática temporária para a elevação sul antes do avanço final. Câmbio." Legion cobriu o bocal por um momento. "É tudo uma questão de fraseado", disse ele a Matarael com um sorriso, antes de o alto-falante estalar novamente.
"Roger, Força das Trevas Um. Estamos levando fogo pesado.Câmbio." O sorriso de Legion era o mais largo até agora. "Então mande os gafanhotos, Força das Trevas Um. Câmbio."
"Roger, Força das Trevas Um. Força das Trevas Um na escuta. Mantenha a cabeça baixa para os gafanhotos. Câmbio."
"Gafanhotos?" ecoou Matarael. "Vocês tem gafanhotos?"
"Não, mas vocês tem," disse Legion. Eles se abaixaram quando o barulho ensurdecedor de um milhão de asas de insetos desceu sobre suas cabeças.
"Isso é tão legal," o demônio riu enquanto eles revoavam para frente. Estava praticamente pulando de alegria. "Eu sempre quis um verdadeiro enxame de gafanhotos. Trabalhar com vocês, anjos, é incrível. Pegamos emprestados tantos brinquedos legais. "
"Hum, obrigada." disse Jaelle. "Mat?"
Matarael fechou os olhos e acalmou a respiração. Um momento depois, ele os abriu. Eles brilhavam como prata, não a cor do medo, mas uma poderosa cor de platina que refletia um arco-íris. Ele gesticulou para cima e de repente a chuva caiu em folhas prateadas igualmente brilhantes, brilhando bem atrás do enxame.
Jaelle sorriu apesar de tudo que passara, sentindo sua esperança reacender-se pela primeira vez naquele dia. "Quanto tempo você consegue aguentar, Mat?"
"É a minha área", disse Mat, um sorriso aparecendo no canto dos lábios enquanto ele se concentrava.
"Quanto tempo você precisa?"
"Empurre a chuva para o norte apenas quando todos estiverem prontos, só até o pé da colina antes do complexo por enquanto. Eric, você pode confirmar quando todos estiverem fora? "
O demônio checou com seus outros eus no rádio. "Estou fora. E seus pardais, raio de sol? " riu Legion. "O que? Oh, eles não são meus. "
"Eles estão fora", relatou Matarael, olhando através do vale com seus olhos brilhantes.
"Mat!"
"Bem, se os pardais não são seus e Ariya se foi, de quem são eles?" perguntou Legion.
"De Deus", disse Jaelle.
"Ela tem razão," Legion disse com uma risada. "Eu gosto de você, Capitã Ninguém. Eu realmente gosto. "
***
Dentro do complexo havia quartéis, casas de trabalho e meia dúzia de hangares para grandes embarcações. Um hangar não era usado para veículos. De vez em quando, precisava ser ventilado. As portas foram abertas com a aproximação da tempestade.
Havia um jardim na frente. Para fotojornalistas aprovados.
Enquanto Jaelle, Legion e os outros anjos cruzavam o campo de batalha, o complexo jazia acima de tudo. Se os soldados em seus postos pareciam mais calmos do que a situação pedida, era porque as pessoas que pensam que são intocáveis esquecem como recuar.
Os que observavam o vale não prestaram atenção à névoa que se erguia ao pé da colina, mesmo quando ela se intensificou numa neblina, eriçando-se estranhamente como a silhueta nebulosa de um exército. Os pontos mais brilhantes dos olhos de Amalek piscaram dentro e fora dele, às vezes apenas o par de costume, às vezes muitos mais. Mas mesmo isso os humanos rejeitaram como um truque de luz.
Então Amalek rosnou. E avançou.
Os guardas na guarita e nas torres franziram um pouco a testa. Sem saberem o que mais fazer, gritaram avisos, depois ordens para que ele parasse e ergueram os rifles.
Em vez disso, o demônio se ergueu como uma onda crescente, rugindo seu grito inaudível até que os soldados largaram as armas e pressionaram inutilmente as mãos nos ouvidos. Imediatamente, Amalek empurrou e passou pelo portão de entrada , esfregando-a como um limpador de cachimbo. Outra parte dele escalou os portões e a cerca, desgastando o arame farpado como se fosse lã.
E então ele passou, e atrás dele não sobrou nada além dos corpos. A nuvem de Amalek se eriçou de novo sobre as cercas com correntes, farpas amarradas em arame e canos de rifles ―como se tudo atrás tivesse se tornado uma base fantasma.
No pátio, os poucos soldados em pé começaram a se sentir menos do que intocáveis. Alguns recuperaram suas armas apesar do nada horrível que machucou suas orelhas. Alguns até conseguiram atirar nele.
A massa miasmática de Amalek simplesmente absorveu as balas. Então houve silêncio, pouco antes de ele se eriçar novamente e dispará-la de volta.
Alguns soldados correram. Alguns não. Todos eles morreram.
Uma sirene começou a ressoar na torre de vigia.
Com um silvo de aborrecimento, Amalek deslizou pela base dela. Quando as luzes vermelhas giraram, ele abriu caminho pelo vidro das janelas. As luzes giratórias pararam e as sirenes silenciaram.
O alarme havia soado, entretanto. Os reforços saíam de seus bancos no refeitório ou de suas camas no quartel. Satisfeito, o demônio se espalhou em direção ao hangar com o jardim.
Um raio caiu em seu caminho.
Quando o clarão e o ozônio se dissiparam, Michael se levantou, as asas brilhantes e alvas como a neve. Amalek reprimiu seu entusiasmo de caçador e se retraiu em uma reverência. Como cortesia, ele baixou as penas eriçadas.
"Isso foi um erro, Lorde Amalek," disse Michael.
"Como assssim, alteza?" o demônio sibilou. Sua voz espalhou facas no ar. "Eu tenho as coisasss sob controle."
"Deixe os cativos."
O Lorde demônio se enrolou como se estivesse olhando por cima do ombro do anjo. "Ssó queria livrá-los todos de sua missssséria, se você me pedisssse."
"Eu não pedi." Do outro lado do pátio, mais soldados saíram do refeitório. Eles se amontoaram em jipes e caminhões. Uma metralhadora montada foi apontada e disparada. Michael balançou sua espada como alguém que espantasse uma mosca, e as balas se desviaram longe. Aquelas que passaram por ele se enterraram na névoa de Amalek e não conseguiram nada além de dar-lhe novas bordas.
Michael se apoiou na espada e disse, como se nem tivessem sido interrompidos: "Estamos aqui para salvar os prisioneiros, sua desgraça."
Amalek se retraiu, depois se expandiu novamente e disse: "Como quisssser, vosssssa alteza".
Mais uma vez, o demônio fluiu em direção aos soldados, como a poeira rolando de uma nova estrela, acelerando sob seu próprio peso. Ele se ergueu como uma onda se acumulando e depois caiu, e os gritos alarmados dos humanos e o esmagamento de suas máquinas de guerra foram abafados.
Enquanto o sempre dissonante Amalek se afastava, Michael captou, no limite da audição, o som de uma lâmina deslizando ao longo de uma pedra de amolar. Se o som tivesse uma temperatura, esta teria sido medida em kelvins negativos. Michael ficou ligeiramente surpreso. A Morte estava, é claro, em qualquer lugar onde houvesse vida. As aparições especiais eram raras da parte de Azrael, mas nas últimas semanas já haviam ocorrido duas.
Mesmo assim, esse não era o departamento de Michael. (Ninguém lembrava muito bem a qual departamento a Morte pertencia.) Ele não pensou muito nisso, apenas encarou o hangar novamente. Dentro havia um conjunto de celas feitas de arame galvanizado. No chão manchado de cada cela havia uma cama surrada.
O lugar todo parecia um canil largado às traças. E o cheiro de um também: mofo e suor, resíduos e doença. Era uma prisão, mas pior que uma. As prisões tinham incentivos para manter seus habitantes vivos.
Ao ver um anjo, os mortais aprisionados se encolheram contra o fundo de suas celas. Michael reconheceu neles os sinais de doença, fome, hematomas, feridas e queimaduras químicas... Ele sabia que o protocolo padrão era remover os grilhões por milagre. Largue as correntes, escancare as portas, liberte os cativos. Mas o entulho e as feridas o deixaram pensando que nenhuma catarse seria melhor do que arrasar este lugar imediatamente depois. Ele deu um passo à frente.
Cautelosamente, os prisioneiros agarraram-se uns aos outros através das grades. Estavam com medo de sua própria libertação? Michael se perguntou, olhando fixamente em olhos selvagens e desgastados por noites sem dormir. Não havia esperança, absolutamente nenhuma. Talvez tudo se tornasse em medo quando se era um prisioneiro. Talvez a única esperança que você pudesse ter seria de que as coisas simplesmente ... acabassem.
Michael agarrou o peito com uma dor repentina como se tivesse sido esfaqueado. Perfurado direto em suas asas. Parecia um estremecimento de corpo inteiro. Rapidamente, ele desviou o olhar e tentou recuperar a compostura. O que era isso? Não era assim que um anjo deveria se sentir.
Um raio caiu nas proximidades. Enquanto a calçada ardia, a aura protetora de Sandalphon engoliu o pátio.
"Michael, o que foi?" ele chamou, apressando-se, maça a postos. "Você está bem?"
Michael se percebeu de joelhos. "Sandalphon?"
"Há uma mudança nas ordens?"
Michael estava muito perturbado para ouvir a ansiedade em sua voz. Ele balançou sua cabeça. "Não."
"Você está ferido?"
"Eu preciso ... ajude-me." Michael estendeu a mão. Ele tremia.
Sandalphon o ajudou a se levantar. "E agora?"
Na presença de outro, a compostura de Michael voltava rapidamente. Ele abriu todos os olhos, e o desgosto desenfreado de laranja doentio com vermelho raivoso. "Acabamos com isto", disse ele, friamente, "e então nunca mais acontecerá".
"Certo," disse Sandalphon, embora seu olhar vacilasse. Ele reajustou a arma. "Quer dizer, nem tudo, certo? Precisamos de mais alguém para punir— "
"Decole e elimine os desertores", disse Michael.
"Tem certeza de que está bem?" perguntou Sandalphon, recuando apesar de tudo.
"Eu estou sempre bem."
Sandalphon disparou em direção ao céu. Seu impacto na tempestade causou um estrondo de trovão.
No pátio vazio, Michael decidiu que todo aquele medo não era seu. Ele simplesmente se impressionara. Realmente não deveria ter exagerado. Essa tarefa precisava de compaixão. Os humanos eram criaturas tão frágeis.
Em um momento, ele suavizou sua luz e fechou os olhos espalhados em suas asas e pele. Em vez de olhar para fora, ele olhou para dentro, alcançando seu núcleo, o centro frio que lembrava geleiras e flocos de neve. Se lembrou de como ser um anjo de olhos azuis e se virou para encarar o hangar e as pessoas que precisavam de libertação. Havia palavras para tempos como este: "Não temam. Vossa salvação se aproxima. "
Eles ainda estavam com medo. Talvez eles sempre fossem assim. Michael não podia culpá-los. Não. Todos eles sabiam que, no fundo, essa libertação não era liberdade. Não de verdade.
Tudo que posso lhes dar é mais tempo para terem medo.
***
A chuva encheu o vale, suave mas implacável. A água corrente afogou gafanhotos e o tiroteio. Armas montadas se recusaram a ficar de pé.
Os jipes e tanques afundaram primeiro. Portas e cabines se abriram enquanto as tripulações saíam para escapar da terra movediça. Depois que o dilúvio fez seu trabalho, a chuva diminuiu e os anjos avançaram novamente, desta vez mais encorajados.
Os soldados mortais em fuga se viraram para meio nadar, meio correr. Alguns arrastaram consigo os mais atordoados dentre os seus. Muitas armas e botas perdidas ao longo do caminho.
Enquanto isso, dez legiões de gafanhotos ainda circulavam o vale, agora mergulhando baixo, balançando alto, zumbindo sua ameaça contra aqueles que fugiam em qualquer direção, exceto para o complexo.
No topo da colina, a névoa inchada de Amalek enrolava-se no topo da colina como uma serpente. Um trovão caiu das nuvens de tempestade em advertência e cada raio causou um curto-circuito nas cercas e incendiou as torres. Os inimigos dos anjos cambaleou ao pé da colina e olhou para trás, cercados.
Então eles jogaram suas armas em rendição.
***
No momento em que Jaelle e o resto baixaram as espadas, a falta de tiros parecia assustadoramente silenciosa. Apesar da vitória, a encosta da colina distante pairava envolta em medo e exaustão. E ainda assim aquela nuvem nauseante pairava sobre a prisão destruída.
Com mais (muito mais) da ajuda de Legion, anjos e demônios moveram seus feridos do campo de batalha para uma triagem no sopé da colina. Um punhado de curandeiros de Raphael estava entre eles. Eles iam e vinham por um círculo sagrado próximo, levando os piores feridos de volta para Casa em cascatas de luz crescente. Alguns entraram no complexo para cuidar dos resgatados.
"E agora?" Legion perguntou a Jaelle e Matarael.
Jaelle notou mais mortais feridos à sua esquerda entre os soldados capturados. Alguns ficaram imóveis. Embora não fosse aquela quietude certa que ela temia, seu peito apertou novamente. Ela acenou para uma das Myriad.
"Suponho que você não poderia dispensar alguém para cuidar deles?" ela sussurrou.
Myriad parecia confuso. "Por quê?"
Jaelle não conseguia entender a pergunta. "Por que não?" ela respondeu. "Eles provavelmente nunca imaginaram que prisioneiros de guerra poderiam receber misericórdia. Isso pode mudá-los. "
Myriad considerou isso e sorriu calorosamente. "Entendo. É só que o príncipe não fez nenhuma menção a isso. "
"Mas não há nada contra, há?"
"Suponho que não." Com outro sorriso, a anjo anfitriã correu para o resto dos curandeiros. Jaelle percebeu que a mandíbula de Legion havia afrouxado.
"Quem é aquela?" ele perguntou.
"Quem é quem?"
"Que?" Legion disse, e apontou. "E lá, também, e ... lá."
"Oh, hum, ela é a Myriad", disse Jaelle. "Ela faz de tudo um pouco."
"Ela é linda."
"Os demônios gostam de coisas bonitas?" perguntou Matarael, perplexo.
Jaelle lhe deu uma cotovelada nas costelas e sussurrou: " As pessoas gostam do que gostam, Mat. Seja legal."
Legion pareceu não notar nenhum deles. Em vez disso, ele suspirou melancolicamente.
Jaelle deixou suas asas desaparecerem no éter e olhou para o deserto transformado. Pedaços de ruína fumegante na água pareciam manchas em um espelho. Ela sentiu alguém pegar sua mão, percebeu que era Matarael e seu peito relaxou.
"Acabou, pelo menos." Jaelle apertou a mão dele. "Obrigado, Mat."
"Não sabia que eu era capaz." Ele olhou para o complexo onde a estranha névoa ainda se enrolava. "O que é aquela coisa?"
"Aquele é Lord Amalek", disse Legion, interrompendo sua ânsia de franzir a testa com desconforto visível. "Não que eu tenha inveja, mas ele está no Conselho das Trevas."
"Como ele está tentando parecer?" perguntou Matarael. "Eu acho que é meio como ... uma metáfora." O demônio se encolheu. "É a forma favorita dele."
A nuvem de terror se dissipou e Michael saiu, as asas brilhando contra a névoa. O rosto do príncipe estava severo como rocha. Muitos anjos se aprumaram, encorajados por sua aparência.
"Os prisioneiros foram libertados", Michael anunciou, o que trouxe aplausos cansados, mas sinceros, das fileiras mistas. Jaelle conseguiu distinguir as pessoas amontoadas dentro da cerca, parecendo abatidas e angustiadas com a ruína fumegante. Devia haver pelo menos quinhentos deles.
Sandalphon pousou em um raio e acenou com a mão, o que fez as nuvens se dispersarem. Acima, o céu claro estava vermelho com a noite. Sandalphon ergueu sua maça e espiou por cima da multidão. Jaelle engoliu em seco quando os olhos dele caíram sobre ela, mas eles mudaram imediatamente para Matarael. Instintivamente, ela apertou a mão do amigo. Sandalphon sussurrou algo para o príncipe.
Michael pareceu frustrado e depois cansado. "Matarael," ele chamou.
Matarael tornou-se tenso quando um murmúrio varreu as fileiras. Então ele se apressou colina acima. Jaelle seguiu de perto sem ser questionada. Legion, sem uma palavra de protesto, seguiu os dois. Todos eles pararam e saudaram.
"Sim, sua graça?" perguntou Matarael.
"Nós avançamos em uma tempestade seca. Qual capitão disse para você fazer chover no campo de batalha? "
"Eu, hum ... nenhum, meu príncipe."
Michael e Sandalphon trocaram palavras mais baixas. Jaelle sentiu seu estômago revirar.
"Foi isso mesmo?" perguntou Michael. "Foi ideia sua?"
"Tínhamos que parar o inimigo de alguma forma, sua graça", disse Matarael, e acrescentou rapidamente: "Com todo o respeito, quando perdemos o Capitão Ariya..."
"Suas ordens eram para avançar."
"Foi ideia minha, excelência." Jaelle correu para a frente. "Nós estávamos no meio disso. Matarael está encarregado da chuva da primavera e do degelo, então... "
"Então você disse a ele o que fazer?"
"Sim, sua graça."
"Ela salvou minha vida, sua graça," acrescentou Legion, muito mais confortável do que qualquer um dos dois anjos.
"Umas cem vezes pelo menos", acrescentou outro dele nas proximidades.
Amalek ferveu: "Eric, seja sssssilento."
"Silencioso como um rato, senhor," disse o demônio rapidamente.
"Não preciso de desculpas, soldado", disse Michael a Jaelle. Ele olhou através do vale e perguntou: "Qual era o seu plano para os prisioneiros de guerra?"
"Plano?" Perguntou Jaelle. Ela se virou como se eles estivessem falando sobre outros prisioneiros. Sentiu um movimento estranho atrás dela, mais uma presença do que qualquer coisa visível. Ele desceu a colina assim que ela se virou, evitando ser visto até mesmo pelo canto do olho.
Todos os anjos conheciam Azrael, mas poucos o tinham visto. Não era aconselhável tentar.
Jaelle congelou quando sua mente de repente se recusou a pensar. "Sua graça...?" Ela não tinha certeza de como terminar a pergunta, que resposta queria ou precisava.
Michael respirou fundo. "Esta é uma missão de misericórdia", disse ele. "Você acha que é sábio dar a alguns humanos em guerra a chance de compartilhar o que viram aqui antes da batalha final nos próximos meses?"
"Mas, não estamos lutando contra todos os humanos. Alguns podem se arrepender. "
"E alguns não vão."
"Mas se eles querem paz..."
"Você não foi treinada para a paz, soldado."
"Não, mas..."
"Amalek?"
A nuvem doentia se contraiu como um leão agachado para saltar.
"Você sabe o que fazer."
Jaelle ofegou quando o demônio avançou. Ele saltou colina abaixo como uma matilha de lobos, irregular, eriçada e farpada. Anjos e demônios se afastaram para fora de seu alcance.
Ao chegar ao pé da colina, em vez de pular no inimigo, ele se espalhou. Houve um flash de luz brilhante doentia e gritos dos prisioneiros no mesmo instante. Eles foram breves.
Jaelle gritou algo incompreensível e correu para a frente, sem saber como poderia lutar sem desembainhar uma espada em um aliado, mas com a intenção de fazer algo. Talvez uma ideia viesse a ela. Talvez...
Amalek espalhou-se, engolindo o lago, as pedras, os tanques ...
No meio da colina, alguém segurou o braço de Jaelle. Ela puxou sem olhar, todo o caminho até a borda daquela nuvem devoradora, antes que uma segunda mão se juntasse à primeira e a segurasse, cuidadosa, mas firme, até que ela pudesse apenas lutar inutilmente, olhando, como os arbustos ao redor das margens do lago pegou o veneno e começou a morrer.
"Me larga!" ela gritou.
"E deixar você morrer?"
Ela não esperava aquela voz.
Tão instantaneamente quanto o flash de devastação veio, a escuridão o engoliu e Amalek desapareceu, mergulhando fundo na terra e lançando uma névoa sulfúrica sobre tudo. Cada planta e erva daninha se foram. Havia apenas cadáveres no meio.
"Não." Jaelle arfou, horrorizada. Tudo tinha sido tão rápido. Como isso aconteceu tão rápido? "Ele não pode—!"
"Ele já fez." Michael se colocou entre ela e a visão horrível do deserto, chamando sua atenção como só ele poderia.
A garganta de Jaelle ficou seca. Seus gritos se transformaram em soluços. "Por quê?"
A pergunta ecoou em um silêncio repentino. Nenhuma asa farfalhou. Ninguém respirou.
Então Sandalphon disse: "Agora ouça aqui, soldado, suas perguntas são —"
"Está tudo bem, Sandalphon," Michael interrompeu. "Você e eu tivemos que aprender, não é?"
Matarael correu em direção a eles, mas recuou diante do olhar severo de Sandalphon. Atrás dele, Legion chutou a terra e carregou seu rifle roubado. Ele mordeu uma unha.
Jaelle percebeu que eles não eram os únicos a observá-la. Devia estar chamando atenção, chorando inutilmente, mas cada vez mais ela descobria que não se importava. Ela queria correr, mas não sabia para onde, então caiu de joelhos, apenas vagamente ciente de que isso significava lama em suas roupas. Ela se sentia fraca. Mais fraca do que quando Ariya morreu. Depois daquela luz horrível, o ar ficou mais escuro de alguma forma.
Michael não a deixou, apenas sentou em seus calcanhares. "Ouça, soldado", disse ele. "Essas pessoas que libertamos, se você soubesse o que elas passaram, se você realmente soubesse, entenderia. Devemos a eles essa misericórdia. "
"Mas o amor não é uma dívida."
Sandalphon zombou. "Você se atreve a dar um sermão ao seu príncipe?"
"Está tudo bem, Sandalphon," disse Michael. Para Jaelle, ele disse: "Se você se permitir sentir cada momento de tragédia neste mundo, a dor a matará cem vezes".
"Você não sabe disso."
"Depois de cem bilhões de almas? Não seja ingênua. " Michael se levantou e olhou para Matarael. "Cuide dos feridos, você e o resto", disse ele. "Agora."
Legion puxou o braço de Matarael até que ele se virou relutantemente. Então o resto dos exércitos do Céu e do Inferno seguiram o exemplo, apressando-se como se estivessem desesperados por algo para fazer além de olhar. Mas houve olhares para trás, sussurros preocupados. Jaelle ouviu seu nome entre eles. Ela queria se esconder.
Sandalphon ainda a olhava com desaprovação. "Depois de uma façanha pública como essa, sua graça, devemos —"
"Sandalphon, providencie para que os prisioneiros humanos sejam vestidos e alimentados, depois leve-os para casa em segurança", disse Michael.
"O que?" As asas de Sandalphon se abriram de surpresa. "Michael, não é o suficiente que nós ...?"
"Diga a eles que o Todo-Poderoso tem sido misericordioso", disse Michael, ainda olhando para Jaelle. "E diga-lhes que se arrependam nestes dias finais."
"Mas não há tempo para ... mas eles nem mesmo ..." As mãos de Sandalphon se agarraram à gravata por ajustar. "Alteza, certamente não há tempo para infantilidades—"
"Você acha que minhas ordens são infantis?"
"Não, sua graça!"
"Bom. E não os deixe em qualquer posto avançado, Sandalphon. Certifique-se de que eles estejam seguros. "
"Sim sua Majestade." Sandalphon se recompôs e voltou para o complexo. Ele olhou para trás uma vez, perplexo e inquieto. O medo frio de Jaelle se dissolveu em tremores. Tentou dizer algo, mas a fraqueza estava piorando. Ela percebeu que a batalha a estava alcançando. A sensação de esgotamento em suas mãos e pés a fez se perguntar se sua alma havia decidido deixar seu corpo físico. Acontecia com humanos. Um corpo mortal pode morrer de choque, tensão ou tristeza.
"Vai ficar tudo bem, Jaelle", disse Michael.
"Nada está certo."
"Nós estamos." Todo o mundo de Jaelle ficou escuro quando ela perdeu a consciência.
***
Jaelle acordou no escuro e percebeu que estava dentro de algum lugar. Então a parede se moveu e um vento frio noturno soprou sobre seu saco de dormir. Ela percebeu que estava em uma pequena tenda.
Sentando-se, ela levou a mão à cabeça, então o dia voltou a inundar e ela desejou poder dormir novamente. Se lembrou de alguma menção de que haveria um interrogatório quando a outra metade do exército chegasse. A Terra era o único lugar neutro que anjos e demônios podiam se encontrar para esse tipo de coisa, e isso significava que provavelmente havia outras tendas armadas ao lado dela.
Ela puxou os cobertores, levantou-se e saiu para o acampamento.
Lá fora, a maioria das tendas estava às escuras, mas algumas tinham as portas voltadas para trás, com soldados — demônios e anjos — movendo-se entre eles. Aqui e ali, pontos de fogueiras brilhavam onde círculos de lutadores cansados se reuniam. Jaelle pôde distinguir a forma escura e redundante de Legion entre eles, narrando algo animado, mas distante demais para ouvir.
Sua própria tenda havia sido montada mais perto do pavilhão dos generais, uma marquise com várias das paredes enroladas para deixar entrar o ar noturno. Pares de demônios e anjos montavam guarda em suas entradas. Jaelle viu Michael e Uriel lá dentro. Suas asas se dobravam para trás no éter, sua armadura de um lado, e ambos inclinados sobre uma mesa de mapa iluminada por sua própria luz, falando baixo demais para serem ouvidos.
Outras presenças sombrias estavam por perto, mas à noite Jaelle não sabia dizer quem eram. Ela adivinhou a direção de onde eles estavam vindo. O chamado dos cães infernais girou ao vento e ela estremeceu, imaginando o que Lorde Amalek poderia ter deixado para trás.
De repente, Jaelle não queria nada mais do que encontrar Matarael e deixá-lo dizer que as coisas podiam melhorar. Mesmo que ele não soubesse como, ela apreciava o quanto ele acreditava nisso.
"Pssst! Guardiã!"
Voltando-se para o pavilhão, Jaelle viu um membro da Legião acenando fervorosamente para um posto de guarda junto a uma porta. Ao lado dele estava uma Miríade, brilhando prateada como uma mensageira. Por sua proximidade, ela adivinhou que eles haviam, até aquele momento, mantido uma conversa íntima.
Quando Jaelle se aproximou, os dois bateram continência. Jaelle reconheceu os dedos crescendo de novo na mão de Legion e relaxou.
"Eric," ela disse, estremecendo com a dor de garganta. "Quanto tempo estive fora de mim?"
O demônio mantinha a voz baixa, mas ria, claramente de bom humor. "Algumas horas, Capitã Ninguém."
"É Jaelle, você sabe."
"Capitã Jaelle." Ele ainda sussurrou.
"Não, não ..." Jaelle olhou pela tenda, mas nenhum dos arcanjos notou sua aproximação. "Isso também não."
"Não se preocupe. Todos os grandes vilões partiram há um tempo. Só esperando um relatório do pessoal da limpeza antes de irmos. "
"Mal posso esperar", disse Jaelle, totalmente honesta.
"Estão te esperando, de qualquer forma", disse Myriad calmamente.
"Perdão?" Eric deu de ombros e puxou sua lança de lado.
Myriad acenou com a cabeça suavemente e Eric sussurrou: "Sua alteza a espera."
"Oh, um.... Obrigada." Jaelle disse para ser educada. Ela não se sentiu particularmente grata. Suas entranhas se remexiam de medo, vergonha e, ela admitia apenas para si mesma, nojo.
Ela respirou fundo algumas vezes, depois engoliu a ferida em sua garganta, antes de entrar.
Uriel dizia, "... começando a me preocupar. Se precisar da minha ajuda com alguma coisa, Michael, ficarei feliz em intervir. Você não pode fazer tudo. "
"Eu agradeço. Assim que Gabriel estiver de volta, podemos conversar sobre isso. "
"Em particular?" Uriel localizou Jaelle e deixou Michael vê-la olhando por cima do ombro.
Michael seguiu o olhar de Uriel. Quando viu Jaelle, endireitou-se e afastou o cansaço com um encolher de ombros. Para Uriel, ele acenou com a cabeça. "Sim, Uriel, obrigado. Mais alguma coisa sobre a missão? "
"Só acho que Gabriel vai precisar de uma bebida."
"Vou ver o que o duque Hastur quer e te seguir."
"Lave as mãos quando voltar," disse Uriel ironicamente. "Aposto que ele tem pulgas." Uriel deu a Jaelle um sorriso superficial quando ela saiu.
Michael acenou em seguida e Jaelle ocupou seu lugar com uma saudação nervosa.
O mapa na mesa exibia um terreno com uma nova borda desenhada a lápis. Onde antes havia uma cidade murada, fumegante como uma mancha solar. Michael colocou os últimos marcadores do mapa em uma caixa.
"Soldado," ele a cumprimentou brevemente. "Foi um longo dia."
Insegura, Jaelle olhou para o guarda atrás e perguntou: "Você queria me ver, excelência?"
"Sim." Jaelle se preparou para um sermão.
"Como você está se sentindo?" perguntou Michael.
"O que?" disse Jaelle, surpresa.
Michael fechou os olhos e o cansaço invadiu seus ombros. Ele não se repetiu.
"Sinto muito, alteza", disse Jaelle.
"Você continua se desculpando." Michael afastou o mapa. Deixou sua mão descansar na borda. Ele não tinha aberto os olhos. "O que é desta vez?"
"É só que não ... não consegui responder à sua pergunta."
"Você acha que isso teria mudado as coisas?"
"Como posso saber agora?" perguntou Jaelle. "Eu apenas senti ... estou tentando ter fé, mas também estou tentando ter esperança. Uma vez que os humanos morram ... "
"Eu sei, e não estou com raiva", disse Michael. "Você nasceu um anjo de misericórdia, não de julgamento."
"Não fomos todos, sua graça?"
"Sim. Até os demônios eram, "disse Michael. "Mas o julgamento de um mortal é a misericórdia de outro. Um pedido mantém a ordem. Não somos um exército de discórdia e confusão, soldado. "
Jaelle não sabia como responder, então não o fez. Ela ficou surpresa que uma parte dela entendeu, e ela estava com raiva dessa parte. Ela não sabia o que fazer com aquela raiva. Parecia importante, mas não resultava em nada.
Certamente não era o sermão que ela esperava.
Michael acrescentou: "Eu me preocupo que você se sobrecarregue demais. Os sentimentos são tão reais quanto qualquer outra coisa, mas nem sempre estão certos. "
"Eu não entendo."
"Estou dizendo, uma das razões pelas quais perguntei por você é que estou preocupado com como você se sente."
"Ah" disse Jaelle em voz baixa.
"O que aconteceu com os prisioneiros não foi sua culpa", disse Michael. "Você sabe disso?"
"Acho que sim."
"As circunstâncias a arrastaram para uma situação para a qual você não estava pronta."
"Pronta para o quê, excelência?"
Michael bateu um dedo na mesa. Ele parecia estar deliberando. Por fim, ele disse: "Já conversei com o capitão Ariya sobre você, Jaelle".
Ao ouvir seu nome, Jaelle sentiu uma onda de frio inexplicável na pele. "Conversou?"
"Ele me disse que você é teimosa, mas que nunca age. Também não acredito que seu comportamento hoje tenha saído da linha. O melhor que posso dizer é que havia um vazio e você o preencheu, e mesmo que tenha perdido de vista o objetivo do treinamento, o que você pensava ser o objetivo, bem, você utilizou recursos e unificou seu pessoal para alcançá-lo. "
"Eles não são meu... Isto é, eu acabei de fazer o ... Será que ninguém faria isso?"
"Ninguém mais fez."
"Mas eu sou ... eu não sou ninguém."
"Você não é?" Michael a olhou sério. "Você é uma guardiã. E uma soldado. O que mais é um mistério completo para mim, mas você não é 'ninguém', Jaelle. "
"Não sou tão impressionante", insistiu Jaelle. "Eu não fui corajosa, nem sábia ou forte hoje, excelência. Eu estava com medo, desesperada e com raiva. "
"Zangada, soldado?"
Jaelle temia estar sendo ridicularizada. "Sim, alteza", disse ela, "você poderia ter libertado todo este lugar sozinho, com uma mão atrás das costas."
"Então, você está com raiva de mim?"
O estômago de Jaelle embrulhou. "Parece ... quero dizer, eles podem achar cruel ter suas vidas jogadas assim."
"Estamos dando a eles uma última oportunidade", disse Michael.
"Por que você está reservando um tempo para falar comigo se eu não fiz nada errado?" perguntou Jaelle.
"Porque haverá mais missões como esta, soldado. Enquanto o Capitão Ariya está se recuperando, estou colocando você no comando do batalhão. "
"Mas eu..."
"Eu já os informei que sua explosão desta tarde foi perfeitamente razoável. Eu não vou permitir que eles te desprezem por isso. Acho que sua ingenuidade é por falta de experiência. Você está no caminho certo, só precisa de encorajamento. "
"Eu ..." Jaelle tentou se lembrar de suas maneiras. "Obrigada, sua graça, por isso. Mas não sei o que fazer. "
"Se não tiver certeza de alguma coisa, venha até mim."
"Mas eu não quero ser um incômodo — quero dizer, sim, sua graça, eu irei. Eu ... sinto muito por continuar cometendo erros. "
"Está tudo bem. Você é muito parecida com alguém que conheci uma vez. "
"Quem, sua graça?" Michael começou a enrolar o mapa.
"Não podemos ficar aqui conversando a noite toda", disse ele, sem responder. "Deve se apressar, Capitã."
Atordoada, Jaelle fez uma saudação e saiu da tenda. O vento agitou as fogueiras do acampamento e as lâmpadas do pavilhão piscaram.
Jaelle vacilou logo depois da soleira. Ela não tinha certeza do que esperava, mas não era isso.
"Eu disse a você", disse Legion, "Capitã." Ele piscou.
"Você vai se dar bem." Myriad, com seu jeito calmo e gentil, sorriu em igual encorajamento.
Jaelle tentou retribuir o sorriso de agradecimento, depois dirigiu-se aos grupos de fogueiras no acampamento suspenso, deixando-os conversando.
Seus passos eram lentos. Ela pensou no capitão Ariya, na violência desenfreada que levou à sua desincorporação. Depois, pensou no príncipe e na com que calma ele enfrentou a mesma violência. Nenhum dos exemplos parecia certo, pelo menos não para sua própria natureza. Onde tinha chegado ali? Ela não estava tentando chamar atenção. Ela certamente não estava tentando se tornar uma capitã. Ela nunca se preparara para liderar.
E, no entanto, momentos de liderança surgiram naturalmente nas horas seguintes. Jaelle não sabia dizer por quê, mas percebeu que gravitava em torno de grupos de soldados no acampamento, fazendo check-in, colocando a mão em um ombro ou braço onde parecia necessário, às vezes apenas dando um ouvido solidário ou reunindo outras pessoas para conversar.
Matarael a encontrou não muito depois. Ele ficou feliz em falar aos outros assim que se certificou que ela estava inteira. Outros também se destacaram no grupo de Ariya, e Jaelle os descobriu a seguir. Noel, Sagiya, Hananel ... Eles eram bons com sonhos. Alguém teria que ajudá-los a se protegerem dos pesadelos.
Aquilo lhe rendera um pouco de perícia em guerra, mas, decidiu Jaelle, ela ainda não era boa o suficiente como soldado. Ela só teria que ser uma guardiã por enquanto. ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
Notas da Autora: (1) Obra de arte: Doré, Gustave, "The Destruction of Sennacherib's Host" (1891), enviado para Wikicommons.org em 14 de novembro de 2018 e acessado em 20 de junho de 2020. (2) Meu headcanon é que alguns lordes demônios abandonaram até mesmo seus nomes quebrados para usar os nomes de tiranos que eles amaldiçoaram, como forma de se gabar. Amalek foi um criminoso de guerra.
Capítulo Original
8 notes
·
View notes